Égon: A Origem escrita por GJ Histórias
Uma música relaxante toca no rádio de um furgão em movimento. Dentro dele há um conjunto de homens fortemente armados, exceto um, que traja um sobretudo e bermuda beges, sua pele é branca e os cabelos e bigode loiros. Tal indivíduo esboça serenidade em seu rosto, com um cigarro na boca, ele cantarola a mesma melodia emitida pelo equipamento.
O furgão, acompanhado de outros dois veículos, aproxima-se, dispersando uma grande quantidade de poeira no caminho, de uma aldeia indígena. No local, existem muitas barracas, algumas instaladas no solo, outras, nas imensas árvores que moldam a paisagem. Muitas escadas e pontes conectam as construções. A noite é iluminada por inúmeras tochas espalhadas pelo terreno.
Vários habitantes encontram-se mortos, os demais são torturados e feitos de refém por uma série de criminosos, a aldeia está sendo atacada. O carro estaciona, em seguida, o calmo homem desce e se espreguiça ante a presença de índios ajoelhados.
— Que maravilha! – Exclamou o sujeito, com um sotaque carregado- Parece que fizeram um trabalho excelente aqui, pessoal!
— Eles resistiram um pouco, senhor Lamartine! – Disse um dos homens armados. – Mas conseguimos contê-los, alguns indivíduos fugiram, mas logo iremos capturá-los!
— Ora, pode me chamar de Oliver. – Falou Lamartine- E vocês têm certeza de que este é o lugar certo?
— Sim! – Exclamou o homem- Nossos especialistas estimam a presença de uma boa quantidade de ouro no subsolo desta vila.
— Ótimo, vamos iniciar a mineração o quanto antes! – Disse Oliver.
— Vocês nunca irão explorar esse lugar! – Gritou um idoso, ajoelhado junto aos demais reféns. – A aldeia Jirati é sagrada, quem ousar danificá-la irá pagar um preço alto demais!
Olhando o velho, com desgosto, Oliver Lamartine pergunta:
— Quem você pensa que é? Algum Xamã poderoso? Suas crenças não me impedirão!
— Meu nome é Sutor Guaruna, chefe da tribo Jirati! – Exclamou o idoso- Não só minhas crenças irão pará-lo, mas o Governo! Esta reserva é assegurada nacionalmente, o exército acabará com você assim que descobrir o que fez conosco!
Aproximando-se de Sutor, Oliver agacha-se dizendo:
— Qual Governo? Hein? Sua confiança naqueles que o representam é impressionante, devo admitir! Mas me sinto na obrigação de dizer o quão ingênua ela é. Quando a corrupção se encontra presente, não há justiça e igualdade, tudo é manipulado por aqueles que detêm o poder, a riqueza. Pessoas como eu ditam as regras do jogo! Vários juízes e parlamentares já receberam meu pagamento, eles farão vista grossa em relação a tudo o que está acontecendo aqui!
— Seu verme! – Exclamou o chefe indígena.
Lamartine levanta as mangas de seu casaco, revelando uma tatuagem de leão no antebraço, e soca o rosto do idoso, exclamando:
— Guarde os insultos para você, seu velho!
Os indígenas choram e gemem de desespero.
— Parem com essa choradeira, vocês foram poupados da morte! – Disse Oliver- Amanhã, começarão a trabalhar cavando esse chão!
— Preferimos morrer, do que tornarmos escravos seus! – Falou um dos índios.
— Quem assim seja! – Exclamou Lamartine.
Fazendo um gesto com as mãos, o criminoso ordena que os homens atirem nos nativos. Em seguida, o que se escuta é o som dos disparos, os indígenas caem mortos.
De um arbusto próximo da aldeia, três índios observam a brutalidade. Um deles, uma garota, chora desesperadamente. Ela faz um movimento, como se quisesse pegar o arco em suas costas. Logo em seguida, um dos rapazes, que a acompanhavam, segura o braço dela, dizendo:
— Calma Liana, você não conseguirá confrontá-los! São muitos!
— Irmão, eles destruíram nosso povo! – Exclamou Liana- Acabaram de matar nosso pai!
— Eu sei! Mas não podemos fazer alguma coisa, não agora! Vamos sair antes que nos encontrem!
Oliver limpa, utilizando um lenço, o sangue em seu rosto, falando:
— Que desperdício de mão de obra! Esses caras até que eram bem fortes!
— Nós vamos conseguir mais! -Disse um dos homens armados.
— Tudo bem!
Observando um animal, dotado de pintas, Lamartine questiona:
— Aquilo não é uma jaguatirica? Aquele animal em extinção?
— É sim! – Respondeu um dos criminosos.
— Ótimo, parece que vamos lucrar com animais exóticos também! – Exclamou o contrabandista.
A alguns quilômetros dali...
