Exílio escrita por Catarina Pereira


Capítulo 2
Capítulo 2 - Punições


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal!
Continuo hoje essa história que já teve o plot de mudar totalmente o sistema de regras do exílio. Resta saber como todos vão lidar com essa falta.
Espero que gostem!



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Dulce despertou subitamente naquela noite sentindo que algo ruim estava acontecendo. O coração estava disparado e ela sentia uma espécie de aperto no peito, não podia respirar e, quanto mais tentava fazer com que o ar entrasse em seus pulmões, mais difícil era de fato fazê-lo. Ela se sentou, apoiando-se na cama, assustada, percebendo que as lágrimas começaram a cair e que isso não aliviou a falta de ar.

Pensou que era uma segunda punição. Só podia ser. Recebia uma punição para toda a casa e agora era punida por deixá-los sem comida. Cada vez era mais difícil respirar. Como pode nem ao menos tentar explicar ao policial que acalmar Artur era o procedimento correto, mesmo que estivesse no meio da rua, mesmo que precisasse falar em espanhol? O ar não entrava mais. As lágrimas corriam mais rápido.

Ela tentou alcançar o interruptor, mas alcançou uma mão. Assustou-se ainda mais, antes de ouvir uma voz familiar.

— Dulce, o que foi?

Era Christopher. Ele segurou sua mão e alcançou o interruptor que Dulce procurou em outro momento. O homem parecia preocupado e retribuiu a expressão dela aproximando seu corpo e rodeando-a com os braços. Ele a segurou como eles costumavam fazer com Artur quando ele chorava. Era uma técnica confortante, porém não estava ajudando Dulce, uma vez que ela não conseguia respirar.

Christopher a segurou forte enquanto entoava algumas palavras de incentivo como “está tudo bem”, “você não está sozinha”, “deve ter sido um pesadelo”. Ele a soltou em algum momento, e apoiou as mãos dos dois lados de sua cabeça, mirando firmemente seus olhos, porém com alguma ternura e preocupação estampadas em sua feição.

— Você precisa me ouvir - ele dizia entre as tentativas de respiração de Dulce e seus soluços desesperados - está vendo como eu respiro? - Ele demonstrava, inspirando calmamente o ar, e expirando pela boca, no mesmo ritmo. - Tente me acompanhar, Dul. Vamos, comigo.

Inspirava.

Expirava.

Dulce olhava seus olhos, ainda assustada. Ela sentiu a pressão em seu peito se dissolver pouco a pouco enquanto tentava acompanhar a respiração de Christopher. No começo, as falhas tentativas de fazer o ar entrar fizeram com que seu choro se tornasse mais angustiante. Em pouco tempo, essas tentativas deram espaço a longas tragadas de ar seguidas de sua expulsão. Dulce continuava fitando os olhos de Christopher enquanto ele respirava com ela.

Christopher voltou a abraçá-la, tentando mantê-la em calma. Os pensamentos culpabilizantes ainda preocupavam Dulce, porém sua atenção foi desviada quando Christopher lhe perguntou ternamente, ainda com ela em seus braços:

— O que aconteceu, Dul?

Ela respirou fundo. Talvez lhe devesse uma explicação, agora que ele a tinha ajudado. Talvez ele lhe devesse uma explicação por estar em seu quarto a essa hora. Lentamente ela se afastou, voltando a recostar a cabeça do travesseiro e percebendo que ele também voltara a se deitar.

— O que faz aqui, Chris?

Dulce era a única do grupo que usava esse apelido para Christopher, já que o conhecia desde a infância. Por isso, se sentia no direito de deixar as formalidades de lado e responder sua pergunta com outra pergunta, desviando o assunto.

— Vim te procurar mais cedo. Você não parecia bem e seu quarto é de fato mais aconchegante que o meu. Acabei ficando por aqui. - Dulce sorriu levemente ao escutar as desculpas de Christopher. - Desculpe, eu devia ter saído e voltado para o meu quarto.

— Tudo bem. - Ela fez uma longa pausa antes de continuar - Estou com medo, Chris.

— Por conta das punições? Vai ficar tudo bem, saberemos lidar com isso.

