Exílio escrita por Catarina Pereira


Capítulo 6
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Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Eu tinha comentado que logo logo viria com mais capítulos, e estou cumprindo. Aproveitem!



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Era impossível não pensar em quantas chances foram perdidas com o afastamento de Andrés da Casa 14. Por mais que ele fosse um fiscal, cuja missão era destruir as vidas dos exilados, o grupo tinha se afeiçoado à presença dele diariamente, passando ordens e ao mesmo tempo sendo um ponto de equilíbrio para os membros da Casa. Fora isso, descobriram ao mesmo tempo que o Controle que ele era um aliado forte, o qual poderia ajudá-los a escapar. Era uma perda considerável.

Tendo em vista o estado de sítio da casa, a fuga seria perigosa com tantos fiscais e com membros do exército postos na rua, os quais podiam ser vistos pelas janelas da casa. O momento de clausura, no entanto, seria ideal para traçar novos rumos ao plano já iniciado, unindo ainda as informações postas por Andrés.

A primeira dupla que se uniu naquela manhã para conversar foi Poncho e Dulce. Ela, há alguns dias, tinha orquestrado uma linha de pensamento de como escapar, que estava pouco a pouco sendo preenchida com ideias de todos, com possíveis erros, falhas e soluções. Poncho abriu a caixinha verde, que continha as ideias de todo o grupo, enquanto Dulce revia a folha onde todo o plano havia sido montado, revisando ponto a ponto os problemas a serem enfrentados.

ㅡ Certo, então temos uma mata sem fiscalização para chegar até a casa de Any e, segundo Andrés, seria melhor sairmos pouco a pouco da casa - começou Dulce, tirando os olhos da folha e mirando Poncho, à espera da resposta.

ㅡ Isso ㅡ concordou ele. ㅡ Eu me arriscaria dizer que poderíamos nos dividir em trios: dois adultos e uma criança.

ㅡ Talvez isso seja bom ㅡ Dulce adicionou aos escritos a anotação de trios. ㅡ Assim ninguém fica desamparado caso alguma das crianças se canse.

ㅡ A única coisa que precisa mudar é que todo o planejamento foi baseado no fato de sermos um grupo. Agora, nos dividindo, a coisa fica diferente…

ㅡ Não acho que seja uma preocupação grande, Poncho. Em relação ao plano anterior, muda o começo apenas, mas o final é o mesmo, ou seja, teremos que pensar em como sair em grupos, mas o andamento vai ser igual. Só precisamos ficar, cada trio, atentos à fiscalização antes de chegar na mata.

ㅡ Temos então que adaptar a primeira parte, levando ainda em conta que a falta de um trio vai alertar o controle sobre a fuga dos outros. Isso pode dificultar a saída dos grupos em ordem. ㅡ Poncho fez uma pausa e soltou um suspiro antes de continuar ㅡ Pode parecer estranho, mas quero que você pense comigo. Tem uma ideia no grupo dos papéis insanos que eu acho que poderia funcionar…

Dulce ouviu atentamente a sugestão garimpada da caixa, pensando em como torná-la viável. Sentiu que era a coisa certa a se fazer, por mais que realmente parecesse diferente de tudo que haviam pensado.

ㅡ É uma opção bem perigosa e por isso temos que discutir isso com todos o mais rápido possível. Mas, na minha opinião, acredito que vá funcionar e que isso é o que vai solucionar tudo.

ㅡ Vamos ser cautelosos, mas vai dar certo se fizermos tudo como for combinado. É uma coisa que a gente sabe fazer bem: seguir o roteiro.

ㅡ O problema são os de fora, que não têm o roteiro e que recebem outras ordens...

***

Poucas horas depois, todo o grupo já havia sido informado do plano doido que fora traçado entre Poncho e Dulce e, com alguns detalhes resolvidos, os moradores da Casa 14 já tinham tudo acertado, quem faria cada tarefa, onde todos estariam na hora do acontecido, como deveriam se comportar e como saber que era hora de abandonar o Plano A e passar para o segundo. Estavam apenas esperando o momento de agir.

Sabendo da necessidade da fuga que se criou alguns dias atrás quando as punições foram impostas, Any tinha colocado em prática a primeira parte do que seria o começo de tudo e a estratégia consistia na preparação para a ação em si. Era a parte mais demorada e minuciosa, porque nada poderia faltar e tardava para estar de fato tudo pronto, mas agora, depois de terem as coisas separadas, o grupo já se sentia mais aliviado.

