Exílio escrita por Catarina Pereira


Capítulo 7
Capítulo 7 - Peões


Notas iniciais do capítulo

Bom dia pessoal.
Trago hoje mais um capítulo dessa saga. Espero que aproveitem muito.



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O plano deveria seguir como fora combinado antes, e Christopher era o responsável por sempre dar o primeiro sinal enquanto estivessem juntos. Sendo discreto e avisando a cada um dos amigos, todos foram assumindo seus postos, aproximando-se daqueles com quem formariam os pequenos trios, para então prosseguirem a estratégia.

Poncho e Dulce se acercaram à porta de uma das ambulâncias que estavam ali paradas prestando socorro às vítimas do incêndio e observaram calmamente enquanto os bombeiros e funcionários da saúde atentavam à casa em chamas. De mãos dadas com o pequeno Dani, eles miraram aos outros dois grupos de amigos, que cada vez mais se afastavam da cena local. Poncho e Dulce foram cautelosos, dando pequenos passos em direção a um beco atrás de outras casas do Exílio, que os levaria ao outro lado da rua e os tiraria daquele caos.

Pequenos passos eram a ação seguinte, como peões de xadrez que avançam com o objetivo de abrir caminho e tomar o campo oposto. No caso dos ex-moradores da Casa 14, eles estavam no campo inimigo e agora precisavam voltar ao seu próprio e, como boas pecinhas brancas, começariam a agir antes das peças inimigas. 

O movimento de afastamento era demorado, mas não poderia tardar muito, ou as autoridades locais sentiriam falta dos exilados, não dando chances para que eles abrissem vantagem. O primeiro grupo que deveria chegar ao muro, Anahí e Christian, acompanhados do pequeno Manu, já haviam desaparecido da visão de Dulce. Eles seriam os responsáveis por abrir caminho quando fosse a hora, estrategicamente, usando a influência de Anahí no país de origem.

Em segundo lugar, Maite e Christopher com Arturo teriam o dever de conseguir manter o menino tranquilo e chegar em segurança. Era uma grande tarefa, considerando que Arturo era uma criança difícil de se manter em calma, ainda mais fora de seu ambiente de segurança. 

Por último, Dulce, Poncho e Dani seriam encarregados de fechar o grupo, responsáveis por não serem pegos e não delatarem o resto do amigos, fora a responsabilidade de ficar atentos em relação às movimentações do Controle, para repassar a informação e, se possível, dar início a uma revolução entre os exilados. Eles não tinham direitos dentro do Exílio e, se fossem pegos, as leis prometiam longos períodos de tortura e encaminhamento certeiro para a morte. Manter-se invisíveis era o que deveriam fazer por hora e essa não era das tarefas mais fáceis num lugar cuja vigilância era extrema. O trio, porém, se escondeu, dando tempo suficiente para que as autoridades se dessem conta de que eles já não estavam mais lá e para que os amigos pudessem avançar, como haviam combinado.

De longe e devidamente ocultos entre as casas mais protegidas pela vegetação, eles começaram a notar a movimentação dos policiais e dos fiscais.

ㅡ Poncho ㅡ  Dulce chamou, baixinho. ㅡ  Você realmente acha que aqui é uma boa opção de esconderijo?

ㅡ Temos que confiar que sim ㅡ ele confirmou. ㅡ Parece que eles já perceberam que a gente sumiu.

ㅡ Espero que os outros já estejam mais longe. É fundamental que a Any chegue primeiro que todos lá.

ㅡ Eu sei, Dul. Vamos ser todos cuidadosos, todos sabem os próximos passos, você vai ver que vai dar tudo certo. Temos que nos proteger agora, certo? ㅡ  Ele finalizou a conversa, fazendo um sinal para ela e para o filho, pedindo silêncio.

Algum tempo se passou, enquanto o trio observava preocupado as tropas que saíram às ruas. Grupos de soldados passavam armados e sincronizados, seguindo os superiores e gritando comandos. Eles, juntamente aos sons dos autofalantes das ruas, formavam uma sinfonia cacofônica, deixando confuso até o mais centrado ser humano. Dulce sentia arrepios só de pensar que teriam que se expor por um momento, quando Poncho deu sinais para que eles passassem para outro local, aparentemente mais perto do objetivo e mais escondido do que o anterior.

