Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 29
Satélite


Notas iniciais do capítulo

"Nada no universo é insignificante" - Schiller



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 Em um momento, tinha um cara esquisito insistindo na porta de casa que conhecia a mãe da minha namorada e que queria falar com ela. No outro momento, Rita foi com ele. Depois, estava eu gastando o fim do meu salário dentro de um táxi checando onde o maluco tinha levado minha namorada. Não foi difícil porque ela me passou o endereço pelo celular. Acabei em frente a um jardim enorme e incrível com piscina, churrasqueira e tudo mais que possa haver no mundo de chique. Me senti num programa do Amaury Jr., ou num daqueles filmes de comédia americana com personagens ricos, que uma hora estão na piscina de casa, e em outra, numa praia da Califórnia.

 E ainda havia uma mansão, por trás do jardim. Uma mansão! Até esse dia, eu ainda duvidava da existência de mansões, achava que era invenção de Hollywood para nós pobres meros mortais sonharmos em sermos ricos para termos ar condicionado em todos os cômodos. Olha se minha casa fosse assim, eu acho que não saberia nem o que a palavra “calor” quer dizer. Enfim, quando fomos fazendo o tour pelo casarão, eu fui reparando também em como tinham objeto de decoração ali que deviam custar mais que todos meus órgãos no mercado negro; como vasos, gatos de porcelana, plantas falsas, quadros clássicos, livros com capas grossas... aposto que o pessoal ali até esquecia deles. E só mais um detalhe que eu reparei que eu preciso falar, mano, como tem gente trabalhando naquela casa. Esse povo todo faz o que? Eu fiquei pensando, aquela casa devia ser só da Riley e da mãe, se uma não estava mais morando ali, para que tanto trabalho? É sério, devia ter gente até para limpar os dentes da coroa, porque não é possível!

 Assim que me deparei com Edgar, Rita e uma mulher loira na faixa dos 60 anos, saí perguntando como faziam os clipes e shows desde que minha namorada sumiu. Sim, eu perguntei. Foi a mãe dela que me respondeu dizendo que já tinham as gravações prontas e datadas para lançar em contratos caros com os patrocinadores. Mas sei lá, a forma com que ela falou foi bem estranha. Eu não culpo ela por ter sido meio grossa, porque eu interrompi o momento de ouro dela com a filha. Só a mudança no tom de voz que foi bizarra, sabe? Enfim, só estou destacando isso, porque depois de fazermos um tour pelo palácio da princesa Riley, ela foi no banheiro, enquanto ficamos eu, a mãe dela e o tal do Edgar na sala (que se alguém entrasse pelos fundos, levava meia hora para chegar).

 Assim, que ela saiu, os dois falaram que queriam conversar em particular e me deixaram sozinho na enorme sala. Porém como eu sou curioso, resolvi continuar a explorar o lugar. Andei pelos corredores e eis que escuto a seguinte conversa perto de uma porta aberta.

— Não, não vamos fazer diferente. – Ouvi a mãe dela falar irritada. - A gente tem que aproveitar que ela não lembra...

— Você acha mesmo que ela não lembra de nada, Cíntia? – O tal do Edgar perguntou.

— Claro que sim, olha o jeito que ela fala comigo. – respondeu rápida, quase que eu não entendi o que ela falou. – Vamos fazer o mesmo e se...

 Parei de prestar atenção, quando ouvi passos e tomei um susto. Era minha namorada com a intenção mesmo de me assustar, porque estava com um sorriso bobo no rosto. Fazia uma carinha muito fofa, então não resisti e roubei um beijinho daquele ser humano incrível que eu esperava muito não ter a mãe que eu sentia que tinha na realidade.

 Depois disso e mais umas conversas com todos juntos na sala como uma família brasileira feliz, acabei deixando minha namorada conversar melhor com a mãe e saí de lá correndo para o teatro. Se eu furasse com a Pipi de novo, eu teria que botar planos de fugir do país com Kaio em prática e tenho certeza que para onde quer que nós fossemos, ela nos acharia e acabaria com a gente de formas que só ela é capaz de imaginar. Então, logo que cheguei no lugar, mandei mensagem para a criatura que assim que me viu, me puxou pelo braço toda empolgada para apresentar o diretor, que me introduziu logo aos membros da companhia.

 Estavam rolando alguns exercícios de aquecimento e o diretor disse que queria fazer algo de diferente naquele dia. Ao invés de começarem o ensaio para a peça, ele pediu para gente fazer uma cena curta em minigrupos e depois improvisar, porque queria fazer um teste comigo ali. Acabei me perdendo em algumas cenas, mas conseguia fazer o que devia ser feito: improvisar, é claro.

 No final do exercício, o diretor foi conversar sobre detalhes da próxima peça deles com uns atores e aproveitei para me sentar na beirada do palco, de frente para a plateia. Lembrei da minha infância em apresentações  de escola. Em como eu adorava estar ali em cima do palco, vestindo personagens com meus amigos. Eu sentia que podia viver outras vidas e visitar outros mundos, podia despir de mim por umas horas e ser quem eu quisesse. Não que eu não gostasse de ser quem eu era, mas sim porque era muito prazeroso poder experimentar tantas personalidades diferentes. Já tinha sido uma árvore e uma abelha cantoras, um dos três mosqueteiros, filho de nobres e de outras pessoas em peças, o primo chato e o irmão protegido do protagonista, e até o Pinóquio e o Peter Pan. Estava viajando com a Terra do Nunca quando o diretor veio conversar comigo.

— Você já fez teatro antes, certo? – ele começou, se sentando ao meu lado.

— Sim.

 

— Não faz há quanto tempo? – o cara era sério como a Pietra falou.

