Because I am a Girl escrita por Clarinha96culle


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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O decorrer daquela semana foi esquisito. Não pelo fato de não trocar mais mensagens com Edward, mas sim o comportamento dele. Não sei... Assim, pegarei um exemplo. Jéssica. Antes não dava a menor bola pra ela. Agora, do nada, vivia agarrado na garota. E o pior. Parecia que onde quer que eu fosse ele estava lá com ela. Ou trocando carícias, ou se pegando, ou somente conversando. A garota sempre estava presente no grupinho do cara e não desgrudava do lado dele.

   - Gente, isso não é normal. – Alice disse quando estávamos no nosso lugar de sempre. A sombra da árvore da escola, durante o intervalo.

   - Que foi?

   - Ainda não percebeu?

   - Percebi o que?

   - Edward não tira os olhos de você.

   - Verdade. Já estou ficando agoniada. – Rose concordou.

   - Não, gente. O filho da puta nunca esteve interessado em mim. – disse sentada em um galho da árvore.

   - Amiga, é a verdade. Não é exagero. – Alice disse.

   - Ok. Observarei.

   Durante aqueles dias evitava ter qualquer tipo de contato, até mesmo visual, com o garoto. Durante o restante do intervalo, observei o menino. Como eu tinha toda a visão do pátio e ele sempre ficava a poucos metros de distância de nós, pude correr os olhos pela área. De fato, não mentiam. Jéssica estava junto dele – nenhuma surpresa. O beijava, ria e dava gritinhos quando Edward a assustava. O intrigante era o seguinte: ele alternava olhares entre nós duas. Várias vezes, antes de beijá-la ou abraçá-la, me encarava por um momento. Teve uma hora em que ele a beijou – beijo de cinema, coisa que adorei pra não dizer o contrário. Contudo, ao invés de fechar os olhos, manteve-os abertos, voltados para mim. Mantive minha expressão séria. Não gostei daquela cena nem um pouco.

   - Bella! – Rose me chamou.

   - Que foi, cacete?

   - Você ficou calada. – Alice pontuou.

   - Fiquei, não.

   - Está com ciúmes, é? – Rosalie cruzou os braços.

   - Não!

   - Bellinha, quando vai entender? – convencida, segurou o meu tornozelo e começou a balançá-lo – Pode até mentir pra si mesma, mas nunca conseguirá mentir pra nós duas. Está com ciúmes, sim. Negue o quanto quiser. Afinal, já sabemos a verdade.

   Ao invés de voltar pra casa com as amigas, Alice inventou um compromisso pra ficar mais tempo na escola – e, é claro, ganhar mais privacidade. Já tinha tudo planejado com Rosalie e não voltaria atrás no combinado.

   Encontrou quem procurava sentado com um dos amigos, Tayler.

   - Licença. Edward. – parou na frente deles com cara de poucos amigos – Preciso conversar contigo.

   - Pode ser mais tarde, não? Estou ocupado.

   Impaciente, o pegou pelo braço.

   - Como o assunto provavelmente não tinha nada de importante pode esperar um pouquinho, né? – disse para o outro garoto enquanto rebocava o roqueiro.

   - O que você quer? – indagou mal humorado.

   - Bater um papinho entre amigos. Nada demais. Ah, aqui está bom.

   O soltou no pequeno espaço atrás das escadas.

   - Esse, sim, é lugar para termos uma conversa amigável. – avisou em um tom seco – Que história é essa de chamar a minha amiga de maluca? Perdeu a noção?

   - Que? Garota, pra sua informação, se prestar bastante atenção no comportamento de Isabella, compartilhará da mesma opinião. Até parece que ela não escutou algo do tipo antes.

   - Meu Deus, por favor! – olhou pra cima e juntou as mãos abaixo do queixo – Me dê forças pra não matar esse filho da puta. – encarou-o novamente – Bella nunca foi louca. Ela é a melhor pessoa quem já conheci na vida.

   - Ah, não? Pois é isso o que todos dizem. A garota nem tenta esconder!

   - Ah, é? Meu querido, eu vou contar uma história maravilhosa. É bem divertida, na verdade. Dois anos antes nós duas estudávamos na mesma escola. Tudo ia bem até que começaram a mexer com a minha amiga. Tímida, não rebatia as ofensas. Ela nem ligava. Até que um belo dia, meu imbecil, as coisas mudaram. Sabe como? A chamaram de maluca. Notaram como Isabella se incomodava e aí sim caíram em cima dela. A vida da menina virou um inferno e chegou de uma vez ser perseguida na rua a caminho de casa por todos os garotos da turma. Após um tempo sabe o que aconteceu?

   - O que?

   - Eu cheguei à escola e vi vários alunos amontoados em frente ao banheiro feminino, cantarolando “maluca, maluca. Você é maluca!” Tentei passar por eles e entrar lá, mas... A porta estava trancada do lado de dentro. – a voz da garota foi se tornando mais pesarosa – Sem opções, fui correndo como uma desesperada a diretora e voltei não só com ela, mas também dois inspetores e uma professora. Não havia opção além de arrombá-la. Bella estava – engoliu a seco, fechando os olhos por um momento – deitada no chão em posição fetal, chorando e com as mãos tapando os ouvidos. Um dos inspetores a tirou de lá no colo. Precisou tomar calmantes pra parar de chorar.

   - Por que fizeram isso com ela?

   - Por quê? Pelo mesmo motivo que algumas pessoas daqui a chamam de maluca e outras que pensam que eu e Rosalie temos um caso. Preconceito. Ou talvez pelo simples fato delas se sentirem bem rindo e zombando dos outros. O que é doentio e maldade, na minha humilde opinião.

   - Por que está me contando isso? – murmurou.

   - Na boa, não me entenda mal. Bella é uma garota engraçada, divertida, fofa, amável, carinhosa, educada... Não sei o que veem de diferente nela. É só um pouco excêntrica às vezes. Só estou contando isso pra que pense duas vezes antes de chama-la de louca. Pra deixá-la triste não precisa de muita coisa. Só se referir a ela dessa merda dá jeito.

   - E foi exatamente o que fiz. – encostou a cabeça na parede com o arrependimento crescendo cada vez mais – Sou um filho da puta.

   - O primeiro passo é admitir.

   Edward soltou um sorriso sem um pingo de felicidade.

   - Imaginava todos os tipos de garota. – aquilo chamou a atenção da baixinha, quem passou a observá-lo melhor – Jamais pensei que fosse Isabella. Tocamos em vários assuntos diferentes e... Bem, me ajudou a resolver algumas coisas. Onde já se viu? Ela realmente acredita em amor verdadeiro e final feliz. – falou aquilo não como crítica, mas sim como algo inocente nos dias atuais.

   - Eu sei. Só minha amiga, mesmo.

   Após segundos de silêncio, Alice indagou:

   - Por favor, seja sincero. Sei que nunca nos falamos antes, mas eu e Jasper começamos toda essa história e não gostaria que terminasse com assuntos pendentes. Em algum momento brincou ou algo do tipo nesses últimos quatro meses com a minha amiga?

   - Não. Nunca.

   - Ainda tem um pouco daquele menino quem virou a madrugada com a minha mana trocando mensagens?

   - Eu sou ele, Alice.

   - Sente saudades dela?

   - Sinto, mesmo odiando isso.

   - Então, deixa de putaria e vá falar com ela. Deixe o preconceito de lado e vá até ela!

   - Bella também tem de facilitar a barra pra mim.

   - Como assim?

   - A garota nem me deixa chegar perto. Nunca gostou de mim.

   - Isso por causa do medo.

   - Medo?

   - Sim. Sente medo de se aproximar de alguém como você, popular e descontraído. Prefere ficar a margem, onde não é exposta. Quem mais a humilhava na escola era Jacob, um garoto igualzinho a você.

   - Mas passou por essa merda há dois anos. Ainda não se recuperou?

   - Esqueci de mencionar uma coisinha. Isso durou exatos sete anos. Os resquícios ficam e não há nada que se possa fazer. Eu mesma não tiro a razão dela ter medo nesse ponto. Sabia que durante os cinco primeiros meses aqui eu precisava acalmá-la porque sempre que Isabella escutava risinhos de alunos pensava que eram direcionados a ela?

   - O que exatamente aconteceu no decorrer desse tempo na antiga escola?

   - Não tenho o direito de contar tudo. Só quem pode é Bella. Agora, posso dizer que transformaram a vida dela num verdadeiro inferno dentro daquela escola. E o medo de ser tratada daquela forma novamente ainda continua lá. Eles fizeram um estrago nela, não se esqueça. Tome cuidado quando for conversar com minha maninha.

   - Pode deixar. Não irei magoá-la.

   No dia seguinte, quarta-feira, guardava meus livros no meu armário no corredor da escola quando, pela visão periférica, vi alguém se encostando ao armário ao lado.

   - Bom dia, minha linda. Dormiu bem?

   Vir-me-ei e vi um Edward despojado, encarando-me com um meio sorriso. Vasculhei ao redor e atrás de mim e não encontrei nenhuma menina.

   - Que foi? – indagou pendendo levemente a cabeça para o lado.

   - Nada. É comigo? – apontei pra mim mesma.

   - É, sim.

   - Bom dia, então.

   - Queria me desculpar pelo o ocorrido da semana passada. – murmurou – Não deveria ter sido tão grosseiro contigo, nem tê-la chamado daquela forma.

   Encolhi um pouco os ombros, pegado livro de química.

   - Pensei que tínhamos combinado de esquecer essa história e seguirmos com nossas vidas. – tranquei meu armário e pus a chave no bolso do vestido.

   - É, mas eu não quero. – deu um passo para frente, diminuindo o espaço entre nós – E creio que você também não.

   De alguma forma os olhos dele se tornaram mais intensos e não desviaram dos meus em momento algum. Sentia o quão forte meu coração batia e cheguei a temer que ele o escutasse. Apertei ainda mais o material contra o peito e, quando ia responder, Jéssica apareceu, virou-o e deu-lhe um beijo. Foi um belo tapa na minha cara. Suspirei e murmurei antes de me afastar:

   - Vejo como não quer se esquecer de nada.

   Afastei-me a passos largos, lutando contra o nó formado em minha garganta e a angústia a qual crescia por ter sido burra o suficiente para me envolver emocionalmente com alguém por meio de trocas de mensagens.

   - Bella, espera. – adivinhem quem era?

   - Que merda quer comigo, hein? – indaguei quando ele me alcançou. Não havia muita coisa que eu pudesse fazer. Edward me segurou pelo braço, obrigando-me a parar.

   - Quero continuar conversando contigo como antes. – soltou-me lentamente, escorregando a ponta dos dedos pela minha pele e demorando-se na minha mão Não havia necessidade disso, mesmo eu tendo gostado.

   - Já deixou bem claro a sua opinião sobre mim. Não esperava se deparar com a garota quem acha maluca. Entendi claramente naquele momento como eu me tornei uma merda de um fardo pra você. – tentei ir embora e o garoto segurou meus dedos.

   - Você não é um fardo pra mim. Jamais se refira a si mesma dessa forma. – disse em tom firme.

   - Então o que quer comigo? Ou se cansou da Jéssica e quer brincar com uma carne fresca?

   - Aquela ali? – apontou para trás – Ela não é nada pra mim.

   - Não apareceu. Afinal, além de estarem juntos, são íntimos o suficiente pra garota aparecer do nada e te beijar.

   - Esqueceu-se do que enviei há um tempo? Vou refrescar sua memória. Envolvi-me com várias garotas nos últimos meses porque não estou exatamente bem. Nenhuma delas significou alguma coisa pra mim.

   - Mesmo quando conversava comigo por mensagem? Quer saber de uma coisa? Duvido de tudo isso o que falou. Vai lá. Volta pra Jéssica, a nova namoradinha, e deixe-me em paz. 

   Após cinco segundos analisando a minha expressão, indagou com um brilho brincalhão:

   - Está com ciúmes, é?

   Imediatamente lembrei-me de algo que Rosalie me contou. “Bella, suas reações são muito espontâneas. Mesmo negando você acaba se entregando por causa delas.”

   - Não tenho motivos pra sentir ciúmes, muito menos de você. – mordi o lábio inferior.

   - Ok... Podemos voltar a conversar? Não quero me afastar. Estou vendo uma garota maneira em você e queria continuar de onde paramos. – fez uma pausa – A partir da noite anterior do Shopping.

   Suspirei e respondi:

   - Pensarei no assunto. Por enquanto não posso confirmar nada. Tenho de ir agora, do contrário me atrasarei para a aula.

   Finalmente me afastei. Pude jurar que senti o peso do olhar de Edward em mim até eu subir as escadas.

   Horas mais tarde, ao chegar a casa, estranhei algo. Havia três malas. Franzi o cenho para as bagagens pretas e deixei a mochila no sofá. Minha confusão se desfez ao escutar a gargalhada vinda da cozinha.

   - Ai, não. Agora, não. – pensei em desespero – Por que ela veio tão cedo?

