Exílio escrita por Catarina Pereira


Capítulo 10
Capítulo 10 - Recomeço (final)


Notas iniciais do capítulo

Gente, boa noite!
Emocionadíssima em dizer que está encerrada a história com este capítulo. Espero que desfrutem! Depois faço minhas considerações finais.



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O caminho até os Centros de Saúde foi longo. Cada carro oficial levou três dos foragidos e Dulce estava acompanhada de Anahí e Manu. Podiam ver pelos vidros uma grande diferença do México que conheciam para o México atual: antes, era um país no qual se viam cores nas ruas, pessoas alegres e música para todo o lado. Agora, isso estava banido. As regras que eles conheceram no Exílio provavelmente começaram a ser aplicadas nos países tidos como ‘bárbaros’, e já não havia a alegria. As ruas eram feitas de milícia, ordens providas pelos alto falantes e pouquíssimas pessoas que tinham liberdade de ir e vir.

Ao chegar no estabelecimento, foram acompanhados por um oficial até as salas de espera, onde foram recebidos por toda uma equipe. Havia médicos de várias especialidades, enfermeiros, técnicos de laboratório, psicólogos, nutricionistas. Havia também uma terapeuta ocupacional para avaliar Arturo e cuidadores para os pequenos nos momentos em que os pais estivessem sendo examinados. Tudo fora preparado com cuidado para ajudar o máximo possível o grupo que acabara de chegar.

ㅡ Bom dia. Eu sou doutor Ricardo, estarei coordenando todo o atendimento de vocês por aqui. Cada profissional já tem preparado o esquema de atenção e, qualquer dúvida, estaremos à disposição. ㅡ O doutor apontou as equipes e prosseguiu. ㅡ Cada um terá uma enfermeira encarregada de acompanhar e cuidar de vocês. Fiquem a vontade, por favor.

Dulce foi encaminhada por uma enfermeira gentil até uma das acomodações do Centro de Saúde. 

ㅡ Você deve ser Dulce, não?

Ela assentiu.

ㅡ Meu nome é Lupita. Vamos começar com alguns exames. Os doutores pediram hemograma completo, exame de urina, testes ginecológicos e monitoramento de pressão arterial e de batimentos cardíacos. Você tem algum tipo de fobia em relação a agulhas?

Dulce balançou a cabeça, negando.

ㅡ Ótimo. Vamos iniciar os procedimentos, então. Qualquer dor, você me avisa, certo?

Ela permaneceu calada e imóvel durante todo o tempo. Todo o material coletado tinha sido armazenado cuidadosamente em caixas térmicas e, após alguns minutos, a enfermeira a deixou sozinha, sob o aviso de que logo seria novamente chamada para aguardar de fato as consultas, mas se sentisse algum mal estar, a campainha ao lado da maca deveria ser acionada.

Dulce estava ansiosa, sentindo aquela falta de ar comum aos momentos que não estava tranquila, porém não queria chamar ajuda ainda. Tentava pensar que ninguém tinha a obrigação de alcançar as expectativas que ela tinha sobre voltar ao México, obviamente nada seria como antes e que ela não deveria ter criado ilusões sobre isso. E cada vez mais parecia que seus pulmões ficavam menores, aceitando um volume de ar mais escasso. 

Lupita logo voltou e a tirou do ciclo de pensamentos ruins e daquela acomodação, acompanhando-a a uma sala de espera bem mais acolhedora, onde ela se sentou sozinha em uma poltrona de frente para uma televisão que passava desenhos animados. Ela suspirou. Não sabia quanto tempo mais ficariam por ali, mas não ter que ver notícias sobre um país dizimado era bem mais confortante.

