DeH; A Maldição do Castelo Funok escrita por P B Souza


Capítulo 10
III




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Não demorou mais de uma parte-de-ciclo (isto é, quarenta e cinco dias), e o milharal se encheu de espigas mesmo estando fora da época. As mandiocas, mortas, foram descobertas por terem crescido mesmo mortas, grandes e suculentas, depois de cozidas ficavam moles como batatas, e batatas... Nunca Magmun teve uma colheita tão farta destas.

Os poucos animais que restavam finalmente tiveram pasto para se alimentar, e tão depressa quanto as verduras floresciam, estes engordaram. As fêmeas ficaram cheias, até mesmo as que não estavam no cio. E, por algum motivo desconhecido, comerciantes surgiram sem nenhuma propaganda para comprar de tudo que ali era produzido, trazendo moedas, que tão logo vinham, iam.

Anelamo tornou-se Lorde de Magmun no centésimo ciclo da quinta era, com Galleo lhe entregando a coroa de livre e espontânea vontade. Os cofres se encheram e as dividas foram pagas no ciclo seguinte.

Galleo viajou de volta para Lorval, deixando o passado para trás, viveu sua vida na casa da família Magmun de Lorval, às custas das provisões que vinham de Magmun para sustentar o lugar, e dos outros familiares.

Anelamo casou-se com a mais bela camponesa do vilarejo, e tão depressa quanto as plantações floresciam, a mulher engravidou. E todos tinham paz, e todos eram felizes.

Até mesmo em Funok.

Lá nada de novo acontecia. As assombrações continuavam lhe atormentando e Tenissa continuava com o colar. Não havia proteção para a mente se não sua força própria, alegrava-se apenas de estar segura fisicamente, o resto sabia que suportaria.

Usava os diários para aliviar a tensão, ali anotava tudo que via, ouvia, e testemunhava por qualquer outra experiência que fugia dos sentidos comuns, mas às vezes palavras não eram o bastante para descrever os tormentos impostos pelos espíritos.

Dia após dia, cada sol e lua trazia uma batalha diferente, e às vezes chorava, Jeniz, sua filha, lhe perguntava o que acontecia, e então chorava mais ainda. Uma herança maldita é o que lhe deixo. Em desespero pensava no futuro da filha, mas quem mais poderia assumir aquele lugar?

Apenas ela sabia a verdade por extensa, apenas os Turenc sabiam lidar com aquilo. Foi por isso que o rei nos colocou aqui. Quando tudo era demais, ela pegava a carta de Queloyn e lia as palavras do Rei; “apenas você foi capaz, dentre todas as escolhas, escolhi a melhor”.

Seu orgulho pulsava em seu peito, como uma chama eterna que a mantinha ali. Só nós podemos fazer isso, os demais têm medo demais para fazer o que é necessário.

— Senhora Turenc. — Uma das criadas então chamou, subindo as escadas pulando degraus.

Tenissa estralou as costas na sua cama abrindo os olhos. Pensando no que poderia ser. O sol mal tinha nascido e sua luz entrava fraca pelas janelas fechadas. Dia nublado. Ela pensou se sentando na cama quando a criada abriu a porta entrando no quarto da torre.

— O que aconteceu? — Perguntou coçando os olhos.

— A mulher que não tem nome. — A criada disse da porta mesmo. — Está no portão, desesperada, senhora.

A bruxa. Nem mesmo Tenissa sabia o nome dela, ouvira nomes diferentes, nunca perguntou, sabia das histórias. Elas nunca falam seus nomes. Se levantou olhando para a janela.

— Abra, mande-a entrar. — Disse abrindo a janela com um empurrão.

Lá fora o jardim estava úmido com o orvalho e no horizonte havia névoa cobrindo a vista. Dali dá torre podia ver bastante além das colinas próximas, mas não dava para ver o vilarejo. Porém hoje mal se via para além do portão que os guardas abriam.