ㅡ Dul, temos que ir em frente. Se ficarmos aqui nos arredores, as chances deles nos encontrarem vão ser altas.

ㅡ Já sei. Mas como vamos sair com esses soldados nas ruas todo o tempo? ㅡ Ela perguntou, assustada.

ㅡ Eles não estão tecnicamente olhando para trás, e pelo que parece não tem mais nenhuma autoridade vindo. Temos que ser cuidadosos, mas podemos passar para a rua debaixo sem sermos vistos. Acho que temos que ir agora, ou não teremos outra oportunidade.

Poncho estendeu a mão para a amiga, que agarrou o pequeno Dani com a outra mão. Os três passaram o mais próximo possível das paredes, alcançando rapidamente o próximo esconderijo. Dani permanecia quieto, como tinha combinado mais cedo com o pai, e Dulce estava visivelmente ofegante e assustada. Poncho se sentou no chão, colocando o filho sobre suas pernas e fazendo sinal para que Dulce se sentasse.

ㅡ Pronto ㅡ ele sussurrou ㅡ viram como tudo ficou bem? 

Dulce assentiu, de olhos fechados.

ㅡ Por enquanto agora só temos que nos preocupar em nos manter calmos e bem escondidos até nos movermos de novo ㅡ  completou. ㅡ Você está bem, Dani?

ㅡ Sim.

ㅡ Ótimo ㅡ  Poncho retrucou, abraçando o filho.

ㅡ Any e Chris já devem estar perto do estúdio ㅡ Dulce comentou, entre sussuros e com as mãos apertadas, relembrando o rascunho de mapa que fizeram. ㅡ Devem estar bem, não é?

ㅡ Se alguma coisa tivesse acontecido, todas as autoridades seriam acionadas. Já aconteceu uma vez, lembra? Foi polícia para todo o lado, o exército também foi chamado, teve uma reunião de fiscais, tanto que o Andrés nem foi passar as tarefas aquele dia.

ㅡ É verdade ㅡ ela concordou. ㅡ Então não precisamos ficar preocupados agora, certo?

ㅡ Certo, Ardilla. Vamos ficar tranquilos e repassar o que vamos fazer em seguida, que tal?

Ela assentiu.

ㅡ O estúdio já seria a metade do caminho, pelo que a gente mediu. Nós ainda estamos perto da Casa 14, então não podemos dar bobeira ㅡ Ele parou um momento, esperando uma nova tropa passar. ㅡ  A próxima vez que formos sair, vamos tentar descer mais de um quarteirão. Vamos estar próximos à padaria, e mais alguns quarteirões a gente chega ao estúdio.

ㅡ Com sorte, chegaremos à noite, e vamos ter mais condições de ficar escondidos e, quem sabe, até descansar um pouco ㅡ Dulce ponderou, um pouco mais otimista.

ㅡ Isso. Vamos precisar de energia. Quando chegarmos lá, faremos essa pausa para descansar e comer alguma coisa.

O grupo aguardou em silêncio. Notando movimento nenhum na rua, avançaram os dois quarteirões rapidamente, ouvindo a aproximação de sirenes da polícia. Dulce tremia e tinha dificuldade para respirar, mas tentou manter a calma, porém sirenes da polícia não eram um bom sinal quando se tratava do pacato Exílio, onde a paz deveria reinar se todos seguissem as regras sem serem pegos atuando contra a lei. Poncho tinha razão: da última vez que um exilado tinha sido encontrado tentando fugir, houvera todo um alarde, bem parecido com o que começava a acontecer agora.

ㅡ Poncho, as sirenes… ㅡ  ela comentou, baixinho.

ㅡ Vamos acreditar que estão todos bem. Eles devem estar querendo fazer um showzinho.

ㅡ O Controle não faz showzinho… estou preocupada.

ㅡ Todos sabem o que fazer, Dul, vai ficar tudo bem.

ㅡ Eu fico pensando no Arturo… Ele não tem a mesma reação dos meninos para ficar quietinho. Para ele, é bem mais difícil. E se eles foram encontrados nessa tentativa de acalmá-lo?

ㅡ Dulce, a gente não pode ficar pensando assim, ou vamos ficar nervosos e esquecer a nossa parte.

Ela assentiu.