Tudo começava por, durante as refeições providas pelo Controle, ela encontrava uma maneira de separar uma parte da comida embalada e de fácil preparo e a escondia em seus aposentos. Ter comida e água seria essencial para que o grupo pudesse sair com três crianças agitadas sem passar por maiores problemas, já que a jornada de fuga poderia durar dias e, como guardava já há um tempo, ela conseguira uma quantidade sufienciente para todos.

Sendo assim, fora combinado nessa parte de preparação que bolsas deveriam ser preparadas dentro da privacidade das suítes com provisões suficiente para cada trio sem o olhar do Controle. A divisão ficara da seguinte forma: Anahí e Manu estariam acompanhados de Christian; Maite e Arturo seriam acompanhados por Christopher; e, por fim, Dulce acompanharia Poncho e Dani. Dois adultos para cada criança. Cada dupla se organizaria segundo os cuidados que deveriam ter: alguém carregaria as provisões, alguém carregaria a criança, caso ela se sentisse cansada, e alguém abriria caminho, atentando aos fiscais e aos policiais. As decisões durante o caminho seriam tomadas conforme já haviam conversado algumas noites atrás.

ㅡ Estamos fazendo o nosso roteiro de fuga pensando em nós e nos lugares mais prováveis de não nos encontrarmos com os fiscais e nem com o exército ㅡ ponderou Christopher. ㅡ Mas não temos cem por cento de certeza de que isso vai ocorrer. E se por acaso nos depararmos com a fiscalização?

ㅡ Precisamos de boas desculpas para estar em lugares onde não deveríamos estar ㅡ concluiu Maite.

Poncho completou a amiga:

ㅡ E cada desculpa vai depender de onde vamos estar. ㅡ Notando os olhares confusos, Poncho prosseguiu ㅡ Vejam, uma coisa é estarmos no nosso bairro onde sempre andamos e ter que dar uma desculpa de porque estamos na rua sem permissão. As desculpas seriam de um tipo. Mas estarmos em lugares mais distantes vai exigir um pouco mais de criatividade de nossa parte.

ㅡ Tem razão ㅡ Dulce concordou, suspirando. ㅡ E precisaremos de desculpas por todo um grupo. Vamos começar a pensar em opções convincentes desde já, porque na hora não podemos falhar.

ㅡ E nem poderemos hesitar antes de responder, a resposta já deve estar pronta. Nós não podemos falar em coisas que poderiam ser de programações do Controle, porque eles saberiam que é mentira. ㅡ  Christopher começou a pensar nas possibilidades.

ㅡ E nem podemos falar em necessidades nossas, eles não aceitariam ㅡ continuou Anahí. ㅡ Isso vai ser bem complicado, nossas opções serão poucas.

A conversa durou os dias seguintes e, com a mudança de planos e a divisão em trios, a busca por desculpas ficaria por um lado mais fácil, porque teriam que justificar a presença de menos membros na rua. Por outro lado, porém, seriam desculpas diferentes por grupo. Pensar em opções que não poderiam escolher ajudava a pensarem em possibilidades positivas, no entanto, ainda não estavam completamente certos de que tudo fosse funcionar.

Uma vez que o plano tivesse sido definido, tudo houvesse sido separado e conversado entre todos, ainda havia a preocupação de dar o seguimento na operação sem que o Controle percebesse. Os membros da Casa 14 mantiveram em suas atividades habituais: Dulce permaneceu fechada em seu quarto por toda a tarde, como de costume, mas seguia arrumando roupas e provisões numa bolsa que havia recebido com roupas e acessórios de higiene quando chegara ao Exílio, pensando na ironia de usar o mesmo item provido pelo Controle na chegada e na saída. Enquanto Poncho e Dani estavam na sala, brincando e fingindo que nada estava acontecendo, Dulce separava uma quantidade de comida ㅡ pão e frutas ㅡ juntamente a garrafas de água, algumas roupas dela, de Poncho e de Dani e itens como medicamentos e produtos de higiene, para caso tivessem esse tempo de cuidarem da saúde, o que não acreditava que ocorreria.

