DeH; A Maldição do Castelo Funok escrita por P B Souza


Capítulo 9
II




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No meio da noite tudo que ouviram foi o lobo uivando, longe dali. Então Anelamo abriu a porta da carruagem e pulou para o chão de terra batida.

O cavalo soltou um relincho baixo, e o cocheiro grunhiu qualquer coisa, insistindo que o cavalo ficasse calado. Então Tenissa desceu da carruagem, segurando-se a mão de Anelamo.

— Obrigada. — Disse ao para-ser-lorde de Magmun. — Pronto?

— Vamos acabar logo com isso. — Anelamo respondeu a contragosto.

Tenissa sorriu quando o homem começou a marchar rumo a cabana de madeira e palha mais a frente. Ela olhou para o arredor, podiam ver ao sul o vilarejo, ao leste havia algumas casas dispersas pelo terreno de gado, e cercas lá e cá faziam uma visão simples de campo.

Na frente deles era uma cabana não mais caprichada que qualquer outra daquelas espalhadas pelo campo. Paredes de toras verticais e transversais sobrepostas, cobertas com palha e folhas secas. A fogueira ficava do lado de fora, ardia em brasas já quase apagada. Na lateral da cabana havia um pequeno pomar com ervas trepadeiras em estruturas feitas com arames e argolas fixadas em cabos de madeira, como de vassouras, fixos ao chão. Na porta havia um triangulo desenhado dentro de um círculo, com três círculos menores dentro do triângulo. Só um nobre conheceria esse símbolo, por isso ela ousa deixar aqui, na sua porta da frente. Por motivo nenhum um nobre iria ali, mesmo assim ali estavam dois.

Anelamo bateu à porta, mas Tenissa tomou a frente, abrindo e já entrando.

O chão era coberto por placas de madeira uma ao lado da outra, soltas sob a terra nivelada. Era possível ver ervas daninhas crescendo pelas frestas aonde as tabuas eram mal encaixadas. O lugar tinha um única ambiente espremendo sala, laboratório cozinha e banheiro.

Anelamo sentiu calafrios ao entrar ali. Tenissa apenas um desconforto, nunca fora de gostar da simplicidade daquela vida, lhe incomodava, mas sabia tolerar quando o prêmio valia a pena.

Havia uma cabeça de cervo presa à parede, com facas enfiadas nos olhos. Aquilo prendeu a visão de Anelamo por tempo o bastante para a bruxa se revelar, saindo por detrás de seu armário poções.

— Impaciência faz o sangue correr mais depressa, é uma característica ruim, no entanto. Prazer muitas vezes é um caminho melhor. — A bruxa disse para Anelamo, tirando-o de seu transe com o animal empalado.

Ele olhou para a mulher. Era já mulher feita com seus trinta ou quarenta ciclos, o que lhe trouxe conforto. Cabelos lisos e negros iam até pouco abaixo dos ombros, não tinha rugas ou marcas no rosto que lhe fazia lembrar o povo do norte.

— Não é daqui. — Foi o que disse para ela. Com toda certeza a bruxa era estrangeira, as curvas de seu maxilar, as bochechas, e a forma como olhava para ele. Nenhuma mulher no coração da ilha Magmun tinha aquela magnitude, ou aquela feição.

— Sou de lá, e acolá. — Disse apontando para um lado então para o oposto. — E vou pra ali e acoli.

— Uma rosa dos ventos. — Anelamo percebeu que a bruxa havia apontado para norte, sul, leste e oeste.

— Acaso. — Ela sorriu para ele, seus dentes eram limpos. — Então conseguiu o fazer crer? — Perguntou olhando para Tenissa e não mais para Anelamo.

— O que tem lá em baixo? — Anelamo se intrometeu antes que Tenissa respondesse, pois via luz vindo debaixo do armário de poções.

— Um altar onde sacrifico recém-nascidos. — Ela respondeu com ar zombeteiro. — O que foi. Uma bruxa não pode brincar?

