Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 23
Buraco Negro


Notas iniciais do capítulo

"Who are we?
Just a speck of dust within the galaxy
Woe is me
If we're not careful turns into reality"
Maroon 5- Lost Stars



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Durante a última semana as coisas foram muito estranhas. Sentia como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa o tempo todo. Mas eu mesma nem sabia ainda direito quem EU  era. Benjamin tinha percebido imediatamente meu tormento mas não podia preocupa-lo. Sabia o quanto aquela semana era importante para ele. A chance de sua vida.

Enquanto isso, no meu trabalho, o chefe entendeu as questões de saúde, e não me despediu. Voltei a servir comida aos clientes, e tudo estava como até pouco tempo atrás eu sonhava. E essa falsa plenitude na situação era o que mais me incomodava naquele momento.

Como contaria para Benjamin? Como, se nem eu mesma compreendia? Apesar da culpa de não ser sincera, também tinha medo de me separar dele. Era tudo tão absurdo que as vezes me pegava rindo sozinha da minha desgraça.

Um desses dias, durante meu horário de almoço, liguei para Pietra, desesperada para desabafar com alguém que não fosse julgar meus neurônios. A conversa não poderia ter sido pior:

— Pietra, se eu fosse outra pessoa o Benjamin ainda gostaria de mim?

Ela levou alguns segundos para responder:

  —Como é? — e complementou irônica — Oi, Rita, tudo bem? Como foi seu dia?

Respondi com a voz mais patética que vocês possam imaginar:

— É sério! Você acha que ele gostaria de mim de qualquer jeito?

Outro silêncio.

— Sei lá. Cara, você realmente tá bem? Quer que eu chame um médico ou algo assim? Rita, tá me ouvin..

Já tinha desligado. Realmente não fazia o menor sentido o que estava fazendo. Aliás, minha vida não fazia mais sentido!

De qualquer forma, quando o fim de semana chegou, e Ben foi fazer seu teste, eu só conseguia me sentir bem por ele. Era tão bom vê-lo tão empolgado. Bom e perigoso. Assim que ele saiu comecei a voltar para meus pensamentos confusos, imaginando como seria se ele se resolvesse na vida e não me quisesse mais nem coberta com farofa. Balancei a cabeça. Precisava espairecer. Sem titubear muito, fui em direção à cozinha, buscar algum doce na geladeira para afogar minhas mágoas. Eis que eu escuto algumas vozes.

— Ahh, é pra isso que eu trabalho a semana inteira!

Na cozinha, encontro Alex e Kaio divindo uma generosa fatia de pudim. Como ele tinha entrado aqui?

— Rita! Junte-se a nós! Passei numa padaria mais cedo e trouxe isso aqui para fazer uma surpresa ao seu amorecuzinho pela audição! — disse o bff do meu namorado metendo mais um pedaço enorme na boca, sem cerimônias.

— Mas se o pudim é para ele vocês não acham que estão… comendo bastante?

— Ah, a gente estava provando, não é, Alex?

Meu cunhado só balançou a cabeça, sem graça e pediu licença porque precisava pôr em dia os deveres da faculdade. Fugindo da cena do crime. Me sentei na cadeira onde ele estava e notei que Kaio também trouxe um violão. Curiosa, perguntei se ele tocava.

— Ah, não, é do meu primo. Ele esqueceu lá em casa esses dias, e eu trouxe para zoar. Não precisa me dar sermão, daqui eu sigo para a casa dele.

Conversamos um pouco sobre amenidades, mas não pude conter meu impulso, e quando ele se levantou para buscar água, já estava passando meus dedos pelas cordas daquela belezinha. Minha voz estava se recuperando aos poucos,então para começar a cantar foi um pulo.

Comecei tirando alguns versos de “Estrelas Perdidas”, nome que dei à música que iniciou meu namoro com Benjamin, depois fui tocando aleatoriamente algumas que conhecia. Não tive a menor dificuldade em tirar os sons de ouvido no instrumento, tanto melodia quanto acordes. Ainda mais estando inundada a semana inteira de sentimentos tão confusos.

Kaio batucava um pouco na mesa enquanto me ouvia. Ele tinha ritmo. Ficamos assim por um bom tempo naquela manhã, aguardando Benjamin. Até que acabei puxando uma da Riley que ouvi naquela semana. Meu amigo no início não ligou muito, já estava até mexendo no celular. Mas quando entrei no refrão repetitivo, que demandava sempre a mesma frase no mesmo tom, ele começou a me olhar um pouco diferente. Eu não liguei muito de início, e no impulso, puxei outras que conhecia dela, as mais antigas, que me davam a sensação de familiaridade. A cada uma delas seu olhar ficava mais intrigado, e as grossas sobrancelhas se cruzavam mais. Não sabia exatamente porque ele estava assim, então continuei a tocar. Depois de um tempo, Kaio se levantou e eu continuei lá tocando livremente. Era intrigante como eu me lembrava com perfeição de cada nota. Ainda bem que ele não tinha como ler meu pensamento.

Ao terminar a última que me veio à cabeça, coloquei o violão debaixo da mesa e voltei meu olhar para a minha frente, onde ficava o batente da sala. Eu não tinha reparado, mas Benjamin havia chegado nesse meio-tempo. Kaio estava do seu lado me olhando ainda curioso, mas meu namorado me assustava mais: pálido, estacado, parecia que olhava um fantasma. Me levantei rápido preocupada.

— Hey, tá tudo bem? Como foi o teste? Você parece abatido, sua pressão caiu?

