As Joias do Carrasco escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 4
Que venham, então.


Notas iniciais do capítulo

Em primeiro lugar, preciso e quero agradecer ao Tony e sua compulsão por escrever recomendações. Não estou reclamando, de jeito nenhum! Muito obrigada pela recomendação, Tony, em tão pouco tempo de fic eu não esperava XD

A demora dessa vez foi por uma notícia boa. Eu comecei a faculdade! YEY! Vocês estão olhando pra uma calourinha, gente XD
Eu sou viciada em usar "XD", as vezes nem entra no contexto, eu hein.

Lembram do cap anterior? Todo mundo se separou (infelizmente, explico depois), Vermont e Calisto encontraram um ahuízotl, e basicamente foi só isso. Resumi o cap.
Vamos agora ver lutas legais, principalmente a Astra, que sinceramente foi a dona do capítulo, né, convenhamos, nem foi intencional.



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Rochas e plantas passavam rápido enquanto corriam pela floresta, o ahuízotl atrás deles era uma excelente motivação para correr. Vermont corria a frente, ainda arrastando Calisto pelo caminho. Ela frequentemente olhava para trás, medindo a distância que os separava da morte certa e, quando esta se aproximava demais, desferia com a mão livre uma rajada de energia que fazia o animal recuar um pouco, apresentando queimaduras nos locais onde era atingido.

Nenhum deles falava nada, poupavam suas forças para a sobrevivência. Não podiam ficar correndo para sempre, Calisto além do esforço físico ainda estava usando o poder de sua joia — seu poder — pela primeira vez. Ela sabia o que fazer, porém não o que esperar, sabia como usar a joia, mas não o quanto a joia exigiria dela. O melhor era chegar logo ao rio, com os poderes de Vermont as coisas ficariam mais fáceis para eles.

— Não, por aqui não! — Calisto parou bruscamente, fazendo Vermont encará-la com um olhar aflito e, em seguida, olhar para a criatura que se aproximava atrás deles. Em vez disso, Calisto o puxou para a esquerda, retomando a corrida. 

— O que foi isso?! — Vermont gritou, percebendo que a mudança de direção tinha dado chance ao híbrido para se aproximar razoavelmente.

— Estávamos nos afastando dos outros! — respondeu, ofegante. Ela interpretava bem os sinais da Joia do Espírito. O frio em suas veias, a hesitação em seu peito, tudo era um aviso. Seu corpo sentia, e Calisto sabia que a joia se comunicava. Era mais do que uma pedra, era um coração. — Eu ficaria sem poderes.

Vermont não sabia se adiantava muito manter os poderes de Calisto, ela já mostrava sinais de cansaço. Se conseguissem chegar ao rio, então pelo menos ele poderia dividir com ela o trabalho de se defender. No momento, Vermont se sentia tão útil quanto uma pedra. Geralmente ele não se preocupava em ser útil para os outros, mas quando a situação colocava em risco sua própria vida, ele não gostava de deixar todas a responsabilidade nas mãos de outra pessoa. Afinal, quem lutaria mais por sua sobrevivência do que ele mesmo? Porém, assim como Calisto, Vermont nunca usara a joia da Água. O chamado começou minutos antes dele ser preso — 23 minutos antes, para ser exato.

— Tive uma ideia — gritou para Calisto, sobre o barulho dos rosnados do ahuízotl e as batidas de seu coração acelerado. À frente, o terreno dava uma pequena subida, formando uma parede de 1,5 m com os rochedos. — Consegue distraí-lo?

Resposta afirmativa, Vermont finalmente soltou a mão de Calisto e correram para lados opostos. Calisto se concentrou em outra parede de energia, contra a qual o animal se lançou agressivamente. Apesar de se queimar cada vez que era atingido por Calisto ou se chocava contra o escudo, ele permanecia insistindo, tentando alcançá-la, um pouco machucado, sim, mas muito mais irritado. Era grande demais para que o estrago causado por Calisto fosse significativo. 

Enquanto Calisto servia de isca, desviando a atenção do animal sobre ele, Vermont escalou os rochedos, ficando acima da batalha.