— Seja o que for fazer, estou aqui. Diga as palavras magicas e vamos acabar logo com isso...

— Shh. — Tenissa colocou o dedos nos lábios pedindo silêncio. — Não seja rude.

— O colar tem funcionado? — A bruxa perguntou para ela.

— Continuo vendo eles, como você disse que seria. Visões e pesadelos horríveis, mas fisicamente segura.

— Ainda pode enlouquecer. Muitas vezes espíritos preferem o dano psicológico. Os consomem menos.

Anelamo ficou de lado então, braços cruzados encostou-se na porta e ficou observando as duas conversarem.

Tenissa trocou formalidades com a bruxa, que lhe perguntou sobre o castelo, a maldição, sobre a praga em Magmun. Então fez uma pergunta que chamou a atenção de Anelamo.

— Ele sabe o que tem que fazer?

— Deixei para você essa parte. — Ela respondeu, então ambas olharam para ele.

— O que tem lá em baixo?

— Terra não queima, e é frio aqui em cima. Mantenho uma fogueira lá, assim o chão esquenta e consigo dormir sem congelar durante o Vyrien. — A bruxa se aproximou um passo. — Eu vou precisar de sangue.

Anelamo olhou para Tenissa imediatamente.

— Sua família remete diretamente ao imperador Hero, primeiro imperador Magmun, que liderou todas as nações unificadas sob uma só bandeira... — Tenissa começou.

— Eu conheço a história da minha família. — Mas Anelamo a interrompeu. — E as maculas também.

— Hero casou-se com Arcaia, fez dela sua esposa e da união nasceram herdeiros. — A bruxa disse, então Anelamo ia a interromper, mas com um balançar de dedos a voz lhe faltou. A bruxa sorriu ardilosamente. — Arcaia viveu por mais de quatro mil ciclos, e seus herdeiros carregam o sangue da deusa até hoje. São dezenas de famílias agraciadas com o poder da deusa, mas a sua é a mais antiga, a mais duradoura. Sua família uma vez foi dona de toda terra desta ilha, sem exceções.

— Não. — Um grito rouco saiu da garganta dele, quase como se fosse morrer sufocado, então avançou contra a bruxa agarrando-a pelo pescoço e a empurrou para trás. — Cultistas assim que amaldiçoaram essa terra...

Tenissa pediu para que ele parasse quando bateu as costas da bruxa contra a parede, como se fosse enforcá-la até a morte, mas a pancada fez, em cima deles, o alce balançar. A faca soltou-se de um dos olhos, girando no ar passou rente ao braço de Anelamo, lhe cortando a pele e a carne, e o sangue surgiu.

A bruxa abaixou os olhos na hora, focando no vermelho iluminado pelas velas, era como um monstro faminto.

Ele agarrou o próprio braço, recuando, impedindo que ela visse o sangue, mas o vermelho saia por entre os dedos, deixando sua mão escorregadia, sujando o pulso todo.

— BRUXA! — Berrou para a mulher que parecia estar satisfeita. Tenissa se colocou no meio dos dois.

— Parem já com isso. — Disse olhando para a bruxa, então virou-se para Anelamo. — Se soubesse que agiria feito um animal teria lhe cortado quando deitamos juntos, você nem teria sentido e o efeito seria o mesmo!

— Ela segue uma maníaca que deixou essa ilha inteira passar fome, que assassinava qualquer um que discordava de sua agenda psicopática de dominação, uma dita deusa que morreu, porque era só uma bruxa!

— Arcaia não morreu. — A bruxa respondeu. — Ninguém nunca morre...