A bruxa entrou, desesperada, correu para a porta e Tenissa apenas teve tempo de jogar o roupão por cima de seus pijamas. Desceu as escadas para encontrar sua convidada inesperada no salão, de testa suada e mãos tremulas.

— Eu não posso ficar aqui, eu só pensei... — Ela gaguejou, olhou para Tenissa e correu para a mulher, abraçando ela. — Eles estão vindo, o lorde, com uma fogueira. Ele está vindo, e eu tive que correr...

— Se acalme agora. O que fez? — Tenissa segurou ela pelos ombros, com força, tentou fazer a bruxa se recompor.

Levou alguns minutos até que conseguisse tirar sensatez da mulher.

— Eu sai antes do sol nascer, para usar a luz e o sol, energizar as pedras de Roswattar, não cheguei a voltar, vi o fogo, de longe. Usei a energia para ver além, e vi Anelamo, archotes, guardas. Minha cabana em chamas... Não devia ter vindo aqui.

— Não, não devia. — Tenissa dava voltas de apreensão. — Chame o chefe da guarda, quero um batedor cem metros da propriedade, com corneta para avisar se qualquer um se aproximar. Portões e portas trancados, ninguém entra ou sai do castelo. — Disse para uma das criadas que saiu correndo para o jardim. — Escute, vou cuidar de minha filha e já volto para lidar com você.

— Mãe? — Jeniz então apareceu. Não era uma criança, mas sim uma mulher feita, com seus vinte e um ciclos já completos. — O que está acontecendo?

— Pegue o mínimo de peso possível contra o máximo de coisas necessárias e vá agora para o acampamento no bosque. Mande os homens de lá virem com lanças e espadas se puderem, que o castelo corre risco incontestável. Vá agora Jeniz. — Tenissa correu até a filha, olhou ela nos olhos vendo o reflexo de sua mocidade. — E não volte até que ouça de mim.

— O que aconteceu? — Jeniz perguntou para ela. Tenissa se lembrou do dia que jantou com Anelamo e dormiu com o homem na poltrona da biblioteca, enquanto Jeniz estava adormecia nos quartos ao lado.

— Se não ouvir de mim contorne desça a até a estrada do ouro, vá como viajante e perca essas roupas nobres, então siga até Vila Alta, lá encontrará apoio.

— Mãe...

— Vá! — Tenissa berrou por cima do silencio da manhã e o silêncio se intensificou.

Jeniz abraçou a mãe, um abraço forte. Sem mais se virou e saiu correndo para seu quarto.

Quando Tenissa se virou, lá estava o capitão de sua guarda, ao lado da bruxa.

— O que exatamente estamos esperando? — Tenissa perguntou para a bruxa, olhando o capitão de soslaio, lhe deu bom dia com um maneio de cabeça e moveu os lábios sem falar nada de fato.

— Algumas dezenas de homens. — A bruxa então se levantou e limpou as lágrimas. — Eu estava com medo e não pensei no que fiz, nunca deveria ter vindo, é um risco para você, deve seguir o trabalho que o rei lhe deu. Entregue-me...

— Se Anelamo a quiser, terá que toma-la a força...

Então a corneta soou distante.

Os três trocaram olhares.

— Cinco homens com ela. No porão. Tranquem a porta atrás de vocês. — Tenissa disse sem pestanejar. Já havia vivido o bastante para saber o que fazer naquelas situações. — Todos os funcionários devem fugir também. Saiam já, pelos fundos.

— Senhora? — A criada olhou confusa para Tenissa.

— Voltem amanhã normalmente, Jeniz estará aqui se eu não estiver.

— Anelamo e você não eram amigos? — O chefe da guarda perguntou tentando não soar presunçoso.

Tenissa apontou para a porta, e começou a andar.

— Não existem amigos em política. Ele precisava de mim, e eu precisava cumprir minha promessa para o Rei. Só isso.

— E foi só política? Senhora...

— Vamos torcer que não. — Tenissa abriu um fraco sorriso de canto, e então chegaram no portão.