   Controlei minha respiração descompassada e pus uma expressão de felicidade no rosto antes de me encaminhar para a cozinha.

   Chegando ao recinto, encontrei minha mãe, Renée, a irmã dela, Ângela, quem também morava conosco, e Victória, irmã mais velha das três. A maldita visitante. Estavam sentadas na mesa, tomando vinho.

   - Bella, minha filha. – levantou minha mãe assim que me viu – Olhe quem veio passar uns tempos conosco.

   - Tia Victória. – cheguei o mais rápido possível até ela e a abracei. O meu sorriso não poderia ter sido mais falso e forçado – Saudades de você! – separei-me com rapidez.

   - Eu também, minha querida. E a escola? Como vai? – não gostava de segurar as mãos dela, portanto, quando minha tia fez o mínimo movimento para pegá-la, me encaminhei para a geladeira, embora não sentisse sede.

   - Vai bem. Nada mudou. – apanhei um copo e pus água.

   - Nem vem. As notas dela melhoraram. – Ângela avisou.

   - Não disse que tudo melhoraria caso a tirasse daquela maldita escola de dança? Ai, não aguentava mais. Era perda de tempo e dinheiro. – jogou os cabelos ruivos para trás dos ombros com arrogância.

   Enquanto minha mãe era a animada e tia Ângela a boazinha, Victória era... Uma verdadeira megera, maldosa, nojenta, filha de uma puta da pior classe e insuportável. Morava conosco até eu completar quinze anos. Casou-se com Charlie, quem chamo de avô, aos 50 anos. Hoje, em 2015, ela tem 80 anos. O foda é que não aparenta ter essa idade, e sim uns sessenta e poucos.

   Como minha avó morreu no parto da filha mais nova, deixou-as sozinhas no mundo. Victória tinha quase 30 anos na época e teve de cuidar de tia Angel, com 9 anos, e minha mãe recém nascida. Quando minha mãe engravidou de mim, a ruiva acabou tendo que ajudar a me criar e educar enquanto as outras duas trabalhavam.

   E relaxem. Explicarei sobre a dança um pouco mais pra frente.

   Tomei o líquido com tanta rapidez que a minha garganta ficou dolorida. Por causa daquelas palavras minha tia Angel me avaliou. Só ela sabia o quanto o assunto era delicado para mim.

   - E a garota nem dança tão bem assim. Teria sido burrice demais, até pra você, caso seguisse a carreira como bailarina. – a risada saiu com pura maldade.

   Pedi licença e me retirei. Subi correndo as escadas para o meu quarto. Agachei e abri minha última gaveta de roupa. Nos fundos, escondido embaixo de tantas roupas, senti na ponta dos dedos a caixinha branca e redonda. Retirei-a de lá e a abri. Derramei um dos comprimidos em minha mão e levei-o a boca, logo após guardando o remédio. Levantei, caminhei até o banheiro, abri a torneira, abaixei a cabeça e bebi um pouco da água. Com os olhos fechados ergui-me, fechei a torneira e apoiei as mãos na bancada de mármore. Encarei meu reflexo no espelho, tendo a minha primeira lembrança da infância se passando diante de mim, mesmo tendo acontecido há tanto tempo.

   Havia saído do berço. Não conseguia dormir devido às vozes alteradas da sala. Da janela podia ver o céu começar a clarear, tomando uma coloração azul escura. Ao longe os pássaros iniciavam sua cantoria matinal.

   Caminhei sonolenta em direção à escada. Sentei no primeiro degrau e ninguém notou no andar debaixo uma garotinha de quatro anos escutando uma conversa tão inapropriada.

   - Eu disse pra não transar com esse homem! Avisei pra não ter nada com ele. – falava minha tia Victória parada ao lado da porta.

   - Não pude evitar. – minha mãe, aos prantos, tentava secar as lágrimas em vão – Me apaixonei por ele. Eu o amava.

   - Ah, por favor! Paixão? O que a paixão lhe deu em troca? Ficar a droga da noite inteira acordada, cuidando de uma menina que não dorme?! Era isso o que queria?!

   - Entreguei-me a ele por amor, você tem que entender. – suplicou entre soluços.

   - Baboseiras. Olha o que ele fez? Na primeira oportunidade a abandonou, assim como todos os outros homens de juízo fariam! Pulou fora dessa relação sem nem dar motivos ou avisar.

   - Eu...

   - Ah, cala essa boca! – gritou – Namorou esse homem maluco para ter como filha uma maluca também!

      Assustada, voltei para o meu berço.

   Com um suspiro, retornei para o meu quarto. Olhei para o relógio e constatei que eram quase 16h. Dentro de quatro horas, no máximo, o antidepressivo faria efeito.

   Eu estava em uma loja de livraria onde havia vários tipos de história para os apaixonados por livros assim como essa garota quem está lhes relatando essa, alguns quarteirões distantes da escola. Ia para lá sempre que podia para ver os lançamentos e, como já era conhecida pelos vendedores, comprar um novo livro para a minha coleção. Interrompi a leitura da sinopse de Um Perfeito Cavalheiro por uma voz já conhecida.

   - Aposto que é um romance.

   Virei o rosto para Edward, quem estava parado ao meu lado.

   - Como me encontrou aqui?

   - Sua amiga me contou.

   - Qual delas? – me dirigi à pequena fila de pagamento.

   - Alice. – seguiu meus passos e parou atrás de mim.

   - Não duvido.

   - Pensou na minha proposta? – notei que ele estava mais próximo que o necessário e me incomodou um pouco.

   Apenas respondi depois de pagar pelo livro e sairmos de lá.

   - Ainda estou analisando a situação.

   - Precisa de tanto tempo assim?

   Antes de entrar na loja de conveniência para comprar um suco, olhei-o com um sorrisinho no rosto.

   - Pelo visto paciência não é o seu forte.

   - Acertou.

   A loja era relativamente grande. Era composta pelo caixa, prateleiras com os produtos e cinco geladeiras, as quais as bebidas para consumo imediato gelavam.

   - E aí? Como vai ser? – quis saber enquanto abria a geladeira e pegava um suco, já no fundo daquele espaço.

   Assim que abri a boca para rebater vi uma cabeleira ruiva passando a duas prateleiras em frente. Como a cabeça estava baixa, não me viu. Acho.

   - Merda! – murmurei – Tenho que sair daqui!

   - O que? Por quê?

   - Não posso explicar. Por favor, acoberta! – mantive o meu tom de voz baixo.

   - Tem de me perdoar, mas... – afastou os braços, os quais estavam dentro do casaco preto, do corpo – Não posso.

   - Como assim?! – indaguei desesperada.

   - Só quem faz isso, minha querida, são os amigos. E, bem, como você ainda não decidiu se quer ou não voltar a conversar comigo novamente...

   Juro, eu quase matei aquela criatura! Adivinhem o que Edward fez. Deu as costas e foi saindo! Sim, senhoras e senhores! O desgraçado me deixou lá, quase tendo um ataque cardíaco e foi indo embora, como se nada tivesse acontecido!

   - Ok, ok. – o puxei pelo braço – Somos amigos de infância! Satisfeito?

   Notei que Victoria havia parado quase que na nossa frente. Sem dúvida escutou minha voz.

   - Me ajuda. – mexi minha boca.

   - Está se escondendo de quem?

   Apontei para a cabeleira ruiva, a qual caminhava mais rápido. Estou ferrada!

   Edward retirou o casaco preto rapidamente e o pôs em mim, subindo o capuz. Em seguida não sei direito o que aconteceu. Só sei que ele ergueu a cabeça, olhou para o espaço atrás de mim e me beijou. É. Fui beijada. Assim, do nada. Como não esperava, encolhi os ombros ao sentir as mãos dele contornando a minha cintura e nos virando. Os dedos percorreram com leveza a lateral de meu corpo até tocar no capuz e ajeitá-lo em mim, escondendo melhor o meu rosto.

   Não vou mentir. Foi muito bom beijá-lo. Os lábios dele se moldaram ao meu perfeitamente e a textura era tão macia. Assim que a boca de Edward tocou a minha senti minhas pernas amolecerem e frio na barriga. Nunca pensei que Edward causaria esses efeitos em mim, contudo, a quem eu poderia enganar? Sim, gostava daquele garoto e não tenho idéia de quando comecei a me envolver com ele dessa forma. Achava que iria ser apenas amizade. Pois é. Errei feio!

   Lentamente o beijo foi diminuindo até que, por fim, ele me deu apenas um selinho antes de se afastar.

   - Desculpa. – disse com a voz embargada.

   - Por quê? – pendi a cabeça para o lado, confusa.

   - Vi aquela mulher ruiva e não vi outra maneira de ajudar, além de beijar você.

   Ah, e outra coisa que não avisei a vocês. Sempre quebro a cara e me fodo nos relacionamentos amorosos. Tenho dedo podre pra homem, como perceberam.

   Pus a melhor expressão vazia no rosto que pude.

   - Ah, claro. Valeu.

   Saí de lá o mais rápido possível, não sem antes deixar o suco no caixa. Retirei o meu celular do bolso da calça jeans, coloquei uma música coreana, Because I am a Girl, aumentando o volume o máximo e o guardei. Lutava contra as lágrimas. Não queria chorar por causa de Edward, muito menos do que aconteceu na loja de conveniência por uns segundos, mas estava sendo difícil. Bem difícil. O escutei gritando o meu nome e fingi não ter ouvido. Apressei o passo e ele me chamou novamente. Virei meu corpo com certa hostilidade e engoli a vontade de abrir o berreiro.

   - Por que não pagou o suco? – diminuiu a distancia entre nós correndo e entregou-me a latinha.

   - Não queria mais. Quase esqueci.

   Retirei o casaco e, com o capuz pendurado na ponta dos meus dedos, disse:

   - Isso é seu.

   - Qual o problema? Aconteceu alguma coisa? – estranhando minhas reações, indagou o apanhando.

   - Nada. – suavizei os traços faciais e sorri docemente – Não aconteceu nada.

   - Sei... Falamo-nos mais tarde?

   - Claro. Tchau.

   Após alguns passos o escutei:

   - Não vai querer isto?

   Simplesmente peguei meus fones de ouvido e os coloquei.

   Demorou poucos minutos para eu entrar em casa. Antes de subir para o quarto, avisei as minhas tias que havia chegado. Larguei minha bolsa no chão e joguei-me na cama. Peguei meu aparelho telefônico e comecei a ler as mensagens trocadas com Edward.

   De: Simon

   Para: Paynne

   Você é uma menina especial, sabia?

   De: Paynne

   Para: Simon

   Por quê? Eu sou só... Eu. Somente uma garota comum, com defeitos e qualidades.

   De: Simon

   Para: Paynne

   Você é especial, sim. Poucas são as pessoas que continuam sendo quem são. Mesmo com outras as humilhando, assim como aconteceu contigo na antiga escola.

   Dei um sorriso fraco, percebendo como aquela situação combinava com a canção coreana que escutava. Essa é a primeira vez. Você é especial. Acreditei nessas palavras, era a minha felicidade.

   Arrastei o dedo na tela e outra parte chamou minha atenção.

   De: Simon

   Para: Paynne

   Bem que poderíamos tentar um algo a mais pra ver o que rola entre nós, não é? Se não quiser, tudo bem. Respeito sua opinião.

   Pois é, meu povo. A situação havia chegado a esse ponto. Lembro desse momento como se tivesse sido hoje. Estava jantando com a minha família – é, desde que comecei a conversar com Chuchu... Quero dizer, Edward, ia com o celular pra todos os lugares imagináveis e estava sempre tocando sms com ele – quando recebi esse texto. Na mesma hora várias emoções tomaram conta de mim: alegria, desespero, ansiedade, esperança... E o foda é que, como elas não estavam cientes daquela história, não pude deixar isso transparecer.

   De: Paynne

   Para: Simon

   Quem sabe...

   De Simon

   Para: Paynne

   Isso significa um sim? Não me entenda mal, mas, como temos tantas coisas em comum, pensei que poderíamos tentar alguma coisa. No decorrer desse tempo vi em você uma menina legal e até diferente das outras quem conheci, e isso em vários aspectos. E, como temos similaridades, achei que teríamos a chance de ter algo entre nós. Aceita?

   De: Paynne

   Para: Simon

   Aceito, sim. Só não quero que você brinque comigo ou então qualquer outra parada assim. Não estou nem um pouco afim de me foder de novo em questões de relacionamento.

   De: Simon

   Para: Paynne

   Não se preocupe com isso, minha linda. Sou muito franco com as pessoas.

   Depois dessa conversa senti-me ainda mais próxima dele. Não sei se é loucura demais na minha cabeça, mas os temas de nossos assuntos se aprofundaram. Discutíamos sobre nossos familiares, medos, angústias e segredos. Inclusive foi nessa época quando descobri que Edward queria ser cantor. Não vou mentir, a voz dele cantando é linda. Uma vez – após muita insistência de minha parte – o garoto me enviou uma mensagem de voz, cantando I Don’t Want to Miss a Thing. Simplesmente adorei. Obviamente o elogiei bastante. Às vezes, quando ficávamos sem assunto, simplesmente colocávamos um filme e íamos comentando pro outro como era. Aqueles meses foram excelentes. Pena que terminaram de uma forma ruim.

