Amanhã escrita por Yomika


Capítulo 1
Hoje


Notas iniciais do capítulo

Olá, essa é a minha primeira short-fic. Espero que gostem. Deem suas opiniões, vou responder tudo com enorme prazer!
Yo



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[Sob o ponto de vista de Clark]

 

Ray Lamontagne - Such A Simple Things 

 

— Onde você acha que vai estar daqui a um ano? — Trevor perguntou.

Estávamos deitados no gramado do parquinho que ficava em nosso bairro. Um ao lado do outro, encarávamos o último céu do ano de 1999. Através da lente de minha inseparável câmera, eu observava a vastidão azul atapetada por tênues nuvens. Mas a pergunta dele me fez pensar.

Depois de tudo... Será que eu ainda o veria?

Porém, Trevor continuou:

— ... Porque se você também for pra Chicago, talvez eu surja sem avisar, pule no seu sofá e acabe quebrando ele!

Me sentei e o encarei desapontado. Só o Trevor para iniciar uma conversa profunda e destruí-la no segundo seguinte. Ainda deitado, ele gargalhou da minha reação. Depois do baseball, o esporte favorito daquele loiro imbecil era fazer um garoto quieto como eu de otário.

— Claro… Do jeito que você é, ia ficar sentado jogando videogame no sofá quebrado mesmo, o dia inteiro. — retruquei, brincalhão.

Trevor riu de novo. Depois ficou quieto um segundinho. Seus olhos azuis se perderam no céu de cor igual, pensando em alguma coisa.

— É… Provavelmente. — Olhou para mim e sorriu.

Eu sorri de volta.

Claro que íamos nos ver daqui a um ano. Não importa se estudaríamos em universidades distantes. Não importa o que aconteceria. Éramos eternos.

Quando ele percebeu que estávamos nos encarando, sentou-se rapidamente e consultou o seu relógio de pulso.

— Quando será que a Sarah vai chegar?

E ficou olhando para o fim da rua.

A Sarah… Claro que ele estava ali só por causa dela. Eu era um idiota que se alimentava desses momentos, dessas migalhas, enquanto o Trevor só tinha olhos para a minha melhor amiga.

Sarah tinha ido para a casa dos avós no natal e estava voltando hoje a tarde. Eu acabei deixando escapar isso para o Trevor nesta manhã, enquanto jogávamos videogame. Ele ficou todo animado e decidiu que iríamos esperá-la no parquinho, pois a casa dos pais dela ficava bem ao lado. Mas já eram cinco da tarde e Trevor estava começando a perder a paciência.

Sentados um ao lado do outro, ficamos em silêncio. Sorri para para ele, enquanto Trevor me ignorava para fitar a rua imutável. Logo ele ficou entediado e voltou seu olhar para mim. Desta vez pegou a câmera da minha mão.

Trevor analisou-a por um instante até descobrir como destravar a lente. Então sorriu para si mesmo. Ela era realmente muito velha. Jurássica, Trevor deveria estar pensando nisso.

— Lembra quando eu comprei ela? — perguntei, nostálgico.

— Foi no ginásio, ou alguma coisa assim, não é? — Trevor comentou de forma displicente, enquanto olhava pela lente da câmera e fingia tirar uma foto minha. Ele sabia que eu sentia muito ciúmes dela, mas talvez não lembrava-se mais do porquê.

— Foi na sexta série… no mesmo dia em que você bateu naqueles idiotas, depois da aula. Lembra?

— Que se fodam aqueles filhos da puta!

Soltei uma risada. Novamente o desgraçado quebrando o clima. Ele riu também. Pensando melhor, duvido que ele tenha se esquecido de fato. Ele guarda aquela foto até hoje no espelho do seu quarto.

Eu nem conseguia lembrar de quando começamos a ser amigos. Vivíamos no mesmo bairro e brincávamos juntos desde quando me entendo por gente. Fazíamos todo tipo de idiotice que se pode imaginar. Na verdade o Trevor fazia, e eu, apesar de ser mais quieto, pecava por cumplicidade. Lembro muito bem quando ele quebrou a janela da senhora Harrison rebatendo uma bola minha e eu corri muito antes dele, porque sabia que ele era mais rápido e iria me alcançar em dois passos.