O muro em arco tinha ameias no topo, e lá havia cinco de seus guardas. Algumas dezenas... Bom, é isso que eu tenho também. Haviam barrado o portão com as alavancas e cadeados prendendo duas grandes barras de muro a muro, impedindo que o portão fosse aberto, mas isso só funcionava empurrando o portão para dentro da propriedade.

Pela névoa os cavalos e seus cavaleiros surgiram. E mais que isso, surgiu um cavaleiro de branco, uma túnica simples com uma estrela disforme no peito, em traços negros. Na mão uma lanterna com um fogo amarelo-esverdeado soltando uma fumaça cinzenta. Um licnóbio, tinha que ser. Anelamo era um homem da fé de Árion, bastava as palavras certas para fazê-lo tremer de medo ante a fúria do dito bom deus que os homens adoravam.

Tenissa era uma mulher da terra, sabia que os homens adoravam deuses, por isso existia Árion, Arcaia, Eleazar e todos os outros. Não significava que eram reais ou que eram divinos, apenas que os homens queriam que fossem. Infelizmente esse querer é o bastante para fazer inocentes sangrarem.

— Fique com isso. — O chefe da guarda então lhe passou uma adaga. — Caso precise.

Tenissa fez que sim para o homem e colocou a faca protegida pela bainha de couro na sua cintura.

Anelamo e o licnóbio desceram dos cavalos, foram até o portão. Anelamo usava uma espada a tiracolo na sua anca esquerda.

— Podemos conversar como civilizados? — O lorde de Magmun perguntou.

— Você quem trouxe o exército ao meu portão. — Tenissa respondeu. — Podemos, você do lado que esta, eu desse.

— Sabe que eu tenho a cópia da planta de Pilos, não é? Meus homens estão contornando o castelo até a entrada do bosque aonde não tem muralha alguma. Agora, estou te falando isso porque quero ser civilizado com você. Não estou atrás de você nem do seu povo.

— Hoje. — Tenissa completou, olhou para trás. O chefe da guarda já dava as ordens. — E quando decidir que também fiz bruxaria? Ou melhor, e quando ele decidir?

Ela disse e então encarou o Licnóbio.

— O trabalho do senhor não é punir uma Senhora em seu castelo, mas sim a daninha que a influenciou com histórias blasfemas. — O licnóbio proferiu com sua lanterna balançando de um lado para o outro pela corda de argolas de aço. — Ainda está sob os efeitos da bruxa, se a defende.

— Bruxa? Não sei do que está falando...

— Tenissa, me deixe entrar, vamos resolver isso...

— Se a quiser terá que tomá-la de Funok, e se o fizer saberei o tipo de homem que é. O que derruba seu próprio sangue para magia negra para conseguir o trono, depois caça a bruxa que lhe concedeu...

— Eu já sei da história, apocrasta. — O licnóbio disse, e então atraiu um olhar de reprovação de Anelamo.

— Vai me acusar de apocrastia? — Tenissa quase riu. Nunca uma nobre fora acusada de tal crime.

— Se continuar defendendo uma bruxa deliberadamente...

— Ela está sob influência. — Anelamo disse para o licnóbio recuando alguns passos enquanto um dos homens com a armadura Magmun vinha com uma corrente e gancho. — Mas isso não vai me impedir de entrar.

— Tenissa. — A bruxa gritou então. Tenissa olhou para trás. A bruxa estava na soleira. — Deixem que me levem...

— A Bruxa! — O Licnóbio proferiu como se visse o próprio dragão. — Ela se rende, mulher. Não faça disso mais difícil do que tem de ser...

— Fique onde está. — Tenissa disse apontando para a bruxa, então olhou para o soldado prendendo o gancho na barra do portão. A corda levava até cavalos mais a frente. — Se der a ordem os arqueiros vão disparar. — Ameaçou Anelamo. O lorde e o Licnóbio recuavam, peitos expostos.