Seu coração batia acelerado pensando em todos os percalços que haviam previsto e em como alguns tinham soluções arriscadas que poderia levar à condenação do grupo todo, mas, ao mesmo tempo, não podia se deixar levar pela ansiedade, ou colocaria tudo por água abaixo.  Com o passar do tempo e a aproximação do horário combinado, Dulce concluiu a tarefa, imaginando como estaria o andamento dos preparativos dos outros trios, não podendo, no entanto, checá-los. Precisava seguir o plano à risca, precisava estar concentrada, pois o próximo passo seria já iniciar a primeira ação, e ela era responsável por ter a bolsa em mãos quando tudo fosse acontecer.

Ouviu batidas de alguém na porta, a quem prontamente permitiu a entrada.

ㅡ Dul, estamos quase prontos todos ㅡ anunciou Christopher, fechando a porta atrás de si. ㅡ Já vamos começar. Como você está?

Dulce terminou de fechar o zíper da bolsa e permitiu-se abraçar por Christopher, apoiando a cabeça no peito dele.

ㅡ Ansiosa, assustada, esperançosa…

ㅡ Vai funcionar, você vai ver. Eles não terão outra opção quando virem o que está acontecendo por aqui. Todos ficariam sabendo e eles ficariam muito mal falados se não aparecessem por aqui.

ㅡ Esse Controle a cada dia que passa me surpreende mais ㅡ comentou Dulce, sussurrando. ㅡ Espero realmente que eles não sejam capazes de deixar tudo como está. Não temos um plano B estruturado.

ㅡ Nós temos um plano B, que é o plano de antes da adaptação feita com as informações do Andrés. É um plano bem mais arriscado, mas deve funcionar também. Temos tudo definido.

ㅡ Você não entendeu, Chris ㅡ ela acusou, afastando-se para olhar nos olhos de Christopher. ㅡ O plano A é muito mais arriscado se eles resolverem não dar atenção. Não sairíamos vivos, e você sabe disso.

ㅡ Nesse caso, nós aplicaremos o plano B e todos vamos sair vivos. O risco é igual em ambas as situações, mas estaremos juntos e todos vamos nos proteger.

Christopher puxou Dulce para perto de si novamente, abraçando-a e acalmando-a.

ㅡ Estaremos juntos. Vai estar tudo bem, María.

***

O responsável por colocar todo o plano em prática fora eleito assim que o plano fora definido. O grupo já havia se separado nos trios combinados e esperavam em lugares diferentes, fingindo puro tédio. Dulce, Poncho e Dani estavam na sala, com a bolsa de provisões colocada em um canto, de uma forma que ficasse escondida para as câmeras. Christopher, Maite e o pequeno Arturo também tinham sua bolsa e estavam na cozinha, aparentemente jogando um jogo de tabuleiro. Christian, o eleito, teria que se separar de Any e Manu por um momento para iniciar a primeira ação de fuga.

A suíte de Dulce havia sido escolhida para a execução do plano. Christian separara as três caixinhas, do passado, do presente e do futuro, que antes estavam na sala e agora foram postas uma em cada canto do quarto, com os papeizinhos que todos escreveram dentro e mais alguns papéis que colocariam o plano a perder caso fossem descobertos. Em cada caixa ele ainda derramara álcool, que usavam para a limpeza da casa e que tinham de sobra no armário da lavanderia. Todo esse conjunto fora encerrado com fósforos acesos. Isso levaria algum tempo, porém logo espalharia pelo aposento.

Dando o primeiro sinal aos outros membros da Casa, todos se espalharam, fingindo cumprir com afazeres enquanto o fogo não chamava atenção do Controle. Podiam sentir o primeiro odor de queimado lá da sala, mas não podiam agir antes da hora. De vez em quando, algum deles passava perto da suíte, esperando que o fogo ultrapassasse os limites do quarto e tomasse mais áreas da casa, o que não demorou tanto. Tendo mais de um cômodo em chamas, era o momento de continuar a agir, dando vida ao segundo passo.

ㅡ Poncho, pode acionar o telefone ㅡ instruiu Christopher, em voz baixa, fingindo estar falando qualquer coisa. ㅡ Já é hora de ver o qual o nível de emergência que ele atende.

O telefone possuía apenas um botão, que fora apertado logo que Poncho o retirou do gancho. Esperando o contato de um membro do controle, ele dera o sinal para que os outros moradores começassem o show.

Anahí foi a primeira a começar a gritar, assustando o filho com sua atuação, ao entrar no corredor que levava aos aposentos privados.

ㅡ Socorro! Fogo!

