Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 4
Uma Constelação Apagada


Notas iniciais do capítulo

"Se choras por não teres visto o pôr do sol, as lágrimas não te deixarão ver as estrelas." - Rabindranath Tagore



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É com muito medo de ser xingada que eu narro esse capítulo. Os leitores fãs do Benjamin que me perdoem mas essa parte eu vou precisar contar sozinha. Aconteceram várias coisas que me deixaram inquieta e eu precisava compartilhar isso com alguém. Cuspir o que estava me incomodando, sabem? Podem me cobrar a sessão de terapia que depois a gente se acerta.

Vamos lá, o médico foi fazer um exame diferente daquela vez... Ele soltou algumas bandagens e examinou minha pele. Não me disse se estava bem ou não, só saiu rápido e chamou o enfermeiro para que me colocasse novas ataduras. Deu-lhe ordens também para me guiar depois até a sala de eletroencefalograma. Foi tudo muito rápido e metódico, não consegui me sentir à vontade para perguntá-lo sobre como estava meu rosto, então tirei a dúvida com o enfermeiro mesmo. Enquanto me guiava para fora do quarto, foi explicando que era cedo para os pontos das cirurgias plásticas terem cicatrizado, mas que em breve eu estaria com a pele novinha em folha.

— Mais do que eu provavelmente queria. - Comentei, mais uma vez tentando fazer piada com minha desgraça. Ao menos, brasileira eu tinha certeza que era.

Confesso que fiquei feliz por poder sair daquele quarto, mas pensei que Benjamin estaria do lado de fora. Quando não o vi em lugar nenhum, perguntei para o cara de jaleco branco que me apoiava pelo braço onde meu novo amigo estaria. Ele riu dizendo que esperava que minha felicidade por sair daquele quarto fosse maior que a vontade de ver o cidadão que tinha acabado de falar comigo. Depois de recuperar o fôlego (ele realmente achou que tinha falado algo muito engraçado) disse que Benjamin devia estar conversando com o médico. Depois me orientou a esquecer o tchau não dado pois eu precisaria dormir para que a máquina que havia na sala onde acabávamos de entrar lesse minhas ondas cerebrais corretamente.

— Sabe-se lá quando vamos conseguir outra vaga para fazer esse exame. O plantonista que te atendeu quando chegou aqui acidentada já tinha posto seu nome na lista, sabia? E ainda agradeça o milagre de ter conseguido um quarto só para você! - Aí se empolgou e reclamou mais um monte sobre as condições do hospital enquanto me dava um sonífero. Só ouvi o início do discurso e depois apaguei.

Acordei só no dia seguinte, já de volta no meu quarto. Me senti bem mal por não ter me despedido de Benjamin. Pode parecer melodrama mas ele era a única pessoa que eu tinha. E pior que nem sabia o telefone dele para saber quando voltava. Bem, não demorou muito. De tarde, já tinha voltado a cochilar pelo tédio da vida de quem vive hospitalizado quando resolvi me virar na cama e levei um baita susto: o maluco estava lá com a cara praticamente grudada no meu travesseiro. Entrou sem fazer barulho. Óbvio que dei um berro absurdo de susto.

— Ei, calma, calma! Eu não estou vindo aqui para que você morra de um ataque do coração! - Falou meio assustado por meu berro também, mas tentando brincar. Só então, ainda ofegante de susto pude notar: tinha alguma coisa errada com ele. Sabe quando alguém fica tentando sorrir mas claramente está com aquele olhar baixo e abatido? Pois é, essa era a descrição do meu visitante de cabelos ondulados naquele momento. Disse desengonçadamente que tinha dado o nome na secretaria no dia anterior como meu acompanhante oficial, então poderia entrar e sair de lá a qualquer horário. E depois ficou quieto, apático. Era impossível não perceber que havia algo bem errado com ele.

— O que o médico conversou contigo? - Se eu já tava muito curiosa para saber, o humor do Benjamin só piorou a situação.

— N-nada. Você não tem seus segredinhos? Pois eu também tenho os meus. - Continuava tentando fazer graça. Com o maldito desânimo na maneira como falava que não parecia em nada com o espírito solar que eu tinha conhecido nos outros dias. Infelizmente, eu realmente seria hipócrita se pedisse que ele me contasse o que escondia, então não tive alternativa senão tentar mudar o rumo da conversa. E rapidamente entendi que ele era bem melhor para mudar de assunto do que eu. Talvez por efeito do trauma no meu crânio, o fato é que não conseguia pensar em nada legal para falar, só vinham a cabeça várias perguntas com certeza pessoas e precipitadas demais. E ficamos lá igual dois seres sem vida sem ninguém abrir a boca. Só faltava uma mosca passando e zumbindo para fechar a cena ridícula. Já me sentindo incomodada com aquele silêncio, não me segurei e repeti agoniada a pergunta que já tinha feito:

— Aghnn, custa tanto falar para alguém que não tem a menor condição de fazer algo de ruim contigo o que o médico quis falar com você ontem? Desculpe, não quis dizer que você vá fazer, é só que... achei bem estranho o modo como ele me examinou e correu para falar contigo. Quer dizer, a gente nem conseguiu se despedir… - Talvez o único lado bom de ter ficado cheia de ataduras na cara é que não se tinha como ver minhas bochechas ficando vermelhas por medo de passar por carente. Um medo idiota nas minhas condições, eu sei. Porém, fazia tanto sentido como tudo que eu lembrava da minha vida.