ㅡ Olha, eu sei que você está preocupada. Eu também estou. Mas temos uma missão, que é chegarmos vivos do outro lado do muro e não sermos pegos para não temos a chance de falar sobre os outros também. ㅡ Ele respirou fundo. ㅡ Temos que seguir tranquilos, tudo bem? Vamos tentar nos acalmar.

ㅡ Não sei se vai ser tão fácil, não quando penso que estamos todos em perigo a todo momento. Eu não quero chegar do outro lado do muro e saber que alguém de nós não conseguiu.

ㅡ Alguém de nós todos, ou alguém de nós específico? ㅡ  Dulce olhou para Poncho irritada. Ela sabia o que ele queria dizer com isso e sabia que estava pensando numa pessoa, embora realmente também se preocupasse com todos. Não teria argumentos.

ㅡ Eu me preocupo com todos, mas não vou negar que estou preocupada em não ver mais o Christopher.

ㅡ Você vai ver sim, Ardilla. Todos vamos chegar e você vai ter a chance de conversar com ele sobre o que você sente.

ㅡ Você não sabe o que eu sinto…

ㅡ Eu não sei, é verdade. Mas eu te conheço e uma coisa eu garanto: da mesma forma que você sente coisas intensas a todo o tempo e tem dificuldade de se acalmar, você também consegue amar uma pessoa intensamente. Isso é bem admirável, mas acaba sendo uma vulnerabilidade também. 

ㅡ E é. ㅡ Dulce suspirou e se levantou, silenciosamente. ㅡ Vamos seguir. Temos que chegar ainda hoje no estúdio.

Dulce e Poncho, com Dani seguro em seu colo, deram por encerrada a conversa, e observaram os entornos por alguns minutos. Notando que não havia movimento nas ruas e que o sol já começava a se por, eles caminharam rapidamente até o corredor que havia ao lado da padaria, a qual frequentaram pelos últimos anos, ficando conhecidos pelos funcionários. Desta vez, porém, não podiam ser vistos e nem reconhecidos.

O corredor era o esconderijo perfeito nesse momento, dificultando o acesso para as duas ruas que se encontravam com vegetação e ainda dava uma visão privilegiada para dentro da padaria, mantendo-os protegidos e informados de qualquer movimentação estranha ao mesmo tempo. Os dois adultos mantiveram-se abaixados enquanto observavam dentro do estabelecimento, atentos a alguns dos fiscais sentados às mesas reunidos, ouvindo atentamente as instruções de um membro do Controle, identificado pela farda que usava. A autoridade se retirou, dando espaço para que o grupo de fiscais saísse logo em seguida, parando próximos ao corredor.

ㅡ Esse pessoal da Casa 14 deve ser louco de enfrentar o Controle desse jeito ㅡ  puderam ouvir o primeiro fiscal comentando. 

ㅡ Vocês ouviram o chefe, não podemos espalhar a notícia para os outros exilados, ou vamos causar um novo problema.

ㅡ E isso que o erro foi da própria equipe do Controle, ninguém ficar de olho neles ㅡ  rebateu o primeiro fiscal.

ㅡ Mas isso não é problema nosso ㅡ encerrou a discussão ainda um terceiro membro da fiscalização. ㅡ Agora o que temos que fazer é seguir as ordens como fizemos das outras vezes que algum exilado escapou.

Dulce e Poncho se entreolharam, surpresos. Mais exilados já tentaram escapar e a notícia tinha sido abafada por ordens do Controle. 

ㅡ Eu me lembro bem quando aqueles dois da da Casa 9 fugiram, o Controle não deixou barato para aquele que foi pego. Aliás, eu nunca mais tive notícias sobre ele, deve ter sido executado. E o fiscal da casa dele também desapareceu.

ㅡ O outro fugitivo também nunca mais foi visto, acredito que conseguiu asilo em outro lugar  ㅡ reforçou surpreso o segundo fiscal.

ㅡ Vocês se lembram daquele da Casa 27 que escapou uns tempos atrás também? Deixou os outros moradores em estado de sítio até hoje, isso porque ninguém conseguiu provar se ele agiu sozinho…

ㅡ Não é à toa que dizem que essas ações não podem chegar aos ouvidos dos outros exilados. Imagine se todos resolvem fazer o mesmo? 