— Se uma única flecha for lançada será massacre. — Anelamo disse uma última vez. — Vai abrir o portão?

Tenissa, parada no jardim, um braço esticado para a bruxa e outro apontando para Anelamo. A bruxa parada na soleira, olhando com apreensão e Tenissa sentindo o coração acelerar.

— Não! — Tenissa disse.

Então Anelamo se virou e saiu andando para seus guardas com escudos.

— Disparem! — Tenissa berrou para seus arqueiros nas ameias.

A corda foi tencionada. O portão rangeu.

No jardim suas tropas já haviam surgido, organizadas.

Então a chuva de flechas... Não lá fora. Mas no jardim.

Tenissa ergueu a cabeça, assustada. Uma flecha passou em seu braço, de raspão, rompeu a carne abrindo um corte e fincou-se no chão. Mas dois de seus guardas não tiveram a sorte. Caíram.

Seus arqueiros nas ameias também disparavam, mas a velocidade era inferior. Um a um caiam.

— Se protejam. — Tenissa berrou para eles, recuando com a bruxa para dentro da casa.

O portão então silvou como um monstro, e a barra entortou o bastante para ele se abrir com um estalo alto, batendo contra as colunas externas.

Foi um momento de silêncio.

— Rende-se? — Uma voz surgiu no silêncio.

Ela, porém, não pretendia entregar a bruxa que havia possibilitado tudo o que tinham. Não respondeu.

Seus guardas tinham espadas e escudos nas mãos. Olhavam para ela, na porta, e então para o portão arrombado. Cadê o chefe da guarda? Ela pensava imaginando o que havia acontecido com os invasores dos fundos.

Um silvo agudo, como um assovio, subiu no céu. Um único estouro sonoro, forte e seco. Então a correria dos soldados de Anelamo, atravessando o portão em fileiras, escudos os protegendo das flechas, espadas em mãos.

Os guardas avançaram também.

Tenissa fechou a porta da torre contra a cena quando as duas forças colidiram.

— Tenissa, é loucura. Eu não sou valiosa o bastante para isso, mande que parem...

— Se proteja agora! — Tenissa olhou para o salão, algumas criadas estavam ali, curiosas. Junto delas estavam os cinco guardas. — Ninguém ficou no porão? O que vocês ainda fazem aqui? Mandei que fossem embora, isso é uma guerra!

— O porão é amaldiçoado senhora. — Uma delas respondeu.

Até mesmo os guardas não pareciam querer discutir sobre aquilo. Péssima ideia o porão. Ela sequer tinha como negar, mas não era o porão que carregava a maldição. É toda essa terra e esse banho de sangue... O sangue.

— Você não pode fazer algo? Com todo esse sangue caindo, com toda certeza...

— Já estou fazendo. — A bruxa disse em um tom baixo para Tenissa. — Pelos seus homens, mas não... Não é o bastante.

Do lado de fora, no jardim, as espadas se batiam intensamente. Podiam escutar berros de guerra, dos valentes aos que morriam. Os escudos se chocando trincavam, eram deixado de lado e as espadas se tornavam armas de ataque e defesa. Os soldados caiam, dos dois lados. E por cima podiam ouvir um cântico. O Licnóbio cantava por cima da dor dos guerreiros, do sangue deles.

Lá dentro a bruxa fazia o mesmo, em um silêncio profundo ela mexia seus dedos, os olhos fechados, como se seu corpo estivesse ali, mas ela em si estivesse distante.

Então outro som, este longe deles. uma porta foi arrombada. O som ecoou nos corredores do castelo junto dos passos de homens correndo, se batendo, gritos e pancadas, moveis se quebrando, vidro. Estão na cozinha, ou no corredor e é janela externa.

Os cinco guardas que estavam ali correram para proteger. Tenissa e as demais mulheres. Tenissa foi puxando a bruxa pelo braço enquanto ela com olhos fechados se encontrava em transe.

Surgiram sombras no corredor debaixo da escada.

