Exílio escrita por Catarina Pereira


Capítulo 8
Capítulo 8 - Resistência


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde pessoal! Venho com mais um capítulo dessa história. Esse capítulo particularmente é um dos meus favoritos. Espero que aproveitem!



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Já amanhecia quando Dulce teve o primeiro espasmo da tentativa falha que inspirar o ar, despertando assustada após mais um sonho esquisito. Nessa noite, pôde descansar um pouco mais que nos últimos dias enquanto ainda estava na Casa 14, por um lado sabia que não estava sozinha e que ela não era responsável por atentar à segurança do grupo. Os novatos do grupo da resistência não eram obrigados a ajudar com a vigília. Por outro lado, sentia o estresse da fuga e do perigo constante a atormentá-la, quando só o que precisava era dormir.

O sonho teve um enredo que Dulce não sabia bem como interpretar: não entendia se era parte do que estava passando, se era um pressentimento ou pura ansiedade. Tudo começou com uma menininha, em um canto de uma sala muito escura enquanto ao fundo podia-se escutar um som rítmico alto, que parecia ruídos de vários tambores batendo ao mesmo tempo. A criança avançou pelo recinto, chegando a uma porta, a qual abriu lentamente, mas nada encontrou atrás. Era apenas uma parede rústica de pedras. O som se tornou cada vez mais alto, aproximando-se dela e, em meio a poucos raios de luz que entravam por uma e outra fresta misteriosa, ela conseguiu verificar que eram soldados marchando em sua direção, sussurando ordens sobre prendê-la. Não tendo para onde ir, ela aguardou e, quando a alcançaram, rapidamente a abateram com choques diretos na barriga e a garotinha já não podia se levantar. 

Notando o ambiente mais seguro, ela conseguiu manter a calma por um tempo. O grupo de resistentes conversava baixo, as crianças ainda dormiam. Estava tudo bem com eles. Mas como estariam os outros trios? Já estariam onde deveriam estar, segundo o plano que tinham montado? Teriam conseguido passar pela fronteira sem problemas? Estariam a salvo na mata? Algo dizia a Dulce que não. Não sabia reconhecer se a conversa com os resistentes a deixara sensibilizada, ou se era o medo da fuga que não a deixava raciocinar direito. Os pensamentos de fracasso do plano começaram a voltar, mas dessa vez não conseguiu bloqueá-los.

Nova falta de ar marcou o momento em que Poncho apareceu a seu lado. Ela não pretendia que o amigo se preocupasse todas as vezes que ela ficasse nervosa. Dulce precisava se acalmar, mas quanto mais ela pensava nessa situação, mas lhe faltava o ar, mais desesperada ficava e mais pensava nos amigos, principalmente em Christopher, que tinha o jeitinho perfeito de fazê-la sentir bem.

Ela queria se levantar, ir para onde não houvesse ninguém. Queria sair dali, tomar ar, tentar respirar melhor, porém ao levantar-se, sentiu tontura. Estava sendo bem recorrente nos últimos dias, mas isso não era um incômodo tão grande. O pior era pensar que precisaria sim que Poncho a ajudasse, como já estava fazendo, segurando-a pela cintura e ajudando-a a sentar-se novamente.

ㅡ Vamos lá, Dul, você não pode se levantar, nem consegue parar de pé! ㅡ ele tentava convencê-la. ㅡ O que está acontecendo?

ㅡ Eu tive um sonho estranho… ㅡ ela respondeu, já sentada e de olhos fechados ㅡ Eu não quero falar sobre isso…

ㅡ Não precisa falar sobre isso ㅡ ele retrucou. ㅡ Mas precisa acreditar que vamos ficar bem. Ou então cada vez mais vai ficar insegura e ter crises. 

ㅡ Não escolho ter crises…

Notando que a amiga estava ficando cada vez mais nervosa, ele tentou mudar de assunto.