Nas imediações de uma pequena fazenda, uma senhora encontra-se lavando roupas. Ela canta uma suave música, mesmo com a interferência do ruído intenso, vindo da televisão no interior da casa. Intuitivamente, a mulher olha os arredores, ela sentia-se como se estivesse sendo observada, no entanto, encontra nada diferente da vegetação. Ao passo que estende as vestimentas, uma notícia chama-lhe a atenção:
— Moradores de Campo Celeste estão aterrorizados com o evento ocorrido na semana passada- Disse a Repórter- Eles alegam a aparição de uma enorme criatura azul, a qual tentou atacar dois de seus habitantes, Luíza e João Castro, e matou Lucas, um homem que tentou perseguir o monstro. Antônio Castro, filho do casal, encontra-se desaparecido desde o incidente.
O marido da senhora, perplexo, grita de dentro da sala:
— Maria, venha ver isso! Parece que agora há monstros entre nós!
— Eu escutei! – Exclamou a senhora- Estou indo!
Abandonando as roupas, Maria entra no cômodo. Beneficiando-se da oportunidade, Antônio surge do meio da mata, ele estava espionando o casal durante todo esse tempo. O menino vistoria as vestimentas, na tentativa de encontrar algo que o servisse, e coleta uma jaqueta de couro preta e uma camiseta vermelha. As roupas ficam justas, parte da barriga permanece à mostra.
— Bom... Isso é o melhor que encontrei até agora. – Sussurrou Antônio- Vai ter que servir.
Ajustando uma mochila nas costas, o menino abandona a fazenda. Segundos depois, Maria surge e nota a ausência de algumas peças no varal.
— Droga! – Exclamou a senhora- Jorge, chame a polícia, fomos roubados!
Antônio já não estava mais ali, ele caminha nas beiradas da estrada AM-240. O garoto, em um ato de brincadeira, faz gestos, como se estivesse pedindo carona para os caminhões, apenas para rir dos sustos que os motoristas levam ao notar a presença do grande mostro.
Durante a última semana, Antônio vagou pelo Amazonas, explorando as habilidades do seu novo corpo. A capacidade de saltar quilômetros de distância permitiu que ele vagasse por vários cantos do estado, conhecendo cidades e pontos turísticos. Quando a fome o atinge, o menino usa de sua aparência para assustar as pessoas em restaurantes, ele então invade a cozinha e come até sentir-se satisfeito, ou até um grupo de guardas aparecer atirando. Na mochila, Antônio carrega um conjunto de pertences furtados, como vestimentas e aparelhos eletrônicos. Tal estilo de vida não é apropriado, mas é o que distrai o garoto.
Apesar de tudo, um grande vazio o consome, a falta de sua família. Todas as noites, ele senta-se debaixo de uma árvore próxima de Campo Celeste, a fim de apreciar a imagem de seu povo. Neste dia, como de costume, Antônio encontra-se próximo da mesma planta. Com o capuz na cabeça, ele observa a Praça Principal, a festa e a música cortam o silêncio da mata e colocam um sorriso no rosto do rapaz. Entre os indivíduos, localiza-se Luíza e João, os pais de Antônio estavam comendo crepe em uma barraca. Os olhos dele lacrimejam novamente, o garoto levanta-se e caminha rumo à caverna perto da vila.
O local é restrito, os acessos são concedidos apenas por turistas que solicitam previamente, mas isso pouco importa para Antônio. Usando a mochila como travesseiro, ele deita no interior da toca. Em seus sonhos, cenas de um assalto, brigas e viagens na velocidade da luz tomam conta da mente do menino. Ele se contorce, como se estivesse tendo um terrível pesadelo. Certas frases surgem em sua cabeça:
— “O que você tem em mente? Como pretende retirar a guarda real das suas costas?”
— “Usar a Vymena para trocar meu corpo!”
Nesse instante, Antônio acorda desesperado. Não é a primeira vez que isso acontece, em todos os sonos, lembranças surgem, memórias que não foram vividas pelo rapaz. Esses pensamentos perturbam a mente confusa de Antônio, ele quer entender o significado de tudo isso.
Ao amanhecer, ele coleta seus objetos e inicia uma nova caminhada. Antônio tem planos de visitar as fronteiras do estado. Após sucessivos saltos, ele aproxima-se do “Pico da Neblina”. Está chovendo intensamente, seus pés afundam no solo lamacento. Enquanto anda, um tiro de aviso atinge uma árvore ao lado esquerdo de Antônio. Assustado, ele vira-se para trás e observa um ser amedrontador. O indivíduo, trajando uma armadura cinza com detalhes pretos, tem seu rosto totalmente coberto por uma máscara cinza, a qual contém duas asas metálicas afiadas, do queixo até alguns centímetros acima da cabeça, e duas fendas, uma em cada olho.
O sujeito tem uma altura quase idêntica ao corpo hoguniano de Antônio, ele porta duas pistolas e uma espada em suas costas.
