Amanhã escrita por Yomika


Capítulo 2
Antes da meia-noite


Notas iniciais do capítulo

Oi, galera! Venho entregar o penúltimo capítulo! Espero que gostem!

Agradecimentos à Rose Oliveira, The Nightmare e Phoenix pelos seus comentários incríveis. Obrigado por me estimularem!



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[Sob o ponto de vista de Clark]

 

— Vamos brindar ao último pôr-do-sol do milênio!

Trevor ergueu o copo vermelho de plástico. Todos brindaram e beberam a cerveja, sorrindo e fazendo algazarra. Todos, menos eu. Minha mão estava ocupada com a câmera.

Estávamos no alto de um monte que ficava na entrada do nosso bairro. Era o local mais alto das redondezas e por isso as pessoas costumavam se reunir ali para observarem o pôr-do-sol. Era uma visão panorâmica do mundo que eu conheço há dezessete anos.

Eu já tinha batido dezenas de fotos do céu crepuscular de Long Beach, mas aquele dia era diferente. Tinha um cheiro diferente… Eu precisava registrar.

O céu quente da Califórnia formava uma pintura azul-arroxeada salpicada por nuvens rarefeitas. Os raios de sol escapavam de trás das montanhas distantes.

Eu sabia que amanhã a rotina não ia mudar muito. Estávamos no recesso de Natal, então eu não precisaria estudar. Ficaria ouvindo música, enquanto revelava minhas fotos de hoje. Minha mãe não ia se incomodar de eu não descer pra tomar café. Ela e o Papai estavam tentando vencer a competição “Melhor jardim de Long Beach”. Minha irmã mais nova, Clarisse, preferia ver um livro do que olhar para a cara de gente, isso me incluía.

Eu não podia falar nada, porque gastava metade do meu tempo fazendo o portfólio do curso de fotografia de Massachusets. A outra metade era gasta com o Trevor, seja fisicamente ou só nos pensamentos.

Meus pais eram muito tranquilos e me apoiavam com a decisão de sair do estado. A Clarisse não ligava muito para essas coisas, mas podia contar com ela. Porém, mesmo que o fim do ensino médio fosse daqui há cinco meses, aquele último dia me fazia pensar demais.

A último pôr-do-sol de 1999 tinha que significar alguma coisa.

De repente Greg bateu no meus ombros.

— Você não vai beber, Clark?

Tirei os olhos do foco da máquina e sorri, simpático.

— Na festa, na festa eu bebo, certeza.

Thabata abraçou seu namorado e disse:

— E o esquenta? Cê tem que deixar de ser certinho, Clark. O Ensino médio vai acabar e você ainda não vomitou em ninguém.

Arqueei as sobrancelhas, rindo.

— Anotei aqui na minha lista de coisas que farei no baile.

Eles sorriram e voltaram a olhar, abraçados, o crepúsculo. Aproveitei para registrar o momento deles também. Mas a minha câmera foi inevitavelmente em outra direção.

Trevor estava de óculos escuros, sorrindo para o céu. Sarah estava à beira do monte. Foquei a câmera nos últimos raios de sol a brilhar sob os cabelos dourados do meu melhor amigo. Sua pele perlácea estava dourada. Suspirei, tirando o olho da máquina. Eu estava tão ferrado…

 

Não demorou muito para a noite cair sob o meu mundo. Pegamos os sacos de bebida e nos encaminhados a casa do Philip.

Philip era do time de basket. Ele já tinha ficado com Sarah, mas agora só de vez em quando. Os pais dele foram passar a virada nas Bahamas e o Philip teve que ficar porque machucou a perna no jogo passado. Então ele resolveu fazer o que todo adolescente que está sozinho em casa faz: uma festa. Chamou todo mundo do colégio para comemorar a virada do ano com ele. Parece que ia ter até banda. Realmente pirado.

— Ai meu deus, estou tão animada! — Sarah bateu palminhas do banco de trás.

Estávamos no carro do Trevor. Ele estacionou na outra rua, porque a rua do Philip estava lotada. Deixei meu moletom no banco da frente e a câmera no porta-luvas dele. A minha luva de Baseball que o Trevor tinha comprado para mim estava lá, mas eu fingi que não vi. Não a queria. Jogava muito mal e também… fiquei feliz em saber que ele guardava uma coisa minha no carro.

