Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 17
Sonhos Estrelados


Notas iniciais do capítulo

"I thought I heard you call my name" - Lost Stars



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Quando cheguei na rodoviária, ainda precisei esperar mais uma hora pelo Alex. O trânsito de casa até ali estava tranquilo, mas os painéis informativos da rodoviária mostravam que havia um congestionamento na estrada na altura de São Gonçalo. Nesse meio tempo, fiquei sentado num banco na parada que o ônibus do meu irmão encostaria. Observava o trânsito de pessoas, muitas correndo, outras perdidas; era meio divertido reparar em pedaços daquela multidão. Contudo, por eu estar ali completamente sozinho, depois de alguns minutos aquilo ficou entediante. Decidi então, ligar para Rita. Ainda não tinha ouvido sua voz naquele dia. Tá, isso ficou estranho, mas continuemos...

 Quando fui atendido, do outro lado da linha ao invés de um "alô" bonitinho, o que ouvi foi a voz debochada de um ser chamado Kaio. Estranhei, mas nem tive tempo de perguntar que raios ele fazia na minha casa àquela hora da manhã, porque o outro já estava tagarelando sobre papéis, Rita, música, amor, coisas que eu não entendi. Nossa, isso agora pareceu uma música MPB.

— Kaio, respira e fala devagar. — pedi e pude ouvir um suspiro do outro lado da linha.

— Cara, você precisa ver... calma, Rita. — sua voz ficou mais baixa e depois voltou. — Não, não deixa ela jogar no lixo isso aqui. Não vou nem ler, porque você precisa fazer isso com seus próprios olhos... sai, Rita! — emais uma vez o tom abaixou, parecia que os dois discutiam, mas o som estava longe demais para eu conseguir entender o que falavam.

 Esperei uns dois, três, quatro, cinco segundos e outra voz assumiu a ligação.

— E aí, Benjamin? — era Rita. — O Alex já chegou?

— Ainda não, mas você não vai fugir dessa. — cortei a simpatia dela. — Caso de vida ou morte, o que você ia jogar no lixo?

— Ai não, esquece isso. Já está todo despedaçado e incinerado, o caminhão do lixo já até levou embora há tanto tempo, deve ter apodrecido e voltou a ser pó. E agora virou uma flor.

— Nossa... — dei não só uma risada, eu tive uma crise de risos no meio da rodoviária.

— Eu acordei agora, releva. — rita também ria do outro lado.

— Nunca vou esquecer essa fala! — zoei e vi que Alex descia de um ônibus com uma mala na mão e pura raiva no rosto. — quando eu chegar em casa, quero ler isso, por favor! Meu irmão acabou de chegar, tchau.

 Nem dei tempo para ouvir ela se despedindo. Desliguei o celular e me aproximei dele. Não fui nem olhado na cara, mas também não fui deixado para trás: fomos lado a lado em silêncio até sair daquele ambiente. Quando estávamos de fora, Alex começou a desabafar, quase soltando raios laser de fúria.

— Como sua família é cabeça dura! — Dizia enfatizando o “sua” o tempo todo. — Eles tentam sustentar um argumento sem prova nenhuma; sabem que estão errados, mas não admitem! — Suspirou. — Os netos nem convivem com ele e saem falando que ninguém tem condição de cuidar dele ou que ele não sabe cozinhar mais, e mente o tempo todo, não sabe que horas são ou em que dia estamos. Mas nada disso é real! Ele está muito bem, Benjamin! 

 Eu não tirava a razão daquelas frases. Essa parte da minha família podia ser até mais teimosa que Alex. Imagina alguém que pode ser mais firme que ele: é muito insuportável! Enfim, Alex falou o caminho todo até o apartamento sobre tudo o que aconteceu e pelo o que parece, meu avô foi realmente para o asilo. A gente nunca foi próximo, mas mesmo distante, tinha certeza que estava sendo cometida uma baita injustiça, mas quem sou eu para dizer ou defender alguma coisa naquela família? Seria feito o que eles quisessem, mesmo que eu fosse lá para ajudar.

