Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 15
Chuvisco


Notas iniciais do capítulo

"Mire na lua. Mesmo que você erre cairá entre as estrelas." - Les Brown



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Acordei com o buzinar de carros vindos da rua, o que é estranho para um domingo. Sentia meu corpo todo dolorido e minha cabeça levemente pesada, não estava nem um pouquinho com vontade de levantar da cama. Foi quando percebi que havia dormido no quarto do meu irmão.  Memórias da discussão correram pela minha mente atordoadas pelo fato de me lembrar de ter dormido no chão. Balancei minha cabeça, e com isso, os cachos do meu cabelo despenteado. Precisava focar no dia novo que começava.  Rolei da cama para o chão, mas não foi uma boa ideia - não façam isso em casa, crianças! Depois de alguns segundos enrolado como uma barata virada de cabeça para cima, me levantei e saí dali, caminhando em direção à janela. atiçado pela curiosidade de saber o que rolava lá embaixo para ter tanto carro fora da garagem em plena manhã de domingo. Domingo!

 Apoiei as mãos no batente e percebi um amontoado de veículos parados. Parecia haver uma espécie de protesto em frente a eles. Na hora, não soube o que era e apenas voltei ás minhas atividades matinais (repara que não usei “higiene”, porque já estava limpinho antes, só não descrevi, porque não é necessário... tá, pode continuar a narrativa), fiz um giro pelo apartamento e encontrei quatro seres humanos dormindo em lugares diferentes: Pietra na minha cama, Rita no sofá, Suzana e Kaio esparramados no chão da sala; foco para a imagem que eu tinha dos dois: ela com um braço no rosto dele e ele com uma perna em cima da mesinha de centro e outra de volta, em cima de Suzana. Não pude deixar de dar risada, o que acabou por acordar a enfermeira.

— Bom dia. – Disse, já indo para a cozinha a fim de preparar o café.

— Que? – Respondeu perdida no tempo e no espaço, ficando mais uns bons minutos parada olhando para o nada, como um perfeito exemplo de pessoa acordando.

 Conforme o cheiro do café se espalhava pelo ambiente, cada um ia sendo puxado do sono. Primeiro foi Kaio, depois Rita que levantou, e por último, Pietra. Todo mundo evitou falar nesses primeiros instantes do dia, até que como se uma lâmpada tivesse acendido na cabeça de Kaio, ele despertou de verdade e começou tagarelar, o olhar penetrado em mim.

— Ah, a Riley falou que vai dar um tempo. — Disse estalando os dedos, come se precisasse lembrar de contar.

— Como assim? — Perguntei confuso. — Dar um tempo de que? Vai parar com a carreira?

— Não, só vai dar uma relaxada. — Respondeu e bebeu seu café.

— E isso quer dizer que ela adiou o show que faria aqui. — Suzana completou, pegando algumas fatias de torrada do centro da mesa. — Mas ninguém sabe para quando.

— Sério? — Deixei os ombros caírem. Nesse momento, só pensei que o universo parecia querer separar o que o destino pedia para juntar... como vamos nos esbarrar e viver um romance digno de filme se ela só fica longe de mim? — E ela falou o motivo?

— Ela também é gente, né?! Quer descansar um pouco. — Kaio bufou e seguiu. — Mas tem muita gente sendo contra na... por que tanto barulho a essa hora?

— Tá tendo protesto lá embaixo. — Respondi já dando de ombros para a expressão interrogativa dele. — Não sei o que é.

 E então, Rita do nada estremeceu dos pés a cabeça e entrou na conversa com uma cara muito esquisita.

— Se for pelo o que eu estou pensando... olha, não sei direito de muita coisa mas... lembrei direitinho do estresse que foi quando a Lady Gaga não foi para o Rock in Rio e um monte de fã ficou com raiva, sendo que a mulher estava doente. Doente! Absurdo! Ai, tô até meio tonta..— Abaixou o olhar, mais desanimada e reflexiva. Torceu as sobrancelhas, estranhando sua sensação com a aquilo, então balançou a cabeça concluindo — Enfim, é quase a mesma coisa com a Riley agora.

