Exílio escrita por Catarina Pereira


Capítulo 9
Capítulo 9 - Descobertas


Notas iniciais do capítulo

Boa noite! Finalmente mais um capítulo dessa saga, já encaminhando para o final. Espero que gostem.



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As tropas do Controle pareciam surpresas com aquela massa de exilados que se aproximava, obedecendo a comandos simples, porém significativos aos olhos de quem assistia a cena. O exército se posicionou acima do muro, com as armas a postos e a atenção redobrada. Ninguém olhava na direção onde Dulce, Poncho e Dani estavam aguardando e o caminho até o muro estava livre.

O trio aproximou-se, depois de ter passado tanto tempo analisando. De fato, o muro era fechado e não havia nenhuma passagem. Mesmo com a mata que fazia divisa com o Exílio, o muro se entremeava entre as árvores, não dando passagem para o outro lado. Eles se sentiram impotentes e presos. Como sairiam daquele lugar? O exército não ficaria atento aos Exilados por muito tempo, tinham que pensar rápido numa solução.

ㅡ Poncho, vamos voltar a nos esconder enquanto pensamos. Aqui estamos expostos demais.

ㅡ Vamos… Tem que ter uma solução, não é possível que não haja falhas!

ㅡ Precisamos de mais um tempo para enxergar ㅡ rebateu Dulce.

O trio voltou para o esconderijo, num beco onde podiam se camuflar entre as sombras e ao mesmo tempo manter-se de frente para o muro, enxergando qualquer movimento que indicasse que os Exilados não estavam tendo sucesso. Dani caminhava, indo e voltando do fundo do beco, enquanto Dulce e Poncho checavam novamente o mapa feito por Gustavo.

ㅡ Deve haver alguma coisa que deixamos passar… ㅡ comentava Poncho, baixinho.

Eles estavam concentrados em buscar saídas possíveis, à medida em que Dani parecia conversar sozinho em algum ponto mais interno do lugar. Poncho, incomodado com a situação, trouxe o menino de volta para perto dele, então entendeu.

ㅡ Dani, com quem você falava?

ㅡ Tio Christopher ㅡ o menino respondeu.

Poncho abriu um sorriso quando percebeu o que havia ocorrido. Era essa a resposta para os problemas. Não era possível passar por cima do muro, mas por quê não por baixo? Haveria saídas para o outro lado, provavelmente. Comunicou a solução a Dulce.

ㅡ É isso. Eles ainda não passaram para o outro lado, estão na galeria que ainda não tivemos acesso!

Dulce arqueou as sobrancelhas, surpresa, enquanto os três se encaminhavam para o bueiro que havia ali e a tampa era afastada, de modo que eles conseguissem entrar em segurança. Lá embaixo, os outros dois trios os esperavam, atentos ao discurso sobre o que havia acontecido nesse tempo e sobre o que teria acontecido lá fora.

ㅡ Graças a Deus vocês estão bem! ㅡ exclamou Anahí, indo abraçar os amigos. ㅡ Nós estávamos preocupados, vocês demoraram demais para chegar aqui.

ㅡ Nós estamos bem e precisamos que vocês prestem atenção ㅡ disse Poncho. ㅡ As coisas lá fora não estão muito agradáveis, todos já sabem que uma Casa toda escapou e estão com cada vez mais gente fiscalizando o lugar.

ㅡ O que está acontecendo lá fora, gente? ㅡ Christopher perguntou, adicionando em seguida: ㅡ Onde vocês estavam esse tempo todo?

ㅡ A história é comprida ㅡ Dulce iniciou. ㅡ Em resumo, estávamos escondidos e, nessa, nós encontramos um um grupo de pessoas que fugiram e que se mantinham escondidos agindo por trás em favor dos Exilados. Eles nos deram algumas dicas e nos ajudaram até aqui. ㅡ Notando o silêncio dos amigos, ela prosseguiu ㅡ Ao que parece, eles têm contato com a maioria das Casas do Exílio e deram um jeito de tirar todo mundo das tarefas de hoje para que eles pudessem vir aqui acobertar a gente. 

ㅡ E agora estamos nessa situação: Não tem uma passagem no muro como Andrés tinha dito e não podemos sair daqui ㅡ Poncho completou.

ㅡ Gente, essa galeria é uma passagem ㅡ Christian comentou.

ㅡ Sim, é. O que acontece é que Gustavo, que é quem nos tem ajudado, nos avisou que as galerias não são uma estrutura direta. Ela é feita de pequenos pedaços, bloqueada, e não temos como passar de um lugar ao outro sem sair dela antes e ficarmos vulneráveis ㅡ Poncho explicou.