— Faz muito tempo, mas não chega a ser dez anos. – dei de ombros. - A última peça que eu fiz eu era adolescente ou quase, eu acho.

— Olha, você não foi mal. – Mas também não fui bem, né? – Se você quiser mesmo participar e melhorar, só vou pedir que chegue por volta de uma hora mais cedo aqui nos dias de ensaio para eu te passar mais umas lições.

— Amanhã uma hora da tarde então?

— Exatamente. – respondeu se levantando e assobiando para que todo mundo se reunisse de novo, então virou para mim e anunciou. – Você vai ser um dos ratinhos da Cinderela.

 Olhei para Pietra e encontrei ela rindo da minha cara sem fazer nenhum esforço para se segurar.

— Vou roer suas roupas quando você tiver dormindo. – ameacei ao me aproximar dela que ainda ria.

— Eu sou a Fada Madrinha, esqueceu? Você não pode roer minhas roupas se nem sabe onde eu moro. – rebateu com um sorriso aberto no rosto.

— Então eu vou fazer xixi em você quando tu aparecer para perturbar a Cinderela e te passar leptospirose.

— Que horror, Benjamin. – me deu um empurrão de leve. – Como ela faz mesmo? Sin sa la bin, agora você é um rato mudo. – fez os gestos com as mãos como se fosse mesmo mágica.

— A peça não é algo sobre Cinderela nos dias atuais e na vida real? Você não tem poderes mais, Pietra, eu ainda posso falar. – respondi e ela fez uma expressão emburrada, enquanto balançava a cabeça devagar e cruzava os braços. – Acabou para você.

— Ai, cala a boca e só preste atenção no instrutor, ratinho, antes que ele te rebaixe ao sapatinho de cristal da Cinderela. – comentou, apontando com o olhar para uma menina de cabelos longos do nosso lado. – Ela que é Cinderela. Já vou logo te avisando que ela tem chulé.

 Logo, eu vi a garota virar para Pietra e dar um tapinha nela. Após isso, nós ficamos quietos e passamos a ouvir o que o tal instrutor falava. Em seguida, eles ensaiaram, enquanto eu fiquei só observando e no fim, acabei sendo chamado em uma cena, antes de todos serem liberados. Então, quando estávamos saindo do teatro, Pietra comentou:

— Para quem não faz isso há anos, você foi ótimo. Já pensou em ser dublador E ator profissional?

—Eu vou continuar com isso pela prática. Meu foco é a dublagem. – respondi, dando de ombros e acrescentei na zoeira. – Também se eu tentasse ser ator, eu logo seria escolhido para ser protagonista e roubaria toda a atenção, não daria nem para você, Pipi.

— Ah tá bom, convencido. – ela riu e revirou os olhos. – Esqueceu que eu sou o talento em forma de anjo?

— Não seria “pessoa”?Depois eu que sou o convencido, né? Pietra e anjo na mesma frase, só se ela tivesse zoando com um.

— Não, eu sou boa demais para me misturar com vocês, meros mortais. – disse, erguendo a postura, como se pudesse ficar mais alta e superior assim e antes que eu pudesse negar ou fazer uma piada, ela se apressou em mudar de assunto. – Esquece a carona do seu irmão ou o ônibus, e vem para minha casa para gente jogar videogame, ouvir música e sei lá o que mais vocês quiserem fazer.

— Eita, calma aí com as ideias... Vocês quem?

— Rita, Kaio, Suzana e só, porque não sou nem doida de chamar mais que isso e depois quando eles forem embora, eu nem reconhecer mais minha casa de tão suja que ela vai estar. É uma boa para comemorar sua admissão na companhia e a memória da sua namorada, certo? É só chamar eles, aposto que topam. E vai que a cantorinha faz um show VIP para a gente?!

 Assim, nós caminhamos para a casa de Pietra que ficava a poucos quarteirões dali. Chegando lá, ao abrir a porta, levei um susto por ter sido recebido por vários latidos e pulos do cachorro de Pipi que se chama Xixi. Não, é brincadeira. Ele se chama Gatão e dessa vez, é sério. Ele é um labrador de pelagem escura e é enorme, mas ela o trata como um bebê mesmo ele não sendo filhote há anos. Quando eu a conheci, ele já não era mais.

 Enfim, entrei na casa dela que dava para uma sala toda arrumada e aconchegante com móveis de madeira, um sofá preto com várias almofadas coloridas nele e um tapete estampado que cobria quase todo o recinto. Cerca de uma hora depois, estávamos todos ali com música tocando no alto, eu e minha namorada jogando video game de luta, Pietra torcendo muito contra para mim para a surpresa de ninguém, Kaio e Suzana aprontando na cozinha com uma receita que pegaram da internet, e o bebê da casa dormindo tranquilo no colo de Pietra mesmo com toda a bagunça.

 Então quando Rita estava quase me ganhando em uma luta, eu senti meu celular vibrar algumas vezes, me distrai e perdi de vez. Quando fui olhar o que era, vi que eram mensagens da minha mãe.

“Você voltou para o teatro, né?” Dizia a primeira. Olha, eu não sei quem é o mais fofoqueiro da família, minha mãe, ou meu irmão.

“Eu quero conversar com você.” Enviou depois. O que ela queria conversar comigo? 

“Vem aqui me visitar quando puder pra isso” Colocou por último.

 Respondi um “ok” e fiquei olhando para tela. Fiquei bastante curioso, afinal quem não ficaria quando alguém te diz que quer conversar com você?Outra dúvida que passou pela minha cabeça foi o motivo de ter que ser pessoalmente. Mas larguei o celular e fui torcer a favor de Rita que estava acabando com Pietra também nos jogos. Essa garota não tem defeitos, não?      


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