Saímos do carro e alcançamos a rua do Philip a pé. Carros e carros se enfileiravam no encostamento e o som já rolava de longe. Muita gente da nossa idade já vinha chegando. A casa dele era realmente imensa. Parecia aquelas mansões de famosos de Hollywood.

O único requisito para entrar na festa era mostrar uma nota provando que gastamos pelo menos vinte dólares de bebida. Greg já tinha comprado, então foi tranquilo.

A primeira coisa que pensei quando entrei na casa foi:

Como o Philip conhece tanta gente?

Sério, estava muito lotado. Porém, a sala do cara era maior do que a minha casa. E os boatos eram verdadeiros: ia rolar banda, porque um palco estava montado ali. Atrás dele, uma cortina vermelha. O número “2000” feito de papel prateado estava grudado nela.

O local estava bem decorado: serpentinas, balões... Tinha até um globo prateado pendurado no teto! A música, enquanto a banda não chegava, era por conta dos CD’s do Philip. E não deixava a desejar: a galera estava curtindo bastante.

Com certa dificuldade para atravessar a sala, pegamos as bebidas e levamos para a cozinha, deixando-as no freezer. Tinha uma força tarefa de escravos das séries anteriores preparando os drinks. A cozinha era movimentada, tanto pelas pessoas que queriam dar blackout antes da contagem regressiva, quanto por aqueles que apenas queriam chegar aos fundos. O jardim dos Roozen era famoso e parece que uma boa quantidade de jovens estava ocupando-o (meu pai ficaria satisfeito com isso).

Desde quando chegamos, como eu temia, Sarah grudou em mim feito carrapato. Enquanto Trevor olhava um tanto decepcionado, ela me contava várias coisas cujas quais não me interessavam nem um pouco, mas por educação e em nome da amizade, ouvi com muito sorriso e simpatia. Greg e Thab, decididos em me fazer beber todas, trouxeram copos para nós.

Obstinado em não atravessar o ano sóbrio, virei um copo de destilado sem piedade. Trevor soltou uma gargalhada e virou também, sorrindo para mim. Sarah estava entre nós, mas aquela demonstração de parceria me animou um pouco.

Não demorou muito para eu ter os primeiros sintomas: vista turva e carência sentimental. Resolvi recusar o terceiro copo que Greg trazia, porque eu faria merda se continuasse assim. Mas Trevor estava na sua quinta dose. Ele parecia estar querendo tomar coragem para alguma coisa.

Eu juro que não notei quando a banda chegou. Percebi de repente as luzes sendo apagadas e os vários jogos de luzes tornaram o ambiente digno de uma boate. O vocalista falou alguma coisa e a galera pirou, todos levantando seus copos vermelhos e gritando, empolgados.

 

India House - If You Make It

Estávamos praticamente em frente ao palco. Eles começaram a tocar uma música indie bem legal. Sarah conhecia toda a letra.

“Você já viu essa banda tocar?”

Trevor gritou perto de Sarah.

“O que?” Sarah parou de dançar por um segundo para tentar ouvi-lo. A música estava bem alta.

Você já viu esses caras se apresentarem antes?”

Falou no ouvido da garota.

“Sim! É o India House! Eles arrasam!”

“Você não costumava sair com eles?” eu perguntei.

Sarah sorriu maliciosamente para mim.

“Fazer o que? Eu estava apaixonada!” gritou.

O sorriso do meu amigo esmaeceu. Que atitude horrível a minha. Sarah tinha ficado um tempo com o vocalista, eu sabia muito bem disso. Toquei no assunto só para fazer o Trevor parar de se humilhar. Olha quem fala.

“Trev, que tal você pegar bebidas pra mim?” Sarah disse no ouvido de um Trevor novamente animado.

“Um shot com vodka?” falou excessivamente próximo do rosto dela.

“Pode ser!”

“Volto já!” sorriu para a garota, que já dançava sem nem ligar.

Antes de ir, senti um toque pesado nos meus ombros. Trevor falou nos meus ouvidos, entredentes:

“Vamo, cara, fala logo com ela, eu tô ficando puto!”

Depois desapareceu entre a galera, levando seu copo e o da Sarah.

Respirei fundo. Eu não estava bêbado o bastante para não me sentir um lixo.