— Finalmente te achei! – Gritou o indivíduo, com a voz abafada em função da máscara- Você não irá escapar, seu bandido imundo!
Antônio corre, desesperadamente, para o seu flanco direito. Notando que o rapaz o seguia, ele soca um tronco na sua lateral esquerda, derrubando a árvore. O sujeito misterioso pula o obstáculo e, enquanto corre, dispara sucessivamente na direção do menino. Antônio freia bruscamente e bate no chão, com uma considerável força, provocando um intenso abalo. A vibração desequilibra o oponente, o qual cai no solo.
— A gravidade nesse planeta é fraca, os hogunianos têm uma alta vantagem aqui. Se você pode usufruir desse benefício, eu também posso! – Exclamou o misterioso ser.
Pisando fortemente no chão, o indivíduo ergue um pedaço de rocha e lança-o em Antônio, acertando-o.
— Não resista Égon, eu não quero te matar! – Disse o sujeito.
— Égon? – Perguntou Antônio, atordoado- Eu já ouvi falar nesse nome!
— Não se faça de idiota! – Exclamou o mascarado.
O menino tenta se levantar, contudo, o hoguniano aproxima-se dele e o soca do rosto, dizendo:
— Fui contratado por Plasmodammus, tenho a missão de resgatar a Vymena. Como fui pago antecipadamente, tenho a obrigação moral de finalizar o serviço.
— Plasmodammus? Vymena? Eu conheço essas palavras! – Falou Antônio- Por que elas me perseguem?
— Deveria ter pensado duas vezes antes de roubá-la! Onde ela está?
O hoguniano prepara-se para acertar outro golpe, no entanto, em um rápido movimento, Antônio defende-o. O garoto impressiona-se com a ação, ele não sabe como foi capaz de executá-la. Em seguida, o sujeito tenta encaixar um chute, mas os reflexos permitem Antônio esquivar-se dele, rolar para o lado direito e se levantar do solo.
O oponente tenta acertá-lo novamente, contudo, em um rápido flash de memória, o garoto visualiza um sentinela atacando-o em uma sala iluminada por uma luz vermelha. Ao voltar à realidade, o sentinela é substituído pelo caçador e, velozmente, Antônio bloqueia o soco e revida com um pontapé no abdômen do inimigo.
— Como? – Pensou o menino.
O garoto tenta encaixar uma série golpes no hoguniano, mas ele também consegue defender. Posteriormente, o menino chuta o solo, lançando lama no rosto do inimigo, e, aproveitando a distração, encaixa uma voadora no caçador, derrubando-o. Rapidamente, o sujeito gira para trás e, com um soco, atinge uma árvore, tombando-a em Antônio. O garoto consegue segurar a planta, contudo, ficou indefeso. Beneficiando-se da situação, o caçador chuta-o. Durante o tempo em que Antônio permanece deitado, o sujeito exclama:
— Se faz de bobo, mas tem um estilo de luta hoguniano muito bem treinado! Qual é? Vamos lá Égon, facilite as coisas para mim. Onde está a Vymena?
— Cala a boca seu idiota, está perseguindo a pessoa errada!
Antônio ergue-se e foge desesperadamente. O caçador pega sua pistola e segue o menino. Ao ouvir os disparos, o garoto impulsiona suas pernas e salta na direção do “Pico da Neblina”, colidindo-se com a superfície rochosa. Antônio escala a montanha, fazendo buracos na rocha com a força bruta.
O caçador pula violentamente e persegue o garoto na escalada. Com temor, Antônio acelera seus movimentos, rumo ao topo do pico. A névoa atinge-os, dificultando a vista de ambos. Ao chegar a um campo estável, o menino, ofegante, repousa-se na pedra, ele está cansado, não consegue dar continuidade ao combate. Segundos depois, o caçador alcança-o.
— Você não vai escapar de mim! – Exclamou o sujeito.
Pressionando um botão, localizado próximo à orelha direita, a parte frontal da máscara abre-se, revelando o rosto de Tarkkin.
— Você é como eu? – Perguntou o garoto.
— Achei que já tivesse percebido! – Disse Tarkkin, enquanto tira a sua espada das costas – Há muitas formas de finalizarmos essa luta, cabe a você decidir se esse desfecho será agradável ou não.
Com um golpe de espada, Tarkkin tenta ferir Antônio, contudo, ele esquiva-se e a lâmina atinge a pedra. Durante a ação, o garoto perde o equilíbrio e, enquanto tenta se firmar, o caçador crava a espada em seu peito.
— Escolha errada, amigo! – Exclamou Tarkkin- Estou decepcionado.
No momento, Antônio olha-o assustado, o medo o consumia mais do que nunca, ele segura a lâmina enquanto o sangue escorre pela sua boca. Tarkkin empurra-o da montanha, fazendo o garoto desaparecer por entre o nevoeiro.
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