— Vamos subir para a torre.

— Sem saída alguma...

Então os guardas, do lado de fora, se bateram contra a porta, o combate chegara até ali na soleira. A violência exacerbada fez berros guturais de morte entrarem pelas frestas da porta como se um chamado para rendição. Os cinco guardas olharam para trás, para a porta, e então de volta para o corredor no lado oposto do salão quando os inimigos surgiram.

Eram sete os homens de Anelamo, com armaduras amarelas, sujas de sangue, mas junto vieram mais três dos guardas de Tenissa, apanhando o caminho todo até o salão, eles recuavam.

— Ataquem! — Tenissa berrou tomando a dianteira, esticou o braço apontando para eles.

Os cinco guardas foram ao socorro dos três demais.

As espadas se chocaram contra os sete de Anelamo.

As criadas berraram ao ver combate de perto. Toda vez que um golpe acertava, sangue esguichava e elas berravam.

Tenissa, porém, focou em outra coisa. Do lado de fora o combate silenciava. E ninguém veio bater à porta, perdemos. Com cuidado para não chamar atenção, ela deslizou pelas criadas que haviam ficado e foi até a porta da torre. Lançou um olhar para seus cinco guardas, apenas quatro etavam de pé, um deles havia um rasgo no ombro até o peito com a espada cravada na carne, lavando o chão de vermelho ao lado do soldado que havia derrubado. Eram cinco os de Anelamo de pé.

Então um deles correu para fora do grupo em luta, correu para as criadas.

Tenissa tinha a mão na maçaneta, ia sair, mas viu o que aconteceria.

Empurrou as criadas, uma mão abrindo caminho e a outra puxou a adaga de sua cintura entre a calça do pijama e a pele. Seu roupão farfalhando.

O soldado veio com a espada erguida. Tenissa abaixou-se como se corresse por baixo de uma mesa. O soldado desferiu o golpe para decepa-la, e por isso perdeu o ataque, deixando que ela fosse parar nas suas costas.

As criadas berraram. A espada deu outro suingue, de cima para baixo e sangue subiu ao teto junto do grito do soldado de Anelamo.

Uma das criadas perdeu metade do rosto. O soldado se virou com a faca fincada nas suas costas. Com a mão livre agarrou Tenissa pelo pescoço, girou a espada enquanto a criada acertada caia nos braços das outras, que tentavam remediar a morte certa.

Tenissa sentiu a morte chegar perto.

A espada do guarda encostou no seu peito, e então duas mãos surgiram nas têmporas dele. A bruxa o segurava como se fosse massagear suas orelhas, mas não era massagem. Sangue escorria dos olhos, das orelhas, boca e nariz.

A porta da torre foi escancarada com um pontapé, acertando uma das criadas ajoelhada ajudando a que fora ferida na face.

A bruxa puxou a faca das costas do soldado, que caiu morto nos pés dela e de Tenissa. Então os soldados de Anelamo entraram pela porta, rendendo as mulheres que já estavam no chão, com as mãos erguidas pedindo misericórdia.

Atrás deles, no salão, o último guarda de Tenissa brigava com o último guarda de Anelamo ao redor dos corpos caídos dos dois lados.

Tenissa soltou os ombros, era uma batalha perdida.

O guarda, porém, não rendeu-se. Então os demais soldados o cercaram, até que não houvesse escolha, o homem continuou girando de um lado para o outro, tentando ser valente até o fim conforme em um círculo de covardes os soldados de Anelamo o pressionavam até acertarem consecutivos golpes fracos demais para matar, jogando-o de joelhos no chão apenas para na humilhação de tê-lo desarmado, chutarem o homem no chão e fincarem, lentamente, a espada em seu peito.

Depois que sobrara apenas as criadas rendidas no hall circular da torre e o Tenissa ao lado da bruxa na entrada do salão, Anelamo e o Licnóbio entraram. O lorde Magmun olhou para as criadas, então fez um sinal com a mão e os soldados as libertaram, mandando que saíssem dali.