— Não é só isso. Eu estou mais preocupada com vocês. - Christopher levantou-se, apoiando a cabeça na mão para poder olhá-la, confuso. - As punições foram culpa minha, eu recebi as notificações. Eu tenho certeza de que não fiz nada errado, e antes não me importava com os abusos dos fiscais…

Ela não tinha pensado em se abrir com Christopher. Ela não tinha pensado em se abrir com ninguém na verdade, no entanto as palavras começaram a sair descontroladamente e ela se deu conta de que teria que dizer tudo para que a pressão em seu peito se dissipasse de vez. Christopher, por sua vez, não quis interrompê-la e continuou atento às suas palavras.

— Mas agora é diferente. Não podemos ficar sem comida. A Any não pode ficar sem comer por tanto tempo, os meninos também não. Eu sei que saberemos lidar com isso, nós, adultos. Mas eles são crianças, não deveriam passar por isso. E eu devia ter atentado para que não acontecesse. - Dulce sentiu as lágrimas brotando novamente, enquanto continuava a colocar todos os sentimentos para fora - E todos vão ficar irritados por eu ter causado esse problema. E eu não tenho mais ninguém. Eu sei que eu mesma me afasto, que lido com as coisas de forma diferente, mas eu sabia que vocês estavam comigo. E só vocês. Mas o que será quando forem vocês os que se afastam de mim? Vocês são minha família agora, não posso perder o apoio de vocês… Não posso pensar na possibilidade de vocês estarem irritados comigo e de eu estar sozinha nesse inferno.

Dulce fechou os olhos quando a mão de Christopher segurou a dela. Ele olhou mais firmemente para ela.

— E quem disse que nós estamos irritados com você?

No fundo, Dulce sabia que não estavam. Os pensamentos, porém, não pareciam se importar.

— Você não tem que se preocupar com isso, Dul. Até porque todos aqui já levamos punições injustamente. - Ele estendeu a mão e tocou o rosto de Dulce, fazendo-a olhar para ele. - E você não está sozinha. Você tem a gente. Você sempre vai ter a gente, lembra? Estamos juntos.

No começo, quando eles ainda viviam no México e trabalhavam juntos, a cada viagem longa o grupo fazia um pacto de apoio mútuo. Estamos juntos. Esse pacto foi fortalecido quando chegaram ao exílio e prometeram cuidar uns dos outros. Todos eram irmãos, todos eram responsáveis uns pelos outros. Dulce se lembrava. Ela segurou a mão dele e fechou os olhos.

***

O sino tocou.

Dulce sempre teve dificuldade em se levantar pela manhã por ter constantemente o sono interrompido por um sonho ruim, por pensamentos incessantes ou pelo novo item dessa lista, o medo. E dormir mal levava a que ela não descansasse suficiente e ficasse menos disposta durante o dia. Mas a situação atual era diferente: ela não apenas tinha dormido mal, ela tinha medo de encarar os amigos e sabia que era um medo injustificado, porém estava paralisada. Ela tinha vontade de sumir por um tempo, ainda que seu esconderijo fosse seu quarto, ainda que as consequências fossem ainda piores. Ela sentia que não podia mais.

Ainda deitada, sentiu que Christopher se movia. Provavelmente se levantava, mas ela não tinha vontade de saber ao certo o que estava acontecendo. Enquanto ela olhava para um ponto fixo do outro lado do quarto, Christopher agachou-se ao lado da cama, com uma expressão preocupada, olhando-a.

— Vamos, Dul, você precisa se levantar. Às seis e meia temos que estar todos prontos para receber as tarefas de Andrés…

Dulce fechou os olhos, como se dessa forma a realidade sumisse e ela pudesse estar tranquila. Afastou-a ainda balançando a cabeça devagar. Ela não podia mais. Ouviu Christopher levantar-se e sentiu um beijo na têmpora, antes da batida da porta que indicava que Christopher havia saído. Os pensamentos, então, sentiram-se livres para incomodá-la com todas as forças.

***

Christopher encontrou todos na cozinha entre sussurros, ninguém comia. Ele tinha certeza que era o dia de Anahí preparar a caixa do café, porém olhando a sua volta, não viu nenhuma caixa. As punições começaram e Dulce não estava lá. Ele teria que encontrar uma forma de ajudá-la, ou estariam todos encrencados.

Ele se sentou à mesa, juntando-se aos outros membros da Casa há poucos minutos do relógio marcar as seis e meia. Permaneceu em silêncio, tentando alcançar o tema da conversa.

— Então, meninos, hoje não teremos café. Sinto muito - Anahí concluiu, segurando a mão de Manu. - Alguém viu a Dulce?

