Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 16
Apenas uma Partícula de Poeira na Galáxia


Notas iniciais do capítulo

Nesse link abaixo, tem uma música que alguns de seus trechos foram citados traduzidos no capítulo, e se vocês quiserem escutar enquanto leem, fiquem à vontade para uma boa leitura :)
https://www.youtube.com/watch?v=ECW_qfrhiw8



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Suzana já se sentia minha amiga de vários anos atrás. Bem, era recíproco. Já tinha perguntado para ela da última vez que nos esbarramos se nunca estudamos juntas na infância e eu que não lembro.

— Se aconteceu, então somos duas desmemoriadas. - Respondeu rindo.

 Digo isso porque desde a festa aleatória organizada pelo Benjamin, nossa amizade cresceu ainda mais. Também, pudera, colou no Kaio como se um fosse a versão em outra profissão do outro. Na segunda-feira seguinte à festa, depois de sair do meu check-up inconclusivo como sempre, antes de entrar na administração do Hospital Municipal do Sul de Niterói para perguntar sobre possíveis vagas de emprego, ela me puxou pelo braço no meio do corredor para mostrar que as mensagens de texto que já trocava efusivamente com Kaio. Depois falamos mais algumas amenidades, e besteiras da vida. Foi no meio disso que rolou o diálogo narrado no início do capítulo.

 Acho que começava a chegar num estado em que me lembrar do passado não importava mais tanto. Estava construindo uma vida bacana sendo somente Rita. Talvez por isso, durante o restante daquele dia atrás de emprego, cada vez que estranhavam minha situação na vida, eu não me sentisse mal por nada. Rita sem sobrenome era a única coisa que eu era no presente. Uma garota com amigos super legais, vivendo numa casa acolhedora e sonhando em construir o próprio futuro. Mesmo que o passado nunca mais volte. Quer dizer, os poucos vestígios de lembranças que tive só me deixaram nervosa e mal; não havia mesmo ninguém que procurasse por mim, talvez fosse melhor seguir em frente de uma vez.

 Quando estava começando a anoitecer, voltei para o apartamento que dividia com Benjamin confiante. Não tinha sido efetivamente contratada ainda, mas só o respeito e compreensão que recebi de alguns prováveis chefes já deviam ser suficientes para um primeiro dia. Me taquei exausta no sofá, afinal de contas, não estava mais acostumada a andar tanto. Ainda tive que catar os estabelecimentos usando aquelas revistinhas de guia de bairro, afinal, eu não possuía celular, nem dinheiro para comprar um, então o esforço foi maior do que parece. Cheguei em casa mais acabada que filme depois da cena pós-créditos.

O sonho que tive ao adormecer de exaustão foi bem confuso. Era parecido com aquele em que imaginei eu e Benjamin como estrelas cadentes, mas dessa vez, estávamos em um lugar extremamente escuro. Algo nos sugava. Tínhamos quase o tamanho de poeiras em meio a uma imensidão negra e sufocante. Várias sensações estranhas começaram a me preencher como um déjà vu. Choro, berros, angústia, sufoco. Mas eu não conseguia visualizar nada claramente, veio tudo numa enxurrada, parecia até que tinha um rugido de leão vindo de algum lugar. De repente, a poeira/Benjamin começou a cantar. E eu, não sei exatamente porque, só acompanhei. Sabe aqueles movimentos meio involuntários que a gente faz quando está sonhando? Pois é… Na mesma hora tudo ficou mais bonito; mais calmo, aí sim parecendo o céu estrelado do sonho anterior. Comecei a voar embalada pela canção, um balbucio, sem letras ou melodias fixas. Quando dei por mim, estava era acordando embalada nos braços de Benjamim.

 Acho que não preciso dizer aqui os detalhes do diálogo que se seguiu, já que ele narrou antes para vocês. Fiquei falando sobre meu sonho, depois conversamos algumas bobeiras como “farofa é boa com feijão” e “parece que vai chover hoje”. Só paramos de tagarelar quando entrou um cheiro de comida vinda de algum apartamento vizinho.

— Hum, coxinha! - Falamos juntos e rimos igual os dois idiotas que éramos.

— Beleza, eu vou lá cozinhar para você. - Falou se levantando da cama.

 Eu estava ajoelhada na beira do colchão. Algum dos meus neurônios afetados, sabe-se lá por qual razão, ao ver o cara levantando, ao invés de me dar vontade de simplesmente falar “hey, não precisa!”, me fez ter um ímpeto de empurrar ele de volta para cama. Contudo, preciso deixar frizado que o Ben é um cara muito magro, então quando eu fiz isso, ele caiu com tudo, rolando pela cama desengonçado. Ou realmente peguei-o de surpresa, ou ele quis fazer graça. Fato é que ele foi com tudo para o lado da parede. Tive que puxá-lo de volta, pedindo desculpas pois não queria que tivesse sido tão forte. Foi uma confusão de braços e pernas um puxando,outro caindo; só quando conseguimos ficar um pouco mais confortáveis, ele estava deitado por cima do meu corpo.

