Parei na frente do consultório de Nathaniel, olhando para os lados, esperando pelo próprio. Estava adiantada cinco minutos. Então, o vi vindo em minha direção, e sem perceber abri um sorriso. Parecia que faziam dias que não o via. Nathaniel também sorriu, e quando chegou perto, pediu minha mão.

— Senhorita Dumas. — Foi cordial, provavelmente para brincar comigo.

Sorri ainda mais. — Senhor Berger. — Dei a mão para ele, que a beijou.

Antes que a soltasse, percebeu os hematomas ali e estranhou. — O que andou fazendo?

— Hm... tive altas aventuras enquanto estávamos longe.

— Fique à vontade para me contar, caso queira. — Dobrou o braço esquerdo e o ofereceu. Cruzei meu braço com o dele e começamos a andar.

— Bom... Ontem jantei na casa dos Riviere com Denise, e na volta nos deparamos com um senhor alcoolizado que segurou Denise. E eu acabei... o fazendo a soltar.

— Mas... — Me olhou. — De que forma?

Levantei a mão para que ele olhasse de novo. — Como pode ver, conversando que não foi.

Nathaniel pareceu surpreso e intrigado ao mesmo tempo. — O que exatamente fez?

— Eu soquei o supercilio dele, porém, não foi o suficiente e ele veio para cima de mim, então tive que usar seu próprio peso contra ele e fazer com que ele se chocasse contra o meu punho em seu diafragma. Ele ficou totalmente sem ar e caiu no chão.

Os olhos dele estavam arregalados. — Eu não consigo te imaginar fazendo algo assim.

Eu ri. — Imagino que não. Se não acreditar... Denise e Castiel podem confirmar.

— Castiel estava junto?

— Estava.

— Então por que não o deixou resolver a situação? Você poderia ter se machucado.

— Na hora eu não pensei, só agi. Não queria que aquele homem machucasse Denise, então apenas pensei rápido.

— Por acaso... todas as moças são impulsivas no futuro? — Sorriu.

Dei risada. — Não todas, mas grande parte são. Sabe... com o tempo as mulheres cansaram de ficar atrás dos homens... Elas começaram a fazer coisas para mudar isso. Muitas delas cansaram de serem obrigadas a se casar, de ser mãe, de cuidar dos afazeres domésticos... As coisas estão melhores divididas, digamos assim.

— Então muita coisa mudou, pelo jeito.

— Sim, muita coisa. Infelizmente nem todas são exatamente boas, mas em sua grande maioria, foram boas mudanças.

Voltamos a avenida principal, e normalmente, viraríamos à esquerda para ir à padaria ou de volta para a pensão, mas atravessamos a rua e continuamos indo reto. Passamos dois quarteirões e Nathaniel parou, pegando uma chave do bolso e abrindo uma porta grande de vidro com entalhos em ferro. Dei uma olhada rápida para cima, vendo que era um prédio com alguns andares, e entrei ao sinal do loiro para ir na frente.

— Meu apartamento fica no terceiro andar, mas imagino que subir escadas não seja um problema para você — comentou, divertido, trancando a porta.

— De forma alguma.

Ele foi na frente, passamos pelo hall espaçoso e fomos para as escadas. Subimos até o terceiro andar, viramos o corredor e Nathaniel foi para a única porta na parede da esquerda. Pegou novamente suas chaves e abriu a porta, e fez sinal para que eu entrasse.

Dei uns passos e entrei, me deparando com um hall em corredor. Logo a esquerda, haviam portas duplas e um pouco mais para frente, uma porta normal. Na parede da frente, haviam duas portas, e na parede da direita, centralizado, havia um arco grande.

Esperei Nathaniel fechar a porta e ele deixou as chaves no móvel ao lado dela. Ele me lançou um olhar rápido e foi na frente, passando pelo arco.

O segui e fiquei boquiaberta.

Era um espaço grande e mais à frente, ficava uma mesa de jantar com muitos lugares, já posta, e um pouco mais à frente haviam três janelas gigantescas pegando as três paredes, e notei que havia um sofá de ponta a ponta.

— Pronto, aqui estamos. — Ouvi Nathaniel falando e me virei.

A direita, ficava uma sala de estar com três sofás de frente para uma lareira. E nesses sofás, estavam Lysandre Lange e Rosalya, que sorriu ao me ver. Me aproximei e ela foi a primeira a levantar, e nos cumprimentamos com dois beijinhos no rosto.

— Senhorita Dumas... — Lysandre levantou e pediu minha mão.

— Senhor Lange, como vai? — Deu um beijo nela.

— Muito bem, obrigado. E a senhorita?

— Estou bem, obrigada.

— Gostaria de vinho? — Nathaniel questionou, ficando ao meu lado.

— Sim, claro.

— Um momento. — Se afastou e entrou na porta ali perto, que devia ser a cozinha.

Os dois irmãos voltaram a se sentar, e eu dei uma olhada pelo lugar. Andei até perto das janelas, admirando a vista que tinha dali.

Próximo à mesa de jantar havia mais uma porta dupla, cuja uma das folhas estava aberta, e pude ver uma mesa de escritório e cadeiras, e logo atrás deles haviam portas francesas abertas para uma sacada.