“Não acredito que vou fazer isso...” pensou. O campo atrás de si estava livre, fugir fazia mais o seu estilo. Esfregando as mãos, Vermont avançou e saltou sobre o animal e ele se agarrou ao pelo para evitar uma queda. Inclinando-se para a frente, Vermont tentou alcançar a cabeça do híbrido, mas algo pesado caiu sobre seu ombro e o puxava para trás, para fora. Vermont tinha esquecido da cauda bizarra com a mão humana na ponta, e era difícil se segurar no pelo ralo do animal. O grito de alerta veio instantes antes de Calisto projetar uma esfera de energia em sua direção. Vermont mal teve tempo de desviar, e o golpe acertou a cauda grossa do animal, cortando a ponta fora. A dor deixou o ahuízotl enlouquecido. Agitado, ele se movia sem parar, chocou-se de cabeça contra os rochedos e voltou-se para Calisto, acertando o escudo de energia com tanta força que ele se dissolveu. Calisto recuou depressa, mas um passo em falso a fez cair para trás. O monstro avançou na direção dela, mas Vermont conseguiu ser mais rápido. Pegou a faca na bainha e fincou a lâmina através do olho da criatura, que urrou de dor, inclinando-se para o lado e jogando Vermont ao chão. O animal se moveu por alguns instantes, e depois parou, morto.

Vermont suspirou de alívio, jogando-se de costas no chão e respirando ofegante. Dez segundos encarando o céu, sem olhar para aquela criatura e ignorando a possibilidade de mais como ela estarem na floresta espreitando para matá-los… Dez segundos de uma falsa paz era só o que Vermont precisava. Mas a risada de Calisto o arrancou de seu entorpecimento. Ela ainda estava no chão, com os olhos fixos na criatura e um sorriso intenso. Uma de suas mãos estava no peito, onde provavelmente a joia do Espírito ficava, segundo os rumores. Vermont não havia perguntado para confirmar, não queria ser mal interpretado.

— Isso foi… melhor do que eu esperava. — Vermont tentou perguntar se o resultado esperado era a morte de ambos, pois não parecia ter sido uma vitória surpreendentemente fácil, e sim árdua e aterrorizante. Em vez disso, apenas murmúrios incompreensíveis saíram de sua boca, enquanto ainda tentava recuperar os sentidos. — Vermont… Vermont?

— Ahn?…

— A gente tem que ir. — Calisto já estava de pé, quase não mostrava sinais do cansaço repentino de seus poderes, mas não era possível que tivesse se recuperado em poucos minutos, enquanto Vermont tinha tanta dificuldade de se concentrar após o ataque. Ele não era dos mais destemidos, e com certeza não estava acostumado a enfrentar a morte. — Precisamos achar os outros… e fechar o portal.

 

~*~

 

Astra se escondeu atrás de uma árvore grossa, apoiando as costas contra o tronco, torcendo para não ter sido notada pelos... animais? Bom, deviam ser animais. Astra sentia as chamas envolvendo seu punho, pulsando conforme seu próprio ritmo. Quando se deixou levar pelo instinto no lugar de procurar pelo portal, Astra preferiu correr o risco de ser vista pelas criaturas, em troca de poder ter uma reação mais rápida ao perigo, em vez de precisar pegar o isqueiro para se defender apenas após estar encurralada. Seguiu os sons de rosnados até se ver em uma clareira, onde encontrou dois ahuízotl. Não apenas isso, mas enquanto ambos os animais destroçavam uma de suas vítimas, Astra percebeu as pessoas escondidas atrás de um tronco caído, aterrorizadas demais para se moverem. As roupas excessivas e os mantos, semelhantes ao que Calisto vestia quando chegara à cidade, não tornava fácil identificá-los, mas Astra tinha quase certeza que eram duas mulheres e uma criança. Uma das mulheres segurava a criança próximo ao seu próprio corpo, cobrindo sua boca com uma das mãos, tentando impedir que os soluços do choro atraíssem atenção.

Quando uma das criaturas chegou perigosamente perto do esconderijo improvisado das mulheres, Astra percebeu que não teria tempo para planejar nada. Astra flexionou o punho envolvido em chamas, que passaram do tom laranja para o azul com o súbito aumento de temperatura. 

3, 2, 1.

Astra saltou de seu esconderijo na direção dos monstros, que, distraídos com sua presa mais recente, não pareceram tão interessados nela. Um deles a olhou com desconfiança e rosnou, como se achasse que ela disputaria com eles pelo jantar. Esse pensamento fez o estômago de Astra revirar. Mas era melhor que estivessem distraídos ao menos no primeiro momento, ela tinha visto o que podiam fazer. Astra concentrou-se no calor em suas mãos, ciente de que após o primeiro ataque, eles viriam com tudo. 

