Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 5
Gelos e Névoas


Notas iniciais do capítulo

"Se a vida te derrubar, vire-se e contemple as estrelas" - Anônimo



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Benjamin

Voltando ao dia que o médico me chamou para fora do quarto... Preciso confessar que eu fiquei muito surpreso e ansioso do motivo dele querer conversar logo comigo, por que eu? Será que é alguma coisa grave? Foi o que pensei na hora. Então, com o coração na mão, saí com ele sem nem me despedir dela.

Do lado de fora, percebi pela primeira vez que ele segurava vários papéis, envelopes e documentos, notei também um raio-x diferente de um cérebro e foi justo esse que o doutor colocou na minha mão. Daí, começou a falar em língua de médico, pedi para ele traduzir, e assim fiquei “que?” . Fui embora muito confuso. Tá bom, vou contar o que descobri, sem enrolar mais: ela não se lembra nada da vida antes do acidente. Pronto.

É por esse motivo que fui embora sem me despedir dela. Eu demorei algumas horas para processar e concluir que eu não estava sonhando. Era tudo muito bizarro: o problema de uma menina que eu mal conhecia era muito real e tinha acabado de saber que era a única pessoa que ela tinha um mínimo de confiança, tirando os médicos; o “problema” acabou virando meu também. Quando fui visitá-la de novo, tentei esconder todo o peso, mas ela acabou percebendo, e achei que bem até demais. Menina esperta. Não quis falar nada sobre isso, porque não queria que ela soubesse que eu sabia. Era complicado, era uma questão de confiança, eu não tinha ideia de como começar, tipo:

“Você não se lembra de nada antes do acidente, que pena. Quer falar sobre o que? Ah é, você só conhece o hospital e não tem mais o que falar sobre ele. Nem seu nome você sabe... Nem o próprio nome! Quem não sabe o próprio nome? Como se vive desse jeito? Talvez sente um vazio?” Pois é, surtei um pouco.

Pelo menos, nos outros dias, consegui disfarçar melhor, eu acho, já que ela não fez mais perguntas.

Algumas semanas depois, eu estava fazendo almoço, macarrão e carne moída, quando minha mãe brotou no meu apartamento. Meu irmão que atendeu a porta.

— Estava estudando. – Disse assim que deixou ela entrar.

— Desculpa, vai ser rápido. – Comentou, sentando no sofá e tirando tudo que apertava, bolsas, sapatos e casaco, ficaram espalhados pelo chão. Se queria que fosse rápido, por que parecia que ela ia dormir ali? – Fabrício vai fazer aniversário amanhã e querem fazer festa surpresa para ele. Então, precisamos ir para lá hoje.

— Pra casa dele? – Perguntei. Imaginei que seria suspeito se a família inteira aparecesse lá um dia antes do aniversário, ficaria claro que teria uma festa e se não tinha nada planejado, ia dar errado.

— Não, idiota, vai ser suspeito. – Alex respondeu, enquanto gesticulava.

— Vamos para casa da tia Joanne e ele vai para lá amanhã. Então, arrumem suas coisas, precisamos sair antes de escurecer se não vamos pegar trânsito. – Minha mãe saiu falando enquanto ia para o banheiro.

Voltei a me concentrar na comida. Pensava em algumas desculpas para não ir, nem tinha saído de casa, mas já queria ir embora. 

— Você não tava estudando? – Olhei de soslaio para Alex que parecia procurar alguma coisa pela casa, devia ser para a viagem ou festa.

— Eu sei equilibrar minhas responsabilidades. Vou estudar durante a viagem. – Deu de ombros. – E você?

— Vou ficar. – Respondi e minha mãe saiu do banheiro na hora. Sua expressão não era nada legal. – Tenho muitas coisas para fazer hoje de noite.

— No mínimo. – Ela deu uma pausa e se aproximou para pegar um prato. – No mínimo, você poderia fingir que se importa.

Meu irmão arqueou as sobrancelhas pra mim e continuou a fazer suas coisas. Me senti desconfortável na minha própria casa. Pode isso, Arnaldo?

— Não dá para cancelar. – Inventei.

Ela assentiu devagar, não parecia convencida, muito menos meu irmão. Mas nenhum dos dois insistiu para descobrir a verdade. Eles foram embora depois do almoço e eu liguei para o Kaio e uma amiga, lá da loja também,  chamando eles pra minha casa. Meus compromissos que não poderiam ser cancelados eram maratona de jogos e pizzas com sabores aleatórios.

Eles não demoraram a chegar. Kaio foi o primeiro, estava muito animado, como sempre. Trazia uma mochila nas costas, uma sacola de mercado e outra de plástico nas mãos.

— Cara, é só um dia. – Comentei depois de ver toda aquela bagagem, já pegando as sacolas para ajudar, estavam pesadas. – Por que isso tudo?

— Fugi de casa. – Sorriu e entrou.

— Não vou te abrigar, não. – Deixei os sacos no canto da sala. – Mora na rua, vai ser legal.

Ele riu, mas nós dois sabíamos que não tinha nenhuma verdade naquela conversa. Kaio não fugiu de casa, ele tem muito apego pelo quarto da infância e todo o conforto, e também se tivesse fugido, não deixaria ele ficar na rua. Provavelmente, fugiria com ele. Seria divertido, converso bastante com ele sobre isso, mas a razão sempre ganha, infelizmente.

Começamos a jogar e a comer, ninguém estava paciente para esperar a atrasada. Compromissos devem ser cumpridos. Até que ela chegou no final da tarde com apenas uma bolsa num braço e uma caixa no outro, e estava super aparente que ela estava irritada na sua expressão e no batuque dos dedos.