Apesar de boca suja, metido a valentão e pavio curto, Trevor sempre foi muito legal comigo. Ele era do time de Baseball e mesmo sendo popular, andava comigo. Na sexta série ocorreu uma partida na qual seu pai não pode comparecer. Ele ficou triste e, unicamente para animá-lo, comprei uma câmera semi-nova pra tirar algumas fotos dele durante o jogo.

No dia, o Trevor rebateu umas bolas incríveis. Praticamente carregou o time. Eu bati uma foto muito boa dele correndo pelas bases, marcando um "hit" sensacional. Foi a primeira foto dessa câmera.

O problema é que alguns garotos do time rival ficaram irritados com a derrota e resolveram tirar satisfações com ele. Voltávamos sozinhos, jogando papo fora pela rua do bairro.

Eram três garotos mais velhos. Ao invés de ir direto no Trevor, os covardes me usaram de refém. Eu era mais magro que um espantalho, não tive como fazer nada.

Eles pegaram a minha câmera e me imobilizaram, chamando a gente de maricas e dizendo que iam quebrar a máquina e jogar o filme fora.

Naquele dia eu testemunhei um terrível ataque de fúria do Trevor. Ele quebrou a cara de dois garotos num instante e botou o terceiro 'pra correr. Entregou a câmera na minha mão.

“Você está bem?”

O Trevor sempre me protegeu. Às vezes era implicante, chato, pentelho, é verdade... Mas caía no soco com os babacas que me chamavam de nerd. A foto do baseball que revelei um dia depois estava no espelho do quarto dele até hoje, junto com várias outras fotos de nós dois. Tinha apenas uma do pai, da época que jogava no White Sox de Chicago.

Trevor não conhecia a mãe e tinha uma relação delicada com o pai. Quando fugia de casa após uma briga, sempre me procurava para espairecer. Éramos o porto seguro um do outro.

Eu me orgulhava disso.

Porém, agora eu sei que, pra mim, aquilo tudo tinha um significado diferente.

Por isso eu tinha tanto medo de falar para ele. Tinha medo de destruir nossa amizade. Só que hoje era o último dia do milênio. Se eu não tivesse coragem agora, talvez só no próximo século. 

Ele tirou uma foto de mim enquanto eu estava distante, imerso nos meus pensamentos. Satisfeito por ter me pegado distraído, disse feliz:

— Olha que cara de otário! Essa eu levo para Chicago... — Trevor deu aquele sorriso brincalhão.

Fiz um sorrisinho amuado, como quem diz: “sem graça”. Ele era um retardado mesmo.

Um retardado que faria tanta falta…

Nos encaramos por alguns segundos. O sorriso dele foi sendo substituído por uma feição de melancolia quase imperceptível.

Porém, um carro veio se aproximando.

E eu deixei de existir nesse exato momento.

Trevor largou rudemente a câmera no meu colo e se levantou de supetão, indo em direção ao veículo que acabou de estacionar a nossa frente.

Dele saiu uma garota de cabelos ruivos ondulados e jeito de atriz dessas séries adolescentes. Ela mal abria a porta e Trevor já se posicionava para encará-la de forma galanteadora, apoiando-se na porta do veículo.

— Ei! — disse, sorrindo.

— Oi…

— Deixa que eu pego isso. — Ofereceu-se para carregar a bolsa dela.

Sarah disse um “obrigado” cheio de segundas intenções. Ela sabia o efeito que causava no Trevor. Aquele loiro alto e forte era um dos garotos mais bonitos da escola e o fato dele arrastar um caminhão por ela causava cócegas no ego da ruiva.

Mas assim que ela me viu em pé do outro lado da rua, correu para me dar um abraço, deixando o pobre Trevor feliz na sua incrível função de burro de carga.

Apesar dela fazer meu melhor amigo de otário, eu gostava da Sarah.

— Ei! — ela disse enquanto me abraçava.

— E aí, tudo bem? — eu disse amigável.

— Tudo ótimo! —  Sorriu de uma forma totalmente diferente do que sorriu para o Trevor.

Não nos conhecíamos há muito tempo, mas nos tornamos amigos bem rapidamente. Eu sempre fui um bom ouvinte e a Sarah era com certeza uma boa falante. Fazíamos algumas aulas juntos e nos intervalos dela, a garota praticamente me sequestrava para atualizar-me de sua vida social extremamente agitada.

Sarah era divertida, engraçada, muito bonita e sabia usar isso ao seu favor, sendo uma das garotas mais populