WSU's Raiju escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 3
Casaco de Vison




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Só no sumiço do meu pai, me dei conta da falta de uma figura materna. Sem ter para onde ir, fui parar num lar adotivo local. Não demorei muito para ser adotado, a procura nesses locais é sempre pelas crianças mais jovens.

Os meus novos pais eram um casal de São Paulo, a cidade cinza na qual me acostumei a viver, totalmente diferente da pequena e ensolarada Primavera. Tive de crescer numa selva de pedra, onde nascia o projeto da famosa usina nuclear da grande multinacional de tudo: Column Technologies.

Esse grande conglomerado internacional cresceu com um forte interesse nas pesquisas genéticas em medos da década de 1970, mas logo se expandiu para outros ramos. Foi quando criaram o mais eficaz sistema operacional de personal computers, em 1984.

Vieram ao Brasil no final da década de 1990, decididos a desbravar a produção de energia atômica. Eles até fariam isso nos Estados Unidos, mas as terras tupiniquins clamavam pela entrada de capital estrangeiro e, em troca, nem faziam questão de olhar com carinho para a mão de obra local.

Desde 1500, o governo sempre transformou esse país num puteiro, é assim que se faz dinheiro aqui. A cobertura do prefeito, o iate do deputado, o carango do fiscal e fica tudo na paz.

 De tão despreparados, os próprios trabalhadores espalharam radiação pela cidade durante uma década. Até acontecer o pior, um acidente nuclear que tirou a vida de mais de oitenta pessoas.

Às vezes, eu acho que foi tudo proposital. Tenho certeza de que os geneticistas que fundaram a Column sabiam.

 Sabiam das pessoas especiais.

Sabiam o que a exposição à radiação às ocasionaria.

Sabiam do sangue verde que correria nas veias dessas pessoas; para sempre.

 

 

 

Banco Federal da Cidade de Primavera

 

O bandido parou inerte, assustado ao ver diante dele um herói. Talvez fosse algo que ele não pôde prever. Com sua voz estremecida, para dificultar o reconhecimento, o Gladiador Azul alertou-o:

 — Aí, Lula — chamou calmamente. — Deixa a escopeta no chão e joga a mãozinha pro alto.

O mascarado deu uma risada incrédula e se abaixou, fazendo-lhe o que foi pedido.

O que tá acontecendo aí? — perguntou Aarseth no comunicador, preocupado. — A temperatura caiu muito.

 Na hora de levantar-se e pôr as mãos para cima, sem demonstrar reações, não o fez. Ao invés disso, as extremidades dos dedos de sua mão esquerda, tocaram o piso da sala de espera e uma camada de gelo se formou indo em direção ao Raiju.

Mudando rapidamente a direção, esquivou-se do rasteiro golpe, que decerto o congelaria.

— O que é isso? — questionou o herói, percebendo o vapor sair de seus lábios.

Isso é zero grau Celsius e descendo mais! — respondeu o irmão.

Toda a sala estava coberta por uma névoa e a escopeta já estava novamente nas mãos do bandido. Ele desferiu um disparo, fazendo o estrondo ecoar até o som parar lentamente de maneira incomum, acompanhando o movimento do projétil, que desacelerou quase pausado no ar.

Obstinado, Raiju olhou para seu oponente e partiu correndo. Já podia ver seu inimigo como uma estátua. Driblou a bala que pátria quase parada no ar indo em direção ao seu peito.

“Apenas um toque e jogo ele na parede” — Raiju pensou, logo direcionando o dedo indicador direito ao tórax do bandido.

Seria um deslocamento longo, pela aceleração do Gladiador Azul, um empurrão que ocasionaria num nocaute. Isto, se no milésimo de instante do toque, o corpo do inimigo não fizesse o movimento contrário.

O peito do mascarado foi atraído como um ímã à ponta do dedo do herói e as falanges do indicador do Raiju cederam produzindo o estalo de ossos quebrando, o fazendo urrar de dor. O velocista foi obrigado a mudar de direção mais uma vez.

 — Você se machucou, Arthur? — perguntou Aarseth, preocupado.

— Nada! — gritou, fingindo ânimo. — Só gritei de felicidade, por tentar empurrar o cara e ele vir pra cima de mim, quebrando meu dedo.

Opa! — o hacker se preocupou. — Ele resfriou tudo e fez um movimento oposto à sua força?

Uma rajada de gelo foi em direção ao velocista, que se esquivou cautelosamente e contornou o adversário, indo para suas costas.

— Sim, e daí? — irritou-se, o herói azulado.

Você não leu os “pdfs” de Física Avançada que eu te mandei, não foi? — Aarseth também se enfezou. — Me enganou de novo dizendo que leu na velocidade da luz, mas só folheou.

— Não li nem os do ensino médio, Aars! — respondeu, esquivando-se de mais uma rajada congelante, que atingiu um filtro d’água, fazendo o garrafão virar uma pedra de gelo. — Eu sou um pintor, fiz artes na USP! Fala logo o que eu preciso fazer!

De sua apertada bilheteria, sentado de frente a vários computadores, o hacker coçava os cabelos encaracolados.

— Merda, Arthur! — murmurou, coçando o queixo. O brilho das telas clareava as lentes de seus óculos. — Ele atingiu o zero Kelvin — disse, explicativo. — Isso quer dizer que as partículas dele, consequentemente, estão num estado de massa negativa.

Então, vou ter de derrubar ele de uma vez — Aarseth ouviu de seu comunicador no computador.

— Eu sou ateu, mas... pelo amor de Deus, não! — gritou o irmão, desesperado.

Imprudente, o velocista correu tentou um soco direto no queixo do adversário. A máscara rachou com o golpe, entretanto, a pele facial, dura como uma rocha, não. O herói sentiu seu pulso virar, quando o corpo do adversário veio ao seu encontro, o impacto levou o Raiju à parede.

Atordoado, um filete de sangue verde desceu de seu lábio. Ele viu o agora desmascarado, um homem de barba e cabelos grisalhos, de olhos escuros. Estendeu a mão em sua direção, produzindo uma rajada congelante que o atingiu.

Sentia a dormência tomar seu corpo lentamente com o frio, o fazendo debater-se e a gotícula verde que escorria, logo parou em estado sólido.

 

 

 

São Paulo, 1999

 

Já fazia um ano da minha adoção e eu não estava nada bem com isso. Meus pais adotivos eram pessoas muito boas, longe de negar isso eu. Só quem já sentiu, que mesmo acompanhado está sozinho, sabe do que eu estou falando.

Sim, eles fizeram questão de não me deixar sozinho. Herbert e Felícia adotaram um outro menino. Um mais jovem e com problemas de miopia. Incrível ver como em um ano, o desempenho escolar dele foi do mais burro, a dividir classe comigo, dois anos mais velho.

— Puxa! — disse Herbert, com uma mão na cintura, segurando um teste de matemática. — Gabaritou matemática de novo, Aars!

Aquele bigode de vassoura, aquele cabelo curto e aquela pochete... eu odiava aquele cara. Como se aquelas continhas de mais e menos fossem dizer alguma coisa.

— Olha, fizemos bem em te avançar umas séries! — elogiou Felícia.

Essa eu detestava, dona Florinda do cacete. Tinha vontade de arrancar cada bob de seus cabelos, ainda mais quando ela pegou o meu teste.

— É, Arthur — arregalou os olhos, analisando minha prova. — Você poderia pedir uma ajuda ao seu irmão.

Talvez, eu só a respeitasse naquele momento, pela Caloi El Laranja aro dezesseis, que havia me dado. Senti um tanto desrespeitosa aquela comparação

Aarseth me olhou, sentando em sua cadeira com um casaco de vison marrom e exibiu um sorriso malicioso naquele rosto de babaca, ainda por cima me mostrou o dedo médio. Era demais para uma criança de seis anos.

Levantei do sofá bastante enfurecido, bati a porta da sala com força e, do lado de fora, montei na minha bicicleta. Não ligando para o frio de 1,2 ºC que fazia naquele dia, pedalei rua adentro e observei os meus pais gritarem por mim.

Adaptação era difícil para mim naquele momento, não sentia que podia confiar neles, era recente. Também era recentemente que eu havia tirado as rodinhas traseiras de suporte e era a primeira vez que eu pedalava num asfalto tão gélido, que o atrito que os pneus faziam, não eram o bastante para guiar a bicicleta na direção que eu queria, mas sim para dentro de uma vala.

Era naquele canal que passava o esgoto do bairro, eu estava na merda. Na verdade, bati a cabeça num pedaço de merda no chão e apaguei. Era tão ridículo eu estar cheio de bosta, vestindo uma regata do Freakazoid e um shortinho do Senai.

Quando abri os olhos, ainda estava na vala, mas estranhamente eu vestia um casaco de vison marrom. Todo sujo, mas com um belo agasalho, na companhia do meu irmão adotivo.

— Você tá tremendo — observei, o vendo com uma camisa fina para o frio daquela vala.

 — É um impulso do corpo, o movimento me faz aquecer — disse, como se fosse o cara de queixo tremido mais inteligente do mundo. — Devia apalpar o próprio corpo e fazer movimento. Mamãe e papai vão chegar e tirar a gente daqui logo.

O olhei fixamente, seu olhar me passava confiança pela primeira vez nesse um ano de convivência. Vi a minha El Laranja com a roda dianteira amassada, certamente virou ferro velho.

— Vai logo, baitola — me advertiu, bravo.

Comecei a massagear os meus braços, como ele pedira. Seria assim dali em diante, ele falando e eu fazendo.

 — Puxa! Esse casaco é macio — observei, ao passar as mãos.

Escutamos um som de ferro atritando ao chão, era uma escada vinda de cima da vala. Nossos pais, preocupados nos chamavam. Levantei com dificuldade, me apoiando em meu irmão e subi a escada, Herbert me pegou em seus braços e me abraçou sem se importar com o mau cheiro de merda e até a Felícia fez o mesmo.