ㅡ Não precisamos seguir nela direto ㅡ Christopher rebateu. ㅡ Nós precisamos seguir apenas até o outro lado do muro. Acredito que essa galeria faça esse papel.

Anahí parecia pensativa enquanto todos comunicavam o que achavam.

ㅡ Gente, mas tudo bem, passamos para lá, ultrapassamos o muro. E aí?

ㅡ Aí saímos e seguimos no caminho, acreditamos que para o lado de lá não haja fiscalização como aqui ㅡ Christopher conclui. ㅡ Não temos outra saída. Não podemos pular o muro, então passamos por baixo dele. Temos que tentar.

Tendo esta como palavra final, o grupo se levantou e prosseguiu o curso do esgoto. Da mesma forma que havia acontecido na galeria onde Dulce, Poncho e Dani haviam atravessado com Gustavo, o caminho era escuro e tinha alguns obstáculos, porém parecia inabitado. Dulce pensava em toda a situação enquanto andavam em silêncio e quanto mais analisava, mais estranho parecia. Christopher caminhava a seu lado, igualmente em silêncio, mas olhando para ela de tempos em tempos, checando se ela estava bem.

ㅡ Parece estranho ㅡ Dulce começou a dizer, capturando a atenção de Christopher ㅡ que os Resistentes conheçam as galerias de dentro do Exílio, mas nunca tenham pensado em passar por aqui para chegar do outro lado.

ㅡ De fato parece estranho ㅡ concordou Christopher. ㅡ Mais estranho ainda que o próprio Controle não tenha pensado que essa era uma possibilidade de fuga. Você acha que os Resistentes mentiram?

ㅡ Eu não confio totalmente neles, embora Poncho tenha me convencido de que eles eram nossa melhor opção para chegar até aqui. ㅡ Ela suspirou. ㅡ Acho que, se eles não mentiram, omitiram. Eles devem sim ter passado por aqui, e aí tem a possibilidade de por algum motivo isso não ter dado certo, mas não temos nenhuma prova. Se realmente tentaram sair por aqui, por que não escaparam?

ㅡ Primeiro acho que precisamos saber se essa galeria tem saída mesmo. É a nossa única opção no momento e estamos contando que tenha uma passagem como as outras, mas pode não ter. E aí sim teremos um problema e precisaremos pensar em outros planos.

O grupo caminhou o mais rápido que pode com as limitações que tinham: três crianças cansadas e seis adultos desconfiados e desesperançosos. Era difícil acreditar que haveria saída, ainda mais  porque provavelmente já passavam por debaixo do muro e não tinham nenhuma fonte de luz vinda de fora para dar a mínima informação sobre um meio viável de se verem livres daquele lugar.

Após algum tempo, eles avistaram uma luz adentrando o corredor e se aproximaram de onde ela vinha. A galeria, diferente dos outros casos que tiveram conhecimento, não se fechava numa parede com uma abertura no “teto”, pelo contrário: estreitava-se, acompanhando o curso do esgoto, e dava acesso a uma abertura ao ar livre, renovando as esperanças dos ex-Exilados. Eles passaram, pisando num gramado amarelado pelo frio, observando que o muro finalmente ficara para trás.

ㅡ Ora, temos Exilados por aqui! ㅡ puderam ouvir uma voz alta e repentina comentando, como se fosse realmente um prazer tê-los por lá.

O grupo se virou, deparando-se com dois guardas fardados com as roupas do Controle. Estavam enrascados. Acreditaram que fora do muro não haveria fiscalização, mas estavam enganados, obviamente. Eles deram um passo para trás, na menção de se defenderem, olhando-se rapidamente um a um, enquanto os oficiais do Controle chegavam cada vez mais perto portando armas e um sorriso macabro no rosto.

ㅡ Como vocês chegaram até aqui? ㅡ as autoridades perguntaram.

Ninguém respondeu. Dulce pôde ver com o canto do olho que Christopher olhava a sua volta, provavelmente procurando algo com o que se defender. 

ㅡ O que está acontecendo lá dentro? ㅡ Eles tornaram a perguntar, novamente não obtendo nenhuma resposta de volta.

Poncho foi o primeiro a agir. Agarrou a mão de Dani e começou a se afastar dos dois guardas, dando a volta pelo lado, sendo seguido pelo resto do grupo. O som vindo de dentro do muro misturava gritos e sons de armas, e eles queriam estar longe disso tudo o mais rápido possível. Os oficiais, porém, se colocaram novamente na frente deles.