  Ficamos em silêncio nos encarando. Eu troquei olhares com Kaio e sei que ele compartilhava da mesmo sentimento que eu: com tanta coisa coisa para lembrar como ela foi lembrar logo DISSO? De qualquer forma, todo mundo concordou quieto e esse assunto encerrou assim. Voltamos aos poucos com outros papos; sobre a festa, a raiva de Pipi por limpar a casa enquanto os amiguinhos ignoravam o mundo, algumas vergonhas e loucuras da galera...

— E o casalzinho que formou ontem? — Kaio começou entre risadas altas e olhares maliciosos com Suzana.

— Vocês dois?! Mentira?! — Quase pulei da cadeira empolgado e achando graça da minha própria ironia. Os dois juntos...

— Não! — Ele balançou a cabeça meio embaraçado, mas logo voltou com o ânimo. — Vocês dois... Você e Rita, Benjamin!

— Que? — Foi a única palavra que consegui soltar.

 Senti um desconforto e nem imaginava de onde surgira. Olhei de relance para Rita e ela desviou o olhar no mesmo segundo. Por fora, eu tentei acompanhar a conversa que seguiu, Suzana e Kaio rindo muito e a Pietra um pouco quieta demais enquanto eles contavam histórias aleatórias. Por dentro, eu entrei numa guerra interna entre querer que ele me explicasse melhor de onde imaginou aquilo, e rezar para que ninguém falasse mais nada sobre esse ship. No final, como sempre, Pietra foi a salvadora da pátria, encerrandoa a conversa e meus devaneios, dizendo que precisava ir para casa. Nisso, Suzana e Kaio se despediram também e a seguiram.

 Era mais ou menos duas, três, quatro horas da tarde. Tanto faz. Ficamos novamente só eu e Rita em casa. Fazendo o mesmo que peixes, vendo navios... Até pensamos em tirar um cochilo, mas Rita, menos afetada que eu, resolveu começar a montar um plano de carreira:

— Eu quero trabalhar, quero começar logo minha vida, quero dar passos mais largos para viver e me encontrar, sabe? — Falava toda confiante, me contando sua decisão de arrumar um emprego. — Pode ser que nessa de procurar uma profissão, eu consiga lembrar o que eu fazia antes e lembrar de todo o resto!

 Adorava vê-la desse jeito, por isso não disse mais nada, só a acompanhei na construção do pequeno sonho. Primeiro, ela montou um currículo e enviou para vários sites de vagas de empregos. Ficamos quase o dia todo só nesse processo de procurar site, email, número de celular, rede social para depois mandar o currículo ou o nome para as entrevistas de emprego. Rita aceitaria quase todo tipo de serviço e até estava pensando em fazer cursos online para agregar alguma experiência. Como não tem nada aberto no domingo, ficou decidido que iríamos mais cedo para o mercado tentar algo no dia seguinte; quando fosse no hospital, aguardaria a consulta, mas também tentaria conversar com a administração depois e mais tarde, distribuiria currículos também nas lojas e empresas pelo centro. No meio disso, poderíamos nos encontrar na hora do almoço, talvez.

 Era um plano muito lindo com altas chances de dar certo cedo se não morássemos no país que moramos. Enfim, no dia seguinte, fomos falar com meu chefe de qualquer forma. Eu não podia entrar enquanto eles conversavam, porque afinal de contas, a entrevista era dela; então esperei do lado de fora com esperanças de que fosse resolvido logo e Rita conseguisse algum emprego ali, o que facilitaria e muito a nossa vida.

— E aí, como foi? — Perguntei assim que ela fechou a porta do escritório. Havia passado mais de meia hora desde que entrou.

— Nada. — Respondeu, desanimada. — Ele falou que precisava de sobrenome, documentos, alguma prova de que eu existo.

— Mas você está bem aqui na minha frente. — Brinquei para aliviar.

— Acho que seu chefe precisa comprar um óculos. — Ela continuou, fazendo nós dois rirmos. — Se ele não consegue enxergar esse belezura que eu sou... por que você está rindo? Está me chamando de feia?

—  Claro que não. — Tentei me defender entre risadas e uma sensação de rosto quente. – Pelo contrário! Ah, deixa. Você não tem um emprego para arrumar?

— Tenho. — Falou me dando um olhar voraz com aqueles olhos acinzentados perdidos entre fiapos da peruca que eu comprei e algumas leves cicatrizes — Tenho que bagunçar seu cabelos! — E em instantes, ela já estava fazendo  exatamente isso, mexendo nas minhas madeixas.

— Aposto que não mudou nada. — Falei convencido. Era verdade, nunca me importei de ficar ajeitando cabelo, acho que fica mais bonito esse natural desengonçado dele, é meu charme. — Devia ter tentado outra coisa! – Então baguncei os dela também, sendo muito original para não dizer o contrário.

— Benjamin, Benjamin. — Ela balançava a cabeça. — Você está brincando com o perigo, sabia que ele é de maior e já foi preso?

— Que? — Eu só conseguia rir, ainda mais que ela começou a tentar me bater no meio do mercado. — Lei João da Penha!

 Nós gargalhávamos e brincávamos um com o outro, enquanto os primeiros funcionários chegavam. Estava na hora de continuarmos com o plano maligno de Rita dominar a empresa que ela trabalhar.

— Me deseje sorte. — Pediu com um sorriso ao passar pela porta para sair do mercado.

— Você é a sorte! — Falei e dei um abraço apertado nela. — Mas só vai conseguir se tentar. — Concluí com uma piscadinha.

 Nos soltamos e então ela seguiu em direção ao hospital. E eu entrei para animar os clientes assim como todos os dias. Tinha esperanças que não fosse difícil para ela, mesmo com esse início ruim. Lembrei ao longo do dia o quanto foi complicado conseguir meu primeiro emprego, porque eu estava decidido a dublar, atuar ou trabalhar em alguma área parecida. Bem ingênuo, eu sei. Enfim, demorou, e fiz outras várias coisas nesse meio tempo, bicos e tudo mais. Até que fui chamado para ser anunciante, o mais perto do meu sonho. Mas ainda tinha fé que com ela seria diferente, não sei, era uma sensação, ou talvez intuição...

 Assim que deu o horário de almoço, saí para me encontrar com Rita. Marcamos numa praça no centro da cidade, porque era como a metade do caminho para ambos e eu tinha dito, na noite anterior, que ali era como um corredor cheio de portas, sendo que dentro de cada uma, existia uma possibilidade. Havia muitas lojas e prédios comerciais ao redor. Quando nos encontramos, ela disse que todo mundo com quem ela falou, respondeu que mandaria um e-mail ou ligação até sexta-feira. Aquele clássico. Mas ainda teve outros mais sinceros que já avisaram logo que “de acordo com os padrões necessários” do local, ela não estava “apta para ser contratada”. Mas a garota não parecia se importar com nada disso, havia sido apenas uma manhã, ainda tinha o resto da segunda-feira e sei lá mais quantos dias para procurar, tentar e tudo mais.

 Assim que terminamos o almoço, pedimos para falar com o gerente. E nossa, ele nos fez aguardar por tanto tempo, que pensei que não teria tempo para voltar para o meu trabalho antes do horário de almoço acabar. Mas depois de alguns séculos, a Margarida apareceu e nos chamou para sua sala.

 Só havia uma cadeira, que era justamente para ele sentar, e o ambiente era bem simples. Não tinha decoração, apenas uma mesa e um armarinho atrás.

— Os dois querem um trabalho? — Soltou sem cerimônias.

— Ah, não. — Rita respondeu, negando com a cabeça. — Ele trabalha, só eu quero.

— Tem certeza que não quer outro emprego? — Perguntou olhando para mim.