Elas correram sem hesitar. Tenissa então estufou o peito olhando para o homem que fizera lorde. A ingratidão dos homens.

— Não posso tolerar magia em Magmun. Não mais, Tenissa. — Anelamo disse como se aquilo desculpasse as ações ali feitas. — Não precisava disso...

— Não, não precisava. Poderia ter exilado ela. Poderia ter me exilado. Poderia ter pagado para ela ir embora. — Então olhou para o Licnóbio — Mas você e seu cachorrinho adestrado queriam sangue, porque são bons homens de deus!

— Exílio e suborno. — O licnóbio pareceu entretido com as palavras. — Exilar uma pecadora... A fé trás purificação através de redenção.

— E ela teve uma chance de se redimir?

— Tenissa... — A bruxa pediu, como se quisesse que Tenissa parece de tentar, mas o Licnóbio interrompeu.

— Magia corrompe a mente daqueles que dela usam, é uma fonte que vicia, degrada, destrói. Tal como a bebida em excesso para o fígado ou fumar danifica os pulmões.

— Nesse caso tiramos a bebida e o fumo, mas não arrancamos o pulmão ou o fígado.

— Magia corrompe um bem mais precioso que esses corpos mortais. Carne apodrece e se desfaz, mas a alma é eterna e do véu vem, para o véu retorna. Quando usamos magia, quando dobramos o véu para nossa vontade, maculamos nossa alma, e quando nos formos mancharemos o véu com essa mácula. Então quando sua energia voltar para esse plano na forma de outro corpo, voltará já maculada, já ruim desde o nascimento. Não há redenção para quem usa magia porque a mancha eterna ecoa nesse plano e no próximo, e volta para esse, se alastra como daninha e infecta inocentes no caminho. Como fez com você! — O licnóbio explicou, com um súbito pesar. — A fé não tem prazer nisso. Não estamos aqui para matar, mas se for preciso, pelo bem da luz, faremos o desejo de Árion. Vamos assegurar que a luz de Árion não finde por culpa de bruxaria.

— Anelamo. — Tenissa olhou para o Lorde, olhou para ele querendo encontrar o homem de antes daquilo. — Você é lorde pela profecia, porque sabíamos o que fazer, porque ela nos disse. Não destrua a mulher que lhe fez...

— Um dia você me mostrou seus braços e suas cicatrizes, porque derrubou seu sangue nessa terra para deixar a bruxa usar sua energia, sua alma! Eu fiz o mesmo, sem querer. Ela armou tudo aquilo, as facas no alce empalado, o corte no meu braço e as três gotas de sangue. Não foi profecia, foi um plano destorcido e meticulosamente criado para ela chegar ao poder. — Anelamo se aproximou de Tenissa, pegou o braço dela, olhando o corte da flechada, ocupando o espaço entre a bruxa e Tenissa, fazendo a mulher andar alguns curtos passos. — Você e eu sangramos pensando ser o futuro, mas era ela o tempo todo. Eu tive que fechar a ferida, eu me purifiquei.

Então soltou Tenissa, tirou suas luvas mostrando mãos queimadas e deformadas pelas chamas até quase os cotovelos.

— Então queimem as mãos dela...

— Você sabe que não funciona assim. — Anelamo falava em um tom baixo, fúnebre. — Por você e pelo que ela nos deu, terei clemência. Não deixarei que a queimem viva.

— A prendera...

— Decapitação. — Anelamo respondeu para Tenissa.

Então a mulher entendeu o que ele fez se colocando entre ela e a bruxa.

— Não...

Mas Anelamo a segurou.

— Levem a bruxa. — Disse puxando Tenissa.

Os guardas pegaram a bruxa e a escoltaram para fora do castelo, passo a passo.

Tenissa viu pela porta o toco preparado no jardim.