Os demais, ironicamente obedientes, não abriram portas e janelas a fim de sair. Demonstraram todo o controle apenas chamando pelos vidros, a fim de atrair a atenção dos guardas que permaneciam vigiando o movimento da casa, sem nenhuma movimentação no intuito de ajudá-los. Os adultos gritavam e batiam em portas e janelas enquanto as crianças pareciam assustadas com todo o alarde, quando finalmente o telefone fora atendido.

ㅡ O que houve, Casa 14?

ㅡ Estamos tendo um incêndio! ㅡ Respondeu Poncho, fingindo alarme.

Um tempo passou enquanto o fogo ia se espalhando, antes de que, ao que pareceu, as câmeras fossem checadas e realmente se constatasse um alvoroço causado pelas chamas.

ㅡ Logo vocês irão receber ajuda dos bombeiros da Sociedade Nova ㅡ respondeu com um texto ensaiado o membro do Controle, calmamente, fingindo não ver a situação de perigo que o grupo de exilados se encontrava. ㅡ Não saiam da casa sem acompanhamento de um responsável.

Poncho desligou, unindo-se aos outros moradores no local mais próximo à porta de entrada. Tinham as bolsas secretamente arrumadas a postos e aguardaram ansiosos os minutos que trariam ajuda, com medo de que o Controle não fosse auxiliá-los, até escutarem as sirenes. A porta logo fora arrancada num chute certeiro, e uma equipe de bombeiros adentrou a casa, alguns com mangueiras de água para controlar o fogo e outros com mantos e macas, presumindo haver feridos.

ㅡ Como o fogo começou? ㅡ Perguntou um dos bombeiros.

ㅡ N-não sabemos ㅡ respondeu Christopher, fingindo alarme.

ㅡ Vamos retirá-los da casa devagar. Mantenham a calma e ajam segundo o que for pedido. Segurem as crianças.

Os pais agarraram os respectivos pequenos, esperando obedientemente as ordens dos bombeiros, enquanto uma grande equipe avaliava a extensão do fogo e as possibilidades de controlar o incêndio. Escoltados para fora de casa, os três trios passaram pela porta na ordem combinada por eles previamente, carregando os mantimentos e as crianças de forma desajeitada, como se estivessem realmente abalados com a situação.

Até então, o plano A saíra como pensado: um incêndio chamou atenção do Controle e isso fizera com que eles pudessem sair do estado de sítio sem aviso prévio e sem que as autoridades de fato controlasse isso.

Uma equipe médica, munida de três ambulâncias equipadas avaliaram os grupo, atendendo-os prontamente a partir de checagens rápidas e processos de inalação devido à fumaça de dentro da casa, com uma atenção especial aos pequenos, que tossiam e choravam sem parar.

ㅡ Any! ㅡ chamou Christopher delicadamente, tentando não chamar atenção dos funcionários de saúde.

Anahí olhou discreta para ele, lendo seus lábios e segurando Manu em cima da maca onde os médicos o avaliavam. Pode entender as palavras: “Atenção” e “Sinal”. Balançou a cabeça, concordando. Ele chamou da mesma forma Poncho e Dulce enquanto cada um deles recebia atendimento com outras equipes.

ㅡ Dulce! ㅡ Capturou a atenção dela, movendo os lábios novamente.

“Sinal”.

“Afasta médicos”.

“Hora da ação”.

Um barulho tirou os olhos de cima dos exilados de todos que estavam por alí. A Casa aos poucos foi dissolvendo-se em chamas, não dando chances para que os bombeiros pudessem salvar as estruturas, lamentando os desabamentos de partes da casa. Enquanto isso, os trios começavam a se movimentar, estando cada um em suas posições, mais próximos ao lado em que deveriam seguir, segundo o plano. Cada trio sairia por um canto da cidade, com o objetivo principal de passar pelo muro que cercava a Sociedade Nova e a separava de “povos selvagens”. Com todos das equipes médicas, autoridades, bombeiros e fiscais apreciando o desabamento em meio ao incêndio, aquele era o momento correto para que ninguém os visse afastando-se do local sem permissão.

Christopher levantou o braço, capturando os olhares dos amigos.

Era hora de assumir o seguinte passo do plano e escapar de vez desse lugar.


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Notas finais do capítulo

Agora sim, é hora de começar com o plano de vez!
Obrigada por lerem.
Cat.



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