“...Insistente...?” A frase de Sarah se perdeu no barulho.

“O que?”

“Seu amigo Trevor, é muito insistente” ela falou no pé do meu ouvido, rindo. Eu sorri daquela forma automática novamente.

De repente ela puxou a minha mão.

“Vamos um pouco mais pra lá!”

“E-eu acho que deveríamos esperar o T-trevor voltar!” Resisti ao puxão, sem entender essa atitude dela.

“Eu acho… que você deveria parar de se preocupar com ele.” Ela deu uma piscadela e agarrou na minha mão.

Me guiou para um local um pouco mais afastado do povão, um local menos iluminado. Sarah ficou dançando em cima de mim. Eu estava me sentindo muito mal. Me balançava feito uma palmeira a mercê do vendaval. O frio na barriga era péssimo e quando a Sarah não estava olhando, eu caçava o Trevor com rápidas espiadelas. Se ele visse isso...

O que ela tinha na cabeça? Porque ela estava fazendo isso? Se não gostava dele, que falasse logo! Porque me colocar no meio desse joguinho idiota? Sarah estava começando a me irritar, por isso fiz o que me deu na telha: quando ela estava sensualizando consigo mesma, pulei fora sem ela perceber.

Que se dane! Eu precisava ficar só. O jardim. Era isso.

Costurando pela galera que dançava ao som da banda, cheguei na cozinha.

Mas lá estava ele.

Trevor estava no balcão, preparando uma batida de vodka para Sarah. Provavelmente queria deixar ela bem bêbada para o beijo sair mais fácil. Ele era um babaca, às vezes.

Na verdade muitas vezes. Eu só andava com o Trevor porque tinha uma paixão platônica por aquele idiota.

Algo que eu precisava me livrar.

Passei por ele, tentando não ser visto. Mas o problema de se estar bêbado é que não conseguimos fazer nada direito.

— Clark?

Droga. Apertei o passo. Subi as escadas e cheguei no jardim. Porém como ele sempre foi mais rápido, me alcançou em dois passos.

— Ei, Clark! Cadê a Sarah?

— Ficou lá dentro.. — Me virei e falei da forma mais tranquila que consegui.

— E você… —  Ele sorriu. — Falou de mim pra ela?

— Hã… A música tava muito alta, não consegui.

— Vamos voltar lá, não é? — ele quis saber.

— Sim! Claro… vou lá daqui a pouquinho…

Sorri para o Trevor, mas parece que o álcool estava me traindo. Ele me encarou desconfiado.

— Você está bem?

Não...

— Sim, claro! — menti.

Ainda assim ele manteve a cara preocupada.

De repente uma galera passou pela gente, quase derrubando os copos na mão do Trevor.

— Pra onde esses caras estão indo? — Ele olhou para mim, animado. Nos encaramos e...

Seguimos a galera.

O jardim dos Roozen era realmente incrível. Os muros cobertos de trepadeiras estava decorado de piscas-piscas. O chão era ladrilhado por pedras de calçamento brancas e havias diversos vasos com plantas que meu pai conhecia só nos livros. Um casal se beijava em um daqueles bancos de praça. Havia vários deles naquele local.

Correndo atrás de Trevor, esqueci tudo por um segundo.

A galera estava descendo as escadas dos fundos do jardim. Nos posicionamos numa sacadinha de metal toda decorada e vimos.

Lá embaixo tinha um local mágico. Nos encaramos empolgados quando um dos garotos saltou do trampolim.

— Vamos? — convidei-o sem pensar.

Trevor olhou para mim sério durante um segundo eterno. E então me entregou a sua bebida e virou o drink super concentrado de Sarah. O louco sorriu empolgado e desceu para a área da piscina, comigo em seu encalço.

A piscina era bem intimista. Tinha um clima meio sobrenatural: uma luz azul emanava do fundo dela. Os reflexos das águas dançavam nas muretas de tijolos. Tudo era um azul e sombras misterioso.

Tirei minha roupa sem nem ligar. Trevor tirou a dele e sorriu. Estávamos só de calção.

— Do local mais alto? — ele fez uma cara de travesso.

— Como antigamente? — sorri empolgado.

Trevor subiu nas escadas do trampolim. Me deu a mão e ficamos lado a lado. Nos encaramos por um instante. Ele fez uma cara triste.

— O que foi? — perguntei.