ㅡ Tudo bem… Sabe o que eu acho? ㅡ ele perguntou, capturando sua atenção. ㅡ Acho que agora ainda é muito cedo e podemos aproveitar que estamos em segurança e rodeados de gente que quer nos ajudar para descansar um pouquinho mais. 

Ela não podia discordar. Deitou-se, observando o local, ouvindo o incentivo do amigo. Minutos se passaram até que ela se sentiu mais calma e prestes a cair no sono novamente.

***

Dulce ouviu alguém chamar baixinho seu nome e abriu os olhos para buscar de onde vinha a voz. Mais descansada e menos estressada, ela notou que Poncho a acordava gentilmente.

ㅡ Dulce? Dul? Está tudo bem?

Ela se perguntou se teria falado ou se mexido muito durante aquelas poucas horas de sono a mais, enquanto o olhava ainda um pouco confusa. A resposta, porém, foi positiva, assentindo.

ㅡ Já precisamos nos levantar ㅡ  ele explicou. ㅡ Precisamos começar a nos preparar.

Então ela se lembrou que estavam no meio daquilo tudo: exilados, foragidos, encrencados e prontos para dar o próximo passo. Respirou fundo, levantando-se devagar e unindo-se ao resto do grupo.

ㅡ Bom dia, gente ㅡ cumprimentou Gustavo, que estava sentado à mesa improvisada com uma porta. ㅡ Um dia importante hoje.

ㅡ Esperemos que seja positivo também ㅡ respondeu Poncho. 

ㅡ Bom dia… ㅡ Dulce disse, lentamente. ㅡ Onde está Dani?

ㅡ Brincando ali ㅡ A senhora da casa 12 sentava-se ao seu lado, despreocupada. ㅡ Coma alguma coisa, querida. Não vai querer ficar sem energia.

Dulce aceitou a dica a contragosto. Não tinha fome, sentia o estômago embrulhado e uma leve dor de cabeça que não prometia deixá-la em paz. Serviu-se de uma caneca de café quente e um pedaço de pão, comendo e bebendo devagar, enquanto escutava a conversa que havia sido iniciada antes dela ser despertada.

ㅡ Agora eu vou ficar esperando vocês mais adiante ㅡ Gustavo disse. ㅡ Vou sair daqui a pouco e vocês vão fazendo a primeira parte. 

ㅡ Não seria melhor que nós fôssemos com você, Gustavo? ㅡ Poncho perguntou, confuso com o plano.

ㅡ Precisamos ser cautelosos. Seríamos um grupo muito grande, avançando numa direção perigosa. Eu consigo ajudar vocês mais para frente, mas não a partir daqui. Vou mostrar para vocês…

Ele se levantou, indo até um canto do barracão que Dulce e Poncho não tinham atentado anteriormente. Dulce pôde observar que ele mexia em vários papéis, parecia estar buscando algo específico. Então voltou à mesa, munido de três folhas e uma caneta.

ㅡ Vejam ㅡ ele convidou, fazendo com que os dois se debruçassem sobre os papéis para enxergar melhor. Gustavo trouxera mapas. ㅡ Nós estamos aqui. Vou marcar com uma caneta vermelha o caminho que vocês devem fazer e com a caneta azul onde cada um de nós vai conseguir estar para ajudar. Lembrando que temos que ser discretos e fazer as coisas com calma, mas não podemos esquecer também que temos um limite de tempo, ou as coisas podem ficar perigosas.

O casal de amigos assentiu.

ㅡ Bem, daqui, vocês avançam por essa rua. A ronda dessa manhã já nos alertou que tem soldados alocados aqui e aqui. ㅡ Gustavo anotava de verde tudo que tinha a ver com o Controle. ㅡ  Então provavelmente eles fiquem atentos em relação a essa área aqui. Essas ruas de cá vão estar livres para vocês passarem.

À medida em que Gustavo colocava didaticamente no papel cada passo que seria dado e cada momento em que a Resistência atuaria com o propósito de ajudar exilados a escaparem, Dulce conseguia ter uma ponta de esperança. Até que o plano chegou nas etapas finais.

ㅡ Daí, bom, passando por aqui, já vai dar para ver o muro. Ele fica aqui. O exército fica em cima dele, em toda a extensão. ㅡ  Gustavo fez uma pausa, e suspirou. ㅡ Parece loucura tudo isso. Todos nós já tentamos chegar lá em algum momento, mas nunca foi possível. 

ㅡ Sabe, a gente tinha uma política na nossa casa que talvez ajude a pensar ㅡ  começou a contar Poncho. ㅡ A gente só conseguia terminar o dia pensando que funcionávamos como um corpo só. Cada um de nós tem uma função dentro do grupo e juntos fazíamos as coisas caminharem no sentido certo. Talvez seja essa a questão.

Notando a confusão do novo amigo, Dulce completou o pensamento de Poncho.

ㅡ Não dá pra pensar no individual e querer fugir. Os exilados somos todos nós, todo esse grupo. E em grupo precisamos agir para sair daqui.

Gustavo ergueu as sobrancelhas, surpreso. Eles de fato atuavam em grupo para se protegerem, mas não agiam em grupo para sair. Não até agora. 

ㅡ Talvez ㅡ Gustavo começou a dizer, ainda tomado pela revelação ㅡ agora seja hora de todos nos sentarmos e conversarmos sobre a fuga e sobre o nosso papel aqui.

Outros resistentes se aproximaram, compartilhando suas experiências de tentativas frustradas de chegar ao muro. A senhora da casa 12 era quem tinha tido mais investidas, não apenas pelo muro, mas tentara de outras formas escapar, deparando-se com dificuldades que eram além de uma solução simples. A conclusão fora recebida com espanto por todos eles: era preciso uma ação em grupo, bem coordenada, com a participação de todos. E aí entrava o plano desde o começo, com pequenas e importantes participações individuais, mas que já perto do muro, era necessário um gran finale para que o trio passasse em segurança. A NOVA ideia dos resistentes era passar adiante a possibilidade de fuga, causando um problema em massa para o Controle. Eles eram experientes em causar problemas para o Controle e era sempre um prazer ter novas chances de fazê-lo. 

Tendo os detalhes bem colocados e todos os pontos acertados, metade dos resistentes presentes se retirou, se enfiando em saídas estratégicas e se dirigindo a outros lugares, sempre de uma forma discreta e cautelosa. Toda a estratégia seria iniciada com uma pré-ação, que deixaria tudo organizado para que a ação em si fosse iniciada. E no caso deles começaria com mensagens criptografadas entregues a outros exilados, que formavam uma rede de resistência, junto com os pães daquela mesma manhã. 

A Resistência não era apenas formada pelos foragidos. Havia exilados ainda sob o controle do governo que faziam parte de toda uma rede por debaixo dos panos. Eles agiam discretamente, distribuindo mensagens e organizando fugas e ações contrárias às leis impostas. Funcionários que serviam às autoridades também tinham um papel importante, muitas vezes não atuando diretamente na rede de resistentes, mas “deixando passar” algumas informações que ajudavam aos exilados.

Pouco a pouco, os foragidos responsáveis por distribuir as orientações para que o plano desse certo foram voltando ao barracão e outros foram saindo devagar, em direção ao posicionamento nos pontos importantes para que o trio pudesse ser conduzido pelo Exílio. Gustavo foi um dos primeiros a se retirar, passando a eles as últimas instruções antes de colocar a fuga em prática.

ㅡ Garotos, eu já preciso ir e preparar tudo lá na frente. Todos já foram avisados, agora depende de vocês ㅡ ele olhava firmemente para Dulce e Poncho, depositando esperanças nos dois amigos. ㅡ Agora a parte de vocês, vamos relembrar: vocês precisam dar um jeito de estarem perto do muro até por volta das cinco da tarde, ou não conseguiremos ajudá-los. 

ㅡ Correto… ㅡ respondeu Poncho.

ㅡ Vocês já precisam começar a sair. Vamos coordenar tudo em função do horário que outros exilados saem para trabalhar, assim as atenções dos fiscais e das tropas ficam divididas e as chances de eles notarem vocês diminui um pouco. Tentem não ser vistos. E boa sorte.

Gustavo saiu, deixando os poucos resistentes que restavam no barracão. Já era hora de agir. Agarrando as coisas que eles precisariam no caminho, Dulce e Poncho repassaram mais uma vez o mapa cedido pelo grupo: eram vinte e cinco quarteirões até o muro, o caminho mais seguro havia sido marcado, mas eles precisariam trabalhar com o improviso. Nunca saberiam como estariam as ruas de fato até passarem por elas. E não poderiam ser vistos, deveriam esperar momentos ótimos para passar de um lado a outro, até quando encontrariam aliados que os ajudariam com lugares mais complicados.

Durante o caminhos, eles precisariam estar em silêncio e bem escondidos e no mapa também haviam marcado os melhores lugares para se esconderem. embora o Exílio tivesse sido construído estrategicamente para a melhor visão do Controle, o projeto era cheio de falhas e esses problemas estruturais forma muito bem aproveitados pelos resistentes. Dulce e Poncho tinham o percurso e a estratégia na cabeça e tomaram alguns minutos para instruir o pequeno Dani em como deveria se comportar nas próximas horas. Tendo tudo preparado, eles passaram pela porta, deixando para trás a segurança do barracão.

***

Fora do barracão fazia frio e lufadas de vento açoitavam o trio enquanto eles tentavam parecer exilados normais, buscando estar o mais próximos possível dos prédios para poderem se esconder rapidamente em uma emergência. A estratégia era de fato se camuflarem em meio a outros moradores do Exílio, chamando o mínimo de atenção que podiam durante o máximo de tempo que conseguissem.

Chegando ao terceiro quarteirão, essa estratégia precisou ser abortada: junto aos Exilados que caminhavam em direção a seus compromissos diários, estava uma dupla de fiscais, observando o movimento da rua. Eles já haviam avistado o trio e, como estavam fazendo com todos os pedestres, também fizeram o movimento de parar e pedir a documentação necessária para trafegar na rua. 

Dulce e Poncho se entreolharam, precisando pensar rápido numa solução, ou o plano todo iria por água abaixo. Dulce prontamente abriu a mochila que levava as provisões, ganhando um pouco de tempo enquanto fingia procurar as permissões para acesso à rua. Levou um tempo nessa tarefa, sendo acobertada por Poncho, que respondia às perguntas dos fiscais.

ㅡ Para onde vocês estão indo? ㅡ um dos fiscais indagou.

ㅡ Temos um compromisso hoje perto do seminário ㅡ Poncho respondeu, apertando levemente a mão do filho com intenção de fazê-lo não responder os guardas.

ㅡ E que tipo de compromisso vocês têm?

ㅡ Gravação de comercial, senhor ㅡ Poncho seguia respondendo às perguntas.

ㅡ Por que estão levando o menino com vocês?

ㅡ Temos autorização. Ele está um pouco doente e não foi autorizado ir à escola hoje.

ㅡ Ele deveria ter ficado em casa, então ㅡ retrucou o segundo fiscal.

ㅡ Nenhum adulto foi liberado dos compromissos, então nos deram permissão de levá-lo junto. Não pode ficar sozinho. ㅡ Ele respondeu, olhando discretamente para Dulce, que revirava a mochila habilmente.

ㅡ Sinto muito, senhor ㅡ ela comunicou após alguns segundos, com expressão de dor no rosto. ㅡ Nós deixamos as permissões em casa, na pressa de sair a tempo. Vamos buscá-las imediatamente, e aceitamos as advertências.

Os fiscais anotaram numa folha a punição concebida, adicionando a seguir:

ㅡ Qual a casa de vocês?

ㅡ Casa 2 ㅡ Dulce respondeu prontamente, relembrado o mapa e as casas que estavam próximas ao local.

ㅡ Entendido. Vão buscar as permissões e nunca mais esqueçam documentos importantes.

