Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 13
Efeito Gravitacional


Notas iniciais do capítulo

" I know these scars will bleed but both of our hearts believe all of these stars will guide us home" All of the stars - Ed Sheeran (tradução no final do capítulo)



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Enquanto que na minha última narração, terminei contando que Rita estava radiante, nesta começo afirmando que toda aquela energia que brilhava, apagou-se. Tudo começou quando já era fim do meu expediente e eu fui encontrar com ela no SAC para nós podermos ir embora: quando cheguei lá, nenhum sinal dela, o lugar estava mais vazio que  de costume. Então, fiquei rodando pelo mercado até esvaziar, perguntando aos meus colegas que organizavam os produtos para fechar o dia se algum deles tinha visto a Rita. Foi aí que uma que carregava uma caixa de detergentes passou reclamando que uma menina magrinha e “meio machucada” trombou com ela indo pro banheiro e Pietra estava junto.

Sem pensar, fui indo na direção dos banheiros; aguardaria ali de fora até alguma outra notícia, mas logo as duas saíram andando devagar. Pietra segurava uma caixinha de remédio e Rita tinha um copo de água pela metade na mão, seu rosto estava pálido e sua testa franzida, os ombros encolhidos. Assim que abri a boca para perguntar o que ela tinha, Pietra me encarou firme e disse decidida.

— Só esse remédio não é o suficiente.

Rita precisava de um médico, urgente. Peguei as bolsas delas e um colega que já estava de saída e morava perto do hospital nos ofereceu carona. Parecia até que tinha surgido do céu, nem conhecia o rosto dele direito. Porém, havia ainda niterói e seu engarrafamento. Tenho certeza absoluta, que não só eu, mas todos naquele carro vermelho, compartilhavam de um ódio  com todas as suas forças contra o fato de todo mundo acabar de trabalhar no mesmo horário e o sistema nos obrigar a trabalhar para não morrer de fome. Para quê nos impedir de ter mais ruas vazias e também um helicóptero para chegar mais rápido em qualquer lugar?

Rita, só sabia que sentia dores porque gemia de vez em quando, de resto, ninguém conseguia entender o que dizia.

Chegando no hospital, esperamos uns dez minutos até sermos atendidos. Assim, ela fez alguns exames e tomou alguns remédios na veia até dar meia noite, depois disso foi liberada. Meu irmão buscou a gente no hospital e deixou Pietra perto da casa dela. Não houve tempo para entender o que aconteceu. Só haviam plantonistas estressados no hospital e quando chegamos em casa, ela precisava dormir. Mais tarde quando fomos tomar o café da manhã, ela ainda parecia abatida, estava bem quieta.

— Está melhor? — Perguntei enquanto passava mais manteiga no pão. Ela assentiu, mas não me convenceu. — O que vai ser hoje? Correr uma maratona ou fazer a trilha do Corcovado de joelhos?

Isso era uma brincadeira com a resistência da criatura para todo pedido que eu fizesse no sentido de não fazer muito esforço. Mas ela apenas me encarou e negou com a cabeça. Dei uma mordida feroz no pão e tive um suspiro em resposta.

— Eu estou cansada, que horas chegamos em casa ontem? — Falava concentrada em misturar o açúcar ao café com a colherzinha.

— Uma e pouca. — Respondi com uma ligeira preocupação me assolando.

— O que? Por que?  —Parou com a mexida e arregalou os olhos, alternando o foco entre Alex e mim.

— Porque meu carro não consegue andar mais que aquilo para que nós saíssemos do hospital meia noite e cinquenta e chegássemos aqui antes de uma hora. — Ele respondeu direto, mas sem soar grosseiro...

— Hospital? — Concordamos e ela continuou quieta por uns instantes. Então, olhou para a xícara de café na sua frente e depois para a tela do celular de Alex que mostrava as horas, sete e treze. — Não consigo lembrar do hospital...

— Lembra do resto do mercado? Do que lembra de lá? — Interroguei na pressa, sentia meu coração acelerado. Já não é bom uma pessoa não recordar do dia anterior, isso dobra quando a pessoa em questão nem lembra do resto da sua vida.

— Lembro... lembro do mercado muito cheio, de ficar no SAC, de você falando no microfone e de seu dueto com o Kaio. — Seus olhos vagavam como quem estivesse procurando objetos, no caso, memórias. — Espera, lembro de muitas pessoas passando, uma moça perguntando onde ficava a seção de higiene; um cara procurando o filho e o filho catando o pai... — De repente o tom de voz foi ficando mais baixo. — Lembro também de Pietra e acho que... — Balançou a cabeça e completou seca — Tem mais alguma coisa, não sei, de repente senti muita dor de cabeça e o resto não me lembro.

Achei melhor contar a ela sobre o restante da noite, mas essa só agradeceu num murmúrio e voltou com calma a comer. Depois, voltamos à rotina. Fui para o trabalho e Alex para a faculdade, já a Rita tinha consulta cedo e preferiu passar o resto do dia em casa; parecia se sentir muito cansada e por isso, mesmo quando meu irmão chegou do curso, os dois passaram pouco tempo fazendo alguma coisa juntos.

Com o passar da semana, Rita foi se recuperando, mas ainda estava mais quieta. No sábado, estávamos eu e ela maratonando uma série famosa qualquer, quando Alex sai do quarto apressado, não estava indo para o banheiro, nem para a cozinha. Observei a movimentação, mas nem precisei perguntar nada, ele logo soltou.

— Vou levar a mãe na casa do vô. Só devo voltar de noite. — Falou procurando as chaves, assim que as pegou partiu rápido.

Virei minha atenção para Rita que tinha o olhar fixo na televisão, as pernas esticadas no sofá e a mão na pipoca. Estávamos assim desde o início do dia, não tínhamos feito mais nada além daquilo até aquele momento. Foi aí que tive uma ideia. Chamei uma galera para aparecer naquele mesmo dia no apartamento. Bem louco marcar uma coisa no mesmo dia, não é? Pois eu acho que o mais doido nisso foi que quase todo mundo realmente foi. E para marcar um cinema entre quatro pessoas são semanas...

Deve ter passado uma hora depois de compartilhar o convite com os contatos de Whatsapp  para o povo começar a tocar o interfone. Era um pessoal do mercado; os que sobraram da escola; alguns amigos da companhia de teatro da Pietra; academia que não deu certo; amigos de amigos; colegas de colegas; até gente do hospital em que a Rita se internou. E eu preciso dizer que só me relaciono com gente desocupada, porque se trabalhassem ou estudassem de verdade, estariam mortos de sono numa tarde de sábado ou fazendo suas coisas. “Só trabalha de verdade quem fica a semana inteira suando, o resto é teoria”. Essas ideias apareceram de intrusas quando vi o tanto de gente que cabia no apartamento.

Quando chamei as pessoas pedi foi que desejassem parabéns para Rita, alegando que era aniversário dela. Não era de verdade, mas foi muito divertido observar as reações da pessoas quando descobriram que era mentira, alguns ficavam vermelhos de vergonha, outros riam e me xingavam na minha frente. Já Rita foi a melhor, ela me batia toda vez. O que importa é que acho que no geral ela ficou mais animada e isso me deixava animado também. Ela conheceu mais pessoas legais, conversou com muita gente; acho que aproveitou bastante. Vez ou outra a pegava rindo com alguém ou dançando, mas seu estado era mais reservado, como se prestasse atenção a cada nota tocada e verso cantado. Foi uma característica nela que não demorou para que eu notasse no tempo de amizade que tínhamos: ela não apenas ouvia ou cantava uma música, sempre parecia acontecer muito mais, era assim até as da Riley que detestava.

Enquanto a festa rolava, eu e Rita paramos próximos da mesa da cozinha. Comíamos salgadinhos, e de alguma forma acabamos conversando sobre a importância da História nas escolas e algumas teorias da conspiração; quando Kaio e Pietra apareceram de repente na nossa frente super agitados.

