DeH; A Maldição do Castelo Funok escrita por P B Souza


Capítulo 7
VII




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Nailah viu Orel mandar todos entrarem, e sem olhar para trás, ele a deixou ali, no relento da madrugada. Porém não sozinha.

Dois homens encapuzados espreitavam na beira da estrada junto às toras de madeira cortadas para servir de lenha. Eles estavam em pé, encarando ela sem nenhum pudor, seus rostos semicobertos pelos capuzes de couro. E quando ela olhava para eles, sentia imenso desconforto, medo.

Nada fez, sabia quem eram. Apoiadores de um Lorde desaparecido. Sequer lembrava o nome do homem, só sabia que Orel era o culpado pelo seu sumiço. Um acordo qualquer. Ela não sabia os detalhes, e não importava, sabia o bastante. Ele atrapalhava os negócios, Orel fez o necessário.

Sem saber o que fazer Nailah começou a andar.

Caminhou do Castelo até o vilarejo pela madrugada toda, até o sol nascer, com os pés latejando dentro das botas, ela chegou na casa de Galleo, e chorou em silencio no portão, até que os guardas a notassem.

— Não temos restos hoje. — Um deles disse para ela. Nailah estava, ainda, enrolada em seu roupão, nua por baixo da única peça de roupa.

— Mas se quiser fazer algo por nós, talvez eu encontre uma salsicha para você. — O outro guarda disse, rindo.

Nailah rebentou em lágrimas. E só parou quando os guardas perceberam que algo estava errado. Perguntaram o que ela queria, se aproximando.

— Merda, é a mulher do Lorde Haradram.

— Sai de perto dela, ouvi dizer que eles são amaldiçoados.

— Só o lorde, imbecil. — Os guardas discutiram. Então finalmente abriram o portão para Nailah.

— Por aqui senhora, perdão pela nossa insolência. Está tudo bem com a senhora?

Nailah agradeceu com cabeça pelos modos, tardios, dos guardas, e acompanhou-os para dentro da casa de Galleo. Mas, além disto, nada disse.

Sentou-se no hall e ali ficou, esperando pelo despertar do Lorde. Empregadas lhe trouxeram café e sucos, além de pães frescos e queijo. Nailah não tocou em nada até Lorde Galleo vir a receber.

Ele usava um colete de algodão trançado verde oliva com placas de aço esmaltado negro nos ombros em forma de folhas, as mangas eram frondosas e na cintura um cinto igualmente negro com bruneas dava um toque mais militar na vestimenta.

— Senhora Nailah, sua visita tão cedo é uma surpresa. Deseja algo? — Ele a cumprimentou com um cordial aperto de mão.

Assim como haviam parado de se falar Galleo e Orel, o lorde também havia cortado laços com Nailah. Vê-la fora de fato uma surpresa, pois nada tinha para conversar com a mulher.

— Preciso deixar Funok, partirei para Moogul ainda hoje se me for possível. — Lutava para não deixar as lágrimas escaparem. Queria voltar para Orel, mas o orgulho havia se ferido tão profundamente que não se sujeitaria mais aquilo.

— E pretende fazer isso de que maneira? São cento e quarenta e quatro quilômetros até lá.

— Pagarei, meu pai pagará pela viagem assim que chegar lá, sei que o vilarejo não pode...

— O dinheiro primeiro, o que posso lhe emprestar é o tinteiro e o pombo para levar a mensagem. Além disso, devo, como lorde, lhe oferecer um quarto também, mas informarei Orel, não quero nenhuma discussão com ele...

— Seja o que for que tenham discutido, me escute. — Ela agarrou-o pelos ombros, no metal frio de sua roupa. Galleo parecia tão exausto quanto Orel, abatido e sem animo — Meu marido não é aquele homem. Orel... Perdeu-se na melancolia daquela casa, e acho que mandou-me embora em seus momentos de lucides, ou loucura total.

— Senhora Nailah, conheço seu marido há quatro ciclos agora. Ele nunca se deixou abater pela maldição, a qual me fez nunca gostar de entrar naquele castelo. O Senhor seu marido ergueu um castelo abandonado e infértil criando empregos para dezenas de habitantes desse vilarejo, movimentou milhares de moedas Magmun de um lado para o outro, fechou acordos com os Yel para poder caçar no bosque, fechou acordo com Vila Wynma para vender o que produzisse lá, negociou termos com Geodenes e fez o homem partir do reino de Lorval. Ele conseguiu até mesmo jogar o Rei Queloyn contra mim. — Galleo então fez sinal para um empregado na porta. Nailah se virou para trás e viu que abriam para um homem, um fazendeiro. Ele trabalha para Orel. — Nunca aquele homem temeu fantasmas, e agora me diz que a casa fez ele se tornar insano. Respeito seu esposo como senhor de Funok, mas é só. Se quiser ficar, fique. Se deseja partir traga seu próprio ouro, pois meus cofres estão vazios!