Era a primeira vez que eu não me sentia só com eles, me senti protegido, envolvido por abraços e um casaco de vison... era daquele moleque safado, que, subindo as escadas, me sorriu. Não o sorriso malicioso de mais cedo, um sincero, que fiz questão de retribuir.

 

 

 

Banco Federal da Cidade de Primavera

 

Os olhos azuis, tal qual o uniforme, se abriram. Seu corpo todo vibrou numa velocidade sobrenatural e em questão de segundos, correu, saindo do alcance dos raios congelantes.

— O movimento gera calor — disse o Raiju. — Uma vez um sábio me disse isso.

Pensei que tivesse tirado isso de calorimetria básica — respondeu Aarseth, sarcasticamente. — Entretanto, se a massa dele estiver mesmo negativa, empurrões ou socos vão te prejudicar.

— Então, eu tenho que puxá-lo — respondeu o Gladiador Azul.

Uma risada foi ouvida vinda do comunicador.

Nerd — mais sarcasmo do hacker.

O velocista correu na direção do bandido mais uma vez. Podia-se ver emergir, em rajadas azuladas, os elétrons de seus pés e braços e, com sua mão saudável, puxou o inimigo pelo braço. Como se fosse um elástico, o corpo do mascarado foi arremessado contra a porta do caixa.

O estrondo foi ouvido da sala do cofre, a mascarada surpreendeu-se e logo pensou que algo de muito errado estava por acontecer.

 — Zero-K abatido, Azar — disse a voz feminina em seu comunicador, no ouvido da bandida.

— É, eu sei disso — retrucou a ladra loura, carregando uma grande sacola preta. — Hora de dar boa noite ao velocista, Farol. Apaga tudo.

Num instante, mais um estrondo foi ouvido e todas as luzes do banco, apagadas.

— Que tiro foi esse? — perguntou Raiju, assustado.

Alguém muito foda — analisou o hacker. — O sistema do banco foi invadido, eles apagaram tudo, mas já passei pelo firewall deles. Estranho, foi fácil.

A energia voltou, as luzes se acenderam e logo o Gladiador adentrou na sala do caixa, procurando pelo bandido. Mas qual deles eram os caras maus? Ao chegar ao local, todas as pessoas vestiam máscaras de Dilma e Lula e usavam macacão jeans, tal qual os bandidos.

A resposta? Nenhum.

Ele vasculhou cada rosto por debaixo das máscaras em segundos e ninguém era o homem grisalho e de barba, que vira antes.

Eles deram no pé enquanto você estava cego, por isso foi tão fácil retomar a energia — disse Aarseth. — Parece que o roubo foi planejado contra você.

Raiju observou os reféns de cenho franzido, aquele não era um dia de vitória. A ventania invadiu o ambiente, ele se foi. Porém, aquelas pessoas de máscara, sentiram e sabiam que havia mais alguém ali.

 

 

 

Subestação de metrô de Primavera, terminal B

 

Mais uma vez sentado na poltrona velha no meio da estação, Arthur observava a torção no pulso e o dedo quebrado. Já conseguia girar a mão com delicadeza.

— Sua regeneração tá pior a cada dia — observou Aarseth. — Acho que vou tirar um coxilo, me acorda quando sua mão estiver curada.

— Então você vai hibernar, queridão — o loiro sorriu. — Também afim de tirar uma pestana, mas você sabe que não consigo quando estou rápido. Eu preciso dos sedativos, quanto mais rápido eu estiver, mais rápido as células cancerígenas do tumor se espalham.

— Algumas horinhas não vão fazer diferença — o irmão mais jovem tentou tranquilizar —, tu dorme depois que curar a mão. Teve uma luta dureza hoje e deu sorte de não se machucar mais sério, pra deixar de ser otário.

Arthur sorriu, incrédulo.

— Escapei sem nenhum arranhão dos inimigos, né? — ironizou.

— Não — respondeu o hacker. — Eles escaparam sem levar um centavo do cofre.

 O garoto loiro franziu o cenho.

— E o que eles foram fazer lá? — perguntou, confuso.

— Levaram um drive que estava no cofre — Aarseth falou com um sorriso, debochado —, tesouro de um cliente.

— Divulgaram o nome dele?

O hacker apenas balançou a cabeça negativamente e deixou a sala, em direção à bilheteria que improvisava como seu quarto.

Arthur já mexia o punho livremente, enquanto observava seu irmão deixar a plataforma de embarque. Certamente, era algo estranho para ele. Corrompidos assaltando um banco e levando apenas algo que em tese poderia ser insignificante.

O inverno havia começado e os pingos de chuva vazavam nas goteiras da velha e abandonada estação, tocando a pele alva do velocista. Enxugando a gota que o molhara, ele disse para si:

 — Não vou mais passar frio.

Disparou em direção à bilheteria B20, o seu quarto. Abriu os armários, seu guarda-roupa e tirou o velho casaco de vison marrom. Envolveu-se no tecido macio, como se fosse um lençol e deitou-se no colchão improvisado no chão, enquanto massageava seus braços.


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