— O que Árion já fez por você? — Com brutalidade Tenissa disparou em cima da voz da bruxa, indo de frente com Anelamo, encarando ele com raiva. — Seu povo está morrendo de fome, suas fazendas estão mortas assim como o gado e não há ouro, nenhum dos bons lordes que passam o dia lambendo as bolas dos Licnóbios se dão ao trabalho de lhe ajudar e é parte do código de Árion ajudar a todos que precisem. Cadê Queloyn que não lhe presta nenhum auxílio? Em nome de Árion e sua cidade flutuante nas nuvens, cadê Árion? Seu povo rezou, Galleo rezou, eu rezei. Não há ajuda de um deus como Árion porque ele não existe. Foi ela quem resolveu os meus problemas. — Então Tenissa tirou o seu colar do pescoço, mostrou para Anelamo. — Enquanto usar isso nenhum dos fantasmas que eu vejo todos os dias pode me ferir. Isso não foi Árion que me deu.

— Talvez eles esteja punindo Magmun justamente pela bruxaria exacerbada...

— Os próprios Licnóbios participaram da execração de Pilos. Sua fé causou isso, a minha tenta concertar e vai. — Tenissa puxou as mangas revelando as cicatrizes nos braços. — Quando nos deitamos não tirei o colete, você não pareceu se importar, mas eu tive esse cuidado porque sabia que você perguntaria o que são.

Então Anelamo viu os cortes, dezenas deles. Subitamente sua raiva se transformou em um tipo de preocupação com Tenissa, encostou nos braços dela com mais cuidado que nunca, olhando as feridas, algumas já antigas e cicatrizadas outras ainda com a casca de um corte se fechando.

— Todos nós nascemos do véu, nossos corpos são alimentados pelos nossos espíritos, e nossos espíritos são energia. — A bruxa disse.

— E a energia não nos pertence. — Anelamo completou. Era uma passagem do Código de Árion.

— Arcaia já disse isso antes. Todos somos energia, uns mais que outros. Por isso existem sacrifícios de carne, de sangue. É aonde reside nossa energia, e Tenissa tem se sacrificado pelo seu povo todo dia.

— Para garantir que eles não morram de fome. — Tenissa completou. — Meu sangue é de Lorval, minha família vem dos Ferenc, mas eu mesma sou uma Turenc. A energia que eu tenho não é forte o bastante e nem mesmo é desse lugar. Serve, mas por pouco tempo, e então precisa ser feito novamente.

— Eu não vou me sacrificar...

— Já o fez. — A bruxa interrompeu Anelamo, apontou para o chão. Havia três gotas de sangue de sua ferida. — Você é incapaz de canalizar a energia dentro de ti, por isso não é um bruxo, mas eu posso sentir o poder, é imenso! Essas gotas já são o bastante, eu posso sentir.

— Isso acaba com a maldição?

— Isso acaba com a fome, acaba com o sofrimento, acaba com o cinza nas vidas de todos. — A bruxa apontava para o sangue, abria e fechava a palma de sua mão como se segurasse algo invisível, sorria enquanto falava sem olhar para eles.

— Magia pode ser usada para o bem e para o mau, nem todos a usam para prejudicar, embora seja isso que os Licnóbios digam. — Tenissa disse com um tom rancoroso para Anelamo.

— Arcaia se tornou sim uma pessoa ruim, mas não julgo quatro mil ciclos de reinado por trezentos ciclos de loucura. Ela fez muito por nós, ela nos salvou do fim por fogo. — A bruxa foi até Anelamo, na porta, e então abriu esta deixando o frio da madrugada entrar. — Não quero que esqueçam as coisas ruins, mas precisam mesmo esquecer-se das boas? Amanhã seu povo terá o que comer, graças a Arcaia. Ela vive!

Com isso, fez sinal para que saíssem dali.

Anelamo saiu primeiro, pois já estava na porta. Em seguida foi Tenissa.

— Obrigada por tudo. — Disse para a bruxa que fez que sim com a cabeça para ela. A carruagem ainda estava ali, esperando pelos dois.

Então Anelamo, um pouco mais a frente, olhou para a bruxa que fechava a porta já. Assim que ele falou, ela parou e olhou pela fresta restante, ouvindo o que o para-ser-lorde tinha a dizer.

— O que faz independente dos motivos é errado. — Ele disse em um tom doravante. — Mas mesmo assim; obrigado.


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