WSU's Raiju escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 6
Drive




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O homem dedilhava em seu violão.

Não havia uma plateia para aplaudi-lo.

Era ele e uma criança, na sala da casa.

Ele e uma criança, em uma casa comum de família.

As várias notas, rítmicas e harmônicas, acompanharam o som da voz suave e afinada tal qual cada corda do instrumento.

 

Espere por mim morena

Espere, que eu chego já

O amor por você, morena

Faz a saudade me apressar

 

 

Café da Flor

 

— Talvez isso te refresque a memória — Pôs algo sobre a mesa.

Ao tirar a mão de cima do objeto, estava claro e gravado no distintivo de prata: ANIC.

— Agente Carol Trap, ANIC — apresentou-se. O som do metal ressoou debaixo da mesa. — E essa é minha arma engatilhando e apontadinha pros teus colhões.

 Desesperado, o rapaz coçou sua cabeleira cacheada.

— Olha... eu ia me entregar — disse Aarseth, sorrindo. — Eu juro.

— Hum. — Acenou a mulher positivamente, com a cabeça. — Mas que interessante — a ironia era vívida em sua voz.

— Um dia eu faria isso — continuou, engolindo seco.

— Acha que a gente aqui porque tu aproveitou uma chancezinha e fugiu, moleque trouxa? — indagou a agente, franzindo as sobrancelhas.

O hacker arrumou os óculos no rosto.

— Então o que é, docinho? — perguntou, inalando curto.

— O drive roubado é programado para emitir um sinal de localização, que informa o local do uso. — Ela colocou uma foto de satélite com uma área circulada em vermelho. — E o Phoenix Labs nos fez a denúncia.

Observando a marca, viu que se tratava de uma instituição de ensino infantil.

— Não me acha maduro o suficiente para frequentar a Creche da Criança Feliz? — perguntou, franzindo a testa.

— Não — a mulher forçou uma risada —, embaixo dela. A subestação abandonada.

Carol colocou mais uma foto sobre a mesa. Nesta, estavam os dois irmãos sorridentes no Parque das Capivaras, ponto turístico da cidade. Aarseth observava tudo atônito, como se não entendesse nada.

— Tem uma dezena de agentes esperando meu sinal verde lá fora e um monte recolhendo seus computadores na subestação — explicou ela. — Acabou.

Aarseth pensava naquele momento em todos os segredos que guardava nas suas máquinas, agora tudo nas mãos da agência que trabalhava.

Por baixo da mesa, ela segurava uma arma de calibre menor, mas que abriria um bom buraco no jovem à sua frente. Nas mãos dele, um celular. E poderia ser diferente vindo de um adolescente deste século?

 

 

 

Bairro do Leme

 

As árvores balançaram violentamente naquele início de noite, os ventos tinham uma velocidade incrível e o borrão azul atravessava a rua. Catarina, nos braços de Arthur e tendo sua nuca segurada pelo mesmo, sorriu, ao pararem.

— Ufa! — aliviou-se a garota, ao tocar os pés no chão.

— É aqui, não é? — perguntou o velocista de casaco azul. — O local que você e sua família estão?

— É, estamos há algum tempo já.

Pararam de frente a uma pousada simples, do tipo de lugar que é frequentado por caminhoneiros. Uma mulher loira observava ambos através de seus peculiares óculos. Uma lente preta e outra transparente.

— Parece que o capitão gancho está nos observando — analisou Arthur, dirigindo seu olhar para a excêntrica pessoa que vira.

— É a minha mãe — respondeu Catarina, fazendo com que seu amigo sobressaltasse os olhos. — Não tem problema — tentou consolá-lo, sorrindo.

Dois beeps saem do bolso do garoto. Ele tirou seu celular e viu uma mensagem de seu irmão.

— Caralho, o Aarseth incomoda muito — disse, guardando o aparelho de volta e ignorando as mensagens. — Você vai mesmo amanhã?

— Eu não sei — respondeu a ruiva. — Depende de algumas coisas.

— Eu fico preocupado contigo e... ao mesmo tempo não quero que vá, a gente acabou de se conhecer — disse o loiro, procurando palavras no em sua mente ocupada pelos lábios da moça.

  Ela abraçou o rapaz, até que foi um gesto demorado. Quando se afastaram, Arthur, propositalmente, aproximou os seus lábios dos dela. Porém, a moça ignorou a tentativa e apenas sorriu triste.

A garota lhe deu as costas, olhando para sua mãe. Ele a observou dando passos para trás na calçada, queria e não queria deixar o local e nesse transe da indecisão a buzina de um automóvel o alertou do perigo de atropelo, causando o espanto.

A moça olhou para trás também espantada e, em seguida, sorriu tranquilizada. Era só mais um descuido dele. Ela virou-se rapidamente para a mãe, que lhe atirou um olhar reprobatório.

— Ei, Arthur — chamou a ruiva. — Por que não passa aqui para me dar um abraço antes de ir amanhã? — convidou, sutilmente.

Tá-tá legal — falou, certificando-se de não sofrer uma colisão dos veículos que trafegavam na rodovia em suas costas. — Tranquilo, por mim. — Sorriu inseguro e nervoso. — Tranquilo... tranquilo, é isso aí. Muito... tranquilo.

Andou lentamente, deixando o local para tentar um sprint sem ser notado, um disparo de velocidade. Antes disso, olhou a mensagem no telefone.

 

Vou morrer, Aars

 

Sprint!

 

 

 

Café da Flor

 

— Olha, agente — disse Aarseth, explicativo. — Eu não toquei nem no drive, não tenho nada a ver com essa fita.

Flor, a dona do estabelecimento, passou com seu clássico avental de garçonete, carregando uma cafeteira em mãos. Olhou para a mesa em que estavam os dois, estava passando a estranhá-los.

— Então quem foi que acessou o drive hoje na subestação, gênio? — perguntou a agente.

Logo, a mente rápida do corrompido logo vagueou até a repentina visita de seu antigo amor.

— Me diz uma coisa — falou cínico —... Trap, né? — indagou, tentando se lembrar da mulher. — Tu conseguiu mesmo um mandado pra entrar na cafeteria que um suspeito foi lanchar?

As palavras do rapaz fizeram com que ela soltasse uma discreta risada.

Numa atitude esperta, o hacker piscou o olho e sorriu de lado. Logo, a curiosa senhora de cabelos presos foi abastecer sua xícara no momento.

— Eu sou uma ameaça tão forte pra você ter permissão para você disparar em mim na presença de tantos civis? — continuou.

Rapidamente ele se levantou da mesa e saltou o balcão ao lado, a reação da agente foi instantânea ao se pôr de pé, empunhando a sua arma e deixando os clientes espantados.

— Merda — xingou, devolvendo a ferramenta de trabalho ao seu coldre dentro do blazer.

Quando ela se deu conta da brusca atitude, o fugitivo correu para a cozinha pela porta atrás do balcão.

Aarseth planejava atravessar o corredor de fogões. Fornos, balcões com panelas e frigideiras para fugir pela porta dos fundos. Porém, dois agentes já o esperavam lá, fechando o cerco. Trajando ternos e óculos escuros, avançaram um atrás do outro em sua direção.

O primeiro tentou um soco, que o hacker desviou e arremessou uma panela de café fervente contra seu agressor. A queimadura facial atordoou o homem, que teve sua genitália chutada e foi empurrado no seu parceiro atrás.

O segundo acertou um soco em cheio no olho do garoto, quebrando a sua lente no rosto, em seguida, uma joelhada no estômago o levou ao chão.

Tossiu, perdeu o fôlego, vendo o vidro da lente e a armação dos óculos quebrada. Olhou para a porta da frente, pensando em voltar e tentar fugir por lá.

— Fica no chão, Aarseth — disse a agente, entrando na cozinha. Ele não ligou para a ameaça e tomou impulso para levantar-se, pegando uma faca amolada em cima do balcão ao seu lado. — Fica no chão, ou eu atiro!

O estrondo do projétil deixando a arma foi ouvido, quando a porta dos fundos abriu-se.

E tudo congelou.

Arthur repousou entre a bala e seu irmão. Atentou para o olho deformado, os óculos em estilhaços e seu cenho franziu instantaneamente, irritado. Seu rosto corou e uma lágrima escorreu pela sua face.

 — Estão — disse, entredentes, ao mover a bala para pouco traz da nuca da agente Trap. — Tentando.

Levou o esguio e agredido rapaz até a porta dos fundos.

— Matar.

Correu em direção ao homem de punho fechado

— O meu irmão?

 “Com um toque, eu jogo ele na parede” — pensou Arthur. Olhou para o rosto do irmão — “Ele não merece ir para a parede”.

Fechou a mão próxima ao olho do homem, voltou o punho para trás do ombro, preparando-se para o golpe letal e, num último instante, olhou novamente para Aarseth.

 

 

 

Hospital de Trauma, São Paulo, 2016

 

No quarto do hospital, de perna levantada e engessada, Arthur lia o Manifesto Comunista. A tentativa de assassinato a Erik Leminski foi barrada com a faca dentada do detetive Azathoth em seu joelho.

A porta de seu quarto abriu, ele abaixou o livro vermelho, curioso. Franziu a testa num misto de confusão e revolta.

— O que está fazendo aqui? — indagou furioso. — Sai do meu quarto, seu bandido! — gritou, apertando o botão da enfermeira no beeper ao lado da cama.

— Não adianta — disse Aarseth, calmamente adentrando no quarto. — Tá tudo fora do ar.

— Eu vou gritar, porra — avisou o loiro, nervoso.

O hacker puxou uma cadeira para o lado da cama.

— Calma. — Sentou-se. — Eu só quero conversar.

Ele coçou os seus cabelos cacheados e observou, preocupado, a perna arqueada do seu irmão.

— O que você tá fazendo, cara? — perguntou, indignado.

— Justiça — respondeu Arthur. — Contra tudo e todos que mataram nossos pais. Tudo isso enquanto você tava atrás das grandes, seu delinquente!

 — E você não é um, porra?! — O hacker, esbravejou. — Você tentou tirar a vida de dois caras! Onde está a sua cabeça?!

Ofegante, o irmão mais velho colocou o livro sobre o criado mudo de seu outro lado. Olhava para todos os cantos como se estivesse perdido.

— Eu sujei o meu nome, minha honra! — Levantou-se. — Você queria sujar as suas mãos de sangue — disse acalmando-se. — Não é melhor do que eu Arthur. Não é.

O loiro olhou para o vazio em sua frente, enquanto Aarseth respirava fundo.

— Você não é o meu irmão, eu não conheço você — resmungou o hacker. — Mas eu quero ele de volta — Seu peito apertou, suas palavras saíam com dificuldade —, só ele pode me ajudar a começar do zero.

  Arthur levou as mãos ao rosto, escondendo o choro que há muito tempo entalava a sua garganta e que agora lavava a sua alma.

 

 

 

Café da Flor

 

Abriu a mão, a abaixando. A bala estava prestes a acertar a nuca da mulher, mas o velocista mudou sua trajetória para que acertasse o teto. Parou em frente à porta, onde deixara seu irmão debruçado, que estava tentando se levantar quando chegou.

Parou e pensou, voltou ao corredor de fogões industriais. Como se riscasse dois fósforos, passou ambas as mãos ao chão e, ao invés de fogo, surgiram duas faíscas de eletricidade. Então, deixou o local, levando Aarseth.

As duas rajadas elétricas acertaram em cheio ambos os agentes, os levando ao chão.

A agente, atordoada e com seu terno esfumaçando, olhou ao seu redor. Procurou o seu fugitivo e nada viu, apenas seus parceiros ao chão.

Agente Carol Trap, a situação está sobre controle? — indagou a voz em seu comunicador.

— Que merda foi essa? — indagou a mulher.

 

 

 

Centro da Cidade de Primavera

 

Arthur parou numa praça e colou seu irmão ao chão.

— O que houve, Aars? — perguntou, com raiva.

— O que acha que foi? — ironizou.

— São da ANIC. Eles não tentariam te matar, se não reagisse. Você é um fugitivo! — gritou o velocista. — Você não tem medo de morrer?!

O hacker balançou a cabeça negativamente.

— Não — respondeu, limpando o olho sangrando verde —, você tem Arthur?

Parou reflexivo, para não falar o que não devia.

— Eu tenho medo de matar e não de morrer. — respondeu o loiro. — Você quase me fez matar hoje, eu saí do controle por sua causa.

Uma tosse tomou conta do garoto loiro, um filete sangue esverdeado se esvaiu de sua garganta e ele tentou se recompuser.

— Por minha causa, Arthur? — indagou agressivo, partindo para cima do irmão. — Ou é por causa desse vulcão? — empurrou a cabeça do mais velho com o dedo — E é melhor começar a ter medo de morrer, por que tá que se batendo na porta do céu! Se você tivesse operado, não teria essas crises! Não precisaria das merdas dos nanobots.

— Chega! — gritou interrompendo, ofegante. — Vamos pra casa.

— Não dá, gênio — respondeu o hacker, olhando para o chão. — Tá cheio de ANIC, federal e os caralho lá. — Levou o olhar ao irmão. — Vai ter que ir lá e pegar o seu traje e o meu notebook, para a manutenção dos nanobots.

— Que merda é essa? — perguntou Arthur, irritado. — Como você deixou isso acontecer?

— Eu não tive culpa, falou? — disse, explicativo.

— Tá me escondendo alguma coisa, Aars? — Apontou o dedo para o irmão. — Se eu descobrir que tá me deixando passar algo em branco, você tá morto pra mim.

O hacker virou o rosto e fingiu desdenhar.

— Corre lá, antes que eles vasculhem os vagões de trem e achem nossos equipamentos, nada na bilheteria é muito importante — falou, dando as costas e andando. — Eu te encontro no motel da Avenida Presidente Vargas. Vou alugar um quarto de casal, é mais barato.

Arthur olhou para o seu irmão, enquanto ele subia num ônibus. Aquele olhar desconfiado era diferente, talvez nunca fosse tão intenso para Aars, que observou da janela. O velocista num instante desapareceu.

 

Sprint!

 

 

 

Pousada Raízes

 

Catarina, num quarto simples de uma única cama e um criado mudo, pegou sua bolsa de notebook e dela retirou seu computador. Ligou, digitou sua senha de entrada e logo foi a um atalho “copiado de Drive da Phoenix”.

Seguiu para a pasta “acelerador de partículas”. Parou e observou os dois ficheiros que o criador havia fixado na ponta, como se fossem mais importantes.

Ela passou o cursor em cima do primeiro:

“Estudos do Tecido Temporal”.

Porém, deu dois cliques no segundo.

“Arthur Caesar Brandão”.


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