How To Save a Life escrita por Ero Hime


Capítulo 1
How To Save a Life


Notas iniciais do capítulo

Apenas uma ideia que surgiu enquanto eu ouvia uma das minhas músicas preferidas. Tive que escrever. Espero que gostem!
Bruna, você sabe que você é minha inspiração de todos os capítulos.



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— Olá, meu nome é Naruto. O que posso fazer por você?

Oi. Eu quero morrer.

Passo um, você diz: Precisamos conversar. Ela anda, você diz: Sente-se, é apenas uma conversa.

Era um dia normal. Uma noite de domingo, e o expediente voluntário no Centro de Valorização a Vida estava chegando ao fim. Poucos telefones tocavam, e o ambiente estava verdadeiramente monótono. Naruto era um dos poucos verdadeiramente dedicados naquele momento – já atendera duas ligações no intervalo de meia hora, enquanto cobria os colegas que saíam para tomar o café fraco demais que ofereciam. Era voluntário – embora Naruto colaborasse há quase dois anos, e fosse realmente parte da equipe, não ganhava nada por aquilo. Ele não se importava. Passara por coisas o suficiente para saber que qualquer chance de ajudar alguém deveria ser aproveitada ao máximo. Era esse – e outros – pensamento que mantinha o sorriso sincero em sua voz quando ele atendia cada telefonema.

E, mesmo com todos os anos de prática, ainda doía ouvir aquela frase. Seguindo o protocolo, ele respirou fundo e procurou ser o mais compreensivo possível. Era uma situação normal – infelizmente –. A maioria das pessoas que ligavam para eles queria apenas se sentir ouvida, embora a ajuda online também obtivesse um alto índice de procura. Naruto, fosse sorte ou fosse azar, sempre ficava com casos como aquele. E era sempre difícil.

— Bom, e por que você pensa assim, querida? – era uma voz feminina, meiga. Marcante. Naruto falava tranquilamente, já buscando pela identificação residencial. Embora não revelassem esse tipo de tecnologia a seu favor, o rastreamento via satélite era usado unicamente para emergências. Os endereços eram registrados em fichas anônimas, podendo ou não ser completadas ao longo da conversa. Naruto notificou que a chamada era realizada há alguns quarteirões dali, ao sul da cidade. Sua casa ficava próxima daquela região. Era um detalhe corriqueiro, sem importância. O que apertou ainda mais seu coração.

Eu não sei. — Naruto começou a digitar, anotando cada informação preciosa. As vezes, gostaria que as pessoas não precisassem passar por aquilo. Ela não parecia triste, mas sua voz, tão calma e firme, parecia vazia – Eu só quero. Não consigo pensar em um bom motivo para não morrer.

— Mas nós podemos pensar em vários! – Naruto exclamou, se envolvendo na conversa e tentando manter o tom informal, embora suasse. Há tempos não se sentia nervoso daquela maneira, como um novato. Não era seu primeiro caso daquela maneira. A depressão era silenciosa, e atingia os que menos esperavam. Podia vir como um incômodo, e podia vir como um peso completo e imóvel. Aquela garota não devia ter mais que vinte anos, mas a leveza com que falava a fazia madura. Ela devia estar passando por coisas difíceis há muito tempo – Eu estou no primeiro ano da faculdade, e meu professor passou um documentário incrível. Eu ainda não vi esse documentário, então esse é um motivo para eu continuar. Você estuda? – falar da sua vida tornara-se mais que protocolo; era parte do seu procedimento. Fazer quem escutava tornar-se íntimo, saber que podia confiar nele. Dividir peculiaridades do seu dia. Não eram as grandes coisas que importavam naquela situação. Eram as pequenas.

Estou na faculdade também. — ela parecia mais hesitante agora, e Naruto comemorou internamente. Quando o benefício da dúvida aparecia, ele conseguia manter a conversa por mais alguns minutos. Era tudo que ele precisava: que continuassem lutando – Não tenho atividades para fazer. Não sinto vontade. Não consigo me importar. — Naruto conhecia aquele sentimento. Mais que impotência, mais que o vazio. A indiferença pela própria vida. Ele sabia daquela dor, e queria, ele precisava fazê-la querer lutar por mais tempo.