ㅡ E ainda nos desrespeitam! ㅡ Um deles comentou. ㅡ Vamos, vocês não pensam que sairão daqui ilesos...

ㅡ Acho que vocês conhecem suficientemente bem as regras do Exílio: ninguém pode sair ㅡ disse o outro. ㅡ E mais uma coisa: para onde vocês iriam? Os Exilados não valem mais nada nesse país.

Dulce escutava as palavras dos dois militares, sem saber se ria com os absurdos ou se chorava com o desespero da situação.

ㅡ Mesmo nas Colônias, os Exilados não servem para nada. E mesmo que vocês conseguissem chegar lá, ninguém iria acreditar na palavra de vocês, porque nós fizemos o trabalho duro de contar para eles como o Exílio funciona. Vocês já não tinham utilidade antes, agora menos ainda. E além disso, deveriam ser agradecidos, porque o Controle deu todas as oportunidades para vocês aprenderem e vocês retribuem fugindo!

ㅡ Incrível a capacidade do ser humano ㅡ começou a comentar o primeiro guarda. ㅡ Nós preparamos todo um contexto de aprendizagem para vocês, para que pudessem se redimir de serem inferiores. Tudo feito lá dentro tem uma pontuação e, no final, os vencedores iriam ter uma vida digna.

ㅡ Você só pode estar louco… ㅡ rebateu Poncho.

ㅡ Loucos estão vocês de perderem essa oportunidade! Vamos, me digam: vocês eram de qual Casa?

Todos se olharam desconfiados, pensando se realmente deveriam prover essa informação. Por fim, Poncho decidiu arriscar:

ㅡ Casa 14. 

ㅡ Eu lembro bem na última reunião foi dito que a Casa de vocês tinha uma das melhores pontuações, mesmo com algumas pequenas falhas! No final de 5 anos de Exílio, as pontuações são reiniciadas e os primeiros lugares ganham a liberdade.

ㅡ Pontuações… Para vocês, isso tudo é um jogo? ㅡ Dulce perguntou, incrédula com tudo o que ouvia.

ㅡ Não usamos esses termos, mas sim, praticamente um jogo ㅡ respondeu o segundo guarda. ㅡ Vejam: o ser humano é programado para viver de certa forma. Vocês foram programados para viver de maneiras selvagens que traziam consequências importantes para o nosso povo e nós estamos aqui para reprogramar e transformar vocês em melhores, para que vocês não ameacem mais nossa paz. Mas isso só é melhor aceito quando colocamos consequências drásticas e atribuímos recompensas importantes. 

ㅡ É quase um jogo ㅡ o primeiro guarda concordou.

ㅡ E não pretendemos que vocês vençam. Essa é a regra: se Exilados fogem, nós perdemos e a consequência se volta para nós.

Dulce se sentia nauseada. Um absurdo atrás do outro era dito todos os dias no Noticiário, descrevendo esse jogo doentio que tudo tinha a ver com poder e eles nunca conseguiram perceber isso. Dar poder a um ser humano é algo complicado, as escolhas serão feitas de acordo com os sentimentos e as personalidades de cada um. Dar poder a um grupo mesquinho, então, é tornar-se presa fácil para o ego dessas autoridades. 

ㅡ Vocês vão voltar lá para dentro ㅡ disse o primeiro guarda ㅡ até que percebam o quão nocivos vocês são a toda essa gente que vocês chamam de conterrâneos.

ㅡ Se fugir tem a ver com ganhar ㅡ penderou Christopher ㅡ e nós já estamos aqui fora, então não tem discussão: nós já vencemos.

Levantando a mão, o resto do grupo reconheceu o sinal: era momento de sair dali. Correram em disparada para onde a mata se fechava em um agrupado de árvores denso, escapando da vista dos oficiais. Estes, por sua vez, usaram as armas e acionaram reforços. Haviam Exilados fugitivos da Casa 14 e ninguém, fora as autoridades, deveria saber disso, mas o que parecia era que lá dentro do muro todos já sabiam. Com as crianças no colo, o grupo acabou se separando, para dar menos chances aos guardas, que eram apenas dois diante de um grupo de nove.