ㅡ Desculpe, senhor ㅡ Poncho respondeu, com a cabeça baixa.

O trio virou a esquina, enredando-se em um beco longe da visão dos fiscais.

ㅡ Foi por pouco ㅡ ele comentou a Dulce. ㅡ  Foi uma saída inteligente, eu estava ficando sem idéias.

ㅡ Você acha que eles vão verificar sobre a gravação? ㅡ ela perguntou.

ㅡ Provavelmente. E irão também verificar onde estão os moradores da Casa 2. E nós dois precisaremos estar bem longe daqui.

ㅡ Não podemos mais fingir, agora ㅡ Dulce ponderou. ㅡ Eles já devem estar espalhando para todos que os moradores da Casa 2 estão na rua sem documentos.

ㅡ Plano B, então, Maria.

ㅡ Plano B ㅡ ela confirmou.

O trio permaneceu mais alguns minutos no beco, aguardando a movimentação na rua cessar e a chance mais propícia de passar para outro esconderijo. Checaram o mapa novamente nesse meio tempo, buscando os pontos mais próximos, atentos a qualquer movimento estranho ao redor. Notaram que, além de guardas nas ruas, havia helicópteros pairando sobre a cidade, impedindo qualquer mudança de status.

Conseguiram avançar mais dois quarteirões, mantendo-se ocultos, ouvindo também sirenes na vizinhança, o que indicava que as tropas já tinham sido avisadas sobre coisas estranhas acontecendo. Alcançaram um dos esconderijos anotados por Gustavo como importante, e foi onde encontraram a senhora da Casa 12.

ㅡ Que maravilha terem chegado até aqui! Algum problema no caminho?

ㅡ Alguns fiscais nos pararam ㅡ Poncho respondeu. ㅡ Tivemos que inventar qualquer coisa e mudamos de estratégia. Agora estamos andando pelos becos, como o Gustavo orientou.

ㅡ Ótimo, acho que daqui em diante vão mesmo ter que andar mais escondidos. Já estamos tendo uma movimentação entre os Exilados que foram avisados sobre essa fuga, estão começando a se posicionar.

ㅡ Não vamos causar problemas a eles? ㅡ Dulce perguntou preocupada.

ㅡ Imagine só! São eles que vão causar problemas ㅡ a senhora retrucou, divertida. ㅡ Vou acompanhar vocês até o próximo ponto seguro, tudo bem? A fiscalização aqui por perto é traiçoeira.

Eles assentiram, agradecendo a ajuda. Ela caminhou com eles por dentro dos becos, possibilidade que eles não tinham visualizado como possível ainda. Atravessando os quarteirões devagar, ela ia explicando a eles quais as melhores formas de passar de um bloco a outro, ensinando-os a ver os sinais que indicariam fiscalização.

Após pouco mais de uma hora, alcançaram o próximo ponto. Poncho colocou Dani sentado em um murinho baixo, pedindo a Dulce um pouco de água e um pedaço de pão. A senhora da Casa 12 observava à rua, atenta, enquanto o trio se sentava aguardando as próximas instruções.

ㅡ Bom, acho que por aqui está tudo tranquilo por enquanto ㅡ a senhora comentou. ㅡ É hora de vocês seguirem sem mim. Eu vou voltar para o barracão. Vocês fiquem por aqui mais um pouco, vai chegar mais ajuda. Descansem, comam alguma coisa, respirem. Vocês vão precisar estar atentos a partir de agora, tudo bem?

Dulce e Poncho confirmaram e agradeceram, toda ajuda para passar pelo Exílio sem serem capturados era bem-vinda. Eles assistiram ao afastamento da nova mentora em silêncio, aguardando minutos até que ouviram passos em direção a onde estavam.

ㅡ Meninos? ㅡ eles ouviram alguém chamar, baixinho.

Era Gustavo. 

ㅡ Vamos, é hora de prosseguir. Precisamos alcançar outro lugar em segurança. ㅡ Vocês têm notado que tem mais viaturas nas ruas?