— Está vendo, você pode assistir esse documentário. É sobre animais terapêuticos. Eu aposto que você amaria. Tem vários filhotes. – Naruto estava animado, transmitindo sua energia.

Ela sorri educadamente pra você. Você a encara educadamente.

Eu não sei. — ela respondeu, ainda mais baixo, mas Naruto não se deixou abater.

— Qual o seu nome?

Hinata. — ele tinha a vaga impressão que era familiar.

— É um belo nome, Hinata. Eu sou o Naruto. Eu moro em um apartamento perto da faculdade, e costumava dividir o aluguel com um amigo, mas ele está viajando agora. Você mora com seus pais? – tagarelou, dando o máximo de detalhes possíveis. Queria saber se ela estava sozinha.

Com meus pais. E uma irmã. Mas eles nunca estão em casa. Acho que posso dizer que moro sozinha. – Naruto comemorou a frase longa e cheia de informações. Ela estava começando a se abrir e ser sincera, embora sua voz continuasse com o mesmo tom calmo, perigoso. Do outro lado da linha, estava silencioso.

— Eu sempre quis irmãos, mas tenho um primo pequeno. Eu gosto de morar sozinho, mas tenho medo quando chove, e todos aqueles trovões. – arriscou uma risada curta, atento a reação dela.

Não tenho medo de trovões. Mas não gosto de insetos. — Naruto digitou furiosamente.

— Eles são mesmo horríveis. – comentou, concordando – Hinata, você está passando por uma fase difícil? – era hora de arriscar uma pergunta direta. A conversa mantivera-se estável por dez minutos, e, aquela altura, Naruto tinha que tomar um caminho mais incisivo. Apenas rezou para que ela não desligasse – Quer conversar sobre isso?

Não. — Naruto não soube dizer se era a resposta da primeira ou da segunda pergunta, mas ela não tinha desligado.

— Se não quiser falar comigo, posso te indicar um de nossos psicólogos. Eles são bem legais. – a indicação de psicólogos era recomendada em caso de reincidência de ligação, uma vez que o identificador de chamadas apresentava a ficha, se já estivesse cadastrada, ou para situações emergenciais onde a pessoa se mostra aberta a sugestões. Ela continuava respirando pausadamente, e Naruto queria ajudar.

Eu já converso. — Naruto foi pego de surpresa, confuso. Não constava nada sobre ela nos registros, e ele notou uma centelha de humor – Eu faço tratamento há um tempo, já. Não sei. Só não faz mais efeito. É tudo o mesmo, é sempre o mesmo. Eu não gosto da rotina. Não quero mais continuar fazendo isso. – ela falava com uma calma invejável, com segurança, polidez. Naruto engoliu em seco, tentando superar o imprevisto. Suas mãos tremiam contra o teclado, e ele não sabia porque aquela garota estava mexendo tanto com ele. Sua voz era doce e gentil, ela não hesitava. Naruto queria que ela hesitasse.

Entre as linhas do medo e da culpa. E você começa a questionar-se porque veio.

A depressão tinha muitos rostos, muitas máscaras, e nem sempre conseguia ser identificada. Ela trazia muitos sintomas, mas também nenhum. Acompanhava outros distúrbios, ou podia ser solitária, unicamente existindo. Crescia, devagar, absorvendo todo resquício de aura de seu hospedeiro. Um monstro invisível, que se alimentava de pensamentos bons. Quase nunca falava, mas as vezes parecia gritar dentro da mente. Não era constante – havia dias bons, dias normais. Mas a maioria apenas não era.

Naruto não conseguia entender aquela garota. Porque sua voz era tranquila, como quem aceita o próprio destino, imutável, concreto. Ela falava sobre o vazio e sobre a rotina, e a morte era apenas mais um assunto que ela não queria discutir, mas discursaria se precisasse. Ela tinha consciência da própria condição, e Naruto sabia que nem sempre dependia de sua própria força para vencê-la – as vezes, aceitar era mais fácil.

— Você ligou por que queria conversar? – Naruto tentou, mantendo-se casual e compreensivo.

Também não sei. — ela era sincera – Acho que eu queria me despedir de alguém. Queria pensar que alguém se importaria. Que sentiria minha falta.

