Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 20
Flashes


Notas iniciais do capítulo

"As marcas que os seres humanos deixam são com frequência, cicatrizes" - A Culpa é das Estrelas



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“Eu estava brincando com meu violão. Dedilhava ele animadamente enquanto cantava uma música que tinha aprendido na escola, acompanhando. Aquilo era muito legal. Ria como se o instrumento na minha mão fosse um velho amigo. De repente, a porta abriu:

Tem visita para você! Uma voz gritou, distante.

Levantei os olhos e à porta já estava um homem me encarando. Senti-me um pouco acuada pelo olhar que o estranho me lançava.”

 

“Se eu estava feliz? Eu queria explodir de emoção! Aquela podia ser minha chance de mostrar ao mundo o que mais gostava de fazer. Ok, também estava nervosa. Sabia que um vídeo com minha apresentação poderia ser o início de uma carreira ou o fim de minha vida social. E se desafinasse? Tudo bem, também existe a possibilidade de que seja só mais um vídeo na internet e ninguém nem veja. Mas eu permanecia muito aflita com esse pensamento. Ou seria empolgada? Ansiosa? Por que ele foi demorar malditos 20 minutos com a câmera na mão, antes de começar a filmar?

Mas meu desespero não ajudou em muita coisa. Edgar gritou comigo umas 1000 vezes, acho, porque minha mão tremia no violão e não estava sorrindo para a câmera. A gravação da música demorou muuuuiiiiito. Aquilo não estava sendo nada legal, como eu pensara. “

 

“ Cada vez mais sozinha. Aquela rotina estava me consumindo tanto que não tinha mais tempo para ver ninguém que não fosse minha sombra no espelho. E Edgar, claro. Aquele traste estava sempre lá. Mas meus amigos, onde estavam quando eu me jogava exausta na cama, depois de um dia inteiro levando bronca porque o tom ainda não estava perfeito?

Será que isso faz parte de crescer? Trabalhar até depois de suas forças acabarem, com a alma sendo cada vez mais sugada? Mas se o que eu faço é considerado arte, não era para ser o contrário? Não sabia de mais nada.”

 

“ Essa devia ser a terceira vez que viajava no mesmo mês. Segundo Edgar, as melhores gravadoras eram mesmo  muito distantes. Eu sei que devia agradecer a ele por procurar alavancar minha carreira da melhor maneira possível, como o próprio vivia repetindo. Mas aquilo já estava começando a me irritar. Se ele realmente gostava tanto de mim, então por que não se preocupava minimamente em como eu estava me sentindo? Aliás, onde estavam as pessoas que se preocupavam?

Fiquei me perguntando essas coisas, olhando para a janela da van onde estava esmagada com mais uma porção de instrumentos. A paisagem mudava muito rapidamente. E em nenhum lugar eu achava alguém que realmente se importasse. Senti uma lágrima escorrer pela minha bochecha e virei-me de lado. Chorar não iria adiantar nada. O melhor era fingir que nada daquilo era comigo.

Comecei a cantarolar e me concentrar  só nos tons. Eles precisavam ficar perfeitos.”

 

“ Caminhava atordoada pelas ruas perto da gravadora. Edgar só podia estar de brincadeira com a minha cara. Tudo bem me colocar para trabalhar, mas ISSO?!  Qual era o sentido de fazer tudo aquilo se eu não poderia mais cantar minhas próprias músicas?! Eu compunha tão mal assim que nunca faria sucesso com uma canção autoral?! Quase tropecei na rachadura da calçada com esse pensamento. Tudo que eu escrevia vinha do fundo do coração. E os papéis com as minhas letras foram jogados na lixeira como qualquer coisa que não serve para nada.”

 

“3:30 da manhã. Mais um dia em que ainda não tinha ido dormir. Depois de um show terminar a equipe toda precisava ficar pelo anfiteatro retirando os instrumentos. Só havia um ônibus, então eu precisava aguardar todo mundo terminar para poder descansar. Quer dizer, não dá para dizer que um cochilo na cadeira do ônibus era o significado real da palavra ‘dormir’.

Naquele dia em especial, estava uma correria. O pessoal da cenografia não conseguia soltar os painéis do fundo do palco enquanto os músicos brigavam muito porque estavam cheios de sono e já haviam retirado todos os instrumento. Um comentário em especial me atingiu:

Por que essa muquirana, não usa a grana que tá ganhando para comprar mais de um ônibus?!