Antes que Nailah pudesse responder, Lorde Galleo passou por ela, fazendo a mulher girar nos calcanhares. O homem que chegara era um dos fazendeiros de Funok.

— Senhora Nailah, senhora. — Dizia o fazendeiro, afobado, a testa pingando de suor. Passou direto por Galleo.

— O que houve? — Nailah perguntou de súbito, o homem parecia prestes a ter um ataque do coração.

— Lorde Orel, senhora. Ele desapareceu.

— Como? — Galleo quem perguntou.

O Lorde se incomodava toda vez que chamavam Orel por Lorde. Nailah percebeu o desconforto, mas sua preocupação era o esposo.

— Pela manhã chegamos para trabalhar, e ninguém o viu. — O fazendeiro disse em desespero, as mãos afobadas gesticulavam agarrando o ar. — Fomos nos quartos, na casa toda, nos jardins, no bosque. Todos os cavalos estão lá, não há roupa faltando disseram as serventes, nem comida. As coisas dele também estão intocadas. Vim buscar a senhora, os guardas disseram...

— Ele me mandou embora durante a noite. — Ela disse ao ver que o homem silenciou sem saber como falar aquilo. — Orel está atormentado. Olharam nas ameias da torre? Ele ia lá para pensar nos últimos dias.

— Não está também. Olhamos tudo. Meu pequeno foi buscar o caseiro.

— Onde Basri estava a noite? Não o vi também. — Nailah se lembrou do momento que deixou o castelo. Dos rostos que vieram lhe ver ser humilhada, Basri não era um deles.

— O filho dele nasceu, ele deixou o castelo ontem de tarde, não voltou ainda. — O fazendeiro disse. — Meu pequeno foi buscar ele, Basri conhece bem o lugar, vai saber onde o Lorde Orel está.

— Está de cavalo?

O fazendeiro fez que sim para ela.

Uma parte de Nailah gritava para ir embora, odiando Orel pelo que fizera, pela vergonha que passara, mas sabia que aquele sentimento era do momento e não a razão falando. No fundo ainda o amava e havia prometido passar o resto de seus dias com ele. Se partisse, não faria jus a sua promessa. Ele me amou e fez tudo o que fez para me ter ao seu lado. Pensava. E quando conseguiu me mandou embora como um cachorro no pé da mesa na hora do jantar. Queria acreditar na maldição, pois na verdade Nailah nunca duvidara, mas o ceticismo de Orel, com o passar dos dias, impregnou-se nela também, por isso era difícil discernir se sua expulsão era obra de um marido descontente ou de um homem atormentado.

— Você vem?

— Orel já foi um amigo. — Lorde Galleo respondeu para ela enquanto Nailah deixava a propriedade com o fazendeiro. — Hoje não é nada além...

— Vamos embora. — Nailah deixou o Lorde falando com o ar, e subiu no cavalo do fazendeiro, junto do homem. — Não preciso ouvir isso.

Galleo ficou para trás, com seus braços cruzados e semblante descontente olhando eles partirem para Funok.

O fazendeiro esporou o cavalo o caminho todo.

Orel estava exausto nos últimos dias, sua disposição destruída pelas responsabilidades e Nailah pensava que era aquilo, as responsabilidades acumuladas junto dos problemas crescentes, as crises e o vilarejo sendo mais um peso que uma ajuda no futuro de todos eles. Porém cada segundo que passava, com a torre do castelo mais e mais próxima, ela pensava diferente. Fomos tolos demais.

Quando chegou no castelo encontrou o caseiro no portão, junto de uma criança que correu para abraçar o fazendeiro.

— Basri, o que aconteceu? Já sabe de algo? Aonde está...

— Senhora. — Basri fez uma curta reverência com o pescoço enquanto olhava ao redor. — Acabei de chegar, ninguém viu nada de estranho, as serventes estão lá dentro, rezando para Árion. As que não fugiram...

— Como?

— Algumas mulheres, assim que eu cheguei, pediram cavalos para irem embora daqui. — Basri disse com seu ar grosseiro. — De repente todo mundo voltou a ver fantasmas.

— O povo clama por essas bobagens, mas aonde está Orel?

— Só tem um lugar que não olharam. — Basri pegou seu molho de chaves do bolso. — Ontem fui embora com elas, esqueci de deixar as chaves com Lorde Orel...