— Não, eu estou bem...

— Qual seu nome? — Me cortou, focando então em Rita.

— Rita.

— Rita de que? — Ele escrevia num papel.

— Só Rita mesmo. — Deu de ombros.

— Você não tem sobrenome? — Ele parou para encarar ela com as sobrancelhas arqueadas.

— Não. — Respondeu, segura. Deve ter lidado com esse fenômeno mais vezes durante a manhã, pensei.

— Tudo bem. — Ele voltou com suas anotações. — Me fala sobre você.

 O resto da conversa continuou dessa forma, bem relaxada e o cara nem se importou com todos os problemas de memória da Rita ou documentação, ao menos não demonstrou. Ele se despediu da gente, dizendo que pensaria melhor, mas que era para ter esperança, pois seria muito provável que a resposta dele no final de semana fosse “sim”. Não sei se Rita gostou ou não da ideia, eu esperava que se ele aceitasse, aquele fosse um bom emprego para ela e que realmente a ajudasse, conquistando o que ela desejava quando decidiu trabalhar.

 No fim, só deu para acompanha-la nessa entrevista, pois já estava muito atrasado para o trabalho. Não quis nem checar as horas para não saber quanto havia me atrasado; fui mais uma vez sem vergonha alguma na cara para o mercado; tinha certeza que de qualquer maneira levaria uma bronca do chefe ou algo pior. Vou poupar vocês da conversa que tive com ele naquele dia, mas garanto que foi mesmo ruim, bem ruim.

 Quando cheguei em casa da tarde estapafúrdica, Rita já estava lá, cochilando no sofá. Ao mesmo tempo que queria que ela fosse para cama para ficar mais confortável, não queria acordá-la, pois imaginava como o dia dela foi cansativo. Acabei por deixa-la descansar mais um pouco ali, até porque ela muito angelical naquela posição. Depois de um certo minuto estranho, meio vidrado na imagem, voltei a ser alguém normal e olhei as panelas em cima do fogão. Notei que ela já tinha jantado,e fiz o mesmo, limpei tudo e depois fui de volta para sala. Num ímpeto de loucura, resolvi pegar Rita no colo e levar ela até o quarto.

 Não deu muito certo, porque tentando tirá-la do sofá, quase deixei a moça cair no sofá de novo, acordando ela. Quer dizer, ela ficou naquele estágio em que eu estava no início do capítulo. Reclamou com alguns murmúrios, mas agarrou firme no meu pescoço depois. Fui seguindo devagarinho então, mas jurava que a qualquer momento eu e ela cairíamos no chão ou eu deixaria ela cair. Nem deu par me sentir um herói, e quando chegamos no quarto, acho que ela despertou mais vendo que eu estava desajeitado. Pulou rapidinho até a cama, mas não deitou, ficou sentada me encarando com um sorriso no rosto.

— Senta comigo. — Deu tapinhas ao seu lado, me chamando e eu obedeci.

— Como foi seu dia, risadinha?

— Troca de monstro, Ben 10. Esse apelido é horrível e você copiou. — Nós rimos e ela suspirou. — Primeiro, quero falar sobre meu sonho e você estava nele.

 Senti meu coração bater mais forte e alegre, estava curioso para saber qual foi meu papel no sonho de Rita. E então, ela contou sobre o sonho e o dia. Foi um momento tão bom que enquanto a ouvia falando, desejava lá no fundo que o tempo parasse ali como uma foto ou um vídeo. Rita falando sobre coisas engraçadas, divertidas e fofas, que fazia minha barriga doer de tanto rir ou puxar um sorriso; o brilho no olhar dela aliado ao sorriso frequente; nossas mãos unidas e a sensação que eu adorava; a chuva fraca visível pela janela entreaberta e a brisa que ela emanava.


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Notas finais do capítulo

E aí, pessoas? É a Louisa aqui depois de muito tempo. Preciso pedir esculpa por demorar do outro capítulo para esse, desculpa!
Espero que estejam gostando, beijocas ♥



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