   Ao sentir o meu celular vibrando um frio invadiu minha barriga. Antes de ver a nova mensagem, sabia quem era.

   De: Simon

   Para: Paynne

   Minha linda, está tudo bem? Você estava estranha quando foi embora.

   Suspirei e me obriguei a apagá-la. Uma pequena parte de mim queria ver o final daquele rolo. Contudo, a outra queria se afastar para não me machucar, emocionalmente falando. Dessa vez preferi escutar a razão. Esse tempo todo eu venho escolhendo pela emoção e somente me fodi. Seria melhor variar, pelo menos.

  

   No decorrer das duas semanas seguintes aconteceu o que sempre acontecia quando minha tia Victória ia passar um tempo lá em casa: cheguei atrasada nas aulas e me enchia de cafeína pra me manter acordada. Rose e Alice não sabiam exatamente o motivo do meu estado. Apenas contei há uns anos, após uma conversa bem longa, que não gostava da minha tia e que a mesma me causava muitos problemas. Não me aprofundei no assunto e elas não me pressionaram a relevar mais nada além disso. Nesse período, como sempre, as duas ficavam mais próximas de mim e aceitavam de prontidão quando eu pedia pra passar o dia na casa delas ou algo do tipo.

   Na sexta-feira eu acabei indo parar na sala da diretora. Chamara-me, sem dúvida, por causa dos meus atrasos.

   - Senhorita Swan. Bom dia. – Leah não desviou os olhos da papelada quando entrei – Acomode-se, por favor. – indicou uma das cadeiras a sua frente.

   - Bom dia. – apreensiva, sentei nela.

   Após segundos de silêncio perturbador – pelo menos para mim, porque sempre achava que tinha feito alguma merda quando me envolvia em situações como aquela – a mulher depositou as folhas na mesa, retirou os óculos meia-lua e encarou-me.

   - Sabe o que eu estava analisando?

   Sem fala, balancei a cabeça em sinal negativo.

   - São os horários que você tem chegado à escola. Ontem entrou na sala de aula com quase três horas de atraso e foi pega dormindo em duas aulas. E isso não é comum para uma aluna tão dedicada e esforçada como você. Por acaso sua tia está morando contigo?

   - Sim, senhora.

   Imediatamente as feições dela tornaram-se duras e inexpressivas. A diretora era a única quem sabia sobre meus problemas familiares – pelo menos tinha uma pequena noção. Uma vez, no meu primeiro ano lá, ela chamou minha mãe para conversar sobre o meu baixo rendimento em algumas matérias. O problema é que ao invés dela aparecer, quem surgiu foi minha tia. É claro, imediatamente a cor fugiu do meu rosto. Após conversarem, Victória me pegou pelo braço, jogou-me contra a parede em um acesso de raiva e me bateu no rosto. A diretora a expulsou da escola – dei graças a Deus por ninguém ter presenciado aquilo, já que fora no horário de aula – e me ajudou. Afinal, eu estava em estado de choque. Levantou-me do chão, colocou-me sentada e saiu da sala, voltando poucos minutos depois com um chá de camomila nas mãos. Não lhe contei o que rolava, mas ela já tinha visto uma parte.

   - Escute-me. Eu não vou entregar essas queixas para sua mãe, nem pra ninguém. Sem dúvida, com aquela mulher na sua casa, não precisa de mais problemas. – rasgou os papéis e os jogou na lixeira.

   - Obrigada, diretora. – sorri de leve.

   - Pode ir.

   Levantei e sai da sala.

   Na segunda-feira, em torno de umas 20:00 horas, o remédio começava a fazer efeito. Portanto, como de costume, estava sentado na minha cama, segurando a fotografia do meu avô, Charlie.

   - Por que morreu, vovô? Por quê? Sinto tanta saudade de conversar contigo. Era o único quem me protegia, sabia? – murmurei para o vento, vendo a foto. Ele me dava um beijo na bochecha e eu retribuía com um imenso sorriso. Era nova na época.

   Charlie não era exatamente meu avô. Era marido de Victória, mas, como não conhecia meu avô paterno e o materno já havia morrido sem antes de eu nascer, o chamava de vovô por ser a pessoa mais velha quem conhecia. Ela odiava que eu o chamasse assim, porém ele deixava.

   Brincava perto dele enquanto meu avô preparava o churrasco pro almoço. Como sempre, tia Victória me repreendia, dizendo pra não me sujar. Bem, pra qualquer criança de seis anos de idade, esse era um grande desafio.

   Nesse dia não me sujei. Não houve nem um pontinho de lama na minha roupa. Acabei fazendo outra coisa. Derrubei algumas carnes ainda cruas da bandeja.

   - Garota retardada! – gritou minha tia parada na entrada do quintal e veio em minha direção – Olha o que você fez! – segurou meu braço e prosseguiu, dando fortes sacudidas – Mandei não aprontar nada e olha, derrubou tudo no chão! Isso é caro, sabia? – empurrou-me.

   - Não fale assim com ela, Victória. – vovô veio ao meu socorro e enlacei meus bracinhos na perna dele – Eu quem derrubou as carnes.

   - Não tente protegê-la, seu idiota! Vi tudo muito bem. Sempre soube que era retardada, mas não tanto.

   Assustada, saí correndo. Escutei a voz do meu avô me chamando e ignorei. Entrei no meu quarto, bati a porta e subi na cama com as primeiras lágrimas molhando o meu rosto.

   Logo escutei alguém batendo na porta.

   - Quem é? – solucei.

   - Sou eu, minha querida. – disse ele – Deixe-me entrar.

   Abri e voltei ao meu lugar.

   - Não fica assim. – senti o colchão cedendo ao peso dele ao sentar-se.

   Cruzei as pernas na posição de lótus.

   - Não dá, vovô. Ela sempre briga comigo e diz coisas ruins. O que é uma pessoa retardada?

   Charlie respondeu, secando meus olhos com cuidado.

   - Significa uma pessoa atrasada. – simplificou pra uma menina tão novinha entender.

   - Eu sou assim? – murmurei.

   - Não, anjinha. – adorava quando ele me chamava assim – Você não é assim. Olha, não preste atenção em tudo o que Victória disser não, tá?

   - Tá, vozinho. – concordei cabisbaixa.

  - Ah, não. Assim, não! Cadê aquele sorriso lindo que tanto combina com esse rostinho maravilhoso?

   Sorri levemente. Não satisfeito, colocou-me deitada e fez tantas cócegas na minha barriga que chorei de tanto rir.

   - Ai, vovô!

   Rindo junto comigo estendeu-me a mão.

   - Vamos descer pra almoçar?

   - Tá! – segurei-a.

    Antes de irmos pra cozinha se agachou ficando da minha altura.

   - Que acha de mais tarde irmos àquela sorveteria que você tanto gosta?

   - Mesmo, vovô? – a minha empolgação logo se esvaiu ao me lembrar da Victória – Mas minha tia não vai gostar. Ela não quer que eu coma doces.

   - E ela precisa saber?

   No meio da tarde, nesse dia, tomávamos sorvete de chocolate.

 

   - Isabella, desce aqui! – escutei minha mãe.

   - Já vou. – coloquei a foto no lugar e fui pro andar debaixo.

   Cheguei à cozinha, onde todas se acomodavam nas cadeiras, menos minha tia Ângela, quem abria a geladeira e depositava uma jarra de suco na mesa.

   - O que faz vestida assim? – Victória examinou meu pijama com repugnância.

   - Estou com sono. Não planejava jantar essa noite. – soltei o cabelo do coque frouxo, tentando ficar com uma aparência melhor.

   - Como não? Você faz falta, minha linda. – tia Angel beijou o topo da minha cabeça com carinho enquanto eu me acomodava na cadeira.

   - Tenta comer pelo menos um pouquinho. Não é saudável ir para a cama só com o almoço da escola no estômago. – alertou minha mãe servindo um copo de bebida para nós.

   - Quem disse? Olha o tamanho dessa garota, Renée. Seria até bom ela não comer nada hoje. – Victória rebateu.

   Esse seria um longo jantar...

   Como sempre, Victória não aliviou nada. Apenas falava sobre situações negativas e constrangedoras em relação a mim. Querem exemplos? Ok. Só alerto, não vão gostar.

   - Essa menina vai virar mendiga quando nós morrermos. Já viram aquele quarto dela? É completamente desarrumado!

   Olhei para o relógio. 20:30 horas.

   — Não demorará muito. Já, já poderei subir. – pensei.

   - Isabella, você ainda não entendeu, né? Não é pra comer tanta carne! Já está gorda como uma porca! Ou tenho de lembrar a crítica de sua professora de ballet? “Sua sobrinha está gorda demais para continuar nessa academia de dança”?

   21:00 horas. Não saía uma única palavra de minha boca.

   - Não veem os livros que essa menina lê? Perda de tempo. Coisa pra maluco, só lê besteira.

   21:18 horas.

   Nesse momento me mantinha estática no meu lugar. Havia somente uma única movimentação em meu corpo. Por baixo da mesa, de forma discreta, levantei meu short e arranhava a pele da minha cocha com a unha com o intuito de me focar na dor física e não na emocional.

   21:54 horas.

   - Ah, Ângela, pare de defendê-la! Ainda não entendeu que essa menina não diz coisa com coisa? Ela não será nada na vida, isso já provou há muito tempo. É uma otária, boba. Nunca vai mudar.

   22:13 horas.

   - Minha querida irmã, eu garanto. Bem ou mal criei vocês duas e mais Isabella. Nunca vi uma criança como essa daí. Pelo amor de Deus, além de não dormir, não parava quieta! Desde pequena dava sinais de retardo ou alguma outra coisa. Já avisei, deixou um maluco comer o seu rabo e teve essa daí como resultado.

   22:30 horas.

   Concentrava-me na dor na minha pele. Sim, eu sentia a região em carne viva e os dedos úmidos de sangue. Não se comparava ao esforço para prender o choro.

   22:39 horas.

   - Está tarde. – alertei a elas – Amanhã precisarei acordar cedo por causa da escola.

   - Sim, linda. Pode ir dormir.

   Minha mãe não precisou repetir. Praticamente pulei da cadeira e corri até meu quarto. Abri minha gaveta trêmula, peguei mais um comprimido e o engoli a seco. Ao todo ingeri dois. Nunca fazia isso, já que o efeito era forte. Contudo, a situação era extrema e necessitava ser resolvida da mesma maneira. Não demorou para o sono me dominar.

  

   Edward estava preocupado. Esperou até o horário de almoço para procurar por Bella na sexta-feira. Não a encontrou em lugar nenhum na escola. Em seu íntimo algo lhe avisava que ela não estava bem e esse pressentimento era uma merda. Incomodado, nem ao menos tocou direito na comida da bandeja. Remexeu-se desconfortável na cadeira quando o colega ao lado, Tyler, fizera uma piada e todos riram. Não estava de bom humor e a cada hora a inquietação aumentava. Por fim, ao ver os cabelos loiros e outros espetados, levantou-se e correu até elas.

   Não era somente o sentimento ruim, mas também o fato de Isabella jamais ter faltado aulas antes. Uma vez viu um aluno carregando o corpo da garota nos braços porque, segundo os rumores, a menina não queria sair da sala, mesmo com uma cólica dos infernos. Por fim, foi levada para casa. Isso é claro, após ter desmaiado.

   - Preciso falar com vocês. – avisou ao acomodar-se na frente delas na mesa.

   - Que foi? – indagou Rosalie dando uma mordida na maçã.

   - Por que Bella não veio hoje?

   - Aí não sabemos. – respondeu Alice e notou apreensão vinda das duas ao tocar nesse assunto – Tentamos ligar pra ela, ela não atende.

   - Merda. Ela nunca falta, porra! – acabou falando mais alto que deveria e notou olhos curiosos voltados para eles. O que menos queria no momento era uma plateia.

   - Por que acha que estamos preocupadas também? – a baixinha pegou o celular e tentou fazer uma ligação. Após sete tentativas, guardou-o no bolso.

   - Deixe-me tentar. – arrisquei.

   - Mesmo querendo, Bella não vai atendê-lo. – Rose disparou.

   - E porque não? – Edward levou o aparelho à orelha e teve vontade de quebrá-lo quando a quinta chamada caía na caixa postal.

   - Merda! – vociferou entre dentes.

   Rosalie, quem avaliava o comportamento do outro atentamente, indagou com a maçã na palma da mão:

   - Está preocupado mesmo com ela, né?

   - É tão óbvio?

   Torcendo o lábio em um sorriso, trocou um olhar com a amiga e pediu:

   - Me dá isso aqui.

   - O que?

   - O celular.

   - Pra que?

   - Estou só tentando ajudar. Dá logo!

   A contra gosto, entregou-o e viu os dedos tocarem rapidamente na tela.

   - Prontinho. – devolveu-o.

   Havia um endereço escrito em uma caixa de mensagem.