— Eu me importo. – Naruto respondeu quase instantaneamente, e ele também era sincero. As palavras que ela dizia perfuravam seus membros. Ele entendia; por Deus, ele entendia. Ele queria desesperadamente que ela percebesse que ele estava ali, que ele ajudaria – Você não precisa fazer isso. Podemos continuar conversando. – a conversa alcançava meia hora, a média que uma ligação durava.

Eu sou covarde. Não sei o que faria. Acho que desistiria antes de conseguir. — Naruto respirou tão aliviadamente que teve que mutar seu microfone por alguns segundos. Seus dedos formigavam – Eu não converso muito. Sou um pouco tímida. Meus pais não estão em casa, mas eles não sentiriam minha falta, eu acho. Eu sou a filha depressiva. – Naruto quase conseguia visualizar a testa vincada do outro lado da linha. Em sua mente, um rosto se formava, com olhos serenos, talvez claros. Sua voz era firme, mas delicada. Ela deveria ser bonita. Naruto sorriu quando respondeu.

— Eu sentiria sua falta, então você estaria quebrando meu coração. – arriscou uma piada, e, quando uma risada chegou em seu ouvido, ele sorriu, satisfeito. Ela tinha uma risada baixa, contida, envergonhada. Mas havia algo, ele não sabia o que.

Nós nem nos conhecemos, eu não estaria quebrando seu coração. Você não se lembraria de mim.

— Então vamos mudar isso! – propôs – Eu desafio você a me ligar semana que vem. – aquele era seu ponto. Fazer com que ela lutasse por mais uma semana, o suficiente para ver, para se convencer de algo. No pior dos casos, ele a ajudaria, a manteria interessada. Naruto faria isso – Você liga e me conta como foi sua semana. E tem que assistir ao documentário. O que me diz? – mordeu o lábio, esperando pela resposta. Ela veio alguns segundos depois.

Acho que posso fazer isso. — Naruto quis comemorar – Não vou prometer nada. Mas posso tentar.

— Não vou pedir mais que isso. – apressou-se, anotando cada aspecto da conversa, satisfeito com o progresso e com seu sucesso – Conversamos semana que vem, então.

Como vou saber que você vai atender?

— Eu vou atender. Confie em mim.

O que fiz de errado? Eu perdi um amigo, em algum lugar no meio dessa amargura.

Naruto estudava Psicologia cinco dias por semana, e participava voluntariamente no Centro de Valorização a Vida aos sábados e domingos. A maioria dos colaboradores eram pessoas mais velhas, porque ninguém gostava de trabalhar aos fins de semana. Mas Naruto gostava de estar ali. Era somente uma das centenas de centrais, e quase todas as ligações eram redirecionadas para o prédio principal, no centro. Apesar disso, recebiam uma quantidade considerável de chamadas – ele próprio atendia várias. Cada conversa era única, e, de certa maneira, um desafio. Era preciso ter um psicológico forte, e, acima de tudo, vontade de ajudar. Eram pessoas, eram vidas, quebradas, difíceis. Naquele momento, naquele pequeno momento em que Naruto se dispunha por duas horas a atender telefonemas, ele precisa focar toda sua força naqueles desconhecidos. Ele nunca soubera de alguém atendido por ele que tenha tido um final trágico.

Mas, quando saía, Naruto tinha que ter a mesma força para esquecer. Ele não podia deixar aquele trabalho interferir em sua vida. A primeira regra ensinada para os novatos era claro e simples: não se apegue. Eram desconhecidos, que precisam, sim, da sua ajuda, mas, quando seu serviço acabava, quando todas suas tentativas se esgotavam, ele tinha que ir para casa e dormir tranquilo. As coisas ruins não eram culpa sua – e, por mais que tivesse influência sobre as coisas boas, tinha que deixá-las partir, igualmente.

Naquela semana, Naruto foi para a aula como todos os dias. Ele assistiu ao documentário proposto como atividade complementar. Ele passeou com seus cachorros, e aprendeu a fazer uma receita nova. Ele saiu com seus amigos, e comprou uma jaqueta. Ele viveu – as pequenas coisas boas da vida. Ele era grato por estar vivo, e, quando se deitava ou se levantava, ele agradecia com todo o coração por poder respirar. Naruto só queria ser grato as coisas do mundo, e ajudar um pouco mais que o dia anterior.

