WSU's Raiju escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 11
Lembranças




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— Está... — ele escutou a voz lenta e grave, ganhando velocidade no clarão branco e repleto de ondas gravitacionais.

Aos poucos a luminosidade intensa foi dando lugar a uma sala de estar.

— ... com sono — ainda deformado, o som ficou mais audível —, filho?

Quando o velocista desacelerou, apenas a luz da televisão de filtro redondo restou, iluminando os rostos do garoto loiro e seu pai.

— Não, papai — falou o menino rechonchudo, arregalando os olhos.

Sem camisa, aquele homem magro e careca, cheio de olheiras, aparentava estar cansado, por sua respiração ofegante. A voz de ambos permanecia lenta e deformada, mas de uma maneira que o Raiju, apenas ele no mundo, entendia e sabia perfeitamente onde e quando estava.

— Tem algo te incomodando no quarto, filho? — No instante em que terminou de perguntar, uma tosse tomou conta dele.

  Uma roda de sangue foi expelida de sua garganta e ganhou destaque quando exposta no tapete felpudo e branco da sala.

— Vai pro quarto, Arthur! — exigiu o pai nervoso, apontando para escada.

Uma lágrima desceu pelo rosto do homem, enquanto o filho olhava confuso para a marca estranha no tapete. O Gladiador Azul observava tudo, rodeando o local numa frequência tão alta que não pôde ser percebido. Se escondeu na cozinha escura, os vendo quase estáticos.

— Vai agora, caralho! — gritou o senhor, com sua falha voz, aumentando a crise de tosse.

O pequeno menino de pernas roliças, trajando apenas uma fralda, correu pela escada, enquanto escutava as tossidas do pai, que ecoavam de toda a casa para o seu quarto. Era a deixa para que o herói acelerasse até o sofá, onde repousava o moribundo homem, com olhar fixo para os degraus donde seu filho acabara de pisar. O velocista suspirou parado de frente a ele.

— Eu esperei tanto por isso — disse o Raiju, ao contemplar o rosto congelado e tirou o seu capacete.  — Por toda minha vida imaginei como seria voltar no tempo e vir aqui, aonde a gente se separa... pra sempre. — Sua mão enluvada, tocou o rosto do senhor. — Só pra te abraçar, pai.

Ele se curvou, ajoelhado, de cabeça baixa sobre o colo de seu genitor. Sua respiração, ofegante e descompassada, acabou por dar espaço a um grito de desabafo.

— Não podia ser assim! — berrou, revoltado. — Eu tive uma família, mas eles me deixaram cedo demais! — Acalmando-se, continuou a falar, enquanto as lágrimas escorriam em seu rosto. — Igual a você... e eu tive que aprender a me barbear sozinho; a conviver com a rejeição do maldito sangue verde; a viver num mundo de estátuas... e dói tanto, pai.

O choro intenso travou a sua garganta, de modo que não conseguia soltar uma palavra a mais e os soluços tomassem conta de si.

— Dói tanto, que eu não lembre mais da sua voz.

Abraçou-o, repousando a cabeça sobre o peito do homem pausado. Então, sentiu seus cabelos sendo afagados e, em seguida, sua cabeça sendo segurada por duas mãos, quando sentiu nela um beijo.

 — Me perdoa, meu filho — disse a voz falha, emocionada.

Espantado, o jovem olhou para o tapete e nele viu o sangue da tosse de seu pai: um plasma verde, no tecido. Quando os lábios afastaram, ele ergueu a cabeça e viu o hematoma em forma de punho fechado, marcando o peito do esguio senhor.

— Tem uma direita potente — sorriu choroso ao dizer —, garoto.

Só então o rapaz abraçou forte aquele homem, num movimento tão rápido de ambos, que as faíscas de eletricidade iluminaram o ambiente. Quando ficaram de pés, contemplou seu pai, que como ele era um velocista.

 — Precisamos ir, pai — disse o Raiju, preocupado. — Alguma coisa aqui vai fazer com que você desapareça para sempre, é a minha chance de mudar isso.

— Mas você não vai mudar nada, Arthur — rebateu Osíris, sorrindo.

Confuso, o herói parou sem entender, boquiaberto olhando seu genitor.

— É claro que posso mudar isso, você não sabe o que vai acontecer! — gritou, desesperado.

— Tenho duas costelas quebradas perfurando o meu pulmão. Nem a nossa regeneração seria suficiente com um câncer espalhado pelo corpo todo — falou com dificuldade, tossindo sangue. — Não vai mudar nada, é você quem me tira daqui e faz com que tudo siga normalmente, filho.

Incrédulo, o herói se desesperou nas palavras do pai.  

— E se eu não quiser?! — esbravejou, choroso. — E se eu quiser voltar no tempo e fazer com que você viva a vida inteira comigo? Ao meu lado?!

— Então esqueça a garota do gato fujão.

Logo, a rápida mente do Gladiador Azul lhe remeteu a memória da menina cujo felino de estimação tirou da árvore outro dia.

— Fernandinha e senhor Bigodes.

— Ou talvez o motoboy, que acha que é rápido — continuou Osíris, irônico. — Só que rápido é o cara azul, prestando atenção nas ultrapassagens irregulares dele.

— Shilton ligeirinho. — Sorriu forçado com os olhos brilhando, ao dizer.

— É melhor você se mostrar pra velhinha, antes que ela pense que tem Alzheimer. — O careca riu, abafado pela tosse. — Ela nunca vai lembrar de todas as vezes que atravessa a Avenida Presidente Vargas.

O Raiju se recordou de cada momento atravessando a senhorinha de cabelos brancos com suas compras.

 — Dona Armínia — ambos disseram juntos.

O pai segurou a cabeça do filho pela nuca, olhando em seus olhos azuis.

— Mesmo que ninguém se quer o veja, você os conhece — disse Osíris, com os olhos mareados. — Eu vejo você falar com cada estátua e as observar. E faz isso talvez para diminuir essa solidão, mas eu sei que você ama cada um deles.

 O jovem espremeu seus olhos e as lágrimas escorreram pelos cantos de seu rosto, ao pensar que estava próximo de mudar tudo o que conhecia.

— Mas eu nunca fui feliz, pai — falou cabisbaixo. — Não consegui completar nada em toda a porra da minha vida, eu só perdi.

— Ninguém é feliz a vida toda — retrucou Osíris. — Você teve seus momentos felizes.

As palavras de seu genitor foram adornadas pela lembrança da árdua caminhada ao lado de seu irmão na corrida anual de Primavera.

— Amou.

Um beijo, segurando pela cintura de sua amada Serena lhe veio à memória.

— Se decepcionou.

Em contraste, veio à mente a bofetada que lhe perturbava todos os dias.

 — Posso não ter estado ao seu lado todo esse tempo, mas vi tudo o que vivenciou e agora... — Um mal estar fez com que ele tomasse o fôlego arquejando. — é hora de se juntar a mim no fim.

Raiju suspirou, pegando o seu capacete de gladiador e o vestindo por mais uma vez.

— Só me dê mais um minuto, pai — pediu o garoto, entristecido.

Quando Osíris balançou a cabeça afirmativamente, o herói subiu as escadas veloz e adentrou no quarto onde passara parte de sua infância. Olhou para as paredes do com papel de parede dos “Ursinhos Carinhosos” do quarto escuro.

Tão pouco estava arejado o ambiente, que decidiu girar as lentes de seus óculos, o colocando em modo de visão noturna. Só assim, tinha condições de achar o que procurava. Olhou por todos os cantos do cômodo e parou assustado, ao ver um DVD com capa de papel. Algo incomum para época e ele não tinha recordação alguma de ter ali aquele objeto, por isso recolheu para o bolso falso no peito de seu traje.

Seguiu procurando, entrou no armário e achou o pequeno bloco de notas ao lado de um conjunto de canetas coloridas. Pegou a de cor azul e rabiscou uma das folhas rapidamente, a arrancando e transformando numa bolinha em sua mão. Respirou profundamente e olhou para trás, dando de cara consigo de fraldas e cabelo de franja, com seus azuis olhos assustados.

Agora tudo o que Osíris disse fazia sentido, não havia um terceiro. Ao olhar a cena de suas lentes, sabia que era o monstro do armário.

— Pai, tem alguma coisa no meu armário! — gritou o menininho, com sua inocente voz.

Era sua deixa para sair dali e fazer exatamente o que aconteceu. Correu e deixou a porta fechada, parou um instante pensativo relembrando de como aquilo foi traumático e assustador para si, estava revivendo o pior momento de sua vida. Foi o tempo que bastou para que a maçaneta girasse mais uma vez e o pequeno Arthur flagrasse o Raiju novamente.

 O herói desceu as escadas e tentava perturbadamente raciocinar o que fazendo, quando atirou a bolinha de papel em sua mão ao chão e se escondeu na cozinha escura mirando a sala de estar.

— Tem alguma coisa na cozinha, papai — disse o menino assustado, puxando a gola da camisa do homem agachado no tapete da sala. — Por favor, acredita em mim.

Ele olhou impaciente para seu filho. Cansado e respirando com dificuldades, se levantou e foi até a cozinha, guiado pela meia luz no ambiente, produzida pelo televisor, apertando o interruptor no início do cômodo ao lado.

 As luzes foram acesas mostrando uma mesa com quatro cadeiras, geladeira, armário de inox e uma pia, nada de anormal. Nada que pudessem ver, já que o velocista os espiava atrás da porta dos fundos.

— Não tem nada aqui, Arthur! — falou bravo para o menino, que reagiu com um olhar de cão entristecido. — Volta logo...

As luzes foram apagadas pelo Raiju, que puxou Osíris pelas costas, desaparecendo pela porta dos fundos violentamente a berrar com sua voz rouca e assustada, que perdia espaço para ondas gravitacionais que surgiam.

 

 

 

Subestação de metrô de Primavera, terminal F

 

A porta da bilheteria F-15 foi arrombada com um chute, caindo num estrondo. Catarina, sentada na cadeira do caixa, se espantou, deixando o seu notebook cair com o susto.

— Vamos embora, filha! — ordenou Azar, ao entrar no quarto.

— O que houve lá embaixo? — perguntou a garota, olhando para trás. — Cadê o papai? 

— Tem uma singularidade engolindo tudo! — esbravejou a loira. — Seu pai pode estar morto agora mesmo, vamos embora!

A garota levou a mão a sua boca entreaberta.

— Ok — concordou Aars, amarrado ao chão. — Vão me deixar aqui?

— Catarina — falou a mulher agressiva, puxando a mão de sua filha —, eu disse que vamos.

A garota soltou a mão de Azar, da mesma intensidade com que foi puxada.

— Não vou deixar ele aqui para morrer — rebateu a ruiva, revoltada. — Devia ter previsto isso antes de mandar o Arthur para o acelerador!

— Eu não posso enxergar o tecido-tempo com uma singularidade no meio! — esbravejou a mãe a criminosa, enquanto sua filha desamarrava o hacker. — É como um eclipse no meio de um dia ensolarado, não sei o que vai acontecer quando sairmos por aquela porta!

 — Eu sei — respondeu, Aars ao ser desamarrado. — Se temos que fugir dessa coisa, vamos usar o trem e ir para o Rio. Vai ser mais seguro fora de Primavera.

 

 

 

Em algum lugar/período desconhecido do espaço-tempo

 

Com Osíris em seus braços, o velocista foi desacelerando até parar. Olhou em sua volta e percebeu que se tratava de Primavera, mas talvez não fosse a sua cidade. Pois bem, não circulava uma alma e as ruas eram cobertas por uma estranha neblina azulada.

— Pai, que porra de lugar é esse? — indagou o herói, arqueando as sobrancelhas.

O velho esguio parou olhando para a rachadura no meio da Avenida Presidente Vargas e caminhou até o buraco, acompanhado por seu filho o mesmo fez. Ambos miraram para baixo e puderam ver que nada havia naquela fenda, apenas estrelas e astros estranhos, nunca reconhecidos na astrologia.

— Se quer que eu vire terraplanista, pode esquecer — afirmou Raiju.

O semblante de seu pai já havia mudado, um sorriso ocupava os lábios manchados em sangue verde.

— Deus me livre! Se quiser, pode usar drogas, mas isso nunca! — respondeu, sério. — Eu costumo chamar este lugar de Atemporal

Atemporal?

— Sim, um lugar engolido por uma anomalia temporal, uma singularidade. — continuou o careca, explicativo. — Em uma das muitas realidades do espaço-tempo, o protetor daqui falhou e agora o tempo corre tão lentamente, que é difícil ser mensurado. Tal como as noções físicas de espaço também

Sem nada entender, ele parou para apreciar a exótica paisagem do local. Só então, viu um cardume de peixes apaiari vagueando pelo céu negro esverdeado.

 — Puxa vida — admirou-se.

O velocista azul parou apreensivo com as palavras de seu genitor. Sabia que havia uma chance dele ter criado uma anomalia com a louca ideia de sua mãe e de seu padrasto. Pudera ele repetir o feito lamentável que criou o Atemporal naquela realidade?

— Aqui a ferida no pulmão não vai mais me agredir, não existe dor — disse, levando, sorridente, a mão aos ombros de sua cria. — E nem os nossos tumores! Exclamou, gargalhando.

Logo, as risadas pararam ao ver que seu filho não reagia bem a tudo aquilo.

— O que houve, Arthur? — perguntou, estranhando. — Isso não é maravilhoso? Podemos ser imortais, até mesmo procurar por uma cura na eternidade e voltar para a Terra da nossa realidade!

Ele se virou para Osíris, franzindo o cenho.

— Não! — respondeu com um grito.

O velho, sem entender, se assustou com a reação de seu filho.

— E se eu tiver criado uma anomalia em minha realidade? — indagou, intrigado.

Logo, o pai ficou temeroso em pensar que seu filho poderia tentar voltar à sua Terra.

— Arthur você deu o seu melhor para proteger Primavera — explicou, pondo a mão sobre o peito do herói —, se estiver pensando em tentar fazer isso, pode morrer até mesmo na volta para lá.

— Eu não posso bancar o perdedor sempre, pai. — retrucou, com o pesar nas palavras. — Você mesmo me disse que aquelas pessoas precisam de mim.

— Filho, se você é um perdedor, já é melhor do que qualquer vencedor para mim. — Aninhou o herói em seus braços, um abraço forte e aconchegante. — Eu tenho orgulho do que se tornou e acredite; eles não precisam tanto quanto você precisa estar aqui.

Quando os braços se desataram, Osíris correu e saltou a fenda para o outro lado da Avenida.

— Vem! — pediu, chamando o filho com um gesto. — Podemos ir ao cinema, parece que Liga da Justiça havia estreado! — convidou, animado. — Deve ser um filmão!

O Gladiador Azul sorriu.

— Ele vai ficar tão decepcionado — disse para si mesmo.

Correu, saltou a fenda e seguiu o velho que ia rápido logo à frente.


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