Guiei-lhe até o sofá na sala, segurando em sua mão. A maneira como ele apertou a minha foi muito forte e significativa.  Peguei um copo d’água correndo e trouxe para ele. Levou alguns minutos até que ele se recompusesse e contasse sobre o teste. Tinha ido tudo bem afinal. Mas o olhar perdido não saía da cara dele.

— Benjamin, se não foi o teste, então o que foi? Sua cara tá me preocupando desde que você entrou aqui.

Ele tentou falar, mas não saiu nenhum som articulado. Nem adiantou gesticular, se concentrar, só saiam no máximos coisas próximas de grasnidos. Kaio que se adiantou e foi direto ao ponto.

— Sua voz está quase idêntica à da Riley.

Fez-se silêncio.

Comecei a rir.

— Sabendo o quanto vocês curtem a chata, vou levar como um elogio. Mas o que isso tem haver com essas caras?

Benjamin, me observou cauteloso. Parecia escanear cada pedaço do meu rosto, e do meu corpo com uma atenção quase assustadora. Depois de outro silêncio perturbador ele falou baixo, meio inseguro:

— É… bizarro. Bizarramente parecida. Parecia… sei lá, pode ser coisa da nossa cabeça, já ouvimos você cantar tantas vezes. Mas o fato é… — respirou fundo — parecia que eu estava ouvindo a própria Riley.

Ri de novo e dessa vez foi alto. Por puro nervoso.

— Peraí, vocês estão me tirando, né?

A expressão facial que os dois trocaram foi bastante significativa para que eu soubesse que não estavam. O terceiro silêncio constrangedor em um intervalo de tempo menor do que 15 minutos se deu, até que Kaio pigarreou, e foi saindo de mansinho com o violão,dizendo que precisava deixar nos deixar sozinhos. Lindo, liga a bomba e depois vai embora!

Antes que eu desse por mim, Benjamin segurou carinhosamente a minha mão como fazia quando nos conhecemos no hospital. Parecia um pouco mais calmo. Encostei minha cabeça no ombro dele.

— Você não acha que…

— Eu sei que seria absurdo, mas você estava cantando MUITO igual. Poderia… Poderia cantar um pouco de “Estrelas Perdidas” novamente? E depois, qualquer uma da Riley?

Estranhando, fiz o que ele me pediu. Ele me observava atento, como se me enxergasse pela primeira vez. Parei abruptamente quando notei que lágrimas ameaçavam cair de seus olhos. Beijei-o na mesma hora.

— Benjamin, calma. Não vamos tirar nenhuma preocupação precipitada.

Ele manteve o rosto próximo do meu enquanto eu falava, respirava fundo, e me apertava forte nos seus braços. Nenhum dos dois ousava afirmar a hipótese sem o menor sentido que corria ali. Mas nós dois sabíamos que pensávamos a mesma coisa.

Seria a ironia mais absurda da História e da Literatura brasileira!

Benjamin começou a mover as mãos pelos fios de minha peruca, carinhosamente. Fechei os olhos. De repente, como uma obstinação que nunca vi ele tendo, me enlaçou pela cintura, e ergueu contra o corpo dele. De um giro, me guiou até a parede da casa com um espelho, me prensando ali. A mão que ainda estava na minha nuca puxou a peruca.

Já haviam se passado alguns meses desde o acidente e a cirurgia craniana, que fez os médicos rasparem meu cabelo. Agora por debaixo dos fios sintéticos já era visível um volumoso chumaço loiro e liso que brotava diretamente do meu próprio couro cabeludo. Benjamin riu transtornado, olhando a peruca em sua mão e meu curto cabelo real.

— Arranjei um cabelo moreno e cacheado. Errei miseravelmente.

Seu olhar agora era triste. Eu tentei desconversar falando que de qualquer forma, como ainda estava bem curtinho não dava para ter certeza, mas ele se afastou balançando a cabeça, deixando-se ficar transtornado e observando firmemente minhas íris azul-esverdeadas. Tive que apelar e dei-lhe um pedala na cabeça antes que ele pudesse entrar em um estágio de loucura.

  Benjamin deu um gritinho pela dor, e em seguida me agradeceu por tirá-lo do transe.  Mas dava quase para ver fumaça saindo da mente dele. Ainda em pé, um de frente para o outro, ele indagou:

— Você disse que se lembrou de escrever uma música da Riley. Para variar eu agi como uma anta e ignorei isso. Se lembrou, por um acaso de mais alguma coisa?

Não vi nenhuma saída a não ser contar tudo que me lembrava. Desde o homem estranho, até as composições e os shows. A tristeza constante de que me lembrava antes de acordar pela primeira vez na cama do hospital. Ele ia mordiscando a unha conforme eu falava.

— Deus,  mas e os shows que essa criatura tava fazendo?!  As músicas que ela lançou no mês passado! Não faz o menor sentido! Os jornais noticiariam se acontecesse um acidente com a cantora mais famosa do país! ALGUÉM viria procurar ela! Mesmo que… — nesse momento ele olhou para mim com ternura — mesmo que ela tivesse passado pelo o que você diz ter lembrado que passou. Pior que a abençoada nunca nem mencionou sequer uma irmã parecida…Ri.. Eu queria muito ajudar, mas não sei o que pensar, sinceramente.

E assim ele se levantou e seguiu com os próprios cabelos já totalmente bagunçados para o quarto dele. Ouvi o som do seu corpo batendo pesadamente na cama. E eu, agora sozinha na sala, me rendendo a um soluçar de pânico.

Se eu fosse realmente a Riley, o que seria da minha vida daqui para frente?


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoas! Cheio de bombas esse capítulo... Sobre o trecho inicial eu optei por ignorar a tradução, já que o trecho está em versos e em português quebraria um pouco. Qualquer dúvida, só perguntar ^^



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