O fim de semana chegou, e ele saiu para o trabalho como costume. Cumprimentou seu supervisor, que elogiou seu bom trabalho e o incentivou – ele era uma boa aquisição para a equipe. Era bondoso, gentil e empático. Naruto agradeceu os elogios e, ao colocar seu fone de ouvido, preparando-se para atender as ligações e os contatos online, ele se sentiu feliz.

O sábado veio e se foi, e Hinata não ligou. Como prometido a si mesmo, Naruto procurou não pensar nela ao longo dos dias, esquecendo-se do que conversaram. Mas, quando abriu seus arquivos no computador e releu sua ficha, ele sabia que seu coração doía mais uma batida. Ele queria que ela ligasse novamente, queria ouvir sua voz. Naruto não gostava quando pessoas jovens, como ela aparentava ser, sofriam. Ele queria ajudá-la, queria fazer a diferença. Ele sequer sabia seu sobrenome, mas desejava ardentemente que ela estivesse viva.

Deixe-a saber que você sabe mais. Porque você realmente sabe mais.

— Olá, meu nome é Naruto. O que posso fazer por você?

Oi de novo.

Naruto abriu um dos maiores sorrisos, enquanto digitava furiosamente. Procurou no banco de dados pela ficha, aberta na semana passada. Suas anotações apareceram na tela do computador velho, mas ele não precisava relê-las. Se lembrava de cada frase.

— Ora, você ligou! Sabe, você está bastante atrasada. – arriscou uma abordagem casual e provocativa, enquanto apoiava o cotovelo. Agradeceu por todos seus colegas estarem imersos nas próprias atividades.

Eu sei. — um risinho o tranquilizou – Estava em dúvida se ligava. Não sabia se você atenderia. – Naruto também não sabia. Não tinha como saber. Não havia identificadores de chamadas, e todos os terminais tocavam ao mesmo tempo. Atendia quem estivesse livre para isso. Talvez fosse a sorte. O destino.

— Eu disse que atenderia. – sua voz soou confiante o suficiente – Me diga, como foi sua semana? – criar um ambiente de familiaridade era fundamental. Naruto precisava fazê-la acreditar que estava segura, e que as pequenas coisas importavam. Ele sabia, Deus, como ele sabia, que era difícil, impossível em alguns dias. Mas Hinata ligou novamente. Ela sobreviveu a mais uma semana, e aquilo era o bastante no momento.

Tente passar pela sua defesa, sem conceder inocência.

Boa, eu acho. — ela parecia hesitante – Eu fui para a faculdade. Saí com uma amiga, e nós fomos ver um show. Foi legal. – Naruto anotava rapidamente, sorrindo para si mesmo, atento – Eu assisti ao documentário que você me falou. Eu gostei dele, mas não entendi muita coisa.

— Acredite, eu também não entendi. – Naruto respondeu, sincero, e a escutou rir baixo do outro lado da linha. Parecia haver mais ruídos, e ele ponderou se ela estava ligando de um celular em vez de um telefone fixo – Estou feliz que tenha conseguido sair, Hinata. É importante interagir com as pessoas que você gosta.

É, eu acho que é. — ela soou pensativa – Naruto, não é?

— Isso mesmo.

Naruto, o que você acha que vem depois da morte?

O loiro foi pego desprevenido, e quase deixou escapar um arfar. Engolindo silenciosamente, Naruto escolheu bem as próximas palavras que viriam. Como todas as vezes, tinha que se preparar para esse tipo de situação.

— Eu não sei. Nunca pensei nisso. – ele já tinha pensado nisso muitas vezes.

Você é religioso?

— Minha família é muito religiosa. Fui criado assim. – suspirou disfarçadamente, um pouco nervoso. Não conseguiria escapar de maneira delicada – Eu acredito que somos eternos. Em algum momento, descobriremos todos os segredos do universo, e, então, voltaremos, para terminar nossas missões. – quando terminou de falar, sentiu um incômodo. Não estava acostumado a ser exposto.

Isso é algo a se pensar, uh. — ela respondeu quase prontamente – Você acha que existe um inferno? Para aqueles que escolhem morrer? – Naruto sabia que aquele era um território perigoso, mas tinha que continuar, tinha que conquistar a confiança dela.

