DeH; A Maldição do Castelo Funok escrita por P B Souza


Capítulo 4
IV




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Os dias se passaram no Castelo de Funok, e Orel habituou-se a aquela vida bem depressa.

Não tinha muito que fazer de obrigações se não as que criasse ele mesmo. O castelo era vazio, não havia comércio ali, não havia empregados ou sequer família. Era como ser um fugitivo se escondendo em uma rocha fria na beira da floresta.

Porém isso não o exímia das dividas. A sala do tesouro havia sido pilhada no saque que custara a vida de Pilos, então todo o ouro (que haveria vindo do povo) para o povo retornara.

O caseiro era o único que ficava ali sem receber nada, pois em troca de seu trabalho tinha o direito de morar ali, na casa anexa do outro lado do estábulo. Nos primeiros dias Basri quem possibilitou a subsistência de Orel, pois o castelo estava sujo e vazio, o que significava sem comida alguma. A horta tomada por daninhas e não havia pasto algum. Basri porém tinha uma horta própria nos fundos da casa anexa, de onde tirava seu sustento básico e de dez em dez dias visitava o vilarejo para oferecer serviços e comprar qualquer coisa que lhe faltasse. De quebra cruzava o rio para o bosque e caçava algum animal, que às vezes vendia às vezes comia ele mesmo. Na teoria não podia caçar no bosque, pois era propriedade dos Yel, além do Reino de Lorval e das terras de Funok. Mas na prática ninguém se importava.

Então Orel limpou o castelo como pode, organizou um pouco as coisas e trouxe alguns moveis de uns cômodos para os outros, desceu os lustres e tirou a cera antiga, colocou velas novas, pois havia um grande estoque destas no porão. Tirou os tapetes para limpá-los, e nunca viu tanta poeira. Até mesmo subiu na torre até seu topo e estudou o mastro, mas este estava sem a corda para hastear a bandeira, a qual ele tinha nos seus pertences.

E mesmo assim, mesmo com o castelo aos poucos mudando de cara, o mais importante faltava. Foi quando chegou o convite de Lorde Galleo para um almoço.

— Galleo não vem pra cá. — Basri disse para Orel. — Depois do Lorde Pilos, todos acham que isso aqui é amaldiçoado. Ninguém quer ficar no castelo.

— Galleo provavelmente quer conversar sobre o imposto sobre a propriedade. — Orel disse temeroso. — Se ninguém vem aqui, como posso esperar gerar qualquer lucro?

— Não olhe pra mim, eu só cuido da casa quando não tem mais ninguém para fazer isso.

E Basri estava certo. Orel não podia contar com ele, não havia como um caseiro que sequer sabia ler lhe ajudar com aquela situação se não trabalhando, mas o trabalho em si não era o bastante, pois não haveria moeda sendo produzida pela labutação.

Então quando Orel deixou Funok, com o cavalo de Basri, foi se encontrar com Galleo temendo ser o momento em que seria jogado para fora de casa, a casa que sequer havia pedido. Ele sabia o que fazer, mas seu orgulho o impedia.

A estrada era aquele caminho vazio de antes, os campos pertenciam a ele, mas estavam tomados pela daninha. Mais a frente outras pequenas fazendas e assentamentos ilegais podiam ser vistos, com pessoas trabalhando no campo ou nos pastos. Ninguém o percebia como alguém especial porque ninguém o conhecia ainda. Então passou pelo povo sem muito alarde.

Pensou até mesmo em cumprimentar alguns, fazer-se notar, mas que bem aquilo traria de imediato? A Vila Magmun era um aglomerado de casas simples, com um centro de comércio pequeno em uma praça redonda aonde convergiam todas as vias do vilarejo, como um grande coração pulsando para todos os cantos. Ali também ficava a via principal, e única cascalhada, que levava para o casarão de Galleo, aonde Orel foi.

Na frente da construção um grupo de manifestantes fazia uma balburdia organizada, não atrapalharam sua entrada, mas lançaram olhares fulminantes. Eram quase trinta pessoas, e na porta da residência havia apenas cinco guardas. Isso não é o bastante nem para impedir uma criança de roubar maças.

Desceu de seu cavalo e apresentou-se, e depressa foi levado para dentro, aonde uma empregada pediu seu casaco, outra lhe trouxe uma tina de água para lavar as mãos e uma toalha. Orel fez todos os rituais comuns para convidados, agradeceu a todos, e então perguntou aonde estava Galleo.