 Quando chegamos em casa, Kaio ainda estava lá, jogado no sofá assistindo a um futebol na televisão junto com Rita que franzia a boca, ambos tão concentrados que nem notaram que eu peguei o bendito papel em cima da mesa da cozinha, enquanto Alex ia apressado para o quarto e batendo a porta. Suspeitei que fosse nele que tivesse os escritos de Rita por seu estado todo amassado e pela letra nele. Então, eu peguei e sentei na cadeira para ler com calma. Me deparei com versos como:

"Quem somos nós?

Apenas partículas de poeira na galáxia"

Li tudo diversas vezes para sentir o que estava escrito e me certificar de que estava interpretando certo aqueles versos. Fiquei um bom tempo tocado pelas palavras de Rita; depois de vários minutos, acabei colocando o papel no bolso e indo para a sala, mas ainda em transe.

 Fiquei ainda um bom tempo sem conseguir falar nada, igual a um bocó. Meus olhos só enxergavam Rita e eu sentia o coração acelerando. Por isso, a única resposta que dei ao texto no memento foi sentar ao lado dela, ainda meio lerdo. Ela notou minha presença, sorriu para mim e voltou a atenção ao jogo. Apesar de, parando para pensar, ter agido igual a um total idiota, aquilo devia estar muito bom, porque... porque não sei, sabe? O tempo corria diferente para mim naquele momento, até que em um rompante, decidi começar de uma vez:

— Rita, eu li o que você escreveu.

 Os dois presentes na sala se viraram para mim. Os olhos de Rita pareciam ansiosos pela minha resposta, enquanto mordia a boca, talvez envergonhada, nervosa ou nada disso, talvez só uma mania que não havia reparado antes.

— O que você achou? — perguntou, receosa.

 Estávamos próximos no sofá e ela manteve a boca entreaberta, aguardando minha opinião. Mas o que Rita soube foi que meu cérebro, hormônios, neurônios, células, viram como uma oportunidade perfeita par encaixar os meus lábios nos dela. E senhoras e senhores, ela não se esquivou! Parecia o melhor beijo do universo e de todas as galáxias possíveis e impossíveis. Porém, o idiota aqui tinha que continuar com a sequência de paspalhices da manhã. Eu fui me assustar com a quantidade de emoções diferentes que estava sentindo, e parei o beijo para processar melhor as coisas. Tempo suficiente para ver Kaio boquiaberto pronto para soltar os fogos, e moça na minha frente com a testa franzida olhando para o chão.

 Eu e Rita nos beijamos? Sinto mesmo isso por ela? Que?

 Minha cabeça estava completamente desbaratinada. Acabei levantando e, seguindo o exemplo de meu irmão, me tranquei em meu quarto. Como sempre, muito maduro para não dizer o contrário. Sozinho com meus problemas, comecei a sentir foi vontade de socar minha cara. Foi igual ao dia da cama, em que nós caímos um em cima do outro: outra chance perdida que eu não fiz nada, só fui embora. Mas também, não queria sair dali porque estava afobado demais com os problemas da manhã, a letra que foi quase um tapa na cara e agora meu impulso. Só que eu não era mais criança, precisava agir minimamente como uma pessoa normal. Não tinha noção nenhuma para tantas coisas e ali iria dar pra trás logo quando precisava dar vários passos para frente. Ela também era adulta. Qual é o meu problema? Era algo tão simples, mas tornei complicado, só porque não sabia lidar com meus sentimentos. Ah para, você sabia sim, só não queria encarar! Só precisava agir, nada tão complexo!

 Após muito tempo, não contei os minutos, saí do quarto. Não encontrei Rita em lugar algum. Nem sala, nem cozinha, nem nada. Pensei que tivesse ido embora. Eu deveria estar parecendo aquelas moscas perdidas que ficam voando e zigue-zague pela casa porque Kaio comentou:

— Cara, ela tá no banheiro. — e eu ainda perguntei:

— Por que?