ㅡ Ainda mais agora. Uma Casa inteira está foragida! ㅡ replicou um dos fiscais. ㅡ Não entendo porque é que Andrés se meteu nisso… 

Dulce sentiu a própria pulsação bloqueando os sons que chegavam aos ouvidos. Notou algo agarrando seu braço, tentando chamar sua atenção à medida que tudo o que conseguia sentir era o coração acelerado. Aos poucos foi conseguindo ouvir a voz do amigo chamando-a baixinho.

ㅡ Você ouviu o que eles disseram? ㅡ  ele perguntou. ㅡ Já teve mais gente que tentou e bloquearam a informação não só de nós, mas de todo mundo.

ㅡ E só o que conseguiram foi cada vez mais punições… ㅡ Dulce completou, baixinho.

ㅡ Sim, mas teve gente que conseguiu!

ㅡ Não temos certeza disso, Poncho ㅡ  Dulce começou a tremer, lembrando o que um dos fiscais tinha comentado sobre alguém ter sido executado.

ㅡ Se não conseguiram ainda, ao menos seremos os pioneiros e vamos dar chance a mais exilados para que também escapem desse inferno.

Dulce não conseguiu seguir a conversa. Ouviu Poncho falando baixinho com o filho, acalmando-o e explicando que eles tinham um bom plano para fugir. Ela não tinha a idade de Dani e não acreditava em uma só palavra que o amigo usava para convencer a criança de que tudo estaria bem. Aos poucos aquele autocontrole que ela jurava ter conseguido foi se perdendo, dando chance para que ondas de choque passassem pelo seu corpo, fazendo-a tremer. Lágrimas brotaram em seus olhos e ela desejou não chorar na frente do resto do grupo, mas elas insistiam em vir. Um aperto criou-se no seu peito e logo, de ofegante, ela passou a sentir falta total de ar, na mesma forma que não conseguia inspirar, também não conseguia parar de temer e de pensar que aquele plano bobo tinha saído dela. 

Novamente pode sentir mãos a tocando, dessa vez nos ombros. As lágrimas não a deixavam ver com clareza, mas sabia que Poncho tinha se colocado em frente a ela e que tentava capturar sua atenção. Aos poucos, conseguiu ouvir o que ele dizia, palavras sussurradas e calmas pedindo que ela olhasse para ele e o ouvisse. Passaram-se alguns minutos antes de que ela pudesse de fato fazer o que ele tinha pedido. Com uma garrafa de água em mãos, Poncho voltou a sentar-se ao lado de Dulce.

ㅡ Toma um pouco de água, Dul. Vai se sentir melhor.

Ela ainda não podia respirar, mas aceitou a sugestão. Levou a garrafa à boca, ainda trêmula, mas sentir o líquido fresco ajudou-a a colocar o mínimo de esforço em acalmar-se. Lembrou-se das palavras de Christopher na noite em que ele a ajudou. Deveria respirar devagar, num ritmo constante. 

ㅡ Obrigada ㅡ ela respondeu fracamente, após alguns minutos, devolvendo a garrafa a Poncho.

ㅡ O que aconteceu, Ardilla?

ㅡ Às vezes não tenho controle das coisas que eu sinto e elas realmente me assustam ㅡ ela rebateu depois de um tempo.

ㅡ Você não estava assim antes de ter ouvido os fiscais ㅡ  Poncho ressaltou.

ㅡ Eu estou assim todo o dia, na verdade. Fico pensando que qualquer um de nós pode ser pego a qualquer momento. Eles vão começar a ser mais minuciosos na busca agora e sinceramente eu não tenho certeza das nossas chances.

Dulce fechou os olhos com força. Ouviu distantes as palavras de Poncho sobre prosseguir até o estúdio, mas não quis se levantar. Abriu os olhos novamente, mas tudo girava. Agora além de tudo que já sentia, também não poderia ficar em pé, isso seria realmente ótimo para a situação atual.

ㅡ Dul, vamos indo, precisamos chegar ao estúdio para podermos descansar um pouco…

Ela tentou se levantar. Tudo ficou ainda pior, e ela perdeu o equilíbrio, voltando para a posição que estava antes.

ㅡ Não posso… ㅡ  ela disse baixinho com a boca amargada.