Ninguém a tinha visto, exceto Christopher. E ele não podia responder com toda a verdade, já que estavam sendo vigiados e, além disso, precisava ser rápido, pois a qualquer momento Andrés chegaria.

— Passei em seu quarto mais cedo e ela não está bem. Acho que pegou uma gripe, está com muita dor de cabeça e um pouco fraca - Ouviu a voz do fiscal, que chegara à casa oferecendo-lhes um bom dia - Acho que precisaremos pedir um médico para que ela possa descansar.

Anahí e Maite se entreolharam e Christopher soube que elas entenderam a mensagem, mas não tiveram oportunidade de agir até que o fiscal terminasse de repassar todas as atividades do dia.

— Pessoal, a situação de vocês é bem complicada - Começou Andrés - Foram duas punições em um dia e as ordens do Controle sobre as caixas de refeição foram claras: serão sete caixas seguidas que vocês vão perder - Poncho tentou argumentar, mas foi interrompido - Sinto muito, eu não posso fazer nada a respeito. As novas regras são assim. E eu terei que reportar mais uma notificação, porque o horário agora da manhã parece que não foi cumprido totalmente, não é mesmo?

— Andrés, como fazemos mesmo para pedir um médico? - Maite questionou.

— Quem deve pedir o médico sou eu - Andrés buscou entre seus documentos uma folha. - O que aconteceu?

— Precisamos de um médico para Dulce, ela não está conseguindo se levantar, deve ter pego uma gripe forte - Explicou Anahí.

Andrés suspirou e pareceu não querer maiores detalhes sobre a situação. Preencheu a folha recém encontrada e puxou do bolso o dispositivo de comunicação que cada fiscal tinha para emergências que precisavam do Controle. Feito o pedido, ele esperou alguns segundos, checando se alguém tinha mais alguma consideração a fazer, e logo seguiu com os habituais recados matinais. Ao final, avisou-lhes que o médico chegaria ainda antes deles saírem, que deveriam entregar a folha preenchida por ele ao doutor e este seria o responsável por decidir se Dulce faltaria em suas tarefas ou não.

Voltando para os quartos para terminarem de se arrumar e marcharem para os estúdios, Christopher entrou no quarto com Anahí, seguido por Maite os dois meninos.

— Estou preocupado com Dulce. Ela não tem gripe, mas teve uma crise nervosa durante a madrugada. Não quer levantar e nem ver ninguém.

— Como você sabe que ela teve uma crise na madrugada? - Perguntou Anahí.

Christopher revirou os olhos.

— Isso não importa.

— O que aconteceu durante a madrugada, Ucker? - Continuou questionando Anahí.

— Ela não conseguia respirar, estava nervosa, com medo. Está preocupada com essas punições. Acho que ela já estava transbordando, mas como ela não comenta nada, não conseguimos ajudá-la como nós nos ajudamos. Essas novas punições foram a gota d’água.

— E o quê você estava fazendo com ela de madrugada, Ucker? - Anahí não desistia, o que fez com que Maite olhasse cautelosa para Christopher e risse da situação.

— Any, ela me pediu ajuda, eu ajudei. Pare com isso.

— Tudo bem…

— Só queria deixar vocês a par do que aconteceu. Ela precisa da nossa ajuda - pediu Christopher.

— Hoje eu posso ficar de olho nela enquanto estiver na minha folga - Ponderou Maite - Não se preocupem, vamos cuidar da Dulce.

Christopher deixou que as garotas tomassem as rédeas do assunto. Anahí se encarregou de conversar com Christian e Maite, com Poncho. Christopher por sua vez se encarregou de tentar um novo contato com Dulce, que continuava na mesma posição que ele a tinha encontrado da última vez.

— Dul?

Ela não olhou para ele, mas abriu os olhos em sinal de atenção.

— Andrés pediu um médico para você. Dissemos que você estava com gripe e era a única forma de você não perder o compromisso de hoje. - Ele se agachou ao lado da cama, tentando estar na mesma altura que ela - Descansa, ok? Nada disso é culpa sua.

Dito isso e sem resposta, ele se levantou, levando consigo o papel que deveria ser entregue o médico, que já havia chegado e estava sendo conduzido pela casa por Poncho. Christopher estendeu-lhe o papel, acompanhando os outros membros da casa no caminho até os estúdios e deixando Dulce aos cuidados do doutor.