Dulce não queria mais correr, porém sua vida literalmente dependia do quão rápidas suas pernas alcançassem ser. Estava cansada e os músculos ardiam, tentava desesperadamente não tropeçar nem cair, no entanto, por mais que corresse, ainda podia ouvir passos rápidos chegando até ela. Uma clareira se abria à sua frente, sendo uma área perigosa por ser capaz de expor sua posição. Ela escolheu dar a volta, mas os passos que ouvia estavam cada vez mais próximos, alcançando-a em poucos minutos. Era Christopher.

Juntos, eles avançaram ao redor da clareira e seguindo o curso da mata, sempre preocupados em estar fora da visão dos oficiais e de não diminuir o passo, pois ainda ouviam tiros tentando acertá-los. Quando já não escutavam mais nenhuma movimentação, resolveram sentar-se para recuperar o fôlego. 

ㅡ Você está bem, Dul?

ㅡ Na medida do possível sim. ㅡ Os dois permaneceram ainda alguns segundos em silêncio, antes de Dulce emendar ㅡ Como vocês chegaram até o bueiro? 

Christopher estava sentado em uma pedra ao pé de uma árvore, ele tentava organizar as informações para responder a pergunta de Dulce, porém seus ouvidos zumbiam. A adrenalina nunca fizera tão bem a ele, e neste momento não era diferente.

ㅡ Quando saímos, foi bem complicado ㅡ ele começou. ㅡ Corremos pela rua o mais rápido que pudemos, mas com Arturo a situação fica um pouco mais complicada, ele tem o tempo dele de fazer as coisas e às vezes isso não é bom. Não podíamos simplesmente pegar ele no colo e sair correndo, ele choraria e seríamos descobertos. Ficamos bastante tempo escondidos entre as casas e as árvores, mas na hora de passar de um quarteirão a outro, dobrávamos a atenção e tentávamos conter o Arturo de uma forma ou outra. 

“Diferente de vocês, não encontramos nenhuma ajuda. Vai ver, eles estavam se articulando devagar e por coincidência só conseguiram chegar quando vocês estavam precisando, e eu fico feliz de saber que os Exilados têm uma frente com quem contar lá dentro.”

“E bem, quanto ao bueiro, à medida em que chegamos perto do muro, encontramos Chris e Any e quase fomos pegos, mas a Mai teve a ideia de entrar na galeria, e achamos por bem esperar vocês antes de vir para cá. Não teríamos nenhuma chance sem as informações que vocês conseguiram.”

Dulce ouvia longe os barulhos de dentro do muro e as vozes dos policiais de fora se misturando, enquanto Christopher falava. Ela ainda estava conectando os pontos do que ele havia dito, e depois de alguns segundos falou o que tinha engasgado desde que escaparam.

ㅡ Eu estava preocupada de chegar desse lado e não te ver mais. ㅡ Vendo que ele se movimentava para falar alguma coisa, ela fez um sinal com a mão e continuou ㅡ Eu tive várias crises no caminho, ficava pensando que não seria justo conseguir escapar e qualquer um de vocês, não. Ficava pensando que não seria o mesmo sair de lá e chegar aqui e não ter você. Poncho me disse que deveria dizer tudo o que eu sinto, mas não é assim tão simples, são milhões de coisas ao mesmo tempo que envolvem tantas emoções que eu não consigo nem começar a explicar...

Anahí os encontrou, agarrada a Manu, antes de que Dulce pudesse continuar sua reflexão. Dando um tempo para que a amiga e o pequeno pudessem descansar, eles logo se levantaram no sentido de continuar o caminho até onde necessitavam chegar. Caminhariam, segundo tinham calculado, por dias, e não podiam perder muito tempo nas paradas. 

Depois de algum tempo andando em silêncio, eles passaram por algumas cidades, nas quais podiam ver as casas, as luzes, mas não podiam sair de dentro da mata. Mesmo nas Colônias a fiscalização ocorria, como já tinham percebido, e eles podiam notar por entre as árvores que carros do Controle passavam todo o tempo por ali. Fora isso, eles ainda descobriram que estavam transformando as Colônias em espécies de Exílios: as cidades também possuíam os auto-falantes que ditavam regras, leis e ordens expressas. A última informação que conseguiram captar foi a de que todos tomassem cuidado com fugitivos do Exílio, que teriam descumprido leis importantes para a sobrevivência de todos e que a punição para eles seria a morte, e a recompensa para quem os encontrasse, uma quantia importante.

Ouvindo enojados todo aquele discurso, eles tinham ainda desconfianças. Não sabiam se os moradores das Colônias teriam se convertido ou se os ajudariam. O fato era que precisavam chegar até a casa de Any para finalmente poderem pedir ajuda a alguém que tinha alguma influência no governo. 