— Aqui, meu amigo. Somos ambos novatos nessa terra então? — Galleo era um homem franzino de ombros torcidos para frente como se carregasse muito peso nas costas a vida toda, cabelos dourados que desciam até seus ombros, encaracolados e olhos azuis. Embora qualquer homem fosse ficar esplendido com aquela complexão, Galleo fazia parecer um mendigo se não fosse as roupas, tinha olhos cansados por trás do belo azul e o cabelo embora encaracolado lembrava sujeira e não leveza, sem sequer balançar quando ele balançava a cabeça. As roupas eram limpas, o que mostrava que aquela aparência frágil era na verdade sua aparência normal.

— Lorde Galleo. — Com uma reverência, tal como tivera aprendido nas aulas de etiqueta em Lorval quando ainda era menino, Orel se apresentou para o lorde daquela terra.

— Senhor Orel. — Galleo apontou para o salão. — Pedi que preparassem pato caramelizado, espero que agrade.

— Mais do que as batatas assadas que tenho comido em Funok, com toda certeza.

— Oh, tem bom senso de humor. — Galleo sorriu sem jeito, então foram se sentar.

O salão aonde pararam era como um espaço para bailes, todo em tons avermelhados com quadros nas paredes e vitrais do outro lado. Com vista para a rua lateral à via principal, como uma alça de acesso para carruagens.

A criadagem havia preparado uma mesa pequena para os dois, e havia um bardo no canto do salão, com uma gaita tocando baixo uma melodia que quase se perdia até chegar às orelhas deles, pois do lado de fora os manifestantes aumentavam o tom de voz e agora a balburdia parecia intensificar-se.

— Eu sei que é difícil erguer Funok, depois de tudo que aconteceu. O povo passou dos limites, o rei já iria agir, mas as coisas escalaram tão depressa...

— As coisas parecem estar escalando lá fora. — Orel disse apontando para os vitrais. Podiam ver as silhuetas na rua, urgindo com seus ódios por qualquer coisa que Orel sequer imaginava o que era.

— Isso, não... É bobagem, acredite. O que tenho, digo, precisava conversar com você, é sobre os impostos, entende? Queloyn demanda uma certa quantia de Vila Magmun, algo bem razoável para nossa população.

— Que é?

— Atualmente? Quase cinco mil pessoas, acho que dessas umas duas mil conseguem trabalhar.

— Você diz “acho” com o rei? — Orel perguntou e Galleo engasgou com o pato. — Deve saber qual minha situação com o castelo, não?

— O rei apenas disse que traria alguém que faria as coisas funcionarem...

— Eu? — Orel abriu um largo sorriso ao ver a hesitação de Galleo e então começou a buscar ar entre as risadas de desespero. Queloyn quer nos ver queimando, só pode. — Vou lhe contar uma coisa; não converso com meu pai, fugi de casa para Moogul aonde vivia em uma pensão trabalhando de dia para comer de noite, sequer sabiam que eu era filho de nobres por lá. Vim aqui porque aparentemente fui o único imbecil da família, pensei que teria uma fazenda e umas cabeças de gado, que teria empregados e como produzir algo, mas Funok atualmente é um amontoado de pedras bonitas e geladas com um homem lá dentro; eu. Não há dinheiro em Funok.

— Porém Queloyn demanda que os impostos sejam pagos...

— Queloyn nos trouxe aqui por que? — Orel se levantou e deu uma volta na mesa olhando para os guardas, que ao ver que ele se levantou ficaram em prontidão. Com aquilo ele riu, ainda mais que Galleo franziu os já tortos ombros, como se tivesse ficado com medo.  — Não estou negando pagar os impostos, mas o ouro que tinha foi roubado por eles. — Apontou para o vitral, para os manifestantes na viela. — E o lorde não fez nada a respeito, nem o rei. Pelo meu ponto de visto estou apanhando de dois lados aqui, e não vou ficar apanhando sem bater de volta, acontece que nem mesmo espadas eu tenho.

Orel disse, caminhando até um dos guardas de Galleo, e esticou os braços para ele, se rendendo.

— Pode me prender, meu lorde. — Disse lançando um olhar para Galleo que parecia incriminar o lorde. — Ou podemos conversar um empréstimo. Vou dobrar o dinheiro que me der, independente do valor, é o que faço, e sempre fiz muito bem. Então Funok será produtiva uma vez mais, é uma promessa.

Galleo ergueu o indicador, fazendo que sim com a cabeça, um sorriso acanhado, sem jeito.