— É daqui a cinco minutos! — Pietra avisou apressada e aproveitou para pegar uma coxinha.

— O quê? — Rita perguntou toda perdida.

— O novo clipe da Riley! — Responderam em coro como verdadeiros fãs.

— Ah. — Rita era todo o contraste em relação ao resto de nós, aquela notícia provavelmente não teve diferença nenhuma em seu dia.
Logo, fomos para a sala. Cadê o computador? Cadê o computador? Era o meu único pensamento. Desligamos o som e colocamos no site da Riley. Alguns reclamaram e a Rita mesmo tendo eu organizado uma festa para melhorar seu astral (traíra), era um desses. Outros se juntaram à rodinha em volta do computador aguardando uma novidade toda vez que Kaio clicava em atualizar a página. Lembro que pareceu uma eternidade e enfim, o vídeo carregou e isso animou todo mundo ali. Kaio colocou para começar e enquanto rodava, um conjunto de vozes cantava o mesmo que Riley. A música havia sido lançada há algumas semanas antes, então já tínhamos a letra toda decorada.
"Hey, você aí de jeans e tênis all stars
Vamos ser amigos
Você entrou no meu coração
Não me deixe na mão
Porque você está no meu coração
Hey hey hey
Você está no meu coração
Venha comigo
Me dê a sua mão
Hey hey hey
Você mora no meu coração
Hey"

Quando acabou, senti que Riley tinha dedicado essa música para mim. Eu usava jeans e all stars e ela sempre morou no meu coração, eu queria ser amigo dela! Tinha certeza que quando ela sentou no banco do estúdio dela para escrever esse novo clássico, pensou em mim. Mesmo que eu só tenha ido em um show e ficado lá trás, nem consegui lhe enxergar direito, então provavelmente nem ela me enxergou. Ainda assim, podia ser recíproco, eu sentia. Tá, eu sei que sou muito trouxa, mas atire a primeira pedra quem nunca sonhou num relacionamento com o ídolo. Sigamos.

Depois da cantoria, o povo se empolgou e começou a rolar um mini The Voice. Nem todo mundo participou, formaram um grupinho com as melhores vozes e excluíram o resto. Eu até iria  entrar, mas disseram que era marmelada, não podia roubar a voz de ninguém e blá, blá, blá. Como se a minha voz tivesse nascido com algum dispositivo diferente do resto das pessoas, eu só imito! Achei um absurdo e fui procurar Rita para desabafar. Encontrei-a encostada na parede próxima a porta, com um copo plástico na mão, isolada e quieta de novo.

— Não quer cantar? — Perguntei apontando para onde o grupinho em volta do sofá estava fazendo o mini The Voice.

— Não. — Fez careta e depois voltou com uma expressão séria.

— Tudo bem?

— Só estou com sede. — Respondeu e virou o copo de uma vez, bebendo o líquido de uma vez só. Quando terminou, olhou para mim de uma maneira pensativa. Depois balançou a cabeça como se tivesse tido uma ideia e mandou: — Vamos dançar!

Rita deixou o copo em cima do som e me puxou pelo braço para o outro lado do cômodo onde tinha menos pessoas, quem estava por lá apenas curtia a música. E então, dançamos.  Era só para se balançar e distrair, contudo quando dei por mim tínhamos feito todos o passos possíveis, com coreografia, sem coreografia, juntos, separados, com passos desordenados, dando pulinhos, mais calmos, mais agitados, mexendo só a cabeça, só os pés, os ombros, o corpo todo. Shut up and dance, Evidências, Thunder, Paradinha, Roar, Cheia de Manias, Sweet Dreams e muito mais.