Poncho voltou a abaixar-se a seu lado. Notou que a amiga estava pálida, mesmo através da luz fraca que iluminava a rua. Resolveu esperar um momento, fazendo o possível para acalmar os ânimos.

ㅡ Eu acho que você ainda está pensando em coisas que não deveria pensar.

ㅡ Eu… ㅡ Ela fez uma pausa, contendo as pontadas no estômago, antes de continuar ㅡ estou pensando que tem coisas que eu não poderia nem chegar a pensar, e já me matariam por isso…

ㅡ Você diz, coisas em relação ao Controle?

ㅡ Não. Coisas em relação a mim mesma.

ㅡ E é por isso que você está tão preocupada em ver o Christopher quando chegarmos lá?

ㅡ Ele também não sabe algumas coisas sobre mim. Mas ele me entenderia, ou pelo menos encontraria uma forma de fazê-lo. E de alguma forma, tudo isso tem a ver com ele também. 

ㅡ Certo… Já se sente melhor? Precisamos ir.

ㅡ As meninas contaram para você sobre o que aconteceu e por que tivemos punições? ㅡ rebateu Dulce, ainda de olhos fechados.

ㅡ Elas disseram que você e Christopher tinham se beijado na frente das câmeras.

Ela riu fracamente.

ㅡ Não foi muito inteligente…

ㅡ Não foi. Mas que é uma proibição besta, é. O que vocês poderiam fazer de mal, estando apaixonados?

ㅡ Dar continuidade à raça inferior que somos… ㅡ Ela abriu os olhos. ㅡ Não se lembra do discurso no primeiro dia que chegamos?

Poncho ficou pensando nas palavras da amiga enquanto Dulce conseguiu levantar-se. O grupo checou com cautela o movimento nas ruas, agora mais difícil de ser percebido devido às sombras. Saíram rapidamente em direção ao estúdio onde todos os dias frequentavam e faziam vídeos cruéis para enaltecer a grande Nova Sociedade que tanto impunha que eles eram seres inferiores. Algumas salas de gravação ainda estavam acesas e os escritórios também mantinham editores trabalhando até tarde, finalizando os materiais gravados no dia. 

O trio se escondeu próximos a uma das salas que tinha, assim como ao lado da padaria, um corredor longo, escuro, com árvores e perfeito para que foragidos permanecessem escondidos. Entraram no local, buscando o melhor lugar para se instalarem, pensando que esse seria o momento de descanso e reposição de energia que tanto precisavam desde que saíram da Casa 14. 

Sentaram-se ao lado de uma lata de lixo, pegando a mochila e retirando uma parte dos alimentos que tinham levado: uma fruta para cada e uma parte do pão, repartido em três. Dani mostrava claramente sinais de cansaço, mas não reclamou, pegou a comida que lhe tinha sido oferecida e comeu rapidamente. Um barulho fez com que os três se sobressaltassem. Eles não estavam sozinhos.

ㅡ Você ouviu isso? ㅡ Poncho perguntou no tom mais baixo que pode, enquanto tentava enxergar por entre os ramos da vegetação.

ㅡ Tem alguém aqui ㅡ Dulce concordou.

Poncho pegou o filho no colo, se colocando de pé para tentar observar o que emitia os ruídos cada vez mais próximos. Pode ver a silhueta de uma pessoa que aparentemente não usava farda e nenhum outro uniforme de autoridades do Controle. Poderia ser alguém à paisana?

Passou o menino para os braços de Dulce, que permanecia parada ao seu lado. Avançou discretamente em direção à sombra. 

ㅡ Quem está aí? ㅡ  ouviram perguntar uma voz desconhecida, falando em um bom tom de espanhol.

Poncho resolveu dar um voto de confiança. Os oficiais do Controle não usariam a língua latina nem como isca.

ㅡ  Somos da Casa 14 ㅡ  retrucou, ainda em voz baixa, e lançando um olhar cauteloso para Dulce, dando um sinal para que ela corresse com o menino caso algo não desse certo.

Mais ruídos em meio a vegetação e logo um homem pode ser visto, saindo do meio dos ramos. Ele parecia cansado, machucado e precisava de um banho urgentemente, era provável que estivesse escondido há muito tempo.

ㅡ Ótimo, mais foragidos para o mesmo esconderijo. Isso não pode continuar assim ㅡ o homem resmungou.

ㅡ Q-quem é você? ㅡ Dulce perguntou, reunindo alguma coragem.

O homem suspirou quando a viu com o menino no colo. Ele se abaixou, dando chances para que Dulce e Poncho também voltassem a se acomodar no chão de terra. 

ㅡ  Meu nome é Gustavo. Me trouxeram da Colômbia há três anos e eu era morador da Casa 30.

A dupla que ouvia atentamente se entreolhou. Mais uma fuga que não havia sido notificada.

ㅡ Vocês disseram que são da Casa 14. Foi bem ousado fugirem todos de uma vez. Acredito que tenha sido bem esperto também, fazem com que o controle tenha que dividir as atenções.

ㅡ Desde quando você é um foragido? ㅡ  Poncho indagou.

ㅡ Desde o primeiro mês em que cheguei.

ㅡ Você não pensa chegar ao muro e passá-lo? ㅡ ele continuou o inquérito.

ㅡ Não é possível passar o muro. Essa era a idéia de vocês? ㅡ Gustavo parecia perplexo com a audácia do trio.

ㅡ Por que não é possível passar o muro? ㅡ Dulce perguntou, com um tom de voz visivelmente alterado.

ㅡ O muro é cuidado por tropas do Controle, não tem passagens para o outro lado e, mesmo que tivesse, como passar pelo exército enorme que eles mantém lá sem sermos vistos e massacrados?

Poncho suspirou.

ㅡ O muro tem uma passagem, isso o nosso fiscal nos garantiu.

ㅡ Vocês acreditaram em um fiscal? ㅡ Gustavo começou a rir. ㅡ Não é possível que tenham sido tão ingênuos!

ㅡ A passagem dá acesso a uma mata ㅡ replicou Poncho, calmamente.

ㅡ E como pensam passar pelas tropas para alcançar essa passagem, que na verdade nem existe? ㅡ  Gustavo era cada vez mais irônico.

ㅡ Nós daremos um jeito ㅡ  respondeu Poncho, incomodado pela descrença do homem.

ㅡ Certo… Façam como quiser. De qualquer forma, aqui pode até parecer que é um bom esconderijo, mas vocês ficam muito expostos. Esse espaço também é usado para gravação de vez em quando. ㅡ Gustavo apontou, levantando-se. ㅡ Então vamos fazer o seguinte: vocês vêm comigo e eu os levo para um lugar onde vocês ficarão mais seguros e aí a gente ajuda vocês com esse plano doido de passar pelo exército do muro.

Dulce olhou para Poncho, buscando motivação para uma nova movimentação que, além de tudo, era arriscada pela presença de um desconhecido. Ele confirmou o risco. Iriam acompanhar Gustavo. Seguiram-no por entre as folhagens até alcançarem uma parte do estúdio onde nunca tinham estado, um local aberto, como um campo de futebol, mas onde a grama era marcada por estruturas provavelmente pesadas que eram montadas ali diariamente. 

ㅡ Temos que ser rápidos aqui. Se eles já sabem do desaparecimento de toda a sua Casa, eles vão começar a usar drones e helicópteros, e de noite é quando mais ficam atentos. 

Ele olhou ao seu redor antes de dar um sinal para que o trio o acompanhasse. Cruzaram o campo rapidamente, passando ainda mais algumas ruas sem parar até que chegaram a um barracão com o símbolo do Controle marcado na frente. Dulce e Poncho hesitaram quando ele bateu à porta, falando algumas palavras aleatórias.

ㅡ Usamos esse lugar que foi abandonado pelo Controle há algum tempo ㅡ  explicou o colombiano. ㅡ Será o último lugar que vão procurar.

ㅡ Por que ele continua falando no plural? ㅡ  Dulce perguntou ao ouvido de Poncho. Como resposta, ele apenas levantou as sobrancelhas, esperando para ver o que haveria dentro do barracão.

As portas foram abertas num estampido surdo e revelaram um grupo de aproximadamente dez pessoas, todas nas mesmas condições de Gustavo. 

ㅡ Pessoal ㅡ ele anunciou. ㅡ Esses são os foragidos da Casa 14. Estavam perdidos lá no estúdio, achei que era bom trazê-los para que eles nos conheçam também.