   - Que diabo vou fazer com isso?

   - Esse, caro gênio, é o endereço da casa de Bella. – respondeu Alice com os olhinhos brilhando.

   Demorei a acordar. Senti meu corpo todo dolorido e não entendi o motivo. Lutei para manter meus olhos abertos, pois estavam extremamente pesados. O sono ainda me dominava e precisei de todas as minhas forças para despertar. Sentei e peguei o celular, o qual colocava para carregar toda a noite ao lado da cama. Marcava exatos 13:24 horas.

   - Merda! Perdi a escola. – murmurei a caminho do banheiro.

   Tropecei em meus próprios pés no caminho. Arrependi-me de ter tomado dois comprimidos. Embora não precisasse mais, os consumia sempre que minha tia estava por aqui. Aos 10 anos entrei em depressão porque o tempo que passava dentro de casa era um inferno. Só escutava reclamações, insultos e várias coisas do gênero. O que pudesse fazer para passar mais tempo na rua do que dentro de casa eu fazia. Nas férias então era uma desgraça. Os alunos costumam reclamar com a volta das aulas. Eu praticamente contava os dias para voltar a estudar.

   Saí do banheiro cerca de quarenta minutos depois um pouco mais desperta com um short preto – escondia a parte machucada da cocha –, blusa branca e cabelos soltos e molhados. Ainda estava meio sonolenta. Só não tinha ideia de que iria acordar de maneira tão abrupta.

   Quando menos esperei, alguém agarrou meu braço, fincando as longas unhas em minha pele desnuda.

   - Por que está aqui, garota? – minha tia quase gritava.

   - Passei mal e não pude acordar. – respondi não surpresa com a atitude dela e tentei me afastar em vão – Me solte!

   - Quem você pensa que é pra falar comigo nesse tom? Aliás, caso tenha se esquecido, fui eu quem a criou. Deveria ter mais respeito.

   - Está me machucando! – balançava o braço e não obtinha nenhum resultado – Me deixa em paz, droga!

   Sem aviso, simplesmente me empurrou até eu bater com força na parede.

   - Garota burra, maluca! Sua família a ajuda e você só nos traz problemas! – gritava enfurecida a centímetros do meu rosto.

   - Me deixa em paz, Victória!

   Edward estava parado na soleira da porta de onde a garota morava. Apertava a campainha pela quinta vez e ninguém apareceu. A cada segundo ficava ainda mais nervoso. Seu pressentimento se concretizou ao escutar os gritos.

   - Que merda é essa? – murmurou ao olhar pra cima.

   - Pára porra! Deixa-me em paz! Saia daqui! – distinguiu a voz de Bella.

   - Retardada! Volte aqui!

   Em seguida escutou alguma coisa, ou melhor, alguém caindo, junto com outros objetos.

   Não pensou nos atos, era apenas instinto. Abriu a porta – deu graças a Deus por não estar trancada – e subiu as escadas correndo. Seguiu as vozes com passos largos e parou aonde elas vinham. Tentou abri-la, mas estava trancada. A forçou com o ombro e, sem obter êxito, se afastou e chutou-a com toda a força com a perna direita. Imediatamente o tranco estourou e entrou no quarto. A cena era, no mínimo, perturbadora.

   Isabella, caída no chão e aos prantos e trêmula, e uma mulher ruiva em cima dela, segurando-a pelos braços e insultando-a.

   Arrancou a estranha de cima da jovem com um empurrão, quem caiu há dois metros de distância.

   - Edward? – ofegante, indagou apoiando-se no chão e tirando os cabelos do rosto – O que...

   Abaixou-se e lhe secou os olhos.

   - O que está acontecendo? Quem é ela? – ajudou-a a levantar.

   Não pôde ter a resposta. Uma voz estridente interrompeu-os.

   - Quem diabos é você?

   Viram Victória, com o dobro da raiva, erguendo-se com dificuldade.

   - Por favor, me tire daqui. – a menina suplicou.

   - Venha comigo.

   Segurou a mão dela e ambos começaram a correr. Antes de descerem as escadas, a mulher agarrou a blusa do garoto.

   - O namoradinho veio salvá-la, é?

   - Para a sua informação, sim.

   Com um safanão afastou a mão dela e desceu as escadas com a menina e saíram de lá.

   - Ai, pára, pára. – a dor na minha cocha não me deixava prosseguir.

   Saímos da minha casa correndo e não olhamos pra trás em momento algum.

   - Que foi?

   - Pra onde está me levando?

   - Pra a minha casa. Lá poderemos conversar melhor.

   Fui de prontidão. Nem fodendo me aproximaria da minha tia.

   Trinta minutos mais tarde sentei no sofá da sala dele.

   - Como sabia onde eu estava?

   - Suas amigas me deram o endereço. Não foi exatamente difícil encontrar. – esparramou-se ao meu lado – Agora – virou o pescoço para mim – pode explicar que inferno era aquele? E quem diabos era a psicopata?

   Como não cheguei a nenhuma resposta após pensar em uma boa história ou desculpa, suspirei profundamente dizendo a coisa mais idiota que eu poderia.

   - Nada. Não foi nada. – cruzei os braços.

   - Ah, por favor. Pare de mentir. Você tem faltado às aulas, chegado atrasada e o caralho a quatro. Alguma merda está acontecendo contigo e é das grandes.

   - Desculpe. Não quero tocar nesse assunto.

   Arrependi-me de ter levantado a perna para apoiá-la no divã. Encolhi-me com um gemido de dor.

   - O que houve com a sua perna?

   Fitei os olhos inquisidores e ávidos por um retorno calada.

   - Nada.

   Ele fechou os olhos por uns momentos, como se para lembrar-se de que precisava ser paciente, e, ao abri-los, as íris eram mais intensas.

   - Vamos combinar o seguinte. Você não mente e eu não a julgarei ao esclarecer a situação para mim. Então, por favor, pode ser sincera comigo e consigo mesma? – sussurrou calmo.

   Depois de se passar em torno de uns cinco minutos em completo – e agonizante – silencio, reverei:

   - Aquela era minha tia Victória. Sempre foi assim.

   - Caso se refira a ser uma louca psicopata, foi o que percebi ao resgatá-la da sua própria casa. Agora... – fez um sinal com o dedo – Que houve com a sua perna?

   - Arranhei sem querer. – era parcialmente verdade.

   - Posso ver?

   Não sei o motivo, mas, além de me sentir vulnerável perante o interrogatório e revelações, Edward também me transmitia certa segurança.

   Baixei a cabeça e ergui com cuidado o meu short, o qual era um pouco largo nos membros inferiores. O ferimento em carne viva com cerca de cinco centímetros surgiu, agora mais avermelhado ainda e amarelado ao redor.

   - Que porra foi essa? – franziu o cenho ao ver.

   - É uma longa história.

   - Já volto. – levantou e se afastou.

   - Aonde vai?

   - Pegar um remédio pra passar em você e tomar uma dose de álcool. – respondeu já em outro cômodo – Algo me diz que não gostarei nem um pouco dessa história.

   Voltou com uma água oxigenada nas mãos, gaze e um vidrinho escuro. Acomodou-se.

   - Coloque a perna aqui. – afastou-se, deixando um pequeno espaço livre.

   Acatei o pedido. Sem aviso, envolveu minha cintura com uma mão e deu um puxão, o qual acabei arfando pela surpresa. Nossos corpos estavam mais próximos que o necessário e me perdi na imensidão daquela cor cinzenta nos olhos dele.

   - Conte o que houve. – não deixei de notar a rouquidão ao concentrar a atenção no potinho com água oxigenada.

   - Ontem estava jantando com minhas tias e minha mãe.

   - Incluindo a maníaca? – encolhi-me de dor enquanto Edward cuidava da região – Desculpe.

   - Sim, Victória. Ela não gostou quando apareci com meu pijama. Se notaram que eu estava sonolenta, não demonstraram. Victória começou a... Bem, ser ela mesma.

   - Como assim?

   Peguei uma almofada ao meu lado e me abracei a ela.

   - Disse coisas ruins sobre mim, as quais eu escutei por toda a minha vida. – apoiei o queixo e senti a maciez dela.

   - Como o que?

   Um nó se formou em minha garganta e não consegui segurar o choro. As lágrimas desceram sem permissão.

   - Disse que sou maluca, retardada.

   Imediatamente, por causa do tom da minha voz beirando ao desespero, ele ergueu a cabeça. Pus a mão na boca para abafar os soluços. Não vi o rosto dele nitidamente porque as lágrimas não permitiam.

   - Venha aqui, querida.

   Aconcheguei-me nos braços dele e me mantive ali até o choro cessar. A todo o momento dizia palavras doces pra mim e beijava meus cabelos.

   - Está tudo bem. Eu estou aqui com você. Está tudo bem. – repetia acariciando meus ombros e consolando-me.

   Não sei quanto tempo passou para meu corpo parar de tremer e o choro cessar.

   - Melhor? – afagava carinhosamente minha nuca.

   Acenei em afirmativo.

   - Só não entendi uma coisa.

   - O que?

   - Você não é de dormir cedo, sem contar as madrugadas em que viramos conversando por mensagens. Como podia estar sonolenta as oito da noite?

   Encolhi os ombros.

   - Lembra no dia quando contei que entrei em depressão, por volta dos treze anos? – insegura, mexia na caminha de algodão dele.

   - Sim.

   - Então... O motivo era Victória. Como resultado, vovô levou-me ao psiquiatra. O doutor indicou um antidepressivo. Quando o tomava, em poucas horas sentia um sono bem forte. Como minha tia se mudou com meu avô, melhorei com certa rapidez. Depois de uns meses não precisava tomá-lo, mas...

   - Como aquela desgraçada vem passar um tempo com vocês, você arranjou uma forma de pedir por esse remédio e tomá-lo para evitar escutar tanta merda? – a voz era mais fria.

   - É.

   - Como hoje foi um dia de grandes emoções – afastou-me com delicadeza de seu peito, o mínimo para fazer contato visual – que acha – passou os dedos suavemente no meu rosto, retirando a marca das lágrimas – de relaxar e assistirmos a um filme?

   - Estou disposta a uma maratona de filmes de comédia.

   - Ao melhor estilo Debi e Loide 2 e Cada um Tem a Irmã Gêmea que Merece?

   - É. – sorri.

   Passamos a tarde toda zoando, contando piadas e rindo com os vídeos. Preparamos brigadeiro de panela e depois pedimos por uma pizza pelo telefone. Consegui esquecer meus problemas – acho que esse era o objetivo de Edward. O convenci a ligar o computador e colocar Piranhaconda pra assistir pela internet.

   - Que merda de filme! – reclamou rindo.

   - Alice tinha razão quando disse que era ruim, mas não pensei que fosse tanto. – virei de barriga pra cima no sofá gargalhando.

   - Até o sangue eles inovaram nisso! Onde já se viu? A merda da piranhaconda mata a pessoa e sai uma névoa de sangue! Sangue não vira névoa, cacete!

   Aquilo só serviu pra eu rir ainda mais.

   - Precisamos dar uma aula de biologia pra quem fez esse filme.

   - Pior, precisamos ensinar a como se fazer um filme, porque a coisa aí está difícil, Bella!

   - Puta que pariu. O foda é que tem razão.

   Quase caí de cara no chão olhar pro computador. Como não tenho senso de tempo, não o vi passando. O problema? Simples. Já eram quase DEZ HORAS DA NOITE!!!! Estou fodida!

   - Fodeu de vez! – disse.

   - Que foi? – encarou-se espantado, sentando-se no sofá, assim como eu.

   - Está tarde pra caralho! Ninguém sabe onde estou! – só agora a criatura aqui se lembrou desse pequenino detalhe – Vão me matar quando chegar em casa.

   - Relaxa. Não vai acontecer nada. Vem. Eu a levo.

   Passamos os próximos minutos dentro do Volvo, o carro de Edward. Apreensiva, olhava para a paisagem do lado de fora da janela e imaginava como o pessoal estaria quando entrasse.

   - Relaxa. – segurou a minha mão, a qual balançava de tanto nervoso.

   - Bem que quero, né? – minha voz saiu aguda – Pode me deixar aqui? – vi que faltavam poucos metros para acercar.

   - Por quê?

   - Não quero correr o risco de você presenciar alguma cena.

   - Entendi.

   Parou o veículo há uns cinco metros de distância. Antes de eu poder me mexer, ele aproximou o corpo do meu repentinamente. Minha respiração acelerou e só após cinco segundos entendi o motivo da atitude. Retirou o cinto de mim. Contudo, mesmo livre do cinto de segurança, permaneceu naquela posição.

   - Até que você não é tão ruim assim. – sorri com timidez e ele retribuiu – Mentiu pra mim quando não sabia quem eu era?

   - Não. Nunca menti.

   O silencio tomou conta do ambiente. Mesmo assim, não nos afastamos um centímetro sequer. Era quase torturante não tocá-lo.

   - Posso fazer uma coisa? – murmurou com a voz rouca, olhando para os meus lábios.