— Não sei, o que se faz num banheiro? — respondeu, rindo da minha cara — Relaxa, cara, todo mundo já sabia que isso ia acontecer! Aliás, você é muito dramático. Devia aceitar o convite da Pietra de participar da peça dela.

 Respirei fundo e sentei ao lado dele.

— Relaxa, mano! Foi só um beijo, você não assassinou a mãe dela e nem nada do tipo.

— Isso não fez sentido.

— Eu sei, mas você me entendeu. – Suspirou. – Presta atenção no jogo e fica tranquilo. – Mas soltou uma risada e interrompeu ele mesmo. – Não, não presta. Tá horrível, nem sei como esses caras conseguem ganhar milhões para não saber acertar uma bola! Se você tivesse lá, jogaria muito melhor.

 Então, eu ri, nós riamos e eu realmente prestei atenção no jogo. Kaio estava certo, até eu acertaria aquela bola no gol. Logo, passei a não relaxar por causa do jogo. Estava um a zero nos trinta e nove minutos do segundo tempo, do jeito que estava não teria virada. Mas isso não é relevante para a nossa história, porém só para deixar claro, o time perdeu mesmo. O que é relevante é que eu estava agindo como uma pessoa normal assistindo ao jogo quando Rita voltou do banheiro. Primeiro, ela correu para a cozinha, sem olhar para mais nada, meio esbaforida. Segundo, ela voltou para a sala e me encarou.

— Você não tinha que ter lido! – Falou e retornou à cozinha.

 Ficou eu e Kaio naquele clima tenso até ele levantar do sofá, falando que precisava resolver uns assuntos relacionados a remédios e tias, para apertar a minha mão e ir embora. Eu estava confuso e cansado de me sentir assim, segui Rita para a gente poder conversar e se entender.

— Por que eu não podia ler? — comecei — O que você escreveu... é lindo!

— Pára, Benjamin! Era... pessoal! — me cortou, nitidamente irritada.

 Senti um impacto com aquelas palavras e passei a me sentir pior. Não sabia o que falar para amenizar a situação, não esperava que ela fosse ficar tão nervosa assim. Pensei que não queria mostrar por não achar bom ou algo grande para ser mostrado.

— Desculpe. Eu pensei que você... — suspirei. Tá certo, não tinha justificativa. — Não, sinto muito.

Rita demorou para falar alguma coisa. Mordia nervosamente lábios e batucava os dedos na mesa. Foi uma tortura para mim até que ela respirou fundo e soltou, meio a contragosto:

— Tá, não tem pelo que se desculpar. 

 Uma coisa meio idiota que ficou passando pela minha cabeça em meio à carreta furacão de pensamentos que estava minha cabeça naquele dia era se o texto fazia parte de alguma música. Aquilo ainda me incomodava, eu precisava saber, mas não tinha certeza se era o melhor momento para perguntar. Olhei para o lado, envergonhado e questionei:

— Era uma música? — Engoli em seco. Mudei de ideia. — Não precisa falar se não quiser.

— Que diferença faz agora? — confirmado, foi uma péssima ideia e ela ficou ainda mais irritada. — Sim, era sim. — respondeu, dando de ombros.

 Para completar a enrascada, além de ter lido o texto, eu o cara que apareceu solícito quando ela não tinha ninguém, dei um beijo nela. A situação só piorava.

— Tá, desculpe pelo beijo também.

— Eer... — com o rosto todo vermelho, falou baixinho — Não precisa... não precisa se desculpar.