O trio pôde ouvir sussurros de aprovação e algumas pessoas foram até eles para cumprimentá-los e encaminhá-los para lugares onde podiam sentar-se e descansar. Maria, da Casa 28, tinha fugido há um ano; os irmãos gêmeos da Casa 2, há 6 meses. Havia uma senhora que veio da Casa 12, desaparecida há 3 anos, acompanhada de um menino de aproximadamente 10 anos, o fugitivo da Casa 9 que não fora pego. Outros foragidos se acercaram, parabenizando pela fuga bem sucedida.

ㅡ Então, vamos lá. Enquanto vocês comem e descansam, contem para nós qual é esse plano infalível que vocês têm para ultrapassar a fronteira de volta ㅡ  pediu Gustavo.

Poncho explicou os passos que tinham dado até então: o incêndio, a divisão em trios, a chance de fuga com a distração acontecendo, o esconderijo e a conversa entre os fiscais, que fizeram com que eles soubessem de mais algumas informações.

ㅡ A idéias do incêndio foi inteligente ㅡ  considerou a senhora. ㅡ E agora, os grupos devem estar em posições diferentes então?

ㅡ Esse é o plano ㅡ  Poncho confirmou. ㅡ O que nos falta é passar a fronteira. Vocês nunca tentaram?

ㅡ Claro que tentamos ㅡ rebateu o garotinho da Casa 9. ㅡ É muito arriscado passar pela fronteira, não temos condições de ir sem sermos vistos.

ㅡ O que vocês ficam fazendo o dia todo aqui? ㅡ  indagou Dulce.

ㅡ O que fazemos? ㅡ  Gustavo perguntou, perplexo. ㅡ Fazemos o possível para articular mais fugas. Nós fugimos individualmente, mas os outros membros também merecem a liberdade.

ㅡ eu me pergunto até quando viver escondidos é liberdade… ㅡ  ponderou Dulce.

ㅡ Você tem razão, menina ㅡ a senhora concordou. ㅡ Mas esse momento é passageiro. Para nós, a liberdade está em não seguir regras impostas por um governo que não é nosso. Estamos, sim, limitados aqui. Mas nossa liberdade vai até onde conseguimos mexer nas liberdades dos outros. 

Dulce pensou em como tudo aquilo era verdadeiro. Sentiu-se pequena. estava preocupada com o seu próprio destino, quando na verdade deveria estar lutando pela melhora para todos. 

ㅡ E como vocês fazem isso?

ㅡ Plantamos sementinhas, porém nunca andamos em linha reta, seria óbvio demais. As ações que fazemos colocam na cabeça dos exilados que é necessário acabar com tudo isso. ㅡ Gustavo respondeu, apontando para a pilha de papéis e canetas que jaziam em um canto do barracão. ㅡ  Todos os dias levamos mensagens em algum estabelecimento do Exílio e as colocamos em lugares que os exilados possam encontrar. É como uma caça ao tesouro. São pequenos passos. 

ㅡ Vocês então conhecem a cidade muito bem, não é mesmo? ㅡ  questionou Poncho.

ㅡ Com certeza ㅡ o menino respondeu.

ㅡ Então vocês conseguem nos dizer quais as melhores rotas daqui até o muro? ㅡ  Poncho prosseguiu, arqueando as sobrancelhas.

ㅡ Conseguimos. ㅡ Gustavo retrucou. ㅡ Expliquem qual é o plano e onde fica essa passagem que vocês tanto acreditam que exista, e nós os ajudaremos. Isso, querendo ou não, também é uma forma de plantar a semente. Vocês nos falam como passar, nós ajudamos a chegar lá e repassamos a informação para outros exilados.

Poncho explicou os passos que seguiriam a partir de então e como fariam quando finalmente chegassem ao outro lado da fronteira. Com caneta e papel em mãos, Gustavo os ajudava, fazendo um mapa bem detalhado do lugar, mostrando onde havia vigilância fixa, onde as tropas passavam e quais os possíveis caminhos para evitá-los. Era essencial rever os próximos passos em direção à verdadeira liberdade.


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Notas finais do capítulo

Agora parece que a coisa está andando! Momentos de tensão, participação de outros exilados, e uma melhor visibilidade do plano. E aidna me pergunto: como será que estão os outros trios?
Boa semana gente.
Cat.



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