Enquanto assistia os personagens desastrados, imagens do passado vinham a sua cabeça: os informes que apareceram na televisão de sua casa há pouco mais de cinco anos sobre a mudança do governo, a tomada do país por um exército estrangeiro, a notícia do Exílio e finalmente o transporte até lá. Tudo era absurdo. Tudo era um experimento. Tudo era um jogo. As vidas das pessoas eram apenas brinquedos para aqueles que se colocavam como líderes da nação. E que nação era essa que não podia expressar sua cultura, seu modo de viver com alegria e livremente? Já não eram uma nação a partir do momento em que foram chamados de bárbaros. Ou sim eram uma nação de rejeitados que não recebiam tanta atenção quanto deveria. Talvez essa fosse a resposta que precisavam para acabar com essa indiferença.

A enfermeira voltou.

ㅡ Vamos começar com os atendimentos, querida. Você pode me acompanhar?

Dulce se levantou e passou por portas e corredores, até entrar em uma outra sala onde estavam duas profissionais.

ㅡ Sente-se, por favor ㅡ uma delas disse. ㅡ Eu sou a doutora Maria, sou endocrinologista.

ㅡ Eu sou Claudia, sou nutricionista.

ㅡ Como você está se sentindo? ㅡ Maria perguntou, solícita.

Dulce apenas abaixou a cabeça. Não queria conversar, apesar de saber que as doutoras precisavam conhecer seu estado para poder ajudá-la da melhor forma possível.

ㅡ Tudo bem, entendemos que você passou por muitas coisas. Se você se sentir confortável mais tarde, pode nos procurar novamente ㅡ comentou a nutricionista.

ㅡ Acho que podemos começar então pelo que temos: estamos com seus exames aqui e você está com uma anemia. É leve, mas precisa ser cuidada. Provavelmente você irá conversar com outros médicos ainda hoje, então vamos focar só nisso, até porque não tem maiores alterações nos outros exames ㅡ Maria completou.

ㅡ Vamos te passar algumas recomendações em relação à dieta para repor esse ferro que falta e algumas vitaminas que estão com índices mais baixos. Aqui, nessa lista ㅡ Claudia estendeu um papel para que ela pudesse acompanhar ㅡ tem algumas sugestões de refeições. Seria bom que você se alimentasse dessa forma, três refeições principais e pequenas refeições entre elas. 

Dulce assentia, tomando em conta as indicações das profissionais.

ㅡ Vamos fazer um acompanhamento com você que será mensal por enquanto, até que os níveis se normalizem. Esperamos que, com a alimentação mais adequada e um complemento vitamínico tudo fique melhor para você ㅡ a endocrinologista concluiu, liberando-a da consulta.

A enfermeira a esperava do lado de fora, já conduzindo Dulce para o próximo profissional. Com os papéis das recomendações em mãos, ela seguiu a mulher, tentando assimilar tudo o que tinha ouvido até que entrou na próxima porta.

ㅡ Dulce, não é? ㅡ a médica perguntou, levantando-se. ㅡ Eu sou Helena, sou ginecologista. Vamos conversar um pouquinho sobre seus exames. 

Dulce se sentou em frente a ela, segurando as receitas da consulta anterior no colo.

ㅡ Vamos lá… Eu vi aqui que tem alguns hormônios que dizem respeito à minha especialidade e que precisam de um pouco de atenção. Acho que você já passou na endocrinologista antes de vir aqui, não foi?

Dulce confirmou.

ㅡ Certo. eu tinha pedido para ela não atentar a essa parte porque você e eu íamos conversar especificamente sobre isso. Primeira coisa, preciso de algumas informações que não conseguimos saber pelos exames. Você consegue me dizer qual a data da sua última menstruação?

ㅡ Não sei dizer ㅡ ela respondeu.

ㅡ Tudo bem. Vocês tinham algum tipo de método de regulação hormonal lá no Exílio?

Balançando a cabeça, Dulce negou.

ㅡ Certo. E você conseguiria me dizer mais ou menos quando foi a última vez que você teve relações sexuais?

Ela sabia. Mas não queria dizer, por um lado porque não queria admitir; por outro, porque algo ainda dizia que estava em teste, relações sexuais eram proibidas no Exílio e, provavelmente, no México atual também.