— E aí, Pipi? – Sorri e fiz um gesto para que ela entrasse. Pipi me encarou de cima a baixo e entrou, logo se jogando no sofá com tudo como se a casa fosse dela, mas nunca me importei com isso.

— Primeiro... – Levantou um dedo. – Já falei para pararem de me chamar disso aí.

— Mas eu nem falei nada... – Kaio tentou se defender, mas foi interrompido.

— Ainda não. E segundo... – Pausa dramática. Já falei que ela é atriz? Sem zoeira, é quase profissional, então é um pouco difícil saber quando ela está realmente irritada. Aliás, o nome dela de verdade é Pietra. – Eu não acredito que vocês começaram tudo sem mim, e eu ainda comprei essa pizza enorme para gente. – Apontou para a caixa em seu colo.

— Problema é seu. – Peguei a caixa e coloquei em cima do tapete da sala. – Ninguém mandou você comprar a maior.

— O que? Você falou que era para comprar a maior que ia vir muita gente. – Cada um pegou um pedaço e começou a comer. – Cadê todo mundo?

— Quando vocês vêm aqui, parece que tem muita gente, já deveria saber. Depois os vizinhos reclamam do barulho, acham que tá tendo festa, mas é só vocês gritando por causa de qualquer coisa.

— Ah nem vem, Benjamin, você também grita. – Kaio falava entre mastigadas e risadas.

— Que mentira, eu sou um anjo. Nem sei o que é gritar...

E assim, as conversas foram acontecendo e a noite pareceu passar mais rápida do que demorou para chegar. Jogamos, comemos e bebemos pela madrugada toda. Não tínhamos nos drogado, mas parecíamos chapados e foi quando senti o Sol atrapalhar minha visão que resolvi me abrir.

— Conheci uma garota.

— O que? – Os dois questionaram ao mesmo tempo.

Kaio pausou o jogo e ficaram ambos me encarando.

— Foi um acidente.

— O que? Você conhecer ela ou ela te conhecer? – Ele deu uma pequena risada e Pietra seguiu. 

— N-não, quero dizer, sim. – Me atrapalhei. - Não, não sei. Que tipo de acidente?

— Foi um acidente real? – Pietra perguntou mais séria. – Tipo com feridas e tudo mais?

— Sim, foi um acidente de carro.

— Mas ela está bem agora? Como você conheceu ela? – Ela parecia ansiosa.

— Explica tudo! – Kaio exigiu.

— T-tá. – Suspirei. – Eu vi o acidente e liguei para emergência e quando fui ver, tava no hospital esperando ela acordar. Aí quando ela acordou... foi naquele dia que eu fui embora correndo, sabe? – Olhei para Kaio e ele concordou. – Nós conversamos e aí eu vou quase todo dia lá, a gente conversa e eu tento animar ela, mas...

— Mas...? – Ele questionou.

— Não sei. – Dei de ombros. – Não sei, tá ficando difícil. Acho que tem dias que ela que precisa me animar. É estranho, eu só quero ajudar.

— Ela não tem mais ninguém? – Meu amigo estranhou.

Nessa hora, não soube o que responder. Achei que estava revelando demais sobre ela, queria ter parado, mas não aguentava mais segurar sozinho. Então, só dei de ombros mais uma vez e fiquei observando a cidade pela janela ainda sentado no meio da sala.

— Por que você não faz uma surpresa para ela? – Kaio sugeriu. – Dá alguma coisa que ela possa usar no hospital, que faça ela se sentir bem.

Foi daí que surgiu a ideia da peruca. Consegui uma mais tarde. Porém, antes, ainda conversamos mais sobre esse assunto, sem que eu dissesse mais nada sobre ela estar sem memória, ou só ter eu como conhecido e suas condições.

Fui para o hospital muito animado para dar a peruca para ela e o resto vocês já sabem. Ah, falta o motivo da minha reação. Então, ela de peruca me lembrou alguém, me causou um efeito igual aquele dos olhos quando a conheci, de estarmos sempre nos esbarrando, etc. Achei que ela ficou bem bonita também, senti meu coração acelerar e eu mesmo não entendi o motivo, então mudei de assunto.

— Então, eu sumi porque... – Como começar? Sem mais enrolação, Benjamin! – Lembra aquele dia que o médico me chamou? – Ela concordou com a cabeça. – Ele me mostrou alguns exames seus e me explicou. – Você consegue, continua! – E ele me contou que você... você está, desculpe. – Suspirei. – Você está sem memória de antes do acidente.

Eu não sabia se ela estava surpresa, em transe, ansiosa, assustada ou outra coisa. Só sei que ela ficou me encarando sem expressão nenhuma, pensei que tivesse tentando entender.

— E eu meio que tive um pequeno surto, bem pequeno, nada demais, e não consegui vir aqui por uns dias. – Desviei o olhar. – É, fiz isso mais de uma vez. Sinto muito por te deixar sozinha.

Fiquei esperando uma reação, enquanto observava os detalhes do ambiente. Ela parecia pensativa, ou pior, tensa. De repente, ela respirou fundo e começou a falar contida, mas ainda tremendo.

— Olha, eu entendo se você achar que eu sou um fardo na sua vida... pode... não precisa voltar se realmente não quiser.

Não, não, não. Não era assim que eu queria que ela se sentisse. Comecei a balançar a cabeça negativamente. Eu não podia mais deixar ela sozinha.


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Notas finais do capítulo

E aí, gente? Sou eu, a Louisa, postando de novo. Tudo bem com vocês?
Quero aproveitar para agradecer a todos que estão acompanhando, aos que comentam e aos fantasminhas. Ajuda muito a gente a continuar escrevendo!
Então, espero que tenham gostado. Beijos e até a próxima!



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