Algumas pausas foram feitas para recuperarem as energias mas eles não pararam de seguir em frente. Conseguiram se encontrar com Maite e Artur e, mais adiante, com Poncho, Dani e Christian naquele mesmo dia. Todos iam para o mesmo local e todos tinham combinado de antemão margear as rodovias por dentro das matas que haviam no caminho, para que diminuíssem as chances de serem vistos. 

***

Ao final do sétimo dia de caminhada, já aproximando-se de Veracruz, o grupo fez a quinta parada do dia, colocando as crianças para dormir um pouco e aproveitando também para descansar. Uma voz desconhecida chamou por eles, causando comoção entre todos.

ㅡ Garotos, vocês vêm do Exílio?

A voz vinha de trás de algumas árvores. Um homem se escondia e, ao mesmo tempo, tentava alguma comunicação com os ex-moradores da Casa 14. 

ㅡ Eu era da Casa 9.

Imediatamente, Christopher se levantou, aproximando-se dos galhos que mantinham a distância entre eles e o homem, convidando-o a unir-se a eles.

ㅡ Você conseguiu fugir? ㅡ indagou Poncho, surpreso. ㅡ Seu filho nos disse que tinham te capturado.

ㅡ Meu menino está bem? ㅡ o homem prontamente perguntou.

ㅡ Nós os conhecemos, está bem e está junto com um grupo de foragidos, lá dentro do muro. ㅡ Dulce respondeu.

ㅡ Eu escapei. Eles provavelmente espalharam que me prenderam antes de escapar para não dar a idéia de que isso era possível. 

ㅡ Você não tentou entrar nas cidades, pedir ajuda? ㅡ Anahí perguntou, confusa. 

ㅡ Eles fazem as cabeça do povo aqui, como se fossem salvadores. Eu achei melhor não me arriscar, estou escondido por aqui e de olho nas notícias ao mesmo tempo. Tem um horário que é mais fácil entrar na cidade procurar por jornais e, com sorte, alguma comida diferente de fruta.

ㅡ E qual a situação atual, segundo as notícias? ㅡ Poncho questionou.

ㅡ Não é boa ㅡ disse o homem, que se sentou junto a eles, continuando. ㅡ Eles têm feito tudo e mais um pouco para que todos acreditem que do outro lado do mundo se vive na mordomia, sem levar em conta o lado emocional, o estar longe, a doutrinação. O deixar nossas raízes para trás. Todas as cidades têm toque de recolher e têm recomendações fortes quanto a comportamento. Eles têm usado os materiais que vocês produzem lá para mostrar o quanto estão bem e como todos precisam se comportar da forma que eles acham certo.

ㅡ Incrível, usar gente do mesmo povo para ditar costumes avessos ㅡ Dulce comentou.

ㅡ Bem, é um situação ruim, mas nós estamos vivendo isso e precisamos passar por isso ㅡ  argumentou Christopher. ㅡ Você está para este lado há bastante tempo, não é?

ㅡ Pode-se dizer que sim.

ㅡ Poderia nos ajudar com algumas dicas? ㅡ  insistiu.

ㅡ Eu não deveria me meter, mas irei ajudar de alguma forma. ㅡ  O homem se levantou, sendo seguido por todos. ㅡ Nós vamos seguir um trecho para o sul, e no caminho vou explicando sobre os horários e sobre onde da mata vocês não devem nunca ir.

***

As estradas estavam na maioria do tempo desertas, sendo habitadas de tempos em tempos por uma patrulha do Controle. Manter-se nesse curso fora a primeira dica do ex-morador da Casa 9, tendo o cuidado de sugerir que eles não ficassem diretamente na pista e que fossem acompanhando as placas sinalizadoras, para que não tomassem um rumo equivocado.

Em um certo momento, ele os deixou, e o grupo precisou continuar sozinho no caminho por mais alguns dias. Notaram algumas vezes que haviam helicópteros tentando captar movimentações diferentes fora das cidades, porém eles já haviam sido ensinados sobre isso e mantinham-se escondidos debaixo das árvores.

Ao final do décimo sexto dia, já com os recursos escassos e usando as dicas que lhes foram passadas, o grupo avistou as placas de boas-vindas que marcavam os limites da cidade onde Anahí morava antes do Exílio. Segundo bússolas e GPS internos de cada um deles, a mata onde se escondiam a essa altura levaria para os arredores da casa de Any, eles só precisariam se manter escondidos e alertas até lá, onde ela encontraria uma maneira de entrar na residência e pedir auxílio. Ou pelo menos era esse o plano, até se depararem com o riacho que dividia a mata da civilização.