Eles tinham notado.

ㅡ Eles intensificaram a fiscalização desde que vocês escaparam. Não deram nenhum aviso às outras casas, mas nós nos certificamos que alguns aliados soubessem. Temos que prosseguir mesmo assim, mas não podemos nos arriscar. Vou ajudá-los mais alguns quarteirões para que vocês cheguem mais perto do muro, certo?

O trio acompanhou o Resistente por um caminho entre os prédios daquele quarteirão. As viaturas passavam frequentemente, o que impedia que eles avançassem da mesma forma que eles estavam fazendo antes. De repente, Gustavo parou. Não havia nada, nem saída daquele lugar, e Dulce sentiu um arrepio na espinha pensando se realmente deveria confiar num grupo de pessoas que nunca tinham visto antes.

Gustavo ficou parado, observando os arredores por algum tempo sem dizer nenhuma palavra. Dulce olhava para Poncho tentando alertá-lo de que era uma situação estranha e ele lhe pedia calma, não tinham outra opção senão confiar. Em algum momento, eles notaram que Gustavo mexia em algo no chão.

ㅡ Meninos, como vocês já viram, a situação não está das melhores aqui fora. Teremos que pegar um caminho alternativo, que é o mesmo que eu tenho usado para me locomover nesse trecho mais próximo do muro. 

A tampa do bueiro era pesada. Poncho precisou agarrar um dos lados do aparato para levantá-lo em conjunto com Gustavo e logo ajudaram Dulce e o pequeno Dani a descerem, seguindo-os prontamente. 

O lugar não era dos melhores, mas definitivamente era bem mais seguro andar por ali do que no perigo de serem vistos pelas autoridades do lugar. Enquanto andavam, Gustavo ia lhes explicando algumas coisas.

ㅡ As galerias de esgoto aqui do Exílio são um pouco complicadas. A cada tantos metros ela perde a conexão com o trecho seguinte, e isso dificulta que possamos fugir por ali. ㅡ Ele ajudava os três fugitivos a pularem pedras e ultrapassarem alguns outros obstáculos que mal podiam se ver. ㅡ Eu descobri que era possível caminhar por aqui um dia que estava sendo perseguido e não teria outra alternativa senão entrar literalmente pelo cano.

À medida em que avançavam, podiam ser vistas caixas e caixas que pareciam ser de madeira, e por entre as frestas das tampas dos bueiros, a luz deixava transparecer que nas paredes também haviam coisas.

ㅡ O que tem nessas caixas, Gustavo? ㅡ Dulce perguntou, ainda um pouco desconfiada de toda a situação.

ㅡ São caixas de mantimentos. Vocês não tiveram oportunidade de ver, mas eles, antes de colocarem as caixas para dentro das Casas, mantém por uma ou duas horas nas portas, apenas para que possa ser feita a checagem dos produtos. 

ㅡ Vocês roubavam caixas de alimento das casas?! ㅡ Ela continuou inquirindo o membro da Resistência.

ㅡ No começo era isso mesmo. Nós precisávamos de comida e ainda não tínhamos de onde tirar. Mas depois, criamos as mensagens criptografadas e conseguimos entrar em contato com algumas das casas mais próximas do barracão, e acordamos que pegaríamos caixas de tempos em tempos. 

ㅡ Agora vocês já tem até um estoque, a gente percebe… ㅡ Poncho comentou. 

ㅡ A gente tem um estoquinho, é verdade ㅡ Gustavo respondeu, rindo. ㅡ Nós temos comida a mais para eventualidades, por exemplo para quando temos gente a mais no barracão. 

ㅡ Bem pensado ㅡ Poncho disse. ㅡ E o que tem nas paredes?

ㅡ São mensagens. O pessoal me pede para deixar tudo anotado de forma que as pessoas que cheguem aqui possam ver que não estão sozinhas. Esse foi o jeito que eu consegui. Qualquer um que entrar aqui para tentar fugir vai ver que tem apoio, tanto de nós que já escapamos das Casas, quanto dos ainda Exilados. 