— Por Árion, sequer lhe perguntei. — Nailah disse subitamente se lembrando que Basri deixara o castelo porque sua esposa estava dando a luz. Eles caminhavam pelo jardim ressecado rumo a porta da torre para o hall principal. — Menino ou menina?

— Natimorta. — Basri olhou para Nailah, sua expressão era seca como se não sentisse nada com aquela palavra. Nailah abriu os lábios, sem palavras.

— Eu sinto...

— Não... — Basri disse por cima do sussurro de lamento de Nailah. — Vamos encontrar Orel.

Só faltava um lugar.

O castelo inteiro havia sido vasculhado, os escravos refugiados haviam rondado o bosque, não havia sinais de Orel nas plantações. Porém no castelo inteiro, apenas uma porta possuía apenas uma chave.

No molho de chave de Basri, apenas uma era carregada pela ferrugem da falta de uso. Foi ela que ele pegou, assim que entraram no salão. Ao lado da porta de entrada ficava a escada direta da torre, e em baixo da escada havia um armário de espadas com dois sabres de Lorval cruzados contra um escudo com o símbolo da casa de Haradram. Ao lado dos sabres cruzados havia duas maças penduradas verticalmente e no topo uma lança quebrada horizontalmente.

— O que?

— Atrás do armário. — Basri disse puxando o móvel com força, era de pura madeira talhado de uma única árvore, uma peça sólida e rustica.

Quando conseguiu espaço, empurrou o armário com os pés, pressionando as costas na parede, até liberar a portinhola esquecida ali.

— Ninguém sabia disso, foi quando ele chegou, disse para deixar trancado junto das outras partes que não usava da casa. — Basri disse, então pegou a fechadura e empurrou. — Continua trancado.

— Só você tem a chave, disse.

— Sim. Só eu. — Basri colocou a chave e girou, ouvindo o miolo ranger, a porta, já descompensada, abriu-se sozinha pendendo para a escadinha rustica de madeira, levando para um lugar escuro.

Basri deixou Nailah ali e foi até uma das paredes aonde voltou com um archote. Eles não ascendiam mais archotes, pois os lustres usavam óleos para queimar e quando não queriam mais luz, usavam a técnica de sufocação para apagar as chamas. Mas mesmo assim, os archotes continuavam pendurados nas paredes como decoração.

Com um na mão, ele usou sua adaga contra a rocha da parede para lascar faíscas. O fogo demorou a pegar, e na demora Nailah ficou olhando para a escuridão que lhe encarava de volta como se algo estivesse ali, observando. O cheiro que vinha de lá de dentro era de mofo, poeira e podridão.

— Vamos descer? — Basri perguntou para ela. Nailah fez que sim, mas não desceu. O caseiro teve que ir à frente. — Cuidado com os degraus, devem estar podres já.

Não estavam, porém eram escorregadios cobertos por limo, rangiam quando pisados.

Quando a escada acabou, pisaram em água.

Nailah recuou um degrau então. Olhou para o chão, o caseiro moveu o archote. A água negra estava até os tornozelos. Não havia como evita-la.

— Que lugar é esse? — Ela perguntou olhando as paredes de rocha com as marcas das picaretas, haviam colunas no meio do porão, segurando a estrutura de madeira que sustentava o teto, de onde raízes estavam penduradas entre a rocha e a terra.

— Era uma gruta, depois um armazém seguro no castelo original, depois uma adega quando Tego começou a beber feito um peixe, e então aonde Pilos guardou os dedos daqueles que mutilou. Depois disso não era nada. — Basri disse, andando arrastando os pés.

A água fazia ondulações, batia nas paredes e ecoava, assim como a voz deles.

Nailah parou no caminho e se apoiou em uma coluna, olhando a parede oposta aonde armários tinham ainda garrafas de vinho guardadas, outros nichos tinham potes com ossos de dedos.

— Que horror. Árion perdoe a todos esses infelizes e a crueldade deles...

— Senhora. — Basri chamou, já a alguns passos de distância. — Encontrei.

Como?

Nailah se perguntou naquele dia, e nos dias seguintes.

O corpo de Orel estava deitado na água, sem feridas ou maculas, apenas morto e deitado em um cômodo trancado do qual ninguém se não Basri tinha a chave, e o caseiro nem mesmo lá estava. A expressão de Orel era de paz, não parecia ter morrido sentindo dor ou sido ferido, e o licnóbio de Magmun não foi capaz de encontrar a causa da morte depois de abrir o corpo, não havia veneno no sangue nem no estomago, os pulmões estavam inteiros e nenhum osso havia sido quebrado. A morte era um mistério.

Um que perduraria com o castelo pelas próximas gerações, pois agora eram dois os Haradram ali mortos. Pilos, no topo da torre. E Orel, debaixo dela.


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