— Eer, seu bafo tá vindo bem na minha cara. - Reclamei, mas era para disfarçar o desconforto. Aquela posição me deixou bem desconfortável. Ele se ergueu um pouco assustado assim que eu falei. Até que olhou melhor para a minha cara. Um sorriso trollador começou a despontar nos cantos da sua boca.

— É o meu bafo que tá te deixando vermelha, Rita? Ou é outra coisa?

— Seu idiota, sai logo de cima de mim! - Falei, dando-lhe tapinhas no braço em que se apoiava. Ele me olhou profundamente ainda um pouco, podia jurar que focou na minha boca cortada, mas depois balançou a cabeça e se ergueu rápido. Porém, continuava rindo bobo.

— Tá certa, tá certa. Mas, para minha defesa, foi você quem me puxou! - Declarou levantando os braços.

— Vai fazer coxinha de uma vez, então! - Resmunguei olhando para os lados. Ele consentiu rindo e foi para a cozinha.

 Nossa, que situação constrangedora! Nos minutos seguintes fiquei andando de um lado para o outro, primeiro sem-graça, depois rindo também do que aconteceu. Devo acrescentar que meu respeito pelo Benjamin cresceu muito ali, pois se ele quisesse forçar um beijo naquela posição, ele conseguiria perfeitamente. Espera, o que eu estava pensando? Só porque deu para sentir aquele perfume maravilhoso que ele usa tão de perto… Foco na narrativa, Rita!

 Bem, no restante da noite, agimos normalmente. Ele fez as benditas coxinhas, assistimos TV e poucas horas depois Benjamin voltou para o quarto a fim de dormir. Mas eu não estava com sono nenhum. Ao contrário, o sonho e a cena começaram a se misturar na minha cabeça me deixando inquieta. Fui para a janela respirar um pouco. A noite estava bela e estrelada. Uma brisa batia pelo meu rosto, levantando os fios da peruca. Aquilo estava inspirador, tive vontade de anotar o som da canção do sonho da tarde que ainda ecoava na minha cabeça. Mas não tinha nenhum papel por perto. Fui lavar o rosto, então, para ver se a vontade de anotar a tal canção passava. Puxei a peruca para trás, a fim da água bater no meu rosto. Porém, desastrada, acabei deixando ela cair com essa movimentação. Aproveitei para observar por alguns segundos minha face sem as madeixas falsas no espelho acima da pia. Permanecia a cicatriz no meu lábio superior junto do meu nariz nitidamente mais inchado que o normal, mas fora isso, podia dizer que minha pele se adaptou bem à reconstrução facial. O topo da minha cabeça começava a ser preenchido por uma penugem, mas não dava para ter certeza da cor exata, ainda, pois os fios estavam muito curtos. Ao menos, já dava para tirar uma conclusão: eram mais claros que a peruca que eu usava. De qualquer forma, peguei de volta o morrinho de cabelo que estava caído no chão, dei uma limpada e pus de volta na minha cabeça. Podia não ser da cor exata, mas era o que tinha por agora.

 Aquela noite demorei para dormir, pois por mais que tentasse esquecer dessa ideia, versos e melodias insistiam em se formar na minha cabeça como que se aproveitando do silêncio da madrugada. Acabei acendendo um abajur que havia na escrivaninha do quarto de Alex, que estava ainda vazio, só para não ficar acordado no escuro. Eis que bem ali em baixo dele, consigo avistar um cotoco de lápis. Corri em seguida para cozinha, peguei um guardanapo e fui anotando todos os devaneios que vinham na mente para ver se ela enfim sossegava.

 Eis aqui uma pequena amostra do que saiu:

“Apenas como uma menina

Perdida em sonhos e fantasia”

“Os melhores planos

Às vezes, saem de nossos sonhos”

 Depois de uma hora só escrevendo muitos outros versos e pensando numa melodia boa para eles, finalmente me senti melhor e apaguei.

 Quer dizer, foi um sono leve, até porque eu já tinha dormido no final da tarde anterior, então, assim que a luz começou a bater nas janelas de casa, eu despertei irreversivelmente. Tinha dormido ali na cama de Alex mesmo; então ao abrir os olhos, lá estava o guardanapo todo anotado bem na frente da minha visão. Eu ainda me espreguicei antes de levantar. Gritei um “Bom dia” para Benjamin mas não tive resposta.

— Hey, tá vivo?! - Berrei mais alto, brincando.

Nada.

Me levantei um pouco preocupada e achei um bilhete no sofá da sala.

Alex me telefonou pedindo para eu me encontrar com ele na rodoviária. Está voltando agora, e parece que com notícias sérias. Assim que tiver alguma novidade telefono para o telefone fixo. Sei que hoje não é dia de passar no hospital, mas prometo tentar voltar o mais cedo possível para você ter algum tempo de procurar mais empregos, se quiser…

 Beijo,

          Ben.”