— A treva que se instalou no coração da mulher precisa ser expurgada com licnitide e licodite. — O licnóbio disse para Anelamo. — Não adiantará mata-la, seu corpo sem alma não pode ser expurgado...

— Tudo bem. — Anelamo disse por cima do Licnóbio. — Então o corpo será enterrado.

Tenissa sentiu uma pontada de orgulho, como se no fundo ainda houvesse resistência de Anelamo às ordens do Licnóbio que desejava queimar viva a bruxa para expurgar a magia negra de sua alma usando licnitide, uma planta sagrada, e licodite, o pó que ficava dessa mesma planta depois de queimada.

Lá fora a bruxa sou forçada a se ajoelhar contra um toco que os soldados haviam trazido do estábulo. Só haviam soldados de Anelamo. Todos morreram.

— E o que acontecerá comigo? — Perguntou para Anelamo quando ele a largou.

— Continuara o bom trabalho que tem feito em Funok. — Ele disse indo para a porta.

— A bruxa que lhe enfeitiçou à fazer isso, eu disse senhora; a Fé não tem interesse em punir uma senhora em seu castelo que nada fez além de ajudar o povo. — O licnóbio então começou a andar.

— A fé tem medo de fazer inimigos, por isso ataca bruxas e não senhoras em seus castelos. — Disse nas costas do homem. O licnóbio então parou, soltou um risinho.

— Engraçado, porque Arcaia está morta. A própria deusa que essa escória venera.

— Engraçado, porque não foi Árion ou seus seguidores que matou ela! — Tenissa cutucou com as palavras.

O licnóbio olhou para trás, ainda com seu sorriso no rosto.

— Mas morta ainda assim. — E com isso saiu.

Tenissa olhou para trás, os corpos, o sangue nas paredes e no chão. As espadas fincadas e largadas. Limpou o rosto de lágrimas que sequer desceram e então correu até a porta ficando na soleira.

—[...] Últimas palavras? — Anelamo perguntou para a bruxa.

A mulher de joelhos olhou para o Lorde, ela chorava.

— No banquete saberá que o herdeiro de sangue retornou, mas não ocupará o trono que lhe pertence. A terra ficará negra...

O licnóbio avançou contra a mulher, tapando a boca dela com a mão.

— Está lhe amaldiçoando. — Disse em fúria.

— Deixe-a falar. — Anelamo disse fazendo sinal para que os soldados segurassem o Licnóbio. — Não é maldição alguma. É a profecia.

A bruxa olhou para o Licnóbio, tinha ódio nos olhos, era perceptível.

—[...] e o herdeiro encontrará uma senhora que se diz nobre. Juntos marcharam até o conhecimento e com o vermelho real, pai e mãe tomarão o trono de cima e de baixo. O Lorde tão negro quanto a terra vendo a luz do sangue real se levantará do trono que profanou. E fogo trará recomeço. — Então olhou para Tenissa, voltou a encarar o Lorde. — Você mesmo diz que armei tudo, incluindo esse momento? Seu padre fanático profanará meu túmulo e queimará meu corpo, e você o enforcará por isso. O fogo trará recomeço, pois eu lhe disse quando me perguntou; o sangue acabava com a fome e com o sofrimento. Mas a maldição... Tanto que seu padre não sabe. Desejo-lhe toda a sorte que esse mundo pode possuir, Lorde Anelamo. Precisará!

Então baixou o pescoço contra o toco, o queixo na outra extremidade, a cabeça livre, encarando o chão.

Tenissa viu a espada descer em um único e limpo golpe. O sangue deslizando pela madeira até o chão e o corpo caído com o pé tremendo.

— Espero que esteja satisfeito, pois a praga acaba de voltar para Magmun. — Tenissa então desceu da soleira, indo até eles enquanto sentia seu colar ferver no pescoço, quase sentia a pele queimando. Parou frente ao grupo e apontou para o portão arrombado pelas tropas do Lorde que ela e a bruxa decapitada fizeram. — Saiam da minha propriedade, não são bem-vindos aqui!


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