   - Sim.

   Ele encostou os lábios nos meus e os moveu com lentidão e cuidado. Queria aprofundar o contato, porém não dei passagem. Por fim, desviou a atenção para o meu pescoço, onde deu leves beijinhos, os quais foram subindo até chegar ao meu ouvido.

   - Separe os lábios para mim. – pediu e acatei ao pedido.

   Ali, dentro daquele carro, Edward me beijou. Dessa vez não havia desculpas ou qualquer outra coisa.

   Quando estava caminhando em direção a minha casa, ele me chamou do carro.

   - Que foi? – debrucei-me na janela.

   - Olha, amanhã vou com minha família e amigos mais próximos para a praia. Talvez esteja muito em cima pra chamá-la, mas gostaria demais que fosse. Principalmente porque não quero que passe o dia com Victória.

   - Valeu, mas não. Não conheço ninguém e não quero atrapalhar.

   - Conhece a mim e Jasper estará por lá. Alice provavelmente já falou um pouco dele e o garoto está doido pra conhecê-la. Enche a porra do meu saco pra isso. – argumentou.

   - Tem certeza? – mordi o lábio inferior.

   - É claro. Não haverá problema algum.

   - Ainda hoje envio a resposta. Minha barra está preta em casa e não sei se vão me liberar pra sair tão cedo.

   - Ok. Estou torcendo pra que vá. Será a melhor companhia de lá pra mim.

   Sorri.

   - Tchau. – despedi-me.

   Ao passar pela porta senti um calafrio na espinha. As três estavam na sala em uma discussão fervorosa e viraram a cabeça assim que a porta bateu.

   - Pelo amor de Deus, onde você estava? – minha mãe praticamente correu para me abraçar.

   - Estava com um amigo.

   - Aquele delinquente é seu amigo? Avisei que precisava vigiar essa garota, Renée. Ele me empurrou chão!

   - Acho que Bella tem um bom motivo pra ele ter feito isso, certo? – Ângela levantou do sofá e pôs as mãos no bolso traseiro.

   Estranhei o comportamento da minha tia. Jamais diria algo assim caso eu desaparecesse por umas horas, nem mesmo usaria o tom ameno e os traços faciais tão calmos.

   - Fez aquilo porque... – parei e olhei para Angel, quem acenou para que eu prosseguisse – Porque Victoria estava em cima de mim a ponto de me bater.

   - Tenho certeza de que não foi por mal. – Renée disse – Não era motivo pra você ir embora sem avisar, minha filha!

   - No lugar dela, eu sairia correndo sem explicar nada e só voltaria bem depois. – a morena disse.

   - Está defendendo ela? – indagou Victoria com aspereza.

   - Sim. Problema?

   - Só pode estar brincando comigo.

   - Pior que não. Minha sobrinha tomou a decisão propícia. Ou acham certo ela ficar sozinha com quem quase a espanca? Por favor, né? – parecia meu avô naquele momento, já que ele era o único quem me defendia – Bella, se quiser, pode subir para o seu quarto. Não haverá castigos nem nada.

   - Como é que é? – o grito estridente só poderia ter vindo de Victoria – Essa menina ficará impune? Só podem estar brincando comigo.

   - Interprete assim, então.

   - Renée, ela é sua filha! Faça alguma coisa!

   - Querida, você quer subir? – minha tia interrompeu minha mãe, quem começara a me dar uma bronca.

   - Sem dúvida.

   - Pois vá.

   Não preciso dizer que saí de lá correndo, né?

   Naquela tarde Ângela obrigou-se a vasculhar todas as suas lembranças em que Victoria e Bella estavam presentes e a vê-las com uma nova perspectiva. Os insultos, insinuações maldosas... Sempre foram frequentes e, assim como a irmã, escolhia não dar a devida importância. Preferiam ver aquilo como uma forma encontrada pela mais velha para educar a menina. Portanto, achava que os choros eram um exagero e que, caso fosse motivada ou acolhida, seria incentivada a permanecer naquele estado tendo como finalidade chamar a atenção.

   Lembrou-se da última conversa com Charlie antes dele falecer.

 

   - Vai dar tudo certo, Charlie. – agachada, acariciava o braço masculino, o qual emagrecera nos meses anteriores – Você vai melhorar.

   - É o que espero. – odiava vê-lo com aqueles aparelhos médicos – Só queria que me prometesse uma coisa, caso eu não volte dessa cirurgia.

   Veio reclamando de frequentes dores de cabeça, porém não foi se diagnosticar com um médico. Infelizmente, em um dia que não pôde suportar a dor, desmaiou. Foi levado as pressas para o hospital e lá descobriu o câncer maligno, o qual atingiu um tamanho considerável sem o tratamento devido. Como ficava em uma região complicada para operações, os médicos não deram muitas esperanças.

   - Não fale assim. Você vai melhorar. – prendeu o choro.

   - Eu sei, querida, mas a vida me ensinou a ser realista. – remexeu-se na cama, em uma tentativa inútil de encontrar uma posição mais confortável – Agora, como o pior pode acontecer, por favor, prometa que cuidará de Bella.

   - Mas eu sempre fiz isso. – pestanejou em sinal de confusão.

   - Estou falando em relação a Victoria. A menina fica muito mal por causa da mulher e é quase impossível mantê-la afastada dos insultos dela.

   - Minha irmã nunca...

   - Deixa de ser cega! – esbravejou – Victoria não é mãe de vocês. É só uma irmã mais velha e jamais deveria exercer autoridade em vocês! Ok , as criou, mas não deveriam deixá-la mandar nas suas vidas e ser tão autoritária e possessiva! – respirou fundo e prosseguiu – Isabella sempre se afetou muito com o que escuta dentro de casa. Não duvido nada que isto tenha contribuído para a depressão. Nunca notou que não a deixo sozinha com a tia ou que sempre a levo para sair?

   - Pensei que quisesse passar mais tempo com ela, já que apenas a vê na época em que vocês ficam lá em casa.

   - Não. É porque perdi a conta de quantas vezes a menina se calava, retraía ou chorava por causa da tia. Por favor, prometa que, caso eu não volte dessa cirurgia, cuidará dela e jamais a deixará sozinha com Victoria.

 

   — Quem é? – perguntei quando bateram em minha porta.

   - Sou eu.

   Levantei da cama, já vestindo um pijama, e abri a porta. Tia Angel entrou e encostou-a.

   - Queria conversar um pouco contigo. – sentou no colchão – O que exatamente aconteceu hoje?

   - Bem... – subi nele e cruzei as pernas – Não fui à escola porque passei mal. Acordei com cólicas fortes – menti porque não podia contar sobre os antidepressivos – e acabei voltei a dormir para não sentir dor. Acordei de tarde e, ao voltar do banho, encontrei minha tia no quarto. Começou a brigar comigo e a chamar de maluca como sempre. Até que, por fim, tentei sair e ela não deixou. Caí no chão e subiu em cima de mim, gritando cheia de raiva. Estava quase batendo em mim.

   Após segundos de silêncio, disse:

   - Olhe... Não vou deixá-la sozinha novamente, ta? Assim, não com Victoria.

   - Valeu, tia. A propósito... Queria pedir uma coisa. – a insegurança tomou conta de mim.

   - O que?

   - É melhor começar pelo começo.

   Contei sobre a história com Edward e de como começamos a nos relacionar. Não me interrompeu em momento algum.

   - Sabia que havia algo de diferente em você!

   - Hã?

   - Minha querida, você levava aquele celular pra todos os lugares possíveis e imagináveis! Achava que estava conversando com alguém diferente, até porque seu olhar, às vezes, caso reparassem, mudava. Então... Qual é o pedido?

   - Bem, ele me convidou pra ir amanhã com os familiares a praia. Disse que não queria me deixar aqui o dia todo por causa de Victoria.

   - Suponho que a ajudou hoje, certo?

   - Sim.

   - Nesse caso... Tem carta branca pra sair.

   - Sério? – meu sorriso logo se desfez – Victoria vai fazer um inferno quando souber.

   - Não há problema. Ela não precisa saber.

   Quando minha tia saiu peguei o meu celular e deitei-me.

   Para: Edward

   Consegui! Poderei ir amanhã contigo! *--*

   A resposta veio em dez segundos.

   De: Edward

   Para: Bella

   Que bom! Passarei cedo, por volta das 10:00 horas para buscá-la.

   De: Bella

   Para: Edward

   Maravilha! Estarei pronta, pode deixar! Bjs!

   Sábado amanheceu com um céu limpo e Sol. Abri um largo sorriso ao abrir a janela. Tomei banho e pus um short jeans, uma blusa leve e sandálias rasteirinhas. Deixei meus cabelos soltos, os quais desciam até o meio das costas. O biquíni coral estava por debaixo da roupa. Assim que meu celular vibrou, anunciando uma mensagem nova de Edward avisando sua chegada, recolhi minha bolsinha – no interior já havia separado um protetor solar, canga, dinheiro, óculos escuros e chinelo – e desci.

   - Onde você vai? – indagou minha mãe sentada no sofá ao ver-me

   - Vou à praia com um amigo. Minha tia não avisou?

   - Avisei, sim. – Angel apareceu com uma xícara de café nas mãos – Pode ir, querida.

   Saí aliviada e me dirigi ao Volvo prata, estacionado em frente a minha casa. Abri a porta e, antes de entrar, bati com o tornozelo em algum lugar do carro. Outra coisa que eu talvez não tenha dito. Sou desastrada. Vou colocar assim: em minha residência sempre houve uma escada, a qual dá para o segundo andar onde fica meu quarto. Toda semana caio ou escorrego daquela merda.

   - Tão cedo e já está de porre? – observou Edward com humor – Que feio.

   Prendi a vontade de dar língua.

   Não demorou muito para chegarmos a casa dele.

   - Por que viemos aqui? – indaguei confusa enquanto ele desligava o motor.

   - Ajudar meus pais. Eles me pediram pra voltar e ajudá-los com os equipamentos pra praia.

   Saí do carro e bati a porta.

   - Quantas pessoas vão, exatamente?

   O acompanhei por uns segundos, subimos uma pequena rampa e escutei o som do portão automático fechando a garagem.

   - Algumas. – sorriu para mim quando parou em uma porta – Vai conhecer parte do meu povo hoje.

   - Só espero que gostem de mim. – senti nervosismo e balancei as mãos tentando dispersá-lo.

   Seguimos por um estreito corredor até entrarmos em uma ampla e bem cuidada cozinha.

   - Chegamos. – avisou com um grito.

   Um menino magro, pálido, com cabelos loiros e leoninos e usando somente uma bermuda jeans apareceu. Não deveria ter mais de quatorze anos. Ao ver-me, parou e indagou ao outro:

   - É a sua garota? – um sorriso travesso surgia nos lábios.

   - Que garota? – indaguei, confusa.

   - A garota de quem meu filho sempre fala. – disse uma mulher mais velha e cabelos ruivos, vindo atrás do garoto e carregando uma bolsa.

   Desconfiada, me virei para Edward com uma sobrancelha erguida.

   - É mesmo?

   - Só comentei de você umas duas, no máximo vezes. – encabulado, evitou contato visual comigo.

   O mais novo sentou-se em um banco alto e debruçou-se na mesa pegando uma maçã.

   - Três vezes ao dia, né? – mordeu a maçã.

   - Não está ajudando. – Edward encarava-o.

   - Eu sei. – abriu um sorriso maior, ainda mastigando – Pode contar comigo pra tudo.

   - Bom dia, minha querida. – a mulher ruiva abraçou-me com carinho – Sou Esme, mãe desses dois.

   - Oi, prazer. Sou Bella. – respondi com timidez.

   - Ah, então é ela de quem tanto falava, Ed? – notei certo humor.

   - Vocês não me ajudam. – balançou a cabeça descrente.

   - Nunca. – o garoto afirmou.

   - Essa coisa fofa aqui – aproximou-se dele.

   O mais novo, desesperado, arregalou os olhos e pôs as mãos em frente ao corpo.

   - Não, mãe. Isso, não. A... – fez bico quando Esme apertou as duas bochechas – A bochecha não.

   - Esse aqui é Jasper, nosso caçula. – beijou-lhe o topo da cabeça.

   - Só me prometa uma coisa. – conseguiu afastar-se – Não faça isso na praia. Imagina, um corpão como esse, – apontou para o próprio peito – uma peça rara dessa ficar sendo apertada na bochecha? Ao invés da mulherada correr pra cima de mim, vai fugir. E minha moral? Onde vai parar?

   Só me restou rir daquela cena.

   A viagem durou menos de uma hora. E, no mínimo, foi divertida. Carlisle, pai de Edward, chegou em casa minutos antes de sairmos porque atendia a um paciente de última hora. Fomos no carro dele e nós, os mais novos, no banco de trás. Jasper implicava com o irmão sempre que podia e perdi a conta de quantas vezes ri dos dois se zoando.

   - Nossa! – exclamei ao pôr os pés na areia e nos encaminharmos a uma mesa pra nos acomodarmos.