Com os olhos mais acostumados, Dulce podia ver as mensagens de incentivo à escapada, dando forças para quem ainda tinha esperanças de sair de lá.

ㅡ Os outros sabem dessa possibilidade? De passar por aqui? ㅡ Dulce perguntou, menos desconfiada.

ㅡ Eles sabem. Mas você já deve ter notado que muitos deles adoram a adrenalina de correr riscos. Eu já não compartilho muito desse pensamento, então prefiro andar por aqui. ㅡ Ele fez uma pausa antes de passar um murinho, olhando sério para os dois antes de continuar ㅡ Agora, eu preciso que vocês prestem atenção a uma coisa. Como eu disse antes, as galerias não são totalmente interligadas, então antes de passarem pelo muro, vocês terão que sair à tona novamente. Terão que ser cautelosos, e eu não poderei acompanhá-los a partir de então.

ㅡ Você fez muito por nós, nem poderíamos pedir tanto, Gustavo. ㅡ Respondeu Poncho, agradecido, olhando de volta para Dulce.

ㅡ É, acho que no final vocês nos ajudaram muito mesmo. Somos agradecidos ㅡ ela respondeu.

ㅡ Vocês não tem que me agradecer, em troca quero vocês em liberdade.

Dito isso, seguiram o caminho, passando dessa vez silenciosamente pelos obstáculos e pelo curso do esgoto. A galeria terminou numa parede limbosa, que podia ser vista através da luz do último bueiro daquele trecho da galeria.

ㅡ É aqui que eu deixo vocês. Espero que vocês consigam, e nós poderemos ajudar mais gente a partir disso. Vocês precisam de mais alguma coisa?

ㅡ Precisamos de sorte ㅡ respondeu Dulce.

ㅡ Boa sorte, então.

Poncho alcançou a tampa do bueiro e a empurrou, deslocando-a do encaixe que fazia. Saiu em primeiro lugar, olhando os arredores e avaliando os riscos, em seguida ajudando Dulce e Dani a saírem de lá também. Voltando a tapar o bueiro, eles suspiraram quase que ao mesmo tempo. Já podiam ver o muro que delimitava o inferno que era aquele lugar, com as milícias em cima, armadas e preparadas para atacar qualquer exilado que rompesse o pacto. 

Poucos quarteirões os separavam de onde provavelmente estaria a passagem para o outro lado, mas como chegariam ali? Se aproximaria das cinco da tarde? Eles não tinham como saber. A única informação que tinham era de que eles deveriam chegar na posição mais oeste possível e que saberiam quando fosse a hora, porque teriam ajuda dos Exilados avisados por Gustavo. 

Observando o movimento nas ruas, eles passavam rapidamente para os quarteirões seguintes e, no local combinado, esperaram novo aviso. Então escutaram passos ritmados, como uma tropa que se aproximava.

ㅡ Poncho, é o exército? ㅡ Dulce perguntou, assustada.

ㅡ Eu não sei, Dul. Mas por que o exército viria para cá, se já tem esse pessoal todo em cima do muro?

Eles aguardavam, e o som seguia cada vez mais forte e mais próximo.

ㅡ Os outros precisaram passar por tudo isso também?

ㅡ O papel deles era abrir a porta. O nosso é fechar, isso implica que, agora, eles já sabem que alguém abriu ㅡ Poncho ponderou.

ㅡ Mas qual é essa porta, que nós não conseguimos ver? 

Dulce foi interrompida por uma sirene muito alta, que chamou atenção não só do trio, como também das tropas acima do muro. Então eles puderam ver o sinal claramente dado: o som que ouviam era sim de um exército, mas um exército de Exilados. Assombrados, Dulce e Poncho entenderam o recado. Eles deveriam agir. Xeque-Mate, Controle.


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Notas finais do capítulo

Genteeeeeeeeeee agora vai!!!

Até logo ♥
Cat.



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