— Ainda tá irritada comigo? — Tentei, então ela cruzou os braços e revirou os olhos, mas soltou uma risadinha no fim. Eu também ri, fiquei aliviado  pela harmonia estar retornando, o que acabou me dando umas ideias. — A gente devia formar uma dupla, você escreve e eu imito os outros na rua para conseguir dinheiro, tipo Rita e Benjamin! Mas sem o "benja min".—  Fiz as aspas com os dedos para focar na expressão, porque estava só impulso naquele momento. Se você achar falta de noção o resto do que eu disse, te dou toda razão, nesse momento eu não pensava mais, era só impulso mesmo. Continuando — Porque você não vai precisar pedir para receber um desses... — me aproximei de Rita, colocando a mão na nuca dela e sussurrei.—  Tenho permissão? Por favor, diz que sim para a piada ter...

 Porém, contudo, todavia, Rita riu e o beijo não aconteceu. Estraga-prazeres, literalmente!

— Você tá se enrolando nas falas, sabia? — soltou chegando mais perto.

— Sabia, é o efeito que você tem sobre mim. — não fui eu que falei, foi minha boca que estava doidinha para encostar na dela de novo.

— C-como é?

— Só deixa para lá e aproveita.

 E com essas palavras dignas de Drummond, finalmente,nos beijamos para valer. Foi lindo em forma de sensação; maravilhoso. Não era como só uma maçã no deserto, mas toda uma floresta de macieiras num deserto de quarenta graus. Seus lábios eram perfeitos, mesmo com a cicatriz do acidente, não havia o que mudar. Não fomos apressados, nem devagar demais, apenas desfrutamos do momento. Enquanto eu passava a mão pelo seu rosto e costas, ela passou seus dedos pelos meus cabelos, acariciando-os e deixando o momento mais incrível. Quem era Riley em meus sonhos perto de Rita viva, em cores e sentidos na minha frente e tendo sua pele suave encostada em mim? Nada, literalmente, porque naquele momento, eu era uma pessoa cem por cento feliz e satisfeita.

 No entanto, Alex resolveu sair do quarto depois de... não faço ideia quanto tempo, e atrapalhou tudo. Ele só queria beber uma água, porém de qualquer forma tivemos que ir para o quarto que eu revesava com Rita, os dois bastante envergonhados. Continuamos o que estávamos fazendo, lá dentro, mas não rolou mais que um beijo, nada de malícias!

 Na manhã seguinte, Rita tinha um médico marcado, mas antes decidiu ir comigo até o mercado para dar  um alô para o pessoal. Chegamos de mãos dadas e pelo visto todos meus colegas já estavam sabendo do beijo e da música, por causa de um certo ser humano que não vou citar o nome, mas que começa com K e termina com AIO. O mesmo que protestou quando dei uns tapas na cabeça dele. Irônico, não é?

 Enfim, o pessoal acabou sabendo como era um pouco da música e insistiu para que Rita cantasse. Ela deu uma palhinha, bem pouco, mas já serviu, e que voz! O ritmo, a melodia, a letra, a voz, tudo somado deixou tudo tão bom que quando ela terminou, não resisti e nos beijamos de novo. A galera adorou. Inclusive, Pietra apareceu muito animada fazendo uma cara extremamente maliciosa, como uma criança que vê o sorvete chegando.

— Eu sabia, eu sabia, eu sabia! – ela começou, dando risadas. — Sei que a gente não apostou, mas vocês me devem cinquenta reais por eu ter acertado que vocês estavam assim... um amorzinho! — Completou, fazendo um coração com as mãos e falando com voz de bebê.

Nós rimos e o assunto rodou o mercado pelo resto da manhã. Teve gente lá que até gravou um pouquinho dos versos. Precisamos admitir que se Kaio também não tivesse contado para o pessoal e Rita não tivesse cantado, nosso destino seria bem diferente hoje.


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Notas finais do capítulo

E aí, meus fantasminhas preferidos? Aki é a Loisa Rainbow! Mais um vez, demoramos um pouco para postar o capítulo, então pedimos desculpas e eu peço em dobro porque eu que escrevi esse capítulo. Então, é isto. Beijos e até mais ♥



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