 Olhei para as paredes do apartamento vazio, me sentindo um pouco desapontada. Parecia que aquela seria uma manhã sem graça, sozinha com meus pensamentos. Benjamin realmente sabia como animar o dia, com seus cumprimentos e piadinhas matinais, em meio à correria para o mercado, por mais bobo que fosse. Tive de aceitar os fatos e segui para os rituais que todo mundo faz quando acorda: a famigerada “higiene matinal” seguida pelo café da manhã; necessária e obrigatoriamente nessa ordem. Mas não, não fiz um coque frouxo. Fiquei foi de pijama mesmo, coloquei nem chinelo, e comi uma torrada que tinha no armário, entediada, enquanto trocava os canais na televisão.

 Não sei quanto tempo fiquei assim, aguardando o telefone tocar com alguma notícia. Já estava começando a ficar preocupada quando ouvi um jingle, mas estranhamente, veio da companhia.

 Fui olhar no olho mágico, era Kaio, completamente pálido. Abri a porta sem entender nada.

— Oi, Kai…

— Por que o Benjamin foi faltar justo hoje?! A Pietra é um demônio em forma de atriz, isso sim! Não se faz isso com um cidadão de bem!

— Kaio! Eu não estou entendendo nada que você está falando...

 Enfim ele parou com a saraivada de palavras e respirou fundo, sacudindo a cabeça. As palavras não foram claras ainda, mas saíram mais inteligíveis do que antes.

— Er, desculpe. O gerente me dispensou hoje depois do que aconteceu e eu precisava urgentemente falar com algum amigo…

 Eu devo ter feito uma cara tão confusa que ele mesmo se concertou, tentando explicar melhor:

— A Pietra! Aquela doida, aproveitou enquanto eu organizava as coisas da seção de beleza e… colocou uma joaninha! Aquele bicho horrendo, urgh! Logo dentro da caixa que eu precisava pegar! Ela sabe que eu entro em pânico com joaninha! Com aquela casquinha minúscula; argh! Bicho grotesco! Tenho fobia mesmo!

 Não pude fazer nada a não ser rir. Quem diria que o Kaio teria medo logo de joaninha? Então era isso que ela estava planejando? Deixei ele entrar, enquanto resmungava sobre o trabalho de fazer o chefe levar a sério o atestado médico dele de síndrome pânico para conseguir licença pelo caso da joaninha. Parei de rir ao perceber que ao se sentar no sofá, ele ainda tremia. Fui buscar uma água para a figura, com remorso. Depois que ele se recompôs um pouco perguntou-me pelo Benjamin e eu mostrei o bilhete. Kaio não sabia sobre o caso do avô deles, mas conhecia bem as histórias sobre a família do amigo, imagino que por isso, não fez nenhuma pergunta. Ao contrário, ele ficou um período em silêncio, perdido nos próprios pensamentos, até que o vento começou a soprar mais forte, fazendo as cortinas balançarem. Corri para fechar as janelas, mas no meio tempo em que isso se deu, o tal guardanapo onde eu tinha escrito meus versos saiu voando. Eu sei que quando me virei, Kaio já estava prestes a pegar.

— Ouou, não abre isso, não!

— Opa! Agora que eu quero ver. - Ele falou rindo. Nem para tentar ser gentil pelo copo d’água. - É alguma carta de amor para o seu heró... digo, para o Ben 10?

 Eu nem respondi. O cara já estava passando os olhos pelo papel. Fiquei meio nervosa nos instantes seguintes em que ele basicamente mergulhou na leitura, concentradíssimo, olhos arregalados e boca aberta. Não entendi o porquê daquilo, eram só alguns garranchos mal feitos, aquela música nem estava pronta, as anotações escritas de maneira confusa.

 E eis que o telefone toca.

 Saí correndo para atender, acreditando que podia ser salva pelo gongo, porém, meu amigo gordinho estava mais perto do aparelho. Assim, numa cena digna de Matrix e efeitos de câmera lenta, no momento em que eu ia pegar o gancho para atender, Kaio saiu do torpor de sua leitura e virou o braço em direção ao aparelho, como em um reflexo. Por poucos nano - segundos, o infeliz conseguiu puxar a base primeiro e atendeu.

 Estou dando uma ênfase nessa diferença mínima, ridícula, esdrúxula entre o tempo de vantagem dele em relação à mim, para mostrar como muitas vezes o destino é irônico. Se eu tivesse atendido, talvez as coisas não tivessem começado a mudar de eixos.


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoas! Tudo bem?
Aqui é a Louisa e esse capítulo foi escrito pela S Q. Esperamos que estejam gostando dos rumos que a história está tomando e obrigada a todos que estão acompanhando.
Beijos e até mais ♥



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