— Ah, nada de mais. - Pronto, aí o garoto ativou sua habilidade mágica de trocar de assunto - Quer dizer então que eu te fiz falta? - Falou com uma cara marota.

— Não fica se achando! - Eu respondi rapidamente. Óbvio que eu ainda não estava pensando direito porque essa resposta era o atestado de que eu realmente estava dando muita importância para ele. Ao menos, fez ele voltar a sorrir de verdade. É sério, se teve algo que descobri com aquela pequena convivência é que ver Benjamin sem bom-humor é uma das coisas mais bizarras do mundo.

— Cara, é sério que nesse estado você tá preocupada comigo?

Pronto, já estava voltando a ficar engraçadinho.

— Eu preciso me preocupar com alguma coisa que não tenha haver com hospital para não pirar, ok?! - Comentei levantando a mão como se estivesse me rendendo. Nesse dia acabamos assim, brincando um com o outro, mas sem ninguém tocar nos problemas reais que nós dois tínhamos. Nesse dia e nos seguintes. Apesar de irmos ganhando confiança aos poucos, pude perceber que desde a tal conversa Benjamin começou a tomar certo cuidado, como se apesar de ir me ver todos os dias precisasse manter uma medida de segurança de mim que não tinha nos primeiros dias. Eu tentei ignorar de verdade mas aquilo estava me deixando muito ansiosa. Talvez até mais que a espera pela minha alta, já que eu não tinha exatamente para onde ir.

Até que alguns dias ele simplesmente não apareceu. Caramba, foi aí que a ficha do meu estado bateu. Porque eu simplesmente não conhecia mais ninguém para substituir a companhia desse rapaz. Só poderia pensar em conhecer quando saísse do hospital mas… para onde eu iria? Mal e porcamente ouvi dois funcionários comentando que o trânsito de Niterói era ruim, essa era a única localização que eu tinha. E por que depois de mais de uma semana do acidente ninguém vinha me procurar?!

Nesses dias entre milhares de exercícios de memória sem grandes resultados e exames neurológicos falhos, estava vindo uma faxineira limpar meu quarto sempre com um radinho de pilha ligado. Acabei certa vez escutando o narrador de uma estação falando sobre a carreira meteórica daquela cantora que o Benjamin gostava. Pelo jeito a estação fazia um concurso: o fã que se revelasse mais apaixonado por ela ganharia um kit com cd, dvd e pôster. Comecei a chorar. Tanto por ter lembrado de um certo fã-boy que sumiu sem avisar, quanto por sentir o contraste entre tanto amor de várias pessoas por alguém que nem conheciam e eu aqui sem nem saber meu nome, ou pior: se alguém me amava. Acabei pedindo para que a moça desligasse o som porque aquilo estava perturbando bastante minha mente, mais até do que deveria. Ela, por sua vez, resmungou muito dizendo que os pacientes deveriam ser mais empáticos com quem cuida deles e aceitarem músicas de qualidade. Claramente mais uma fã desse vírus que era essa tal Riley.

Olha, mas francamente, se essa cantora loira aparecesse na minha frente, corria o risco de levar uma bela bicuda. Mano, ela parecia até ter uma voz boa, mas como usava auto-tune, senhor! Eu precisava que admitir que suas músicas eram boas; justamente por isso sabia que não precisavam dessa batida repetitiva que não sai da cabeça. Ok, talvez eu estivesse num momento de inveja, mas o fato é que “péssimo” não define tão bem como estava meu humor naquele dia. Na manhã seguinte fiz questão de tentar dormir o máximo de tempo possível. Aí justamente quando já estava me resignando, o lindo apareceu! E sorridente, alegre, como se nada tivesse acontecido.

— Oiii! Até canto hoje se adivinhar o que eu trouxe!!!

Fiquei encarando aquele rosto seboso sem acreditar. Ele prosseguiu “normalmente”:

— Da última vez em que estive aqui fui falar com o plantonista e ele me disse que em pouco tempo não estará mais precisando usar esses esparadrapos do rosto. - Ele explicava puxando algo de dentro de uma sacola. - Então tomei a liberdade de arranjar isso aqui.

Em suas mãos havia uma peruca. Era longa, castanha e beeeeeem descabelada. Continuei esperando qualquer explicação.

— Olha, eu sei que não está uma belezinha, mas se a gente der uma escovada… foi a melhor que eu consegui. - Finalmente ele franziu o cenho sem-graça. - Ainda não dá para saber a cor exata do seu cabelo real, já que está tão… curto, só que pensei não ser uma boa esperar saber para crescer. Ok, não precisa me olhar com essa cara, se não quiser eu taco essa ratazana fora e…

— Sumiu esses dias todos para… catar uma peruca?

