DeH; A Maldição do Castelo Funok escrita por P B Souza


Capítulo 6
VI




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Funok era um lugar agradável apesar das histórias, sem saber de nada alguém sequer perceberia algo. Orel mesmo sabendo não viu nada de anormal.

No primeiro ciclo.

Então as coisas começaram a mudar.

No seu portão dezenas de pessoas surgiam, dia após dia, pedindo por comida, pedindo por emprego, pedindo por um teto. O Castelo estava superlotado e a produção estava indo sumariamente para manter o povo que dele dependia, dia após dia.

O vilarejo tinha se tornado um lugar de miséria, e até mesmo Galleo estava tendo dificuldades para suprir seus luxos particulares. Era como se uma nuvem tivesse pousado sobre eles e não partisse, o sol nunca mais brilhara e embora a estação fosse propicia para o clima nublado, não era apenas a falta de sol.

Ainda quando tudo começou a ficar estranho, Orel tentou ignorar. Seu casamento se aproximava e Nailah havia chegado, então ele estava feliz.

Respirar tinha se tornado uma tarefa difícil então, o ar parecia carregado, mas Basri disse que eram os esporos no bosque, assim que trocasse a parte-de-ciclo aquilo ia melhorar. Junto dos esporos surgiu os maribondos e abelhas.

O casamento foi recepcionado por quase trezentas pessoas e Nailah e Orel se beijaram no jardim, na frente da casa, com as bênçãos de Wonao, o Licnóbio de Árion responsável por Vila Magmun.

Dançaram no jardim, e serviram bolo para os convidados no salão. Teve carne assada à vontade, de boi e de galinha, mas para o jantar serviram pernil e pato. Nailah levava os garfos até a boca de Orel, e ele acariciava suas têmporas, ajeitando mechas de cabelo no rosto da sua amada esposa, beijava as costas de sua mão e trocavam caricias, cochichando um para o outro que o amavam.

O baile durou toda a noite, regado a bons vinhos importados de Heoul e muita musica com bardos de Gir. Embora o Rei não pudesse ter comparecido, e Orel nunca esperou que ele fosse vir, Queloyn mandou seu representante junto de um presente de casamento com uma nota parabenizando Orel pelo incontestável resultado de seu esforço no Castelo de Funok.

Mas ele não via assim.

Na primeira noite de casado ele se deitou com sua esposa e fizeram amor para dali nascer o herdeiro daquela terra. E quando Nailah caiu em seus braços, exausta, Orel pensou em dormir.

E foi daquela noite para as noites seguintes, que nunca mais pregara os olhos.

Primeiro os problemas crescentes, depois o stress resultante, os lucros diminuindo, a população desesperada pedindo por sua ajuda, o crime crescendo até mesmo dentro de Funok. Roubavam-lhe grãos e galinhas, mas teve dia de sumirem com duas vacas de uma só vez.

Os encapuzados continuavam a espreita, sempre no portão, olhando para as carruagens que entravam e saiam, eram como guardas de graça, exceto que nada protegiam.

Foi quando teve seu primeiro pesadelo, com a torre do castelo colapsando, caindo em cima do salão, jogando o teto e os lustres contra os convidados, matando todos no processo. A ideia absurda lhe causou perda de sono por um tempo, mas não lhe fez mal além disso. Quando acordava dos poucos cochilos que conseguia tirar, Orel voltava ao trabalho.

Até mesmo com Galleo voltara a falar, pois Vila Magmun precisava reagir, mas não importava o que fizesse, seus planos eram frustrados pela sua própria impaciência. Desistia de qualquer maquinação antes de colocar a ideia em prática, julgando muito inviável, caro ou arriscado. Galleo, como nunca fora o homem de ação, tomava por lei as palavras de Orel, e voltavam então a estaca zero.

Dia após dia, dormindo pouco e comendo menos ainda, Orel emagreceu enquanto sua feição se tornou de um estudioso faminto, os ossos abaixo das bochechas marcavam a pele e olheiras abaixo dos olhos o faziam parecer morto por fora. Seu animo desgastado lhe denotava aparência de um idoso e quando deu por si, tinha pegado uma bengala.

Sempre que andava depressa de um ponto ao outro, parava para buscar ar, a mão no peito, o coração acelerado. Sentia-se exausto como se tivesse corrido de Lorval até ali sem descanso, mas eram poucos passos e já ficava em estado de fadiga. O que preocupava sua esposa.

Nailah fazia de tudo por Orel, cozinhava para ele e garantia boas refeições, não deixava que bebesse ou fumasse em excesso, tentava garantir que ele dormisse toda noite, e sempre que podia se deitava com o esposo, buscando a criança que não vinha.

Foi em uma dessas noites que ele a negou pela primeira vez, e pela segunda na noite seguinte, e então a terceira recusa. Tornou-se comum, muito cansado, muito atribulado, muito fraco.

Orel tentava dormir em uma dessas noites quando despertou em seu quarto, suado. Empurrou Nailah para o canto da cama e se levantou indo à janela olhar o luar. Seu corpo secou naturalmente e ele fechou os olhos se perguntando o que estava acontecendo. O vento frio cortava pela sua pele nua, mas a janela sequer estava aberta.

Fazia quase três ciclos desde que Nailah estava ali com ele. E em três ciclos ele olhava para a esposa sem sentir mais nada além de arrependimento. Ela ainda me olha com amor, um que não consigo retribuir. Não era que não quisesse, simplesmente não conseguia.