Me sentei naquele sofá macio e continuei olhando através da janela.

— Aqui está. — Nathaniel voltou com uma taça de vinho.

A peguei. — Obrigada. — Tomei um gole.

— Bonita esta vista, não é?

— É incrível... Eu adoraria morar aqui.

Nathaniel tirou seu casaco e o deixou na outra ponta do sofá, mostrando seu colete cinza e camisa branca, que ficava muito bem nele. Então se sentou, não muito perto, de frente para mim.

— Eu estava pensando... Gostaria de... saber de mais coisas. — Abaixou o tom da voz. — Se não for incômodo, é claro.

— Sem problemas — sussurrei, feliz por ele estar interessado.

— Mas... depois. — Seus olhos foram para o canto, como se quisesse falar sobre seus convidados na sala ali perto.

— Quando quiser. — Ergui minha taça, fazendo graça e tomei mais um gole.

Ele sorriu abertamente e levantou, indo até a sala.

Dei mais uma olhada pela janela e levantei, indo até lá. Fiquei de pé atrás do sofá de dois lugares onde Rosalya estava sentada, bordando um pano. Nathaniel sentou no sofá da direita, enquanto Lysandre estava no da esquerda, lendo um livro.

As taças dos três estavam na mesinha de centro, e Rosa deu um gole da sua.

— De fato, é algo a se pensar. — Lysandre comentou, lançando um olhar rápido para o amigo.

— Eu falei que era bom. — Se recostou e dobrou a perna direita, descansando sua canela na coxa esquerda. — Eu devia ter comprado uma cópia para você.

— Não se preocupe, posso terminar de ler rapidamente esse. Quem sabe não lançam uma segunda demanda?

— É bem provável. Pelo que soube, esse livro está sendo muito procurado na livraria.

Reparei em como Nathaniel ficava à vontade ali. Era algo inusitado e não sei porquê, mas algo muito agradável de se ver. Não que ele não ficasse à vontade em seu escritório, mas em sua casa parecia que nada poderia fazer com que ele não ficasse bem.

É claro, quem não ficaria à vontade em sua própria casa?

— Seu marido não quis vir, Rosa? — indaguei baixo a ela.

— Ele estava ocupado com os documentos da loja dele e preferiu ficar organizando as coisas por lá. — Sorriu para mim. — Como você está? Achei que não estivesse muito bem, pela forma que saiu do consultório na sexta.

— Eu estou bem, eu só estava com a mente um pouco cheia de pensamentos... e cansada também.

— Entendo... Nathaniel ficou preocupado com você.

— É, ele disse ontem.

— Ontem? — Estranhou.

— Sim, ele foi até a pensão onde estou hospedada para saber se eu estava bem.

Rosa tentou disfarçar sua surpresa. — Bom, ele é muito preocupado com seus pacientes e amigos, não me admira que ele tenha te procurado.

Sorri, concordando e olhei mais uma vez para o loiro, que conversava animadamente com seu amigo. Seus olhos pararam em mim e dei um pequeno sorriso, como para confirmar que eu estava bem.

Seu olhar continuou em mim e acabei me sentindo um pouco envergonhada. Provavelmente ele estava analisando minhas expressões, mas eu não conseguia impedir que minhas bochechas corassem. Então, ele levantou, saindo pelo outro espaço entre os sofás.

— Venha, quero te mostrar uma coisa — disse para mim, indo para o arco.

O segui, e ele abriu uma das duas portas no começo do corredor. Assim que entrei, vi que era tipo uma sala de artes. Havia um piano de madeira na frente da mesma janela grande e, ao seu lado, um cavalete com um desenho em andamento.

Mais próximo da porta, do lado esquerdo, um sofá de dois lugares, e do lado direito, uma poltrona grande e uma mesinha baixa a sua frente.

— Sabe tocar? — Indicou o piano.

— Um pouco.

— Fique à vontade.

Deixei minha taça na mesinha e aproximei do piano, me sentando no banquinho e ergui a tampa. Toquei algumas notas, para saber se estava afinado, e é claro que estava.

Provavelmente Nathaniel estava esperando que eu tocasse... Bethoveen, Debussy... Mas resolvi tocar a última que eu treinei. Comecei a dedilhar e cantar baixinho.

— I heard... that you’re settled down… That you… find a girl and you’re… married now…

Eu realmente toquei “Someone Like You” da Adele para um homem do século vinte...

Dedilhei as últimas notas e suspirei. Me virei, procurando por Nathaniel, e o encontrei sentado na poltrona me olhando impressionado.

— Você compôs essa música?

— Não, ela é... do futuro. Se quiser, depois eu te mostro.

Ele pensou. — Está bem... Será que eu... posso te desenhar?

— Me desenhar? Você é um artista também? — Sorri, me virando mais.

— Bom... não sei se sou um artista, mas eu treino bastante.

— Hm... Tudo bem, me desenhe... Pinte-me como uma de suas francesas! — Não pude segurar e comecei a rir.

Nathaniel franziu o cenho. — Perdi algo?

— Esquece. Pode me desenhar sim. Onde eu fico?

— Está ótimo nesse lugar. — Levantou e foi em busca dos seus materiais.