— Éeer… também.

Nesse ponto, a enfermeira do dia, baixa, robusta e sorridente bateu na porta.

— Desculpe interromper a visita, mas estava justamente aguardando um momento em que não estivesse sozinha para fazer isso. O dr. Abreu me deu ordens explícitas para retirar os curativos da mocinha aí e num momento delicado desses é sempre melhor estar junto de alguém que a gente conhece e confia.

Benjamin me encarou apreensivo e sorridente. Se confusão é um fator que prejudique a memória, aquele dia adiaria muito o retorno da minha. Se não bastasse essa criatura fingir que nada tinha acontecido, agora eu teria que ver como tinha ficado meu rosto? “Conhece e confia!” Queria que realmente fosse assim. Estava assim atordoada até que Benjamin pegou de leve na minha mão.

— Vamos lá! Não quer voltar a ver seu rosto no espelho? - Disse com seu melhor sorriso. AQUELE sorriso contagiante. Por mais frustrada que estivesse com ele, tive que lutar para não sorrir de volta para aquela carinha de menininho sapeca. Consegui me concentrar e falei séria:

— Antes me faça uma favor: prometa não sumir mais desse jeito! É sério, ao menos avisa, manda recado pelos enfermeiros. Eu já tenho muito com que me preocupar quanto a mim mesma.

— Foi mal, acho que eu realmente pisei na bola. Eu posso te explicar… depois de ver esse rostinho bonito!

Eu ri. Como ele conseguia lidar de maneira tão leve com momentos tão críticos? Me levantei um pouco nervosa. A simpática e empolgada enfermeira pediu um pouco de espaço para Benjamin porque precisaria tirar alguns pontos antes de mostrar meu rosto. Conforme ela seguia os procedimentos, ia me contando animadamente que foi fazer enfermagem por não ter nota para medicina, mas que acabou amando o curso e não trocaria por nada. Realmente ela tinha jeito para a coisa porque eu até me distraí por algum momento do que ela estava fazendo. De repente ela começou a imitar algum híbrido entre cabeleireira e estilista de moda andando ereta envolta da cadeira onde eu estava e me virando de um lado para outro como se fosse mostrar a mais nova Gisele Bündchen para o mundo agora. Gargalhei porque tinha certeza de meu rosto estaria uma bela droga. De repente ela chamou Benjamin, pedindo “essa coisa peluda que você trouxe”. Pôs na minha cabeça e começou a escovar, ajeitar, jogar de um lado para outro se mexendo espevitada tapando toda minha visão.

— É sério, não precisa disso, eu aceito como estiver e…

— Voilá! - Ela não me deixou terminar de falar e pôs um espelho bem na frente da minha face.

Eu demorei a entender o que estava vendo. Depois me surpreendi. De verdade. Fora o formato mais alongado do meu nariz, como o de quem faz plástica, e uma pequena cicatriz no canto do lábio de cima, ninguém diria que meu rosto foi reconstituído. Quer dizer, minha pele estava um pouco vermelha e com alguns machucadinhos, porém, nada como poderia estar depois de tanto tempo coberta. Para completar, a mulher daria uma boa cabeleireira porque os fios daquela peruca usada e despenteada, estavam caindo pelo meu rosto ainda um pouco bagunçados mas de uma maneira que destacava meus olhos verde acinzentados. Aquilo realmente foi uma surpresa para mim; tinha ficado desesperada quando soube que tinha ferrado com a minha cara mas sinceramente já estava resignada com a ideia de que teria que andar pela rua igual ao Edward Mãos-de-Tesoura. Não imaginaria aquele rostinho do espelho jamais. Será que minha aparência original parecia com aquilo? Eu sabia que a moça estava aguardando um comentário positivo, mas a surpresa não me deixava falar. Só sorria idiota.

De repente captei olhos curiosos no canto da imagem do espelho. Percebi que Benjamin também estava surpreso com o resultado. Mais que isso: estaria desconcertado?

— Bem, vou deixar vocês curtirem o visual aí. Só me chame quando estiver saindo, rapaz, porque preciso refazer alguns curativos, a pele dela ainda está sensível para ficar muito tempo exposta. - E realmente saiu tão de repente quanto entrou.

Benjamin, que até agora não conseguia parar de olhar para minha cara balançou rápido a cabeça e limpou a garganta.

— Éeer… ficou bem bacana, quero dizer, quem diz bacana hoje em dia? Ficou supimpa. Não! Le-legal , não um “não-legal”, mas um legal bom e… argh, esquece! Que que eu tô falando? AH! Eu preciso te explicar porque sumi esses dias, é isso! - Exclamou feliz por ter finalmente achado algo para falar. Mas parecia que a lembrança do motivo fez sua cara fechar de novo.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoas! Sou eu, a Louisa, pela primeira vez falando com vocês, e aí? Tudo bom?
Esse capítulo foi inteiramente escrito pela S Queen, maravilhosa ela né?
Espero que tenham gostado e por favor, não esqueçam de deixar um comentário, nem que seja um "gostei, continua", já deixa a gente muito feliz.
Beijos!



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