Um barulho de porta abrindo me tirou do transe. Olhei para a janela e foi a primeira vez que notei que já era noite. Depois o olho foi para a porta e em seguida Alex que entrava apressado, deu uma olhada no ambiente com a testa levemente franzida e partiu para o corredor, onde seu quarto ficava; seus movimentos eram rígidos e ele mordia os lábios, numa mania sua que me indicou que estava furioso. Pelos meus anos de experiência sendo irmão de Alex, sabia que se eu fosse falar com ele naquele momento, ele ignoraria minha existência ou entraríamos numa discussão desgastante e longa, muito longa. Assim, tentei continuar acompanhando a música que agora era "I Want To Break Free". Soltei algum grasnido com meu inglês perfeito que devia estar mais parecendo “Eu vi um quati!”. Porém, ainda estava preocupado e fui parando junto com os poucos que comiam e bebiam. Percebi que agora a maioria dançava, até o grupo do mini The Voice havia se desfeito e estavam dançando integrados de volta ao restante. Fui pegar uma bebida, mas no meio do caminho dei meia volta em direção ao corredor. Entrei no quarto do meu irmão.

Quando estava do lado de dentro, observei meu irmão arrumar uma mala em cima da cama. Ainda parecia irritado.

— Você precisa bater antes de entrar aqui, você sabe disso. — Avisou num tom de voz mais baixo, focado em dobrar uma camisa azul escura.

— Vai passar quanto tempo na casa do vô? A mãe vai junto nessa? — Questionei ainda observando a quantidade de coisas que colocava na mala, ignorando seu pedido anterior.

— Vou me atrasar! — Falou aumentando o volume da voz e endireitando mais uma calça preta junto da bagagem. — Não tenho tempo para as suas perguntas.

— O que aconteceu?! — Interroguei elevando a voz no mesmo nível que o dele, não me aguentando mais. Era meio de período e o vô mora longe, algo havia acontecido e eu estava muito ansioso para entender.

Ele parou de arrumar e me encarou, cruzando os braços e respondendo nervoso.

— Eu estava no meio do caminho quando realmente me avisaram o que estava acontecendo. A sua parte da família tomou uma decisão seríssima sobre… — Fez um esforço amargo para soltar o termo seguinte — SEU avô... sem consultar quem mais se importava com ele. — Senti um aperto no coração como sempre acontecia quando falavam sobre esse assunto. —Agora tenho que correr para resolver isso.

Ao acabar de falar, se concentrou em fechar a mala e com muito sacrifício, conseguiu. Colocou-a nas costas e antes de passar pela porta, me lançou um sorriso amarelo e bateu a porta. Não lembro se queria ir atrás dele ou apenas sair daquele ambiente, mas lembro que passei para o corredor logo atrás, só que mais devagar. Observei meu irmão sumir de vista no corredor e por ali acabei ficando. Sentei encostado na parede, me senti num filme de drama em que o protagonista escorrega pela porta num choro profundo, mas a diferença para mim era que eu não chorava, nem sentia tristeza, só havia perdido o ânimo. Não queria voltar para o meio da música "Tear In My Heart" e da pequena multidão. Desejava que todos fossem embora. Sentia que de alguma forma, tudo estava errado e era culpa minha. Pensava em tudo e ao mesmo tempo em nada.

Não lembro quanto tempo tinha passado encarando a parede, quando Rita apareceu no fim do corredor. Nos olhamos e ela, perdida em também em seus pensamentos, se aproximou. Sentou do meu lado, bem encostada em mim e pegou minha mão. Sua mão transmitia uma sensação boa, macia e suave, que me deixou um pouco mais renovado. E enfim, ela encostou a cabeça no meu ombro e eu fechei meus olhos ao som da próxima música da playlist, uma das últimas, indicando que a festa estava acabando: "All Of The Stars".


"Então abra seus olhos e veja
Os nossos horizontes se encontrando
E todas as luzes irão te guiar
Pela noite, comigo
E eu sei que todos esses céus irão sangrar
Mas os nossos corações acreditam
Que todas as estrelas irão nos guiar para casa"


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Notas finais do capítulo

Desculpem-nos a demora, os estudos estão puxados mas não íamos deixar de postar de qualquer jeito. Esperamos que tenham gostado! Até o próximo capítulo ;)



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