Mas ele saltou na minha frente. Babaca.

Pulei logo em seguida.

Fechei os olhos e deixei a água me consumir por completo.

Parece que demorou séculos para chegar no fundo. Voltei a superfície quase sem ar. Tirando a água do rosto, olhei ao redor.

Trevor não estava ali.

Além disso, as outras pessoas começaram a sair na mesma velocidade que entraram. No segundo seguinte me vi só.

— Trevor? — chamei.

Silêncio.

De repente, como um torpedo, Trevor emergiu atrás de mim. Um susto do caramba.

Como castigo, empurrei uma generosa quantidade de água na cara dele. Trevor não deixou barato: deu uma mãozada na superfície espelhada, fazendo a água entrar na minha boca, olhos e nariz ao mesmo tempo. Ficamos brincando de jogar água um no outro, até que ele mergulhou e puxou minha perna para o fundo.

Eu não era muito bom em prender a respiração debaixo d’água, por isso voltei para a superfície o mais rápido que pude, tirando a água do meu rosto e respirando forte, enquanto o imbecil ria sem dó.

Eu sorri e o encarei.

Seus olhos azuis, como aquelas águas, eram hipnóticos.

Trevor sorria também. Eu me aproximei, sem nem mesmo notar o que estava fazendo.

Meu coração batia muito, muito rápido. O último dia do milênio...

Porém, quando dei o passo mais perigoso, Trevor ficou sério, como se tivesse entrado em estado de alerta. A tensão entre nós era quase palpável.

Engolindo a seco, ele nadou para a beira da piscina.

De costas para o canto, Trevor tirou a água do rosto e ficou de olhos fechados por um instante, depois fixou o olhar em algum ponto da água, quieto demais. Eu fui até ele. Tomei seu lado, mas Trevor não queria olhar para mim. O encarei ainda assim, até que ele disse:

— A… A Sarah ainda está esperando o drink dela.

E saiu da piscina, me deixando sozinho.

Dessa vez eu o deixei ir.

Saí da piscina após alguns minutos, que me pareceram séculos.

Peguei minha roupa e fui para o banheiro da área da piscina. Trevor não estava mais lá, mas a toalha que ele usou para se enxugar estava pendurada no box.

Era a única toalha. Me enxuguei com ela, tentando evitar sentir seu cheiro. Coloquei minha roupa e encarei o espelho.

Meu coração doía muito, mas ele merecia isso. Eu estava com ódio dele por ser um coração tão burro para se apaixonar por alguém que nunca… nunca ia gostar de mim. Eu estava com tanta vergonha de mim mesmo…. tanta vergonha porque…

Eu tinha tentado ficar com o Trevor na piscina.

E ele tinha recusado.

A sensação de humilhação era tão forte que eu queria simplesmente sumir da face da terra.

Ainda não era meia noite, mas aquele dia já tinha acabado para mim. Era um adeus.

A decisão estava tomada.

Saí do banheiro com passos duros. O hall da sala ainda estava lotado, a banda tocava uma música que simplesmente não fazia diferença para mim. Eu só queria sair dali.

— Ei, aí está você!

Droga.

Sarah veio sorridente ao meu encontro, interceptando-me.

— Ei… Eu acho que vou embora. Ainda dá tempo de pegar o último ônibus…

— O que? Não… Já é quase meia noite!

Sarah desequilibrou e caiu em cima de mim, porém eu a recompus.

— É, mas vou deixar essa passar.

Dei as costas para ela. No entanto, senti suas unhas enormes cravando-se no meu pulso. Ela me empurrou contra a parede e me encarou.

Sarah estava perto demais de mim. Tão perto que eu conseguia sentir seu hálito carregado de álcool. Me fitando profundamente, seu rosto a menos de dez centímetros do meu, ela disse:

“Fica”.

E me beijou.

Seus lábios eram macios, contudo eu sabia que não era eles que eu...

— Sarah… — tentei falar, porém ela me calou com outro beijo, este mais voraz.

Eu abri os olhos, desconfortável com aqueles lábios úmidos roçando nos meus. Mas o que eu vi fez o meu estômago congelar. Me afastei imediatamente dela e o fitei paralisado.

Trevor deixou os copos de bebidas que trazia caírem no chão.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo será o último. Comentem, acompanhem, favoritem!



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