ㅡ Você não precisa se preocupar, o que conversamos aqui dentro fica entre a equipe médica.

ㅡ Três semanas, um mês… Não sei bem.

ㅡ Ótimo. Isso explica então ㅡ Helena comentou, aproximando-se mais da mesa e estendendo os resultados do exame para que Dulce pudesse ver. ㅡ Você consegue ver aqui, nessa linha, que diz βHCG? ㅡ Dulce assentiu. ㅡ Esse é um hormônio que não é comum, mas quando aparece, apenas as mulheres conseguem ter. É um hormônio produzido por um feto com a função de avisar o corpo feminino de que precisa funcionar diferente para manter mais uma vida.

Percebendo que Dulce não emitia nenhuma reação, a médica continuou:

ㅡ Então, a partir de agora, você vai precisar se cuidar um pouquinho mais, porque agora você carrega mais alguém aí com você. Você está bem?

Ela olhou para a profissional a sua frente enquanto relembrava os acontecimentos das últimas semanas no Exílio e os sinais que não havia notado. 

ㅡ Fique tranquila, é perfeitamente normal que você se assuste num primeiro momento, até porque é uma notícia que muda muita coisa. tenho certeza de que você logo se acostumará com a idéia.

Dulce não acreditou muito, porém, apesar do nervosismo que tomava conta dela, tentou se acalmar. Teria que conviver com a situação querendo ou não e precisava saber das recomendações que viriam. 

Vendo que ela respirava fundo e pausadamente, a médica segurou as mãos de Dulce.

ㅡ Olha, eu sei que você veio de um lugar onde as coisas eram bem mais difíceis e bem mais controladas e que você esperava encontrar algo diferente por aqui. Pode ser que pareça que tudo mudou, mas as pessoas daqui continuam sendo os mexicanos que você conheceu. Nós estamos aqui para ajudar e não vamos incriminar nenhum ato desses, tudo bem? Em algum tempo, tudo vai melhorar. Você só precisa dar tempo a isso ㅡ ela tentava confortar Dulce, que assentiu devagar após um tempo. ㅡ Agora eu preciso te passar as recomendações e te orientar quanto às mudanças que vão acontecer em você. Eu vou explicar, mas vou deixar uns folders com você, porque sei que hoje você ainda vai ouvir muita gente. 

A doutora conversou com Dulce, explicou sobre cada etapa dos próximos meses e o que seria comum sentir e não sentir. Explicou a ela como deveria se alimentar, como deveria dormir e quando deveria procurar ajuda. 

ㅡ Eu vou pedir ainda que você faça um ultrassom, precisamos olhar se está tudo bem com nosso amiguinho aí. Vou deixar um pedido com você, é só entregar à enfermeira que está te acompanhando. E então você me traz os resultados na próxima vez que vier, em um mês. Vou te ver agora todos os meses, certo? 

Dulce assentiu novamente. A doutora se despediu, orientando que ela encontrasse a enfermeira e partisse para a próxima consulta. A enfermeira, do lado de fora da porta, recebeu o pedido do ultrassom e não a levou para o próximo profissional, senão a deixou novamente na sala de espera, deixando com ela um pacote que continha vitaminas prescritas pela endocrinologista e a promessa de que logo voltaria para prosseguir com os atendimentos. indicou também que ela deveria comer alguma coisa, visto que na mesa de centro havia alguns sanduíches.

Ela pode ficar alguns minutos desfrutando de sua própria companhia enquanto se forçava a comer. O filme que passara em sua cabeça num momento anterior voltou, prosseguindo a história: a chegada à Casa 14, o reencontro com os amigos de outra época, o quanto conversaram nos primeiros dias e fizeram acordos, a construção de uma família nova, as rotinas regradas, o crescimento dos meninos que ela considerava sobrinhos, o apoio mútuo, as noites difíceis. Todos esses momentos sempre remetiam à presença de Christopher. Ele a entendia, era o único que sabia a hora de estar e de não estar ao seu lado e ela notava, hoje, o quanto nunca havia pensado nessa constância.

Dulce se levantou, saindo da sala, com o intuito de ir ao encontro de Christopher. Após alguns minutos de busca, encontrou em uma sala de espera muito parecida com a que estava e com um pacotinho de medicamentos semelhante ao dela. Ainda calada, ela se sentou ao lado dele.

ㅡ Acho que a sua enfermeira vai ficar preocupada quando voltar e não te encontrar onde te deixou ㅡ ele comentou, divertido.

Dulce sorriu.

ㅡ O que nós somos? ㅡ perguntou, ainda olhando para o centro da sala, sem a coragem de olhar diretamente para ele e dizer realmente o que queria.

ㅡ Como assim? ㅡ Christopher respondeu confuso.

ㅡ Nós estamos há quase um mês tentando não ficar juntos, mas acabamos ficando do mesmo jeito. Isso faz de nós o quê?

ㅡ Revolucionários, talvez.

Dulce riu da conclusão de Christopher.

ㅡ Pode ser. Mas seguiremos sendo revolucionários, ou vamos ter outra vida aqui no México?

ㅡ Podemos ser revolucionários aqui, se você achar bom ㅡ ele respondeu, chamando atenção dela. ㅡ Eu sei que quando saímos daqui você tinha outro relacionamento. Eu não sei dizer se o que aconteceu no Exílio deveria ficar no Exílio ou se devemos dar a chance de seguir por aqui também. Acho que a decisão, no fim das contas, não é apenas minha.

ㅡ Meu outro relacionamento, depois de cinco anos, também ficou no Exílio ㅡ Dulce comentou. ㅡ E se a decisão fosse somente sua, o que você faria?

ㅡ Seguiria com a revolução.

ㅡ Eu acho que não tenho outra alternativa, senão seguir com a revolução também ㅡ ela disse.

ㅡ Você pode escolher…

ㅡ Eu não posso. Não sou a mesma pessoa de antes, e nunca mais serei. Acho que você precisa saber disso.

ㅡ Eu já tinha percebido ㅡ ele respondeu. ㅡ Nenhum de nós é o mesmo.

ㅡ Eu devia ter sido revolucionária antes, antes de ter ido para o Exílio.

ㅡ impossível julgar aquilo que aconteceu no passado. A questão é o futuro agora, as decisões que ainda não foram tomadas.

A conversa foi interrompida pela abertura da porta, por onde uma enfermeira entrou angustiada, dizendo que estava a procura de Dulce por todo o Centro de Saúde. Aliviada, ela informou que deveriam seguir para o próximo atendimento e Dulce a acompanhou.

Outros atendimentos aconteceram a seguir: cardiologista, o qual avaliou que ela estava muito bem apesar da má alimentação dos últimos dias; neurologista, que avaliou atividade cerebral normal; o dermatologista receitou alguns hidratantes para evitar que algum mal acometesse a pele que, depois de tanto tempo sem cuidado específico, dava sinais de ressecamento. O ortopedista avaliou seus movimentos, não notou nenhuma dificuldade e também não recebeu nenhuma queixa da parte de Dulce. O gastro e o otorrino se dispuseram caso ela sentisse qualquer alteração dentro de suas áreas. 

Após tantas consultas, ela novamente foi levada por Lupita à sala de espera, onde dessa vez comeu alguma coisa e aguardou. Logo foi novamente encaminhada pela acompanhante para o que prometeu ser sua última consulta. Entrou em uma sala disposta de maneira diferente das outras: em vez de mesas e cadeiras, a sala tinha poltronas. Dulce se sentou, como oferecido pelo homem que se sentava na outra poltrona.

ㅡ Boa tarde, Dulce. Você chegou a comer alguma coisa?

Ela confirmou. 

ㅡ Bem. Estamos aqui para que você possa contar um pouquinho do que te incomoda. Meu nome é Carlos, sou psicólogo, e pretendo que a gente se encontre toda semana para que você se sinta melhor agora que está de volta.

Após uma pausa, vendo que ela ainda não estava confortável, ele fez algumas perguntas.

ㅡ Você esteve com algum dos seus amigos já?

ㅡ Sim.

ㅡ E como foi estar com eles de volta aqui?

ㅡ Estranho.

ㅡ Como estranho? O que mudou?

ㅡ Não mudou nada ㅡ ela suspirou, vendo que não teria saída e que teria que explicar. ㅡ Eu esperava que mudasse, que voltando para cá, tudo voltaria a ser como antes. Esperava que o México fosse o mesmo que deixei há anos, que fosse diferente do Exílio. Mas parece que isso não vai acontecer, acho que porque nesse tempo que estivemos fora tudo mudou mesmo sem a gente querer. O país mudou, as pessoas aqui tiveram que mudar, eu mudei, meus amigos mudaram. Tudo mudou com o tempo e não esperou a gente voltar e ser parte disso.

ㅡ E você esperava que tudo ficasse igual? ㅡ o psicólogo cutucou.

ㅡ No fundo, esperava. ㅡ Ela suspirou novamente. ㅡ Eu não esperava encontrar polícia na rua como era no Exílio. Eu não pensava que não encontraria minha família me esperando de braços abertos quando voltasse. Eu não esperava que estaria grávida e que pensaria em deixar tudo o que eu conhecia para ser outra pessoa.

ㅡ Você acha que sendo mãe terá que ser outra pessoa?

ㅡ Eu não posso ser a Dulce sozinha que era antes. Eu não posso me preocupar com o que tenho de tarefas para o dia, que antes eram tarefas só minhas. Eu não posso mais nada do que podia antes, porque nada é como antes.

ㅡ E isso é bom ou ruim? 

ㅡ Acho que é bom por um lado, mas angustiante ㅡ ela confessou.

Por muitos minutos, permaneceu em silêncio, até que este foi quebrado por uma reflexão.

ㅡ Eu sempre achei que o destino era algo escrito, até que eu percebi que não tem nada de fixo nesse mundo. Eu achava que meu destino já estava pronto, que a gente vive e as coisas vão passando como devem ser. Até que tudo isso aconteceu. Por exemplo, como foi com toda a situação do Christopher.

Notando que o homem não teria ideia de quem era Christopher, ela explicou.

ㅡ Christopher é um dos que vivia comigo no Exílio. Bem, todos nós já tínhamos uma convivência de antes, trabalhamos juntos nos anos 2000 e nessa época éramos bem próximos. Eu admirava o Chris, ele tinha várias questões e lidava com elas muito bem, ele sempre estava por perto e eu sempre podia contar com ele. Nos sentíamos bem juntos. Depois que deixamos de trabalhar nesse projeto, nos separamos e parece que tanto tempo depois tivemos uma nova oportunidade, só que num lugar absurdamente ruim. E ter ele por perto me fez reviver o que é estar bem de novo. E parece que agora que voltamos, nada mudou quanto aos sentimentos. A situação não é a mesma, mas saber que ele está perto me conforta. Talvez essa seja a chance que precisamos para estar juntos da maneira certa.

Quase uma hora passou enquanto Dulce finalmente acreditava que podia compartilhar tudo aquilo que pensava e que não sabia como dizer. Ela descarregou muitos sentimentos, riu, chorou e, principalmente, chegou a conclusões importantes. À medida em que fora liberada, com o acordo de que voltaria semanalmente para continuar a pensar sobre si, a enfermeira a esperava do lado de fora.

Foi encaminhada para outro lugar, onde todos os amigos estavam reunidos porque logo voltariam para a casa. Já era final de tarde e os carros oficiais os aguardavam: da mesma forma que vieram, voltaram, porém cada um com as recomendações médicas em mãos, desta vez.

Vários carros estavam parados à porta da casa de Anahí. Eles entraram, deparando-se com os familiares que tanto sentiram falta por anos. Dulce reencontrou os pais, as irmãs e as sobrinhas, que estavam enormes e pôde conversar com eles, sem expor ainda sobre o que o futuro lhe reservava. Ela respondeu as perguntas que lhe faziam, fazia umas tantas perguntas a eles também para tentar entender o que acontecia, em que momento da vida estavam e como ela podia se reinserir nessas histórias que agora tinham tanta diferença. 

Enquanto as famílias se reviam, em uma sala a parte uma autoridade responsável pelas relações externas do país chamava um a um deles para conversar individualmente sobre a experiência do Exílio. Dulce foi a quarta a ser chamada.

ㅡ Pode se sentar, senhorita. Precisamos falar sobre as coisas que aconteceram no Exílio.

Dulce estava desconfiada de que aquilo tudo era mais uma ação do Controle para capturá-los de volta, mas o senhor à sua frente a confortou antes de prosseguirem com a conversa.

ㅡ Sou diplomata, responsável pelas relações externas do país. Estou em contato direto com a ONU, que vai ajudar a resolver a situação colocada pela nova liderança da América. Como vocês foram os primeiros a conseguir sair de lá, vamos precisar de muitas informações de vocês para que possamos agir da melhor maneira possível. Preciso que você me conte toda sua experiência.

Dulce começou devagar. 

ㅡ Quando toda a ideia do Exílio surgiu, as coisas pareciam tão distantes, como se nada pudesse de fato nos atingir. Mas então eles passaram de porta em porta de quem eles consideravam influenciadores e colocaram num carro oficial. Nos levaram a uma sala e nos disseram que havíamos tido a oportunidade de dizer adeus, que a partir de então iríamos aprender as novas regras da sociedade para que não pudéssemos mais fazer mal a ninguém.

“Eles nos levaram embora sem dizer adeus. Chegamos ao Expilio sem saber o que era, o que faríamos, onde moraríamos, com quem e até quando. Foi então que notei que moraria com amigos, o que era menos pior. Um fiscal passava todos os dias para dar as ordens, para explicar a rotina, para que soubéssemos usar o quadro de tarefas e para que soubéssemos organizar os horários para não atrasar. Todas as noites, um noticiário reforçava o quão ruins éramos para as pessoas. Apesar disso, sempre soubemos que não fazíamos mal a ninguém.”

“Sem contar com as tarefas que nos submetiam. Estávamos lá para atuar e cantar, como era de fato nossa profissão, mas tudo o que fazíamos tinha a ver com exaltar a Sociedade Nova e pisar na nossa própria nação.”

Dulce também revelou o que lhes fora dito quando eles fugiram e o que souberam que era falado sobre eles por aqui. Contou sobre dias difíceis, contou sobre o plano para fugir. O homem anotava as coisas com precisão, e fazia algumas perguntas de vez em quando para confirmar algumas informações.

ㅡ Esta semana teremos uma nova reunião para discutir a Sociedade Nova, e a ONU logo estará ciente das informações que vocês estão nos passando. Estamos nos unindo em ações para combater mecanismos de governo autoritários e que ferem os direitos humanos, que é exatamente o que acontece desde que esse governo novo assumiu o poder. A diferença é que antes não tínhamos nenhuma prova disso e agora temos vocês para ajudar nesse processo. Talvez teremos mais alguns encontros, mas seremos cuidadosos em marcar com vocês antes. Estão novamente em processo de adaptação e precisamos respeitar isso. 

Dulce concordou, fazendo um sinal com a cabeça.

ㅡ Para ajudar nesse processo, vocês terão auxílio integral nesse momento de readaptação. Vamos trabalhar em várias frentes para que vocês voltem a estar confortáveis aqui, onde é a sua casa. As informações de vocês são valiosíssimas e vocês foram extremamente valentes em quebrar com o ciclo do Controle. 

Dulce logo foi liberada da conversa com o diplomata. Notou que os amigos e as famílias estavam confortáveis e entretidos com as presenças de todos, quando percebeu que alguém a chamava. Era Christopher.

ㅡ Podemos conversar um momento? ㅡ ele perguntou, baixinho.

Ela o acompanhou para outro cômodo da casa, sentando-se em um banco que havia ali.

ㅡ Não terminamos nossa conversa de antes ㅡ Christopher comentou.

ㅡ Eu acho que ainda tem muita coisa para realmente terminar aquela conversa. Tudo mudou agora que estamos aqui.

ㅡ Concordo. Você está bem com essa mudança?

Dulce não sabia responder.

ㅡ Você parece tão diferente desde que voltamos ㅡ ele disse. ㅡ Parece mais nervosa. Foi por causa dos exames? Foi tudo muito corrido hoje…

ㅡ As coisas são diferentes agora. Não temos mais que nos submeter a todo aquele governo doentio, não temos mais que seguir aquela rotina fixa, não vamos mais viver todos juntos. Não sei mais o que chamar de família. Não tenho certeza de mais nada. ㅡ Ela concluiu, então. ㅡ Eu não sei você, mas eu acho que mudanças são boas quando chegam devagar. E sempre tivemos o histórico de ter mudanças rápidas nas nossas vidas: com o RBD, com o fim do RBD, com o Exílio, com o fim do Exílio. Tudo vem muito rápido, termina muito rápido e deixa a gente ainda muito tempo vivendo naquilo.

ㅡ Isso quer dizer ㅡ tentou entender Christopher ㅡ que mudanças rápidas são difíceis porque nem sempre a gente consegue acompanhar. E nós estamos nesse momento. É isso que você está tentando explicar?

ㅡ Sim, Chris. Muita coisa antes importava por causa do momento que a gente vivia, mas agora não importa mais e a gente continua se incomodando com isso tudo. 

ㅡ Temos que nos adaptar. Acho que com toda a ajuda que as pessoas estão dando a gente vai conseguir logo se sentir melhor. Daqui a pouco vamos nos importar só com o que estamos vivendo de fato.

ㅡ E tem coisas que antes não importavam, mas que agora parece que não poderíamos viver sem elas ㅡ Dulce completou o pensamento.

ㅡ Nós importamos ainda?

ㅡ Depois de tudo o que aconteceu, depois de tudo que passamos, depois de todas as coincidências e os significados que construímos, o que você acha?

ㅡ Para mim, importa. Eu acho que de alguma forma, Dul, sempre importou. Eu sentia falta de poder conversar com você e, de alguma forma, o Exílio me trouxe essa oportunidade de volta.

ㅡ Eu acho que o Exílio e a nossa aproximação lá trouxe muito mais do que isso.

Christopher concordou, porém Dulce acreditava que ele não tinha entendido realmente o sentido da fala dela. Ela queria dizer sobre tudo o que mudaria, mas não sabia ser direta. Queria que ele chegasse no ponto de dizer que eles teriam essa estabilidade e que a deixaria confortável para contar sobre o bebê. 

ㅡ Eu acho que no final das contas muitos ciclos vão se fechando na nossa vida e dão espaço para que outros iniciem. E não necessariamente todos os ciclos encerram juntos e dependem entre si para existirem ㅡ Christopher disse.

ㅡ Ciclos… Eu acho que define bem essas mudanças que acontecem ㅡ ela concordou.

ㅡ Está na hora de continuar um ciclo que começou e que agora é importante e fechar outros que não importam mais, não acha?

Ela não respondeu. Apenas entregou as recomendações que recebeu das médicas antes de dizer qualquer coisa. Ele as tomou de sua mão devagar, não entendendo bem o que deveria fazer, mas leu tudo com calma. De repente entendeu e sorriu.

ㅡ Essa é a chance que temos de recomeçar, Dul. É de fato a nossa revolução.


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Notas finais do capítulo

Gente, que bonitinho esse final. Todas as oportunidades de ressignificação para o final de um ciclo e começo de vários outros.
Espero que tenham gostado dessa saga e que tenham aproveitado bastante.
Me despeço por enquanto.
obrigada por ler ♥

Beijos, Cat.



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