Então naquela noite voltou para a cama, se deitou e Nailah despertou brevemente, abraçando ele, adormeceu. Orel continuou desperto, olhando para a parede oposta da cama, sem conseguir fechar os olhos.

Piscava com medo, literalmente não queria fechar os olhos. Quando o fazia sentia-se oprimido, cercado pelas trevas como braços lhe envolvendo, não era que não conseguia dormir, mas não queria. Toda ver que dormia temia por não acordar, pois os sonhos lhe puxavam fundo, se tornavam reais demais para ele saber diferenciar e quando acordava ele se perguntava o que era real?

Só sabia que estava ali de verdade porque sentia medo de voltar a dormir no dia seguinte. Medo do que?

Perguntou-se... As mãos então o agarraram.

— Nailah, não quero... — Foi se desvencilhar do abraço da esposa, mas não era ela.

Os braços puxaram seu corpo com violência, caiu no chão ao lado da cama, se debatendo, os gritos de ódio e fúria explodiram em sua orelha e Orel fechou os olhos, se encolhendo como um feto para se proteger.

— Calma, calma, Orel. Para, Orel, acorda! — O tapa o fez virar o rosto, encarando a parede com a porta do quarto, aonde a silhueta estava parada, em pé.

Não era um corpo, apenas uma forma dobrando o próprio espaço, destorcendo sua visão como ondas de calor em uma forja. Mas o que?

Olhou para o outro lado e Nailah estava segurando-o pelos ombros.

— Outro pesadelo? — Ela perguntou para ele, mas Orel só via as sombras dançando, os corpos no quarto, perambulando como se ele não estivesse ali.

E talvez não estivesse. Ele só saberia no fim do dia, quando fosse tentar dormir novamente. Quando aquilo acontecia, quando o sonho era real demais para ele, saber dizer se já tinha acordado ou não era impossível.

Então tudo que podia fazer era esperar.

— Eu não vou mais dormir aqui. — Disse para Nailah então. — Ele morreu aqui.

— Seu primo?

— Isso...

— Pensei que tivesse sido no telhado.

— Eles o arrastaram, e o penduraram pelo mastro quebrado com correntes, como um pedaço de carne para venda. — Orel sussurrou. — Eu consigo ouvir tudo, o tempo todo e não sei se estou sonhando acordado ou só sonhando. Mas é aqui, o quarto. No resto da casa isso não acontece.

— Os empregados dizem que só o dono da casa pode sofrer com a maldição. Você sempre disse que era bobagem, o que mudou? — Nailah sorriu para Orel, segurando-o pelo rosto, olhando-o nos olhos. — Você é o homem mais valente que já conheci, não deixará seja lá o que for vencer, não é?

— Não, não deixarei! — Orel disse para Nailah, chorou na frente dela pela primeira vez porque naquele dia, pela primeira vez, sentiu-se lucido e forte o bastante para fazer o que precisava. — Você não pode ficar aqui!

— Tudo bem, vamos conversar sobre isso amanhã, podemos ir para um dos quartos de hospedes...

— Não nós. — Orel então se levantou da cama pegando seu roupão, cobriu seu corpo e jogou o outro para Nailah. — Você! Eu continuarei aqui, mas você deve partir agora.

— Partir...

— Vá para a casa de Galleo, ele a receberá e de lá direi para onde ir, provavelmente ficará com meu irmão. — Disse sério olhando para a esposa, vendo ao lado dela a deformação, vendo a maldição tomar forma. — SAI DAÍ!

Berrou levando as mãos na cabeça, o desespero pulsante, se jogou contra Nailah, a puxou para fora do quarto, aos berros os dois. Logo uma das empregadas surgiu, de longe observando enquanto Orel empurrava Nailah escada abaixo.

— Eles não podem te ter! — Berrava para a esposa, que chorava enquanto ele apertava seus braços, chacoalhando-a. — Você vai ir embora, nunca vai voltar aqui. Eu não te quero aqui!

Grunhia as palavras na cara dela como um general. Quando abriu a porta e a empurrou, Nailah tropeçou nos próprios pés, caindo no arbusto de frutinhas. Encolhida como uma garotinha assustada, olhou sem reconhecer o homem com quem se casara.

A empregada de pernoite passou por Orel pedindo licença, se esgueirando pela soleira e foi socorrer a senhora Nailah.

— O que aconteceu com você? Está louco, delirando.

— SUMA DAQUI! — Berrou uma última vez, e então começou a avançar, deixando a porta da casa.

Nailah recuava, braços erguidos pedindo para que ele parasse, mas Orel continuou. Tornou a agarrar a esposa, a empregada pedindo que ele parasse, mas Orel abriu o portão com uma mão e jogou Nailah do lado de fora com a outra. Fechou o portão na frente dela, deixando-a para fora.

— Orel, não faça isso, meu amor. Orel!? — As lágrimas nada fizeram, a dor nada fez. Dói em mim também. Orel pensou, se virando para seu castelo.

— Veem? — Perguntou para seus empregados. Um ex-escravo e duas empregadas estavam ali, além de um lavrador que dormia na casa de Basri, que Orel nem mesmo percebeu estar ausente. Eles viam, mas não o que Orel via.

Os empregados olhavam para o Senhor do castelo ao qual serviam, enquanto Orel também olhava para o Senhor do castelo em sua torre. Eram senhores diferentes e dos dois um não estava vivo.


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