   A praia não estava lotada. Algumas pessoas estavam deitadas na canga posta na areia, a qual era clara e bem fina, com a finalidade de se bronzearem, pois o Sol estava bem forte. Crianças brincavam na parte rasa da água, a qual quando entrei mais tarde descobri que podia ver meus pés dentro dela e às vezes uns peixinhos nadavam no fundo. Ao todo, uma bela paisagem.

   - É lindo, mesmo. – Edward, ao meu lado, retirou a camisa, revelando um peitoral de dar inveja a qualquer homem.

   - E como, meu querido. – espero que ele não tenha entendido o duplo sentido.

   Só não babei porque Esme pediu ajuda para levar as coisas.

   Nos acomodamos em uma mesa na areia. Precisamos puxar mais cadeiras, pois, segundo Carlisle, o irmão mais velho viria.

   - Conseguiu falar com Emmett? – indagou a mãe, descansando os óculos na parte de cima do biquíni.

   - Está a caminho. – respondeu Edward retirando a bermuda e ficando com uma sunga preta.

   - Ele vem com a nova namorada, né? – Jasper passava protetor solar pelos braços. Não deixei de notar a empolgação.

   - Vem.

   - Isso! – o sorriso extremamente largo deixou-me curiosa.

   Antes que eu pudesse perguntar, Carlisle advertiu:

   - Nada de brincar de Marco Pólo, muito menos de mergulhar e nadar entre as pernas dela.

   - Poxa... – o menino até desanimou.

   - Desculpe me intrometer, mas fiquei curiosa. Como assim?

   - Esse aqui – explicou Edward – é terrível quando o assunto é mulher. Como todas as namoradas de Emmett são...

   - Lindas, gostosas e burras. – completou o mais novo e desviou com destreza de um tapa na nuca – É verdade!

   - Voltando... Jas se aproveita um pouco.

   - Como se aproveita?

   - Uma vez – a mulher relaxou na cadeira – uma das namoradas do meu filho foi jantar conosco. Tudo ia bem até que ela chegou. Não entendia o motivo de Jasper sempre a acompanhar para todos os lugares, até que vi um espelho no tênis. A garota estava de vestido.

   - Na verdade – murmurou ao meu ouvido – ela estava sem nada por baixo do vestido.

   - Bons tempos... – sussurrou pra si mesmo olhando pra cima com um sorriso de satisfação – Saudades de usar aquele espelho.

   Cinco minutos Carlisle recebeu uma ligação e se retirou. Logo depois voltou, trazendo consigo um homem. Não deveria ter mais de vinte e sete anos. Era alto, com ar de brincalhão e forte. Bem musculoso. Ao lado dele, vinha uma morena de corpo escultural.

   - Eu chego e nem recebo um abraço da minha própria família? – tinha um meio sorriso no rosto.

   - Esse garoto não muda. – Esme levantou e o abraçou carinhosamente.

   - Oi, mãe. – separou-se – Deixe-me apresentar. Essa é Zafrina.

   Enquanto as duas conheciam, o mais novo falou para mim:

   - Eu estava certo ou não?

   Como não soube o que responder, fiz uma careta.

   - E que rostinho novo é esse? – indagou curioso a me ver.

   - Essa é Bella, minha amiga. – respondeu Edward abraçando-o.

   - Amiga, Edzinho? – encarou-o com as sobrancelhas arqueadas.

   - Sabe que odeio quando me chama assim.

   - E você sabe que só o chamo assim quando mente pra mim. – deu um beliscão na bochecha dele – Prazer. Sou Emmett, irmão mais velho desse cabeçudo.

   - Esqueceu-se de mim assim tão rápido ursão? – Jasper levantou da mesa.

   - Como eu poderia esquecer quem encheu a porra do meu cabelo de cola e farinha de trigo no meu aniversário de quinze anos? – pegou-o no colo e jogou-o pra cima. O menino gargalhava.

   - Demorou uma semana pra Emm se livrar daquilo. – Edward riu.

   - E você, querido irmão do meio, ainda quebrou dois ovos na minha cabeça. – o colocou no chão.

   - O amor é lindo! – ironizei.

   - Nessa família, então! É um amor forte, né? Bonito! – Emmett fez um bico e expressão desolada – Meu cabelo nunca mais foi o mesmo, poxa.

   - Pensa pelo lado positivo. Foi divertido!

   - Eu que o diga!

   Não demorou a entrarmos na água. Eu, como sempre, enrolada demais, me embolei com minhas coisas e precisei pegar meu protetor, o qual caiu na areia. Tirei o excesso e espalhei-o nos braços e na pele exposta. Jasper e Edward foram na frente e o casal esperava por mim. Por ser tímida, não puxei conversa com a menina. Ela parecia ser meio retraída e... Não me leve a mal, mas... Sabe quando o santo não bate? Foi o que aconteceu. Já o namorado era o contrário. Todo o momento contava uma piada e brincava comigo. Parecia ser legal. Não só por isso, mas também porque tinha um ar despreocupado e travesso, o qual me contagiou. Era fácil conversar com ele.

   Enquanto nos encaminhávamos para a água, Emmett deixou-me intrigada.

   - Você é diferente das outras garotas. Deve ter sido o motivo de Edward trazê-la pra cá.

   Encarei-o com curiosidade.

   - Como assim?

   - Ele nunca apresentou alguma garota pros nossos pais. Algumas, é claro, conhecia, mas nunca chegou ao ponto dele chamar alguém pra passar a tarde conosco.

   - Não, não. – senti a quentura em meu rosto, sinal de que enrubescia – Entendeu tudo errado. Ele só está me ajudando. Tenho uns problemas e ele apenas me convidou pra não ficar pensando neles.

   Olhando pra baixo, indagou:

   - Aquela parada das mensagens que Jasper me contou. É verdade? Vem conversando com Ed há tanto tempo e por tantas horas?

   - É.

   - Agora pergunto. Tem certeza que não tem um motivo a mais dele tê-la chamado pra cá?

   Aquilo martelou na minha cabeça durante o resto do dia. Ok , nos beijamos na noite anterior, mas, pra ele, pode não ter significado nada. Tenho 18 anos e ainda sou a garota quem adora romance e deseja viver um romance maravilhoso. Namorado só tive um e não terminou de uma maneira boa. Agora, com ele a história é outra... Eu fiquei meio vulnerável enquanto conversávamos por mensagens. Assim... Chegamos a conversar sobre sexo e ele me contou como foi a primeira vez dele e tal. Talvez eu tenha me precipitado quando o assunto seguiu por esse caminho e tenha causado uma má impressão.

   Enfim... Lembra quando comentei que o santo não havia batido com a Zafrina? Pois é... Vadia de primeira categoria. De início pensei que fosse coisa da minha cabeça e que não a conhecia direito. Minha opinião mudou completamente em menos de quinze minutos. A garota lançava olhares maliciosos para Edward e tinha atos que somente outra garota perceberia – como encostar a perna na dele por “acidente” e demorar ao tocá-lo. Em certo momento não suportei. Vou deixar mais claro.

   Todos nós estávamos sentados na mesa, na seguinte organização: Esme, Carlisle, Jasper, eu, Edward, Zafrina e Emmett. Levávamos uma conversa leve e divertida. É claro, observava os movimentos da put, quero dizer, Zafrina, meticulosamente. Não perdia nada, o que chega a ser intrigante, porque a minha percepção não era exatamente boa e sou meio... Assim... Tapada. Teve uma hora em que notei que a mulher apoiara a mão no vão entre a sua cadeira e a de Edward. Tudo bem, até aí sem problema. Aí vi uma mudança quase imperceptível. Deslizara os dedos para a coxa dele. O garoto se retraiu – gostei muito, não vou mentir – e agiu como se não a sentisse. Depois, moveu-a de novo, em direção ao...

   - Eitaaaaa! – imediatamente agarrei o pulso dela e minha exclamação chamou a atenção de todos – Minha fofa – abri um sorriso amarelo em direção a Zafrina – Pode ir comigo comprar um sorvete?

   - Claro. – havia um toque de irritação na voz.

   - Mais alguém quer?

   - Traz três de chocolate e cinco de morango. – pediu Emmett – O que vocês vão querer?

   - Certíssimo.

   - Nada disso. Não deixarei meu filho mais velho morrer com excesso de glicose no sangue. – recusou-se Esme com veemência.

   - Nem sempre é bom ter uma mãe enfermeira. – murmurou Jas.

   - Aqui. – Carlisle estendeu uma nota de dinheiro – Traga sete de chocolate.

   - Pra mim? – os olhos de Emmett até brilharam.

   - Para todos nós, meu querido. – Esme respondeu.

   - Poxa... – encolheu-se na cadeira – Ainda tinha esperanças.

   - Não precisa, tio. Tenho dinheiro aqui. – avisei.

   - Nada, disso.

   - Mas...

   - Aceite, Bella. É o mínimo que podemos fazer por você ter aceitado passar uma tarde como essa conosco.

   - Que verdade seja dita, foi ainda melhor com a sua presença. – completou a esposa com carinho.

   Envergonhada, aceitei o dinheiro enquanto agradecia.

   No caminho, comecei a puxar conversa:

   - Emm é um cara maneiro.

   - É.

   - De certa forma é uma sortuda por tê-lo ao seu lado. Até porque não é qualquer uma quem teria um relacionamento sério com ele. É claro, se parar e avaliá-lo, perceberá como é legal, porém... Você tem uma mente aberta e isso é excelente.

   - Como assim?

   Sorri internamente. Mordeu a isca.

   - Não me leve a mal, mas... Não sei se tenho o direito de contar. – abaixei a voz como se estivesse sem graça.

   - Não tem problema. Pode dizer.

   Chegamos à uma barraquinha e pedi os doces. Respirei fundo, pus o melhor tom dramático que pude – ser fã de novela mexicana dá nisso – e assumi uma postura séria.

   - Emmett está tentando se afastar de suas verdadeiras tendências.

   - E quais seriam?

   - Deixe-me explicar melhor. Edward é gay. – joguei na lata.

   - Mentira, menina... – os olhos quase saltaram das órbitas.

   - Juro. É gay. É como nós duas. Gosta de pauzinho, e não bucetinha.

   - Tem certeza?

   - Absoluta.

   - Aquele homem maravilhoso é gay... Quem diria.

   - Não é, menina? É triste, mesmo. – até eu me surpreendi com a minha cara de pau!

   - Só não entendi como Emm se encaixa nessa história.

   Respirei profundamente antes de prosseguir.

   - Porque os dois tiveram um caso há alguns anos.

   Juro que por um segundo pensei que a outra iria desmaiar, porque a cor literalmente sumiu do rosto dela.

   - Como é que é?!

   - Sim. Os dois tiveram um caso.

   - Vem cá. Chegaram a...

   Fez um gesto na mão. Não saquei o que queria me transmitir.

   - Que é isso?

   - Eles... Fizeram... Você sabe...

   - Se eles se comeram? É claro que sim! Gozaram e tudo! Acredita que a cama ficou meio lambuzada?

   Nessa hora apareceram duas pessoas sabe-se lá de onde e pararam completamente chocadas por escutarem isso naquela hora do dia.

   - E aí disse pra eles pararem com essas práticas porque Papai do Céu não gosta. – tentei disfarças. Não deu muito certo, né?

   Prefiro acreditar que eles se afastaram tão rápido de nós duas porque estavam com pressa.

   - Agora sei por que Emmett gosta tanto de Glee e não perdia um único episódio... Quase chorou quando terminou.

   Deve ter interpretado a minha tentativa de prender o riso com uma expressão de pena ou algo do tipo, porque sussurrou:

    - Ai, Belinha... O que faço agora? Tudo em que a minha ideia era de ter um caso com Edward enquanto estou com Emm...

   As palavras “puta varrida” gritavam em minha mente.

   - Mas, depois dessa descoberta, não seria conveniente se eu ficasse com qualquer um dos dois. Por favor, tenho uma reputação a zelar. Não importa agora quanto dinheiro a família Cullen tenha...

   - Desculpe, como disse? – eu esperava que houvesse água de mar no meu ouvido e, por esse motivo, não tenha escutado direito.

   - Sim. Eles têm dinheiro pra esbanjar. – sorriu cínica e convencida – Acha mesmo que eu iria namorar um pobretão, quem não tivesse status e nem um nome de importância?

   Cinco segundos se passaram antes de conseguir esboçar qualquer reação após as palavras tão frias e mesquinhas.

   - Sinceramente? Termine tudo. – respondi.

   — Um homem tão legal como aquele não precisa de uma vadia frívola como você. – completei mentalmente.

   — Tem razão. Não há nada a perder.

   Após voltarmos entreguei os picolés pra cada um e sentar, Zafrina chamou Emmett. O namorado, coitado, foi com um sorriso no rosto. Durante o tempo em que permaneceram afastados, longe dos olhares curiosos dos familiares, não pude impedir que meus pensamentos viajassem e escutasse repetidamente as palavras daquela mulher. Não negarei, ouvir algo tão mesquinho e baixo foi de um forte impacto para mim. Sim, eu tenho plena convicção de como essas coisas são comuns no século 21 e sempre estiveram presentes na cultura e na sociedade, porém... É triste ver essas situações. E o pior. Quem sofre e se machuca, é justamente a pessoa quem não merecia.