"Que venham, então."

Astra correu na direção deles, e quando estava perto o suficiente, fez um movimento com o punho, como se estivesse socando o ar. A rajada de fogo atingiu um deles na lateral do corpo, empurrando-o grosseiramente contra o tronco de uma árvore. Mal tinha atingido o primeiro, repetiu o movimento com o outro, precisava fazer o maior dano enquanto ainda estavam sem reação. Porém o segundo ataque pegou de raspão o ahuízotl, que já tinha percebido o ataque. Não conseguiu sair sem ferimentos, mas com certeza estava melhor que seu amigo. Com um gesto brusco, Astra ateou fogo às folhagens no chão atrás de si, criando um limite entre a luta e as pessoas escondidas. Aquele que estava menos ferido logo revidou. Em vez de usar seus poderes, Astra confiou em seu instinto e no pouco treinamento que recebera quando pensou em se unir à polícia da Cidade Baixa. Esperou o animal vir em sua direção, então correu contra ele. A criatura era veloz, sim, mas parecia pouco ágil, talvez não conseguisse desviar a direção tão rapidamente. Quando estavam quase se encontrando, Astra mergulhou sob ele, escapando dos dentes, e no ímpeto do momento o atingiu no abdome desprotegido com o punho novamente envolto em chamas. O animal urrou de dor e se afastou por impulso. Astra estava quase se sentindo o máximo quando o outro a agarrou pelo pescoço com aquela mão bizarra e a jogou na direção de sua própria parede de chamas, que ela atravessou sem dano algum, mas bateu violentamente contra o chão e rolou por metros até ser forçada a parar por um tronco caído no caminho, o tronco onde as andarilhas ainda estavam escondidas. 

— Vocês deviam ter corrido! — Ignorando a forte dor no ombro, Astra gritou, nem um pouco satisfeita por precisar explicar o óbvio. Uma das mulheres afastou a criança para longe dela, ambas a olhavam com medo. Foi quando ela percebeu que a outra mulher estava com a perna machucada, não poderia fugir daqueles monstros se a distração de Astra deixasse de ser suficiente.

Então Astra precisava acabar com eles, não tinha outro jeito de proteger aquelas pessoas. Forçou-se a levantar e caminhou até a parede de chamas. Podia ver as silhuetas dos monstros atrás do fogo, querendo passar, porém o calor intenso os mantinha afastados. Astra estava segura daquele lado do fogo. Ergueu os punhos em posição, e, a cada golpe que desferia contra o nada, bolas de fogo eram disparadas da própria parede de chamas. A dor no ombro direito a impedia de se movimentar bem, então estava errando bastante dos golpes com esse braço, mas os restantes eram certeiros. Depois teve uma ideia melhor. Começou a fazer movimentos circulares com as mãos, a parede de fogo curvou-se para cercá-los e fechou-se em um círculo em volta deles. Se respirassem oxigênio, Astra poderia segurá-los ali por um tempo e as chamas fariam o trabalho sozinhas. Mas uma das criaturas, em desespero, se atreveu a pular através das chamas e correu para longe. A outra estava enlouquecida com o corpo em chamas, remexendo-se inquieto, tentando apagar o fogo ao rolar no chão. Apesar de ser um animal demoníaco e ter matado dezenas de pessoas, Astra não conseguiu evitar sentir um pouco de pena. Gostaria de poder matá-lo de uma maneira menos cruel, não tinha prazer algum em torturá-lo. Quando ele parou de se mover, Astra apagou o fogo com um gesto, impedindo que se espalhasse pela floresta por causa do chão coberto de folhas.

— Vocês estão bem? — perguntou, aproximando-se das mulheres. Elas ainda pareciam com medo, e a olhavam com desconfiança. O ferimento parecia bem ruim. — Eu posso ajudar... 

Porém quando Astra deu mais um passo na direção da mulher ferida, a outra a golpeou com um galho do chão, na lateral da cabeça. Astra se desequilibrou e caiu sobre um joelho, mas não se machucou tanto devido ao capacete do traje. Ela soltou o galho e levantou a outra mulher, gritando para a criança segui-las, enquanto se afastavam o mais rápido que podiam — o que não era muito — de Astra. Com a mão na cabeça, Astra se levantou, suspirando. Ela devia ter previsto que não estavam assustadas apenas pelos monstros, mas também por ela. 

Apesar de querer ajudar aquelas pessoas, não tinha como fazer isso. Além de que Astra tinha problemas maiores. Precisava encontrar o monstro que tinha fugido. Mesmo cansada, ela o seguiu. À medida que andava, porém, algo a deixava inquieta. Embora fosse a primeira vez que pisava naquela floresta, Astra tinha um ótimo senso de localização, e o caminho que havia tomado há quase dez minutos procurando pelo monstro começava a lhe parecer familiar.

Os tiros, ainda distantes, a assustaram. Enquanto sua mente hesitava, receosa, o corpo se moveu sozinho. Astra correu na direção dos tiros, na direção do acampamento dos pesquisadores que tinham deixado para trás, na esperança de ficassem mais seguros longe da batalha. Que engano... Como se a batalha fosse acontecer dentro de um ringue fechado, como se o simples ato de sair da cidade já não fosse um risco. Como se pudessem manter qualquer um seguro entre aquelas árvores... Ao mesmo tempo que condenava a si e seus companheiros pela sua ingenuidade, Astra também tentava se tranquilizar. Não havia motivo para pânico. Alessa cuidaria de tudo, ela sempre cuidava. Astra conhecia bem a general, e ela jamais ignorava a possibilidade de algo dar errado. Alessa estaria preparada. Alessa protegeria os outros.

Astra emergiu da mata já disparando rajadas de fogo contra a criatura. O local estava um caos. Alessa e os outros três soldados estavam firmes, defendendo-se e atacando como podiam, correndo para escapar do caminho do monstro enlouquecido. Já os cientistas, Astra avistou apenas um. Os outros deviam ter corrido quando foram atacados. Aproximou-se de Alessa, que protegia-se atrás de uma árvore grossa, de onde mirava e disparava contra o híbrido com a M16 padrão militar.

— Astra! — chamou ela, elevando a voz acima do barulho. Inclinou-se para a esquerda e novamente tentou atingir o animal. — Não era dever de vocês acabar com essas criaturas?!

— Primeiro dia, me dá um desconto... — murmurou em resposta. Estava cansada e dolorida, não era porque tinha a Joia do Fogo que automaticamente Astra se tornara especialista em matar monstros. Definitivamente não era fácil. Pelo menos não sozinha. — Vou deixá-lo encurralado. Aí você age.

Com o assentimento de Alessa, Astra retornou com as barreiras de chamas, reduzindo cada vez mais o espaço que a criatura tinha para se movimentar. Ele parecia realmente detestar o calor. Alessa sinalizou para os companheiros, os quatro apontaram as armas e dispararam, terminando de vez com ele.

— Mas que coisa é essa? — A general perguntou, após Astra extinguir as chamas.

— Eu não sei... mas é bem agressivo. 

— Era — corrigiu, lançando-lhe um olhar de aprovação e um pequeno sorriso, e voltando sua atenção para o ahuízotl. — Você enfrentou mais desses? — Diante da confirmação, ela continuou: — Você foi ótima. Devia ter continuado o treinamento.

— Não era pra mim — desconversou. Já estava se afastando quando o rádio comunicador de Alessa soou um ruído.

— General Rower? — Era a voz de Catarina. Astra se aproximou.

— Por favor, diga que fecharam o maldito portal... — Alessa implorou.

— Nós encontramos o portal, mas os outros não estão aqui. Precisamos da Calisto. — Astra tomou o rádio das mãos de Alessa, que a encarou fingindo estar ofendida com a grosseria, mas não reclamou.

— Catarina, é a Astra. Onde vocês estão?

— Estamos no rio. Os outros estão com você?

— Não, eu tô sozinha. Estou indo para aí. Tomem cuidado. — Desligou e devolveu o aparelho para Alessa.

~*~

 

— Astra! — Antony chamou, enquanto corria procurando por alguém. Quando Antony começou a ouvir o choro da criança, enfrentou um dilema entre a racionalidade e o instinto. De maneira alguma podia negar ajuda a uma criança, ainda mais uma que parecia tão aterrorizada. Seja lá o que a estivesse perturbando, não devia ser bom. E era por isso que Antony não podia ir sozinho. Ele não era impulsivo, pensava antes de agir, principalmente quando suas ações poderiam prejudicar todo o seu grupo. Se fosse morto, a Joia não teria um Portador, e Calisto não poderia fechar o portal. — Catarina! Calisto! Vermont!

Tempo era crucial, e ele sabia que estava desperdiçando. Não conseguia ver o menor sinal de ninguém ao seu redor, até que chocou-se contra outra pessoa que também estava correndo, atravessando seu caminho. Ambos foram ao chão, rolando um sobre o outro até que Antony parou com as costas no chão. A outra pessoa se levantou mais rápido. Usava o mesmo traje que ele, mas não era um dos Portadores, devia ser alguém da equipe da general Rower. Através do capacete, Antony reconheceu a mulher, conhecia apenas de vista, e não conseguiu associar um nome ao rosto, mas sabia que ela estava no grupo dos pesquisadores.

— Você está bem? — Ela perguntou, e Antony viu que ainda estava no chão. Confirmou com a cabeça, se levantando. Ela olhava para trás com receio, e parecia pronta para voltar a correr. As peças foram se juntando para Antony.

— Aconteceu algo com o acampamento? — perguntou, preocupado.

— Eu nunca vi nada como aquela criatura. — Ela soava ainda nervosa pelo acontecido. — Aquilo quase pegou o James, mas Rower e os outros conseguiram afastá-lo dele. — Ela levou as mãos a cabeça, apreensiva. — Meu Deus, eu não devia ter corrido... Eu não sei o que aconteceu depois, eu devia ter ficado, eles podem estar precisando de mim... Vocês têm um walkie-talkie, não é? Precisam falar com a Alessa, precisamos saber o que aconteceu.

— Você é a médica, né? A Dra. Walker? — Antony não sabia o primeiro nome. — O rádio deve ter ficado com a Catarina. Não planejávamos nos separar. Mas espera! Eu posso precisar da sua ajuda! — Embora estivesse preocupado com o acampamento, Alessa e seus soldados tinham armas. Até onde Antony sabia, a criança que ouvira antes não tinha nada. Rapidamente ele explicou a situação para ela, que não pareceu esperançosa.

— Não estou ouvindo nada. E não sei se é inteligente ir na direção de outra daquelas criaturas.

Era verdade que Antony também não escutava mais os gritos da criança. O terrível pensamento de que tinha demorado demais para agir surgiu em sua mente. Não podia perder mais tempo procurando outro Portador, teria que agir agora, e talvez já fosse tarde demais.

— Por favor. Eu preciso fazer alguma coisa. E talvez ela esteja ferida.

— Está bem! — cedeu, visivelmente contrariada. — Mas meus materiais estavam no acampamento, eu não vou poder fazer muito.

Antony guiou o caminho para onde achava ser a origem dos gritos. Em pouco tempo, se encontraram na margem de um rio, largo e aparentemente fundo. Isso incomodou os dois. Nenhum deles sabia nadar. A Cidade Aurora não tinha rios ou lagos, e a administração da cidade jamais permitiria, com razão, desperdiçar um contingente do reservatório de água para algo tão superficial. A água escura estava calma, quase intocada, como um espelho. Porém, sem criança à vista.

— Mas... — murmurou, confuso. — Pensei ter ouvido daqui.

— Carter... — A Dra. Walker chamou, com urgência na voz. Ela estava tensa, nem se movia. Olhava para algo além do rio. Foi quando Antony viu pela primeira vez o ahuízotl. Instintivamente, deu um passo atrás e tirou do coldre o seu revólver, só por precaução. A criatura ergueu a cabeça, abriu a boca e recomeçou a gritar. Walker desviou o rosto, como se pudesse diminuir a aflição em ouvir aquilo. Antony ainda observava, atônito. Não havia criança. Era a criatura que fazia aqueles sons.

— É uma... isca... — constatou, horrorizado. Lembrou dos corpos que Tiberius examinara mais cedo, e como a quantidade o impressionara antes. Agora fazia sentido.

Carter sentiu algo em sua perna, olhou para baixo apenas a tempo de ver a estranha cauda com uma mão humana segurando seu tornozelo. Antes que pudesse reagir, a criatura o puxou. Carter bateu a cabeça na queda e soltou a arma, sendo arrastado para a água mais rápido do que conseguia processar. A médica resistiu ao impulso de gritar diante da cena, mas o medo só fazia crescer. Aproximou-se da água, hesitantemente, apenas o suficiente para pegar o revólver caído à margem. Seus olhos varriam a água procurando algum sinal de Carter, mas a água escura não permitia ver muita coisa, e a criatura se movia quase sem perturbar o rio. Então eram dois, o que estava atraindo as vítimas e o que pegara Carter. Talvez mais. Não dava para saber. Ela se afastou alguns passos. Seu cérebro estava em pânico, mas ainda conseguia visualizar todos os perigos da situação.

O animal continuava a arrastá-lo sob a água, velozmente. Desorientado, Carter não conseguia pensar em como reagir. Conseguia sentir a água invadindo o traje por qualquer brecha que fosse, mas a contaminação não era sua maior preocupação no momento, e sim a falta de ar. Quase em desespero, Carter cravou os dedos na terra. Não era ingênuo de achar que conseguiria bater a força daquele animal, mas ainda tinha suas vantagens. Impôs sua vontade sobre as rochas, o bloco de terra abaixo deles estremeceu e se ergueu sobre a água. O monstro ainda agarrava sua perna, mas agora Carter enxergava e respirava. Suas mãos escorregaram na terra molhada e ele quase foi arrastado novamente para o rio, mas conseguiu se segurar com mais firmeza, a terra envolvendo seus braços como se também quisesse puxá-lo para si. 

Walker tinha que fazer algo. Ergueu o revólver, a mão pouco firme, nunca tinha usado uma arma, e disparou três tiros, tentando mirar o melhor que podia. Não viu se havia acertado, mas a criatura se assustou e soltou Carter, recuando para a segurança do rio. Carter içou o resto do corpo para cima do bloco de terra. Olhou para a Dra. Walker, com um misto de alívio e incredulidade.

— Você quase me acertou!

— Ah, me desculpe por tentar ajudar! — respondeu. 

— Me ajudar ou ajudar aquilo? — murmurou para si. Não deviam fazer tanto barulho. Antony se concentrou e fez as rochas abaixo se separarem do solo e deslizarem até a margem, conferindo-lhe uma passagem segura pelo rio até onde a doutora estava. — Foi isso que atacou o acampamento? — Ela confirmou. Antony torcia para que estivessem todos bem, mas não conseguia ser tão otimista.

— Ele está voltando! — Ela apontou para o rio. A criatura avançava novamente, dessa vez acompanhada.

Carter se posicionou, preparando-se para suportar o esforço de manipular um elemento tão inflexível. Ergueu as mãos, levantando do chão duas grandes rochas e atirando-as na direção do que estava mais próximo, que desviou da primeira, mas a segunda o jogou de lado no chão, e ele se levantou mancando. Os movimentos de Antony eram rígidos e resolutos, como era necessário. Rochas não eram muito dispostas a cooperar. Era visível a diferença entre os métodos dos Portadores, enquanto Antony usava todo o corpo para controlar seu elemento, mantinha toda uma postura e concentração, Astra prezava pela espontaneidade e fluidez. Já o ar, muito mais adaptável do que a terra, não exigia de Catarina nada mais do que a sua vontade. Ela não precisava de nenhum movimento para favorecer sua dominação sobre o ar. Apenas precisava querer.

Antony fez surgir do chão uma barreira a tempo de se defender de um dos ataques, o ahuízotl se jogou contra a barreira sem a menor hesitação, batendo com a cabeça na parede. Assim que Antony partia para outro golpe, as suas "construções" desabavam por ele precisar mudar o foco de sua atenção, o que deixava pilhas de escombros. Walker, ainda com o revólver, aproveitou da desorientação momentânea e disparou contra o animal na cabeça. Dessa vez não errou, estava muito perto. Ela não podia ajudar muito, tentava apenas se manter segura e não atrapalhar Carter, que tentava manter ambos seguros, mas quando viu a chance, não pôde deixar passar. 

Ainda restava um, que avançou velozmente contra ambos. Carter levantou grandes rochas do chão e as atirou em direção do animal, mas ele conseguiu desviar de todas, e estava quase sobre eles. Por instinto, Carter se abaixou, puxando Walker para o chão e subiu uma outra barreira, mais espessa, para se protegerem do impacto, pois não conseguiriam sair do caminho antes de serem atropelados pela criatura. Porém o impacto não veio. Em vez disso, Carter e Walker se viram no meio de uma ventania tempestuosa e barulhenta, as correntes de vento até se tornavam visíveis pela camada de poeira e vapor de água que levantavam. Walker foi a primeira a olhar por cima da barreira, e ver a criatura se debatendo, tentando alcançá-los sem sequer poder tocar no chão, erguida por uma intensa espiral de ar.

— Catarina! — Dra. Walker ouviu Carter murmurar, aliviado. Catarina e Tiberius atravessavam o declive na direção deles. O ar acelerou no redemoinho, e, em uma rajada, atirou a criatura contra uma árvore. Carter não hesitou e o soterrou com os próprios escombros das ações anteriores.

— Erin! — Catarina chamou pela médica, parecendo aliviada. — Rower disse que eles não estavam te encontrando... Vocês estão bem?

— Vocês chegaram em boa hora... — Carter comentou — mas sim, estamos bem.

— Vocês viram os outros? — Tiberius perguntou. — Nós encontramos o portal.

— O quê?! E vocês o deixaram?

— O que tiver de passar por ele, passará com ou sem a gente lá de guarda. — Catarina cruzou os braços, em desagrado. Tinham enfrentado uma daquelas criaturas antes, e não parecia seguro que ficassem perto do portal sozinhos. Ainda mais quando cabia apenas a Tiberius manter ambos em segurança. — Mas devemos voltar e torcer para que Vermont e Calisto apareçam. Consegui falar com Astra, e ela está vindo para o rio.

Eles concordaram, embora Carter achasse pouco provável encontrarem Vermont e Calisto assim por acaso. Eles não tinham como ser avisados. 

Erin se aproximou e passou a andar lado a lado com Catarina, embora tudo o que Catarina não queria fosse ouvir o que Erin tinha para dizer. Eram amigas — se é que o ambiente repressivo da Cidadela permitia tal intimidade — há tempo suficiente para que Catarina percebesse quando iria receber uma repreensão.

— É bom ver que minhas opiniões profissionais são muito bem ignoradas por você, Catarina. — Erin falou, em murmúrios discretos, para que os outros não ouvissem. 

— Erin, não. — Catarina abaixou a cabeça e apressou o passo, sem sucesso em fugir da outra. 

— Catarina, é sério. Você não devia estar aqui. Mesmo com a Joia te protegendo.

— Eu não estou em consulta agora, ok? — respondeu, com uma firmeza que deixava claro que a conversa havia acabado. Durante os anos como Portadora da Joia e membro da família Magni, Catarina aprendeu que tinha esse poder. Só precisava colocar uma leve expressão presunçosa no rosto por um momento e dizer uma frase, assim podia fugir de qualquer assunto. Viu Erin assentir na defensiva, concordando. Mas ela não se calava tão facilmente, assim que retornassem, Catarina não conseguiria fugir dela.

— Eles estão ali! — Ouviram, pouco antes de Vermont aparecer descendo em sua direção, seguido por Calisto e Astra. Todos pareciam cansados, mas Astra parecia pior. — Agora podemos acabar logo com isso, pra gente poder voltar?

— Seria engraçado se, depois de todo esse trabalho, o portal tivesse fechado sozinho. — Calisto comentou.

— Não seria. — Ele respondeu, definitivo.

— Mas pode acontecer.

Felizmente — ou não, pois talvez não houvesse tantos ahuízotl na floresta caso o portal tivesse realmente se fechado por conta própria mais cedo —, ele ainda estava lá. Era uma fenda vertical e irregular no tronco de uma árvore, com uma luz prateada em seu contorno. A imagem, porém, era familiar à paisagem, porém era escuro e as árvores pareciam quase mortas naquela região.

— Vocês pensam sobre o que existe do lado de lá? — Astra perguntou.

— Acho que foi só isso que pensamos hoje... — Erin murmurou.

Calisto se aproximou da árvore, sem falar nada, e quase sem fazer barulho ao andar. Todos estavam em silêncio, observando, alguns com curiosidade, outros com desconfiança. Tiberius ainda era cético. Calisto nunca tinha feito aquilo antes, e não havia qualquer motivo para acreditar que ela era capaz de fechar os portais. Percebeu, pelo modo como ela flexionava o punho, que ela também estava insegura. Foi um gesto rápido, que desapareceu assim que foi flagrado, como se de algum modo ela tivesse se convencido. Calisto tocou a árvore, sem desviar os olhos do portal, cujas bordas aos poucos se aproximaram uma da outra, deixando apenas um fino traço de luz, que por fim desapareceu por completo, deixando apenas a madeira sólida da árvore.

— Conseguimos. — Ela murmurou, apenas. Virou-se para os outros, e Tiberius teve a estranha impressão de que só agora ela estava falando com eles, e perguntou: — Podemos voltar?

 

~*~

 

A volta para a cidade pareceu mais rápida, apesar do cansaço dar a todos um aspecto de que estavam viajando há horas. Apenas um havia se ferido, um soldado chamado Killian Redfield, na perna. Não era tão grave quanto poderia ter sido, Erin Walker o havia atendido prontamente ao retornar para o acampamento, enquanto ouvia um sermão demorado de Rower por ter fugido imprudentemente. Catarina viu a situação com ironia.

Quando os muros da Cidade Aurora estavam quase sobre eles, Rower fez o cavalo dar a volta e ficou de frente para os outros.

— Apesar dos imprevistos, doutores, vocês têm interesse em continuar com as "expedições de pesquisa"?

Erin hesitou em responder, assim como o seu colega. Sybeal Skinner, por outro lado, respondeu de imediato.

— Mas é claro!

— O plano era que eu iria manter vocês seguros, mas agora sabemos que não há garantia disso fora da cidade.

— Vivemos isolados por muito tempo, muita coisa aqui fora pode ter mudado, principalmente pelo contato com o "outro lado".

— Eu concordo. — Walker falou, por fim, e o outro cientista também se convenceu.

— Nesse caso, sugiro que tomem cuidado no relatório que farão para o Pretor. Redfield se feriu em uma trilha irregular por onde passamos, quando as pedras se soltaram. — A general voltou a seguir na direção da cidade.

— Espera! — Carter chamou. — Está dizendo que temos que mentir para o Pretor sobre o ataque?

— Esses três são bem importantes para a Cidadela, Carter, se meu pai achar que estão em risco, não vai permitir mais que saiam da cidade. Mas não se preocupe, da próxima vez estaremos mais preparados.


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Notas finais do capítulo

"Se o ahuízotl que atacou Astra agiu tão diferente do que atacou Calisto e Vermont?" Primeira opção e menos provável, personalidade, talvez o primeiro seja mais agressivo mesmo do que os outros. Segunda opção, que acho que faz mais sentido, a energia que Calisto manipula e projeta não é tão quente, então talvez por isso o animal que a atacou estava sempre investindo contra ela, enquanto o que atacou Astra (na verdade foi Astra quem atacou, né?) tava querendo fugir do fogo.
"A cena da Astra faz sentido? Ela não seria pisoteada pelas patas traseiras se se jogasse sob o animal?" Shiuu! Assim seria menos legal.
Então, o que acharam? Astra dona do capítulo sim ou claro? Personagem nova aparecendo... Podem dizer o que quiserem. Principalmente críticas, aliás eu começo. Foi uma PÉSSIMA ideia ter dividido tanto o grupo, pq escrever praticamente a mesma cena pra cada um dos subgrupos foi de MATAR. Eu não aguentaria fazer os Magni lutarem contra esses bichos em uma cena própria, eu já estava a ponto de pular da janela do meu apartamento querendo terminar o cap, mas opa, ainda falta a cena do fulano e da fulana, fazendo basicamente o mesmo que os personagens anteriores fizeram. Isso é algo que vou mudar, se acontecer deles se separarem de novo, vou restringir a dois grupos, pq eu não aguento! XD (< fora de contexto). Vocês concordam, discordam, tem algo a acrescentar? Eu amo conversar.
Por falar em conversar, a demora para responder os reviews incomoda vocês? Eu uso como mecanismo para avisar que o cap está próximo. Porque nas minhas outras fics as vezes eu demorava muito e queria avisar que estava chegando o cap, mas não queria mandar MP pra não incomodar, aí eu passei a fazer isso (sem falar que acho que me inspira a escrever, colocar a interação com vocês como recompensa). Mas vocês decidem, se preferirem eu passo a responder assim que receber os reviews!

Nesse cap não tem escolhas para os personagens, mas tem pergunta (como teve no "Primeiras Impressões"), se não tiver escolha, tem pergunta XD
Tem alguma música que defina seus personagens? Eu tive a ideia pra essa fic pouco depois de conhecer a cantora Aurora Aksnes, e acho que a música Running With the Wolves encaixa perfeitamente com a Calisto. Perfeitamente, de um jeito que sempre que escuto eu penso nessa fic. Passei uns dias sem escrever e quando vi minha irmã escutando Running With the Wolves veio um surto de energia pra escrever a fic. Associações estranhas que fazemos, né...

Bom, obrigada por lerem ♥ De coração mesmo. Até a próxima :*