— Só que... Magmun também não tem o dinheiro. — Galleo pareceu nervoso a ponto de ter uma crise. — Eu te chamei não pra cobrar, mas para pensarmos, duas cabeças pensam melhor que uma, o rei já colocou dois e não um só para governar por causa disso, não quero ser egoísta aqui, na verdade podemos até dividir o lucro da cidade, caso ela chegue a produzir algum...

Orel perdeu o interesse em Galleo quando o homem perdeu toda sua compostura. Começou a falar sobre números, e como Vila Magmun estava afundada nas dividas da construção do castelo Funok. Pilos sugou cada moeda que pode para erguer aquela maldita torre. Não é surpresa que tenham decidido jogar ele de lá.

Esperou o Lorde encerrar seu discurso, sumarizado não dizia nada além de um pedido de socorro. Queloyn o cobra, tal como o rei deve fazer, e Galleo precisa do dinheiro, ou sabe-se lá o que o rei fará. Orel não sabia muito sobre Queloyn Ferenc, Rei de Lorval, o homem não tinha entrado em nenhuma guerra e isso já era bom o bastante, mas todos diziam que a quinta era seria de paz e não de guerras, então na verdade não havia mérito nenhum em ser rei. E Orel, mesmo sendo um homem pacifico, aprendera com sua família que só se sabe a real natureza de um homem quando o vê em guerra. Ninguém sabe quem realmente é o rei.

— Não se pode fazer dinheiro sem dinheiro. — Orel respondeu para Galleo. — Um empréstimo é o único caminho, negocie com Queloyn com uma taxa de juros baixa para retornarmos o pagamento em cinco ciclos no máximo. Temos a infraestrutura para criar lucro, só precisamos do pontapé inicial...

— Queloyn não emprestará mais dinheiro. Seu primo fez um empréstimo com o Rei, mas não no nome de Senhor de Funok.

— Ele deixou a divida com os cofres da vila. — Orel quase comemorou, mas sabia que aquilo não ajudava ninguém. — E o dinheiro foi para o castelo. Maldito bastardo Pilos, começo eu mesmo a querer te matar. — Reclamou sozinho em voz alta.

— Tem alguma ideia? Algo que possamos fazer, porque eu nunca pensei que governaria, não estou aqui para intimidar ou mentir sobre nada, estou pedindo ajuda! — Galleo disse, praticamente com o coração na mão. Gostaria de entender o que é buscar trazer orgulho para a família. Orel queria suceder para trazer sua esposa ali e ser feliz, não por buscar aceitação ou redenção, mas Galleo parecia querer provar algo para a família Magmun de onde vinha, provar ser capaz, mas bastava olhar para o homem, ele não era.

E como sinal disto, a vidraça se rompeu em centenas de estilhaços, um tijolo atravessou-a e caiu perto do bardo. Lá de fora os gritos inflamados, agora sem vidro cortando o som, pareceram ficar duas vezes mais fortes. Uma briga começara.

Orel olhou atônito para o vitral estilhaçado, e quando tornou-se para trás Galleo havia sumido.

— Aonde...

— Se esconder. — O guarda respondeu sem sair de sua posição. — Escritório no andar de cima, escada à direita.

Orel olhou mais uma vez para os manifestantes. Dentre o povo comum havia alguns encapuzados. Os malditos organizadores da bagunça.

Virou-se e foi para o escritório.

A casa de Galleo em nada fazia menção àquela escassez de ouro que ele dizia passar, nenhuma regalia havia sido cortada, quando bateu na porta do escritório antes de entrar, sentiu o óleo para tratar madeira, ainda fresco. O chão era polido a ponto de ver seu reflexo na madeira. Os tapetes estavam limpos e aonde olhasse não via poeira, além da legião de empregados e criados para todos os lados. Enquanto há uma falta gritante de guardas. Se os baderneiros quisessem invadiriam esse lugar e arrastariam a nós dois como fizeram com Pilos. Temendo a simples ideia, afastou o pensamento da mente e entrou antes que Galleo o chamasse.

Pegou o Lorde Magmun com a mão nas bochechas, limpando lágrimas.

— Perdão por isso. — Ele pediu para Orel fungando e tentando se recompor o mais depressa possível, mas Orel já havia visto, o estrago estava feito.

Então o Senhor de Funok fechou a porta atrás de si.

— Recomponha-se já, homem.