   Apenas retornei para a realidade quando o outro se sentou, ou melhor, desabou na cadeira.

   - Não posso acreditar. – parecia atordoado.

   - O que aconteceu? – até Esme notou que havia algo de errado.

   - E cadê a sua namorada? – o irmão mais novo tomava um refrigerante após terminar o picolé.

   - Zafrina me deu um fora e foi embora.

   - O que?! – nem preciso frisar que Jas praticamente cuspiu o líquido da boca antes.

   - Como assim? Ela pelo menos deu algum motivo? – Carlisle tentava entender.

   - Sim, e foi a explicação mais ilógica e louca que já ouvi em toda a minha vida.

   - Qual? Emmett, né por nada não, mas não se deixa ir uma gata como aquela assim tão fácil.

   - Se soubesse Jas...

   — Como, Bella?

   - Nada. – falei o mais rápido que pude e minha atenção voltou completamente para a água que havia comprado. Pus o canudo imediatamente na boca, com a desculpa de que não poderia pronunciar nada nos próximos instantes.

   - Respondendo sua pergunta, pai, ela disse que eu era gay.

   - Como é?! – Esme arregalou os olhos enquanto os dois filhos tinham um ataque de risos.

   - Dá pra acreditar?

   - Bem que a gente duvidava um pouco da sua masculinidade, maninho. – Edward comentou com certa dificuldade em meio às risadas.

   - Pois é, Edzinho. Se eu fosse você, não riria tanto.

   - E o que pode ser pior do que sua namorada dizer que você é gay?

   Levantou com um sorriso triunfal no rosto, se deslocou até a cadeira do outro e completou, debruçando-se e abraçando os ombros dele.

   - Ela dizer que durante anos tive um caso com você, Edzinho.

   Na mesma hora o rosto de Edward paralisou e isso só serviu para eu rir e Jasper ficar sem ar. Emmett segurou as bochechas dele, virou-lhe a cabeça e disse:

   - Agora vem cá e dê um beijo bem molhado e gostoso no seu ursão favorito, meu amor.

   - Está amarrado, homem! – pulou da cadeira, impedindo qualquer movimento do outro.

   - Senta, filho. Deixe-o em paz. – pediu a mãe.

   Com autoridade, Carlisle mandou.

   - E pare agora de infernizar seu irmão. – as feições mudaram aos poucos e assumiu uma postura completamente descontraída – Até porque foi um choque descobrir que meus filhos tiveram um caso.

   De onde essa família saiu? A pergunta martelou na minha cabeça até o momento de irmos embora dali.

   Antes de irmos, enquanto juntávamos nossos pertences para irmos, Edward me pediu:

   - Me passa a garrafa de água?

   Enrolada – normal se perceberam – entreguei o primeiro objeto em forma cilíndrica que senti na mão. Só houve um problema. Não vi o que era.

   Inicialmente achei falta de educação da parte de Edward cuspir o líquido daquela forma. Qual é, fiz um favor! Deveria, no mínimo, agradecer. Um segundo depois, notei que a cor a qual saiu do líquido não era transparente, e sim avermelhada. Olhei pra baixo e... Entreguei uma garrafa de pimenta que Esme havia pedido!

   - Ai, meu Deus! – desesperei-me – Cospe fora!

   Ele saiu correndo em direção à água de praia e eu fui junto, toda destrambelhada e tentando equilibrar a garrafinha de água aberta na minha mão. Agachei-me ao seu lado.

   - Pelo amor de Deus, cospe isso! – eu dava tapas nas costas dele, incentivando-o a respirar e derramei água na boca dele, quase afogando o coitado. – Ai, meu Jesus amado – juntei minhas mãos na frente do meu corpo e implorei – Por favor, não deixe esse homem morrer! Eu me confundi. Tecnicamente não tive culpa. Sabe como sou atrapalhada. Não me deixa morrer sozinha e sem ninguém na rua da amargura. Esse daqui foi o melhor que me apareceu. E uma coisa muito importante, não é gay. É heterossexual! Gosta de mulher. Por favor, não o deixe morrer!

   - Estou melhor. – conseguiu dizer ofegante.

   - Quer mais água? – estendi prontamente.

   Quando se acalmou e a cor vermelha do rosto saiu, indagou:

   - O que quis dizer com “não me deixe sozinha e na rua da amargura”?

   - Hã? Prestou atenção no que eu disse?

   - Em cada palavra. Embora minha garganta estivesse pegando fogo, minha audição estava em perfeitas condições.

   - Ah, não foi nada.

   Ai, meu santo Cristo... Como vou sair dessa?

   - Bella? Tem alguma coisa pra me falar?

   - Eu me senti culpada, poxa. Você quase teve um treco por culpa minha. – fiz bico.

   - Não quer me dizer a verdade, né? Está bem.

   Não me pergunte como, mas do nada eu estava deitada na arei e ele me fazendo cosquinha.

   - Pára, Edward. – supliquei entre as risadas.

   - Só quando contar a verdade. – acredita que o infeliz estava com um sorriso?!

   - Ok, ok. O motivo é porque é meu amigo.

   Parou alguns segundos para eu respirar. Quando eu ia tentar levantar, ele se sentou na minha cintura com as pernas abertas me prendendo.

   - O que foi?

   - Tem certeza que sou somente um amigo?

   - E não é?

   - Não gostei desse patamar que me colocou, sabia?

   Começou à se abaixar lentamente sem desgrudar os olhos cinza dos meus.

   - E por que não?

   - Sou mesmo só um amigo, Bella? – as mãos encostaram-se às minhas, entrelaçando-as.

   - É, né?

   Ainda segurando as minhas mãos, tocou o meu peito, do lado onde meu coração.

   - Um simples amigo não seria o causador de o seu coração bater tão rápido e forte com essa inocente proximidade.

   - Então... Hipoteticamente, se você me visse de outra forma e não somente como uma amiga... O que faria nesse momento?

   - Bem... Eu diminuiria o espaço entre nós desse jeito – chegou tão perto de mim que pude sentir sua respiração contra minha pele – daria beijos no seu pescoço – espalhou alguns beijinhos em mim, fazendo-me arfar duas vezes – e então...

   Antes dos lábios dele encontrarem com os meus – juro, gente, não faltava nem mesmo um centímetro – uma voz conhecia soou ao nosso lado.

   - Eu deveria ganhar um salário trabalhando como cupido.

   - Jasper!

   O garoto estava deitado na areia com as mãos apoiando o queixo e um sorriso no rosto.

   - Que faz aqui? – Edward indagou.

   - Mamãe achou preocupante o fato de vocês dois terem saído correndo e pediu pra trazê-los pra lá, porque já estamos indo pra casa.

   - Bem que podia esperar mais uns segundos, né? – nos levantamos.

   - E perder a oportunidade de ser o irmão caçula chato? Jamais.

   Uma semana mais tarde, eu e Edward nos tornamos namorados. E sim, concordo com vocês. Já estava mais do que na hora. E olha... Não vou mentir. Foi uma experiência maravilhosa pra mim. Apaixonei-me por aquele homem não sei como e ainda me proporcionou momentos inesquecíveis. Protegia-me, era carinhoso, sempre conversava comigo e estava ao meu lado quando eu precisava. E não, não era um príncipe de contos de fadas. Tinha seus defeitos. Como, por exemplo, a teimosia, ciúme – o qual graças a Deus chegou à conclusão de que era melhor controlar – e a forte raiva que sentia com situações que o desagradavam. Não era um príncipe. Simplesmente me amava, e eu retribuía o sentimento.

   Numa tarde, quando passava o dia na casa dele, indagou:

   - Amor, você fez aula de dança? – acariciava meus cabelos. Eu estava com ele no sofá, apoiada em seu peito.

   - Por quê?

   - Encontrei um DVD interessante no seu quarto.

   - E qual seria? – não queria dar continuidade àquele assunto.

   - Um em que você aparece dançando. Aparentemente, está mais nova lá.

   - Não é nada de demais. É passado.

   - Se é passado porque já a encontrei dançando na sua varanda?

   - Quando foi isso? – indaguei desesperada levantando.

   - Semana passada. E estava tão linda dançando.

   - Não sou muito boa. Na verdade, é melhor isso continuar no passado. Não quero lembrar nada. – cruzei os braços.

   - Então tem uma história, hein? – envolveu meus ombros com o braço.

   - Por que insiste tanto nisso? Não há motivos.

   - Quero entender porque largou algo que era sua paixão.

   - Qual o motivo que o leva a crer que eu gostava tanto disso?

   - Meu amor, eu não vi simplesmente movimentos crus naquelas coreografias. Tinha sentimento envolvido. E aquele seu solo... Foi maravilhoso.

   - O jazz. Aquela coreografia significou muito pra mim. – abri um sorriso triste.

   - Então por que parou com essas atividades?

   - Minha tia.

   - Cada vez que sei mais sobre ela, menos gosto da mulher. – sussurrou.

   - Infernizou tanto à mim e as irmãs dela que não tivemos outra alternativa.

   - Isso a deixou mal, né?

   - Não faz ideia. Minha vida na escola era uma merda e só tinha problemas dentro de casa. O único lugar onde podia “respirar”, por assim dizer, me foi negado. É claro que não daria certo.

   - Como assim?

   Respirei fundo antes de responder.

   - Foi aí que tive minha primeira tentativa de suicídio.

   - Como é?!

   - Exato. Graças ao que eu escutava constantemente, havia me convencido de que as coisas seriam melhores se minha mãe tivesse sofrido um aborto espontâneo. Não achava que era importante e que atrapalhava a vida de minha família. Não foi uma época exatamente boa de minha vida. E prefiro manter no passado.

   - Em primeiro lugar, nunca pense que não é importante e nem nada disso. Você é uma mulher maravilhosa e me arrependo de ter esperado tanto tempo pra conhecê-la. E em segundo lugar, parte do passado pode voltar. A parte feliz.

   - Como assim?

   - Não gostaria de voltar a dançar?

   — Até mais. – pensei.

   — Mais como?

   - Falei em voz alta, né?

   - Sim.

   - Merda. Quando era mais nova, meu sonho era abrir uma academia de dança e dar aulas. Especializar-me-ia primeiro, obviamente, em uma faculdade de artes.

   - Há possibilidade de dar continuidade ao seu desejo.

   - Não posso. Já abri mão disso há muito tempo.

   - Ah, é? Já que desistiu da forma como está falando, dança pra mim.

   - Como é? – franzi o cenho e o encarei.

   - Exatamente o que ouviu. Queria vê-la dançando.

   - Não dá. Estou sem preparação nenhuma e não danço há anos.

   - Então está na hora de desenferrujar. E aqui tem espaço o suficiente.

   Levou mais de meia hora, por fim Edward venceu. Disse que se eu não dançasse, não iria me mostrar uma coisa. Curiosidade é meu calcanhar de Aquiles, né?

   E dancei. A última coreografia que apresentei num palco foi a um tempo considerável, mas parecia que eu nunca tinha parado com as minhas aulas. A música foi Gravity e... Bem, eu senti tanta saudade daquilo que, no meio da coreografia, comecei a chorar. As lágrimas vieram e não pararam. Sentia-me viva, liberta. Provavelmente transmiti aquele misto de coisas que brotavam dentro de mim com uma força e intensidade absurda para os meus movimentos e é justamente isso o que faz a pessoa dançar bem. A emoção estar associada com a movimentação. Precisa haver expressão corporal porque é justamente o que dá beleza. Sem esquecer a limpeza dos passos e a técnica.

   Ao terminar Edward abriu um grande sorriso e batia palmas freneticamente.

   - Onde estava com a cabeça quando parou de dançar, mulher?! É magnífica!

   - Não tive outra escolha. – sequei meu rosto com as costas da mão – Se estivesse no meu lugar naquela época, entenderia.

   - Volta a fazer aulas, meu amor. Não se pode desperdiçar um talento desses.

   - Pensarei no assunto. Agora... O que tinha para me mostrar?

   - Venha comigo.

   Segurou minha mão e nos encaminhamos até chegar à um piano. Sentou em frente ao belo instrumento e começou a tocar. E... Bem, o talento era nato.

   Só... Bem, não gostei muito do que veio em seguida.

  - Fiz uma audição pra escola de música de Cleveland, Ohio. E... Bem, recebi uma carta dizendo que passei.

   Não, gente. Eu não sou egoísta. Posso ser ciumenta pra caralho e fazer o possível pra domar esse demônio do ciúme que tenta possuir o meu corpo de vez em quando, só... Poxa, pessoal, é ruim. Sim, eu fiquei bem feliz por ele estar focado no futuro e na carreira. Agora, por outro lado... Poxa, justo no momento em que encontro um garoto direitinho, o amo e vejo que o sentimento é recíproco, em pouco tempo descubro que Edward precisará viajar pra Ohio e passar alguns dias anos por lá.