***

Dulce recebeu a recomendação de ficar em repouso por dois dias, afastada das atividades obrigatórias. Aparentemente, seu problema de saúde poderia ser uma virose e esses dois dias seriam suficientes para que ela conseguisse se reerguer. Besteira, na opinião de Dulce. Ela passou a manhã toda deitada, sem esperar que nada de novo a surpreendesse, deitada no escuro, enquanto os pensamentos falavam e falavam, não deixando que ela de fato descansasse.

Ouviu a porta: já deveria ser hora do almoço, um almoço que não aconteceria. Hoje Maite e Christian passariam a tarde em casa com as crianças. Ela voltou a fechar os olhos quando escutou uma batida em sua porta, seguida do som do trinco se abrindo e logo depois se fechando. Passos abafados se aproximaram e um peso movimentou o colchão, fazendo com que Dulce abrisse seus olhos novamente. Artur estava sentado ao seu lado com novos fones de ouvido e com seu dinossauro nos braços. Ele não olhava para ela e não tentou conversar. Era a companhia perfeita.

A tarde passou lenta e, do ponto de vista de Dulce, não teve grandes acontecimentos. Artur ficou com ela, Maite entrava e saía com o pretexto de checar o que o menino estava fazendo, Dulce cochilou algumas vezes, e os pensamentos, embora menos frequentes, continuavam a incomodá-la. Em um momento, Maite arrastou o filho para fora do quarto mediante muito protesto do garotinho. Devia ser hora do banho. Os outros chegariam logo, não fariam nada até a hora do noticiário, assistiriam as notícias e, por sorte, mais nenhuma punição chegaria para a casa.

Ouviu novamente a porta se abrir, se fechar, passos e um peso no colchão. Dessa vez não quis abrir os olhos.

— Tive uma ideia.

Christopher parecia triunfante ao anunciar-se. Mesmo esse entusiasmo não fez com que Dulce quisesse se mexer.

— Pedi a Andrés que me ajudasse com uma coisa e isso me deu muito trabalho. E eu fiz pra todos nós, o que inclui você. Então, Dulce, amanhã, quando todos voltarmos, você vai ter que me acompanhar. - Ele apoiou a mão em seu braço, complementando - E agora, senhorita, você vai se levantar, vai tomar um banho, colocar um roupa confortável e encontrar com a gente na sala. Estamos juntos.

Christopher saiu do quarto e ela não se mexeu. Entendeu que ele queria ajudar, mas ela não queria ser ajudada. Não agora. Ela queria lidar com os próprios demônios sozinha por mais um tempo, embora um banho e uma roupa confortável e limpa não fizesse mal. Seria o primeiro passo.

***

Christopher bateu à porta de Poncho, que estava, assim como os outros, no quarto enquanto o noticiário não começava. Ouvindo o “entra” abafado pela porta, Christopher encontrou Dani deitado na cama do pai e Poncho sentado à mesa, fazendo marcações nos roteiros.

— Poncho, preciso falar com você. Você pode agora, ou te atrapalho?

— Não, pode falar - respondeu Poncho, tirando os olhos dos papéis.

— As meninas te contaram sobre a Dulce?

Poncho assentiu.

— Então, acho que não estamos sendo eficientes e tornar isso tudo menos maçante… Principalmente agora que as regras mudaram.

— É, e sem comida tudo fica mais difícil. Mas vamos tentar passar por isso da melhor forma, Ucker. - Ele se levantou, se aproximando do amigo. - E você falou com a Dulce?

— Ela continua da mesma forma que hoje de manhã, sem vontade de nada. - Christopher suspirou - Quero ajudá-la, Poncho, não é certo que ela arque com todo esse peso sozinha.

— E qual a ideia? - Poncho estava preocupado, mas parecia disposto a ajudar.

— Tenho algo para todos nós amanhã. Pedi a Andrés, e ele me ajudou. Vamos fazer uma coisa diferente, já que não vamos comer mesmo. Teremos tempo. Preciso que você me ajude à tarde, pode ser?

— Conta comigo. Juntos.


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Notas finais do capítulo

Dulce ficou abalada com as mudanças, mas parece não ser só isso...
E Christopher está tramando algo. Esperemos que ele não acumule mais punições para a casa!

Obrigada por lerem.
Beijos, Cat



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