— Isso é ridículo, toda a situação. Injusto até. Lá fora, o marmanjo puxando os cordões desses fantoches que fingem se importarem com Magmun é Geodenes, o antigo Lorde. Ele faz um inferno de tudo que eu tento fazer, até arruinar. Ele e seu exército de descontentes...

— Pare de chorar como uma criança, por Árion, aonde isso vai parar?

— O que quer que eu faça? O povo prefere ele, não sou uma boa escolha, preferiria mil vezes ter continuado em Lorval com minha família ao invés de estar aqui mediando brigas pífias sobre quem tira mais leite de vaca. Esse lugar todo é errado, essa gente é pouca e tudo parece ser tão importante quando na verdade é tudo irrelevante! Queloyn só se importa para não parecer fraco, mas advinha nossa relevância no reino? Nenhuma. Se deixarmos de existir ninguém sentirá falta, mas explica isso para esses animais, para Geodenes...

— Chega! — Orel bateu com a mão aberta contra a porta, fazendo um barulho alto o bastante para Galleo se calar. Soluçando o lorde silenciou a reclamação. Abriu a porta. — Trouxe um convite para você, herdou um castelo nas terras de sua família, oportunidade de ouro. Facilitador falso feito dragão de água.

Orel desceu as escadas reclamando. Os guardas olharam para ele, ali no hall eram dois mais um que estava na porta do salão aonde ele tinha almoçado e deixado o almoço pela metade.

— Senhor, não acho bom...

Ignorando o aviso do guarda, Orel continuou seu caminho para fora da casa, abriu a porta e desceu as escadas da varanda até a rua, contornando-a sem hesitação enquanto os arruaceiros lhe lançavam olhares ameaçadores, ele sequer os respondia.

— Geodenes. — Gritou uma vez, andando entre os manifestantes. — Tire esse capuz e fale comigo.

No meio do grupo os encapuzados foram se agrupando, formando um círculo ao redor de Orel. É assim que eu morro? Se perguntou sentindo medo, mas manteve-se parado olhando para frente até que finalmente um dos homens tirou o capuz, revelando seu rosto de olhos claros e cabelos castanhos. Era um homem mais forte que Galleo, fosse pelo semblante ou pela constituição física. Mas já era, de fato, um homem. Velho demais para estar armando aqueles circos.

— Quem é você?

— Além da total incapacidade de governar de Galleo, por qual motivo você se opõe a ele?

— A cidade é minha, por direito. — Geodenes respondeu em prontidão, limpou a garganta. — Não respondeu...

— Meu nome é Orel Haradram, herdeiro, por direito de sucessão, do castelo Funok, apontado pelo Rei Queloyn para estar aqui, e curioso de porque um nobre atacaria sua própria família com tijolos.

— Aquilo? Um danado dentro dos demais, sempre tem.

— Nada que você tenha ordenado então?

— Está me interrogando, lorde de coisa nenhuma? — Se colocou na frente de Orel, mostrando ser alguns dedos maior que ele, tentando intimidá-lo. Os demais na roda riram.

— Estou tentando te entender. — Orel olhou para os lados, ninguém parecia de fato querer lhe atacar, mas tudo podia mudar. Escolha com cuidado as palavras. — E agora mais que tudo estou tentando fazer essa cidade funcionar.

— E eu estou te atrapalhando? — Perguntou com deboche para Orel.

— É, bem por ai. — Orel então estufou o peito, recuou um passo e gesticulou. — Você foi deposto pelo Rei, não por mim, e mesmo então respeitava a autoridade de Pilos, mesmo ele sendo o responsável pela desgraça que esse lugar se encontra. Seja lá o que tenha conversado com Pilos, tenho certeza que eu e você também podemos chegar a um acordo. Afinal, não sou lorde algum e não é esse o título que busco.

Foi um segundo de silêncio, a hesitação nos olhos de Geodenes foi tudo que Orel precisou para saber ter acertado a ferida. Ele quer ser Lorde de novo, felizmente não é o que eu quero, nossos interesses não se cruzam, não somos inimigos, mas Galleo é inimigo dele, e o mais próximo que eu tenho de um aliado.

— Você não tem nada de igual a Pilos. — Geodenes disse com veemência.

— Você não faz nem ideia de como está certo! — Orel sorriu um falso riso para Geodenes, se virou e passou pelos homens encapuzados, esbarrando ombros, deixando eles lhe mutilar com os olhares de ódio.

Sim, Galleo terá de ser o aliado. Se o encontro servira de algo foi para deixar claro como o céu ao meio-dia; Geodenes não aceitaria menos que tudo, e isso incluía Funok.


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