   - ALICEEEEEEEEE!!!!!!!!! – gritei com toda a força e pulmão que Deus me deu.

   - E lá se vai mais um rolo de papel higiênico. – Rose disse ao me entregar um último pedacinho.

   Obviamente, duas horas mais tarde, eu estava no quarto de Lice agarrada no ursinho de pelúcia favorito e compartilhando com elas uma caixa de sorvete já pela metade.

   - Bella, me conte. – a baixinha se acomodou na minha frente – Como recebeu essa notícia?

   - Tentei disfarçar, mas creio não ter saído como planejei.

   - Explique melhor.

   - Abri os braços para abraçá-lo. Aí, do nada, congelei. – levei mais uma colherada do sorvete na boca – Sabe quando a informação demora pra ser processada no seu cérebro? Foi exatamente assim comigo. Fiz uma careta, não me pergunte qual porque quero descobrir até agora qual foi, e indaguei: Ohio?

   Peguei o último pedacinho de papel higiênico, assuei meu nariz e o joguei na sacolinha de plástico. Rose a improvisou de última hora ao lado da cama para fazê-la de lixeira. Dica de pobre aí, minha gente! Vamos aproveitar.

   - Ed respondeu: sim. Eu: é meio longe, né? Ed: sim.

   - E aí?

   - Jasper entrou correndo pra usar a net e conversar contigo, Esme veio logo atrás com Carlisle e Emmett. Dei logo um jeito pra dizer que marquei de ficar um pouquinho aqui na sua casa e Edward me trouxe.

   - Boa tática associada a um momento propício. – comentou a loira.

   - Quanto tempo tem até a viagem?

   - Alguns poucos meses. – falei num muxoxo.

   - Então aproveite da melhor forma possível esses meses ao lado dele, mulher! Não fique se lamentando. O melhor foi ter se envolvido com ele do que com qualquer outra pessoa.

   - E verdade seja dita! – ponderou Rosalie – Alice não teve ideia melhor do que a de dar o seu número pra Jasper naquele dia. Foi maravilhoso pra você e Edward. Nunca antes tinha visto um casal tão carinhoso e em sintonia quanto vocês. Além disso, ele é muito bom pra você e vice-versa.

   - Exatamente.

   - Adoro vocês, meninas. São muito pacientes comigo. – funguei e engoli o sorvete.

   Eu tinha outra opção? É claro que não. Apesar dos pesares – resumia-se ao fato do meu namorado se mudar – passamos a maior parte do tempo que pudemos juntos. O problema foi quando o dia daquela bendita viagem se aproximou. Juro, fiquei do lado de dentro do aeroporto com as mãos apoiadas no vidro enquanto via o avião decolar. Parecia que nunca mais o veria novamente.

   Mais uma aula se passou sem nada de ruim acontecer – e intimamente agradecia. A academia tinha cada vez mais alunos e precisei, nos verões anteriores, contratar pedreiros para expandir o tamanho dela para compor mais gente. Mesmo após quase nove anos, me pergunto: é verdade que consegui?    Ok, vocês não estão entendendo. Vou explicar. Vamos voltar exatos oito anos e dez meses ao tempo.

   Após a partida de Edward, fiquei mais confusa ainda. Digamos que a ideia de voltar a dançar martelava em minha cabeça e por mais que eu tentasse, não conseguia expulsá-la. Por fim, agoniada com a situação, decidi que apenas uma vez faria alguns exercícios e montaria sequências. Tirei minha sapatilha do fundo do armário, afastei os móveis do meu quarto – ninguém estava em casa nesse dia – e me exercitei.

   - Ótimo. Matei a saudade. Não será necessário usá-las novamente.

   Até parece. Passei aquela semana inteira praticamente tão agoniada quanto antes. Não aguentei e apanhei a sapatilha de novo – junto com o sapato e a saia de dança espanhola. Por fim, ensaiava sempre que podia. É claro, longe dos olhos de minha mãe e minhas tias. Na verdade, a única quem soube disso foi tia Angel, mas... Ela me ajudou a esconder. Isso aí, titia! Aprendeu direitinho com vovô!

   Dois meses se passaram e eu continuava ensaiando, tanto na minha casa quanto na das minhas duas amigas. Por fim, fiz um teste. Inscrevi-me para uma audição que, caso o candidato passasse, ingressaria em uma faculdade de dança. E não é que passei, gente?! Nem eu acreditei. Precisei me beliscar cinco vezes e ter plena certeza de que o papel que recebi de lá era verdadeiro. E, é claro, confirmar se não havia tido um engano.

   Nem preciso dizer que Angel quase chorou ao contar-lhe a novidade e minha mãe também se alegrou. O problema foi quando Victoria chegou. Olha... Gente, eu tenho que perguntar. Por favor, me respondam. Como uma pessoa só pode passar os meses seguintes falando da mesma coisa? E o pior, somente de forma negativa? Dessa vez até eu me surpreendi com ela – um feito e tanto.

   Depois de muito quebra pacapá e da casa quase cair em nossas cabeças, consegui viajar e ir para a faculdade. Nossa, gente, foi maravilhoso! Ok, eu tive um pouco de dificuldade, porém... Era um sonho que estava se realizando. E não abriria mão daquilo.

   Tudo ia bem. Quase me matava nas aulas práticas, estudava pra aula teórica... Até que foi necessário o meu retorno à Forks. O motivo? Victória estava no hospital por causa de câncer. Pra mim foi uma grande surpresa, já que a mulher tem uma saúde melhor do que a de todos nós juntos. Porém... Ah, senhoras e senhores, sempre há um “porém”.  Após os médicos e a psicóloga conversarem com ela, logo descobriram a quantidade e a intensidade de sentimentos negativos que Victoria trazia consigo. A coisa se tornou tão grande com o passar dos anos ao ponto dela ver a vida somente nas cores preta e cinza. Praticamente não havia lado positivo nas situações e em nada e isso se acumulou nela ao ponto das pessoas se afastarem, até sobrar somente a família. Após o diálogo, os médicos tiveram uma conversa profunda conosco, perguntando sobre a vida e a trajetória de Victoria.

   Por fim, um deles indagou:

   - Houve algum caso de estupro ou abuso na família?

   - Absolutamente nenhum. – negou minha mãe veementemente – Com nenhuma de nós. Perdoe-me, mas qual o motivo da pergunta?

   A médica loira respondeu:

   - Ela abordava muito esse assunto relacionado à sua filha. Dizia que se preocupava com Bella sair na rua sozinha, que poderia ser violentada, assaltada e uma série de outras coisas. Também reclamou bastante das três.

   - Como assim? – como estávamos em uma roda e minha mãe ao meu lado, segurei-lhe o braço.

   - Disse que a menina dava um grande trabalho, que vocês não a amavam e nunca faziam nada para agradá-la. E que grande parte dos problemas dela adivinha da mais nova. Em todo o momento se colocava na posição de vítima e, da forma como falava, comecei a duvidar se era verdade. Bem, pelo menos para a forma como ela agia com vocês.

   - Na verdade, minha irmã sempre foi assim. – relatou tia Ângela – Sempre foi muito nervosa e com um gênio terrível. Embora percebêssemos que podia se tratar de um caso patológico, insistimos em se tratar com uma psicóloga. Incentivamos, até. Infelizmente, nunca aceitou. Dizia que não precisava e que não era necessária nenhuma intervenção. Acabamos desistindo da ideia. Foi quando minha sobrinha nasceu.

   - Um bom ponto a se levar em consideração. – o homem de óculos falou pela primeira vez – Por que ela diz que você é louca, Isabella?

   - Não sei. – respondi com sinceridade – Tive alguns problemas pra dormir quando criança e era um pouco hiperativa, mas, além disso, nada de demais. E também depressão anos mais tarde porque sofria bullying na escola e problemas em casa. Na verdade, nunca entendi o motivo de Victoria me maltratar...

   - Ela não a maltratava, filha...

   - Deixa de querer ver somente o que quer, Renée! – interrompeu a outra com rispidez – A maltratava e humilhava, sim! Presenciei várias situações. É nossa irmã, mas não pude manter-me cega pelo bem de Bella.

   - E qual seria o motivo desse comportamento hostil?

   - Não sabemos muito bem como explicar. – prosseguiu a morena antes que minha mãe abrisse a boca – Afirmava que minha sobrinha era louca, dentre inúmeras outros adjetivos ruins. Victoria é uma pessoa extremamente difícil de lidar. E quanto ao que falou sobre não a agradarmos, a própria então quem nunca via as nossas tentativas para agradá-la. Levava como coisas frívolas ou sem importância. Tratava como se fosse nossa obrigação e jamais reconhecia.

   - E por que tantas perguntas? – perguntei curiosa.

   - Pra confirmar o meu temor. Ela não tem nenhum sintoma físico. Pelo o que pude notar, adoeceu de tantos sentimentos ruins.

   - Como?

   - Conhecem o câncer? Um dos motivos para as células cancerígenas surgirem é o sentimento de rancor. Victoria tem de sobra, fora outros.

   - Desculpe, porém não consigo entender a analogia.

   - Senhora Swan – esclareceu o médico – a sua irmã não tem nenhuma doença física. Na verdade, tudo o que ela sente de ruim está sumarizando no corpo, e esse é o motivo da doença dela. Fisicamente, não há nada de errado. Agora, a mentalidade dela está extremamente comprometida graças aos sentimentos, fazendo o corpo definhar e provocando o surgimento dessas células.

   - Em outras palavras – simplificou a psicóloga – cheguei à conclusão de que tão amargurada, desenvolveu a doença.

   A semana se passou e nada de haver uma melhora na saúde de minha tia. Ela piorava com uma rapidez que até eu, quem não entendia muito sobre o assunto, me surpreendi.

   Uma noite minha mãe e Angel estavam na lanchonete do hospital. Portanto, fiquei no quarto com Victoria.

   - Mais um livro de histórias malucas. – falou entre dentes deitada no leito – Quando aprenderá a se focar na realidade?

   - Por que acha que leio? Também pra me transportar para outros lugares além desse quarto. – murmurei.

   - Como disse?

   - Nada. – descansei meu braço nos joelhos. Estava sentada confortavelmente num sofá que ficava ao lado da porta – Sente-se melhor?

   - Tendo a sensação de que a vida está lhe escapando pelos poros do corpo? É claro que não. – respondeu com dificuldade. Logo depois, soltou uma baforada que, em outros tempos, teria sido um riso – Fale a verdade, vocês todas sentirão felizes sem a minha presença.

   - Como assim?

   - Droga, imbecil, nunca entende nada! – gritou – A família que me compreendia Deus levou! Deus levou a família que me compreendia!

   Juro, por um momento eu pensei que ela estaria mais maleável.

   - Se refere à quem? Meus avós?

   - Sim. Minha mãe era a única quem me amava.

   - Não. Suas irmãs a amam, também. Do contrário não ficariam aqui por tanto tempo.

   Após um minuto completo de silencio, prosseguiu:

   - Nunca amaram.

   - Por que diz isso? – precisei fechar o livro para me concentrar no que estava sendo dito.

   - É a verdade.

   - Victoria, mesmo com problemas financeiros minha mãe comprou uma casa de praia somente para agradar você. Como não pode ver o quanto tenta agradar?

   - É a pura obrigação dela. Praticamente a criei, as três. – frisou e encarou-me com mais energia – Conte-me a verdade. Você é outra quem nunca gostou de mim, né?

   - Melhor não responder certas perguntas.

   - Responda-me logo, maluca!

   Encarei o chão e murmurei:

   - Quando passa mais de dez anos da sua vida acreditando ser louca somente por causa do que te dizem dentro de casa e mais ninguém é contra, mesmo sendo uma mentira... Acredita em absolutamente todos os inúmeros insultos, inclusive de que não era e nem nunca seria alguém na vida... Chega a entrar em depressão e a se machucar propositalmente por causa disso... Como posso amar a pessoa quem fez isso comigo? – ergui a cabeça com os olhos marejados – Por que me contou tantas mentiras? Nunca fiz nada contra você.

   - Não são mentiras. É a pura verdade.

   Naquele dia percebi uma coisa. Nunca me envergonharia da forma como vejo a vida e continuaria com o meu jeito de ser. Queria levar a vida de uma forma leve e divertida, onde eu risse dos meus problemas. Não queria me tornar tão amargurada e negativa a esse ponto. Não vale a pena.

   Victória morreu uma semana e meia depois disso.

   Retornei para a faculdade e me formei. Olha... Se quiserem colocar um I Believe I Can Fly pra tocar aí em minha homenagem, ponha na felicidade. O motivo? Quase me matei de tanto ensaiar e estudar naqueles anos. Quando não estava nas aulas, passava o maior tempo possível no meu dormitório melhorando minha técnica. Quando recebi meu diploma, vi minhas duas amigas erguendo um cartaz escrito “É PRA GLORIFICAR DE PÉ, IGREJA!”. Quase deixo o capelo cair de tanto rir.


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Notas finais do capítulo

Gostaram?
xD