A solução fora simples: teriam que atravessá-lo de qualquer forma, mesmo que ficassem ensopados, logo eles teriam asilo. Passando as crianças uma a uma, os adultos logo estavam também do outro lado do curso d’água e já podiam ver os telhados dentre os quais estaria a casa de destino. Anahí já não queria esperar, andou decidida até a última árvore que a separava do gramado verde que um dia havia sido seu quintal.

ㅡ Vocês estão vendo alguma fiscalização por aqui? ㅡ  ela perguntou, ofegante pela emoção.

ㅡ Acredito que não Any ㅡ Christopher respondeu, olhando à sua volta em busca de câmeras e de fiscais. ㅡ  Alguém?

Todos balançaram a cabeça, em sinal negativo.

ㅡ Eu vou agora. Torçam por mim.

Ela começou a se afastar, chegando cada vez mais perto da porta dos fundos da casa e entrou. Por um momento, todos prenderam a respiração, aguardando novas notícias, mas compreenderam que não seria tão simples explicar o porquê de estar ali e não no exílio, e como chegara e o que precisava.

Quase uma hora se passou, então a porta se abriu novamente. Uma Anahí sorridente fazia sinal para que os amigos a acompanhassem e foi o que prontamente fizeram. A porta dava para a cozinha, onde havia uma mesa e, em volta dela, estavam o marido de Any, dois homens de terno visivelmente assustados com toda essa movimentação inusual e alguns familiares dela. Eles prontamente agarraram Manu, que não entendeu quem eram todas aquelas pessoas e tentava, sem sucesso, se esconder atrás da mãe. 

ㅡ  Bem vindos de volta ㅡ  anunciou um dos homens de terno.

ㅡ Podemos fazer as menções depois, eu acho que primeiro eles precisam de um bom banho e uma refeição completa ㅡ  disse a mãe de Anahí, antes de ouvir qualquer ordem dos dois funcionários do Governo. ㅡ Depois vocês falam de negócios, terão o resto do dia para isso.

Felizes de ter uma figura materna por ali, o grupo a acompanhou, sendo encaminhados para quartos e, depois, de limpos, de volta à cozinha.

ㅡ Agora acho que podemos conversar, não é, Tisha? ㅡ  Manuel perguntou aos ex-exilados, brincando com a sogra. ㅡ  Vocês foram sortudos, até então não soubemos de ninguém que chegou vivo desse lado do muro. Se arriscaram muito.

ㅡ Não podíamos mais ficar lá ㅡ Any respondeu. ㅡ Vocês recebem informações distorcidas das coisas que acontecem no Exílio. Infelizmente, sofríamos punições, ficávamos dias sem comer e isso tudo porque eles queriam apagar nossa identidade e nos programar a ser quem não somos. Isso sem contar com os abusos de poder, as humilhações em público...

ㅡ Eles nos disseram isso ㅡ  Christopher completou ㅡ quando saímos para o lado de cá. 

ㅡ Vamos entrar com um recurso para o Ministério Público pedindo asilo político para vocês ㅡ  Manuel informou, olhando de relance para os dois homens engravatados que o acompanhavam.

ㅡ  Precisamos pensar nos outros exilados também… ㅡ Dulce comentou.

ㅡ Um passo de cada vez. Primeiro, vocês que já estão aqui. Sobre os outros, agiremos quando seja hora ㅡ  explicou o governador. ㅡ Agora, vocês precisam ser avaliados, passaram muito tempo em situações extremas. Uma equipe médica foi acionada e vocês serão levados para o Centro de Saúde. Quando voltarem já cuidados, falaremos sobre tudo isso e, nesse meio tempo, vamos em busca das famílias de vocês.

O grupo aceitou os cuidados, sendo encaminhados para o encontro com a equipe médica, tendo uma pausa em meio ao caos que estavam vivendo nos últimos dias. Os pensamentos, porém, seguiam na mesma direção: fariam algo para ajudar a exterminar aquele governo controlador? E como pretendiam viver agora que mudaram drasticamente, de novo?


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Notas finais do capítulo

Agora to sentindo sucesso nesse plano todo!
Esse é o penúltimo capítulo dessa história, e no próximo já tudo será solucionado.
obrigada por acopanharem!
Cat.



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