— Não, eu não acredito. Apenas nossas jornadas. Cada um sabe os motivos que o fazem continuar ou não continuar. Não seriam punidos por isso. – suavizou sua voz. Do outro lado, silêncio.

Interessante. Acho que eu gostaria de descobrir os segredos do universo. — seu tom dava a entender que ela estava de bom humor, e Naruto sentiu o terreno seguro novamente.

— Bom, que tal descobrir os segredos dessa vida primeiro? – brincou, tornando o clima mais leve novamente – Tenho certeza que existem vários.

É, devem existir. – Hinata concordou, um tanto distraída.

— O que seus pais pensam sobre isso?

Faça uma lista do que está errado, as coisas que lhe disse este tempo todo. E reze a Deus para que ele te ouça.

Não sei. Não conversamos muito sobre isso. Não conversamos muito sobre coisa alguma. — Naruto sempre se espantava com a altivez com que falava.

— Eles estão em casa hoje? – perguntou, casualmente.

Estão na sala, com minha irmã mais nova. Não sei o que estão fazendo. Provavelmente assistindo televisão. Eu subi depois do jantar. — Naruto não reconheceu aquele tom, mas sabia que ele vinha carregado de uma mágoa velada. Apesar disso, ficou aliviado em saber que ela não estava sozinha.

— Vocês não passam muito tempo juntos?

Não muito. Meus pais são pessoas importantes, ou algo assim. Estão sempre trabalhando, ou viajando. Raramente ficam em casa, então não temos muita convivência. — Naruto franziu o rosto para o computador, já cheio de palavras desconexas, fruto de seus pensamentos bagunçados. Por um momento, lembranças atordoadas invadiram sua mente. Mas durou somente um instante – Escute, eu tenho que ir.

— Claro. Conversaremos semana que vem? – perguntou carregado de expectativa. Tinha que garantir que ela continuasse por mais uma semana. Sua voz estava estável e ela não mencionara nenhum tipo de intenção, mas, ainda assim, queria garantir. Precisava daquilo.

Eu não sei. Talvez. – ela respondeu, a voz de sineta – Obrigada pela conversa, Naruto.

— Estou as ordens, sempre que precisar, Hinata.

A medida que ela começa a levantar a voz, você baixa a sua e concede a ela uma última escolha.

Os dias passavam de maneira engraçada. Escorriam, vazios, mas carregados de um mistério incômodo. Naruto gostava da rotina – era tranquilizadora. Seus passos calculados, ritmados, davam uma certeza confortável. As mesmas aulas com os mesmos professores, na mesma sala quente demais. Os mesmos amigos, que, vez ou outra, faziam as mesmas piadas. Os mesmos convites para sair, as mesmas desculpas para negar. As mesmas dúvidas para o jantar, o mesmo horário ao dormir. Muitos achariam triste, mas Naruto gostava.

Um novo fim de semana chegou. O tempo começara a mudar, com a chegada do inverno, e a brisa gélida do fim da tarde o obrigava a vestir um cachecol. Cumprimentou os velhos colegas. Se parasse para pensar, era voluntário há muito tempo. Começara com a maioria daquelas pessoas, e as vira fazer muitas coisas. Casaram, constituíram família, viajaram, se formaram. Envelheciam juntos, tentando desesperadamente ajudar pessoas que não conheciam, para que tivessem a chance de fazer as mesmas coisas que eles.

Muitos não entendiam. Não tinha como. A felicidade surgia das pequenas conquistas, mas, ainda assim, não há um gatilho para a tristeza profunda. As pessoas viviam, e, em determinado momento, se afundavam em uma sensação de não ser o suficiente. Muitas sofriam, mas muitas viviam uma boa vida, repleta de pequenas conquistas e pessoas que se importavam. Ainda assim, elas afundavam, mais e mais, sem saber o porquê. Não havia a vontade, não havia a determinação, não havia o querer. Seu vigor era roubado, sua vida passava diante de seus olhos, e uma massa cinzenta pairava em suas cabeças. Estava sempre nublado, sem nunca chover. E, em determinado ponto, elas apenas se cansavam de lutar. Muitos não entendiam, mas, mesmo assim, eles atendiam ligação após ligação, e tentavam ajudar. Mesmo sem entender.