Eles não sabiam que era Edgar quem realmente cuidava das minhas finanças.”

 

Acordei zonza. Demorei um tempo para assimilar tudo aquilo que havia acabado de se passar pela minha cabeça. Até porque o cenário ao meu redor era completamente diferente daquele que marcava minha mente: eu estava agora em uma sala silenciosa de hospital. E havia uma pessoa que se importava comigo ao meu lado, me olhando preocupado: Benjamin. Ele falou algumas palavras de conforto que não compreendi muito bem porque ainda estava assustada com aquelas passagens de uma vida distante. Só lembro de dizer algo como:

— Eu acho que sei quem ele é.

Benjamin, obviamente, me encheu de perguntas, mas eu não conseguia ainda formar uma frase bonitinha para explicar. Só segurei firme o braço dele para que não se afastasse. Eu só precisava me certificar de que agora, tinha alguém comigo.

Acho que meu namorado entendeu o gesto, pois parou de falar e suavemente, começou a acariciar minha cabeça, como se fizesse cafuné. Ficamos assim por não sei quanto tempo até Suzana abrir a porta, acompanhada de Helena e Vicente. Os três estavam de plantão naquele dia. Enquanto Helena coletava os dados dos aparelhos, e Vicente tirava minha pressão, Suzana avisava de pé na porta, com um semblante preocupado, que Pietra tinha vindo me visitar.

— Como ela soube?  — Benjamin se manifestou.

Antes que alguém respondesse a garota foi passando por trás de Suzana e entrando no quarto.

— Mal aí, amiguinha do Kaio, mas eu preciso ver essa menina, porque não vim aqui à toa. — Falou nervosa, mostrando o RioCard para minha amiga enfermeira. E emendou, se virando para Benjamin — Eu e o filhote de boi estávamos planejando passar a noite numa pizzaria. Ligamos para a sua casa para chamar vocês, mas o Alex atendeu, contando o que tinha acontecido. —  Aí se virou para mim — Rita, você tá bem?

Suzana se empertigou toda e começou a falar, fechando a cara:

— O médico irá saber se conseguirmos examiná-la. É por isso que os visitantes, em alguns momentos precisam permanecer fora do quarto. Aliás, Benjamin, será que você se importaria de sair agora, rapidinho? Assim que tivermos alguma conclusão sobre o que houve com Rita, avisamos você. Quer dizer… vocês. —  Ela claramente mencionou a última parte irritada.

Benjamin ainda segurava a minha mão e lançou um olhar receoso para mim, antes de balançar a cabeça em afirmativa e soltar o braço devagar. Porém antes, ele se abaixou para sussurrar no meu ouvido:

—Tenho uma notícia que pode te alegrar. Assim que você terminar os exames eu te conto. — E se levantou sorrindo de maneira que inspirava confiança. Mas não sem antes, me dar um selinho. Depois completou  — Faça os exames pensando nisso, talvez se sinta melhor, sei lá.

Então ele e Pietra se retiraram e a bateria de testes neurológicos já conhecida começou. Dessa vez, realmente, eles pareceram menos enfadonhos porque me concentrei no sorriso reconfortante de Benjamin. Era muito louco, parando para pensar, que em tão pouco tempo eu me recuperasse de um atropelamento e estivesse agora junto daquele cara que me tratava tão bem. Ainda mais se as últimas lembranças que invadiram minha cabeças estivessem certas.

Estava absorta nos meus devaneios enquanto respondia as perguntas que os enfermeiros faziam quando o psiquiatra abriu a porta e saiu entrando como o Darth Vader quando toca a marcha imperial. Aliás, ele estava carregando um celular que tocava essa música no viva-voz. Todo mundo no quarto ficou encarando ele.

— Que foi? Não precisam  me olhar assim. O eletroencefalograma que Suzana fez na paciente enquanto ela estava desacordada já é suficiente para constatarmos que a parte do cérebro responsável pela memória recuperou atividade. Ou seja, ela voltou a se lembrar de antes do acidente.

Então a marcha imperial atingiu os últimos acordes e foi substituída na playlist do celular dele por um jingle da Riley.


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Notas finais do capítulo

Dessa vez conseguimos voltar mais rápido. Aproveitem que a revelação da vida de Riley só está começando ;)



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