Naruto entendia, mas ele preferia não entender. De certa maneira, agradecia por ter sido capaz de desenvolver um senso de empatia tão aguçado, mesmo que sentisse mais que qualquer um. Apesar disso, ele sempre chegava e saía com o mesmo sorriso educado, e seus olhos eram sempre claros e sinceros. Talvez, por entender, ele desejasse tão dolorosamente mudar aquelas situações.

O sábado veio, e se foi. O domingo também veio. O horário da tarde era sempre mais tranquilo, e Naruto atendia quase todas as ligações, esperando ouvir uma voz tão familiar. Não deveria. Mas esperava. Ele ajudou todos com quem conversou, pacientemente, com a mesma dedicação. Não trabalhou com os chats e as mensagens virtuais, focando nos telefones. Naquele dia, não foi sorte, ou destino. Foi apenas inevitável.

— Olá, meu nome é Naruto. O que posso fazer por você?

Oi, Naruto.

— Ora, olá, Hinata. – o garoto sorriu, e o arquivo da garota estava de fácil acesso daquela vez. Completava três páginas de relatório, com comentários pessoais e impressões. Não era tão tarde quanto a última vez, mas a voz suave era a mesma – Como você está? Como foi sua semana? – no fundo, ele só estava feliz que ela tivesse ligado mais uma vez. Viva mais uma vez.

Normal. Mais difícil que das outras vezes. — soou ligeiramente desanimada, e Naruto percebeu essa mudança, já pronto para agir.

— Pode me contar. – disse suave, quase carinhosamente.

Conduza até você perder a estrada ou corte relações com aqueles que você tem seguido.

Eu tentei, sabe? Eu tentei bastante. Eu levantei da cama todos os dias, eu comi nas horas certas, eu cumprimentei meus amigos e mexi nas redes sociais. Eu me esforcei, mas, mesmo assim, foi tão difícil. Eu estou cansada o tempo todo, Naruto. – o garoto não esperava por aquela declaração. Hinata não costumava falar tanto daquela maneira, e o chocou um pouco, porque soava sinceramente crua. Quase desesperada. Um segundo mais tarde, Naruto começou a digitar, tentando anotar tudo que se lembrava. Quando voltou a falar, sua voz era como pluma:

— Eu sei que tentou. Eu estou orgulhoso de você! – animado na medida, e cuidadoso – Está tudo bem, Hinata. Está tudo bem se sentir cansada. Está tudo bem sentir que é difícil as vezes. Mas você está tentando, e isso é maravilhoso. Você está levantando mais um dia, e mais um dia você venceu. E isso é algo incrível. – soava como mais um discurso pronto, mas seu coração estava aquecido de verdade – Você esteve conversando com alguém? É importante tirar esses pesos de dentro de você.

Só com meu psicólogo. – ela parecia incerta – E com você. Eu não consigo conversar com muitas pessoas. Eu quis falar com uma amiga, mas ela não entenderia. Poucas pessoas entendem. – poucas pessoas entendiam. Naruto respirou fundo, não deixando que sentimentos importunos viessem a tona.

— Isso é ótima, querida. – ele respondeu, ainda entusiasmado – Se você conseguir falar com alguém, já é o suficiente. Você pode ligar sempre que sentir que precisa, e eu irei atendê-la. – era uma promessa que ele não conseguiria manter, mas, ainda assim, ele tentaria.

Obrigada. – parecia baixa demais – Eu estou com medo.

— Não precisa sentir medo, Hinata. – Naruto sussurrou com força – Sabe por quê? Porque você é uma garota forte, que vem tentando há tanto tempo. Você conseguiu vencer todos seus dias ruins, e isso te torna uma guerreira, e não fraca. O mundo é lugar horrível, eu sei, mas existem coisas pelas quais vale a pena continuar. Quando você estiver com medo, pode contar com as pessoas que te amam, com as coisas ao seu redor. Se lembre das suas melhores lembranças, e mantenha em mente que os momentos ruins passam. Não tem porque sentir medo, porque, mesmo que seja um mistério, a vida é uma caixa de boas surpresas, e nunca sabemos o que vem em seguida. Mas ainda assim vamos em frente, para descobrir. – inspirado, falou em um fôlego só. Não mediu as palavras, mas estava satisfeito. O silêncio se prolongou por alguns segundos – Hinata?

Estou aqui. – sua voz estava embargada – Obrigada, Naruto. Obrigada. Eu estou me sentindo melhor. — Naruto sorriu largamente. Aquela era a razão que o fazia continuar, apesar de tudo. Poder ajudar. Poder ser útil.

— Não por isso, Hinata. Não por isso.

Ela fará uma das duas coisas:
Admitirá tudo ou irá dizer que já não é a mesma.

Um mês se passou, e o inverno chegou. As ruas eram cobertas de orvalho gelado, e várias camadas de casacos grossos não eram o suficiente para mantê-lo aquecido. Os dias passavam devagar, mas também passavam muito rápido. O mês estava acabando, como aquele que veio antes, como o próximo que virá. Naruto acordou naquele dia um pouco mais cedo, e seus olhos encararam os grãos de poeira que sobrevoavam sua cabeça. A luz alaranjada pintava seu quarto, e ele ficou confuso. Algo, havia algo. Ele não sabia o que, mas havia algo.

Pequenos acontecimentos quebraram sua rotina dos sábados. Ele acordou cedo, e tomou chá, em vez de café. Pegou um ônibus diferente, virou uma esquina depois do prédio certo, almoçou uma refeição incompleta.

Entrou no Centro de Valorização à Vida, e subiu as mesmas escadas, mas quase escorregou em uma delas. Deixou os casacos pendurados e o cachecol enrolado no cabideiro. Assumiu seu computador, enquanto dois de seus companheiros conversavam distraidamente. O ambiente estava quente. Os sábados eram tranquilos.

O telefone tocou.

O que fiz de errado? Perdi um amigo. Em algum lugar no meio dessa amargura.

— Olá, meu nome é Naruto. O que posso fazer por você?

Olá, Naruto.

Ele se assustou, pego de surpresa. Seu relógio de mesa marcava por menos de sete horas da noite, embora o céu estivesse negro, sem estrelas. O clima era tedioso, e Naruto não esperava escutar aquela voz.

— Hinata? Oi. Que surpresa. – balbuciou, procurando pela ficha da garota, que foi exibida na tela, com diversas notas. No topo, seu nome brilhava.

Você cumpriu sua promessa. Me atendeu todas as vezes. — ela parecia curiosamente bem-humorada. Naruto não se lembrava de sua voz tão calma e divertida, quase como se ela sorrisse verdadeiramente.

— Eu disse que faria isso. – respondeu orgulhoso, e ouviu uma risada como resposta. Ele sorriu – O que posso fazer por você hoje, Hinata?

Eu liguei para agradecer, Naruto.

— Agradecer? – ele repetiu, ligeiramente confuso, mas sem deixar transparecer – Claro. Agradecer pelo quê?

Graças a você, eu não tenho mais medo. – breves recordações da última semana, mas, por algum motivo, Naruto empertigou-se. Algo não combinava – Eu perdi o medo, Naruto. Eu estou livre.

Eu teria ficado com você a noite toda.

— Ora, isso é ótimo, Hinata.

Eu pensei no que você me disse semana passada. Eu não tenho mais medo, Naruto. – a maneira que ela continuava a repetir aquilo o deixava ansioso – Agora eu sei que não devo temer. Há muitas surpresas, e muitos mistérios, mas eu não devo temer isso. Eu sei que haverá algo no futuro, os segredos que eu poderei descobrir. – o que era aquilo? – O mundo é um lugar cruel. As pessoas são cruéis, embora eu não as culpe. Eu também não culpo a mim mesma. Agora eu sei, não há lugar para mim aqui. Eu nunca poderei ser eu mesma. Nunca poderei seguir em frente. Mas eu não tenho mais medo! Eu sei o que devo fazer, e, acredite, eu estou bem. Eu estou bem, Naruto.

— Hinata, o que você está dizendo...

Eu liguei para me despedir, Naruto. – seu coração batia? Ele não saberia dizer – Eu queria agradecer, porque, por sua causa, eu não tenho mais medo. Eu queria que você soubesse que não é culpa sua. Eu entendi agora. Você foi ótimo. Você me escutou quando ninguém mais ouviu. Você me fez me sentir segura, e me fez pensar, e tomar uma boa decisão. Eu quero desejar tudo de melhor que há na vida, porque você é iluminado, Naruto. Você merece continuar, e ajudar outras pessoas como eu. Eu sei que você tem um propósito iluminado.

— Hinata, espere!...

Não desista, Naruto. Não desista. E não tenha medo. Porque eu não tenho. — ela soava tão feliz. Tão feliz – Se eu tenho uma missão, eu irei voltar. E, talvez, eu volte com mais conhecimento, com mais força. Em um mundo melhor. Eu vou descobrir todos os segredos, Naruto. E eu prometo, se eu puder, eu te conto.

— Hinata!

Obrigada, Naruto. Muito obrigada.

Silêncio. O telefone mudo.

Naruto arrancou os fones de ouvido, atirando-os contra o teclado, enquanto digitava através da angústia que tomava sua garganta. Acessou o terminal compartilhado e enviou um arquivo. Foi recebido prontamente.

— TEMOS UM ZERO-ZERO-UM. REPITO, TEMOS UM ZERO-ZERO-UM! – gritou, com toda a voz que conseguiu.

Movimentaram-se. Seus colegas, os mais próximos, puseram-se de pé, enquanto um deles ligava para a patrulha policial mais próxima. O outro acessou o arquivo, anotando mentalmente o endereço, enquanto gritava ordens. Naruto fez sua parte. Deixou-se cair na cadeira, atordoado. Encarava a tela, brilhante, e a ficha intacta.

Onde ele tinha errado?

O lugar ficou caótico por alguns minutos. Todos eram preparados para aquele tipo de situação, e o código vermelho era atendido tão prontamente quanto era anunciado. Naruto o presenciara poucas vezes. E, em todas elas, um sentimento apertado tomava conta dele.

Duas pessoas desceram as escadas, e as sirenes se fizeram presente. O intercomunicador apitou, pedindo as coordenadas. Para Naruto, era apenas um ruído longínquo. Eles retornaram quase uma hora depois.

Apesar dos esforços, Hinata não tinha resistido.

Ninguém precisou dizer, mas os rostos estavam convertidos em uma máscara respeitosa de funeral. A comoção míngua que tomava conta do senso comum, pranteando uma vida que se fora. Ninguém a conhecia. De fato, Naruto não a conhecia. Ela era apenas uma garota. Mais uma nas estatísticas. Uma voz no telefone.

Hinata foi uma notícia no jornal. Uma nota na sessão. Um anúncio no templo. Comentários na fila do mercado. Hinata era filha de um homem importante, de uma família importante, com uma função importante. Hinata foi uma morte importante, uma aluna querida, uma amiga perdida. Hinata era uma garota sorridente, alegre, alto-astral – era o que estava escrito nos folhetos.

Naruto não compareceu ao enterro – ele sequer conhecia a garota. Mas, naquele dia, no sábado, ele saiu do prédio, e não voltou para casa. Foi para um bar, pediu uma garrafa de algo barato o suficiente, mas não forte o bastante. Naruto bebeu, e deixou um gole na sarjeta. Ele rezou, para um Deus que não acreditava. Ele pensou naquela voz, e no rosto por trás dela. Naruto nunca saberia como ela era, de uma maneira ou outra. Mas, se ele não saberia como era sua aparência, as pessoas jamais saberiam como era sua personalidade.

Hinata foi mais uma. Uma estatística. Uma situação que deveria ter sido superada. Uma alma pedindo por ajuda. Ela foi forte, mas não suportou. E agora, ela se fora.

Naruto não a conhecia.

Mas sua voz ficou gravada em sua mente por muito, muito tempo.

Ele se levantou, e voltou para casa. Ele dormiu, inquieto, e acordou, no mesmo horário. Naruto continuou sua vida, porque era o que ele podia fazer. Ele continuou indo para a faculdade, e continuou aprendendo novas receitas, saindo com seus amigos. Naruto continuou como voluntário. Porque era o que ele poderia fazer. Ele precisava ajudar, ao menos uma pessoa, e mostrar que havia mais. Mesmo que não parecesse. Havia mais.

Ele gostaria de saber onde tinha errado. Mas não importava mais.

Naruto tinha que continuar.

— Olá, meu nome é Naruto. O que posso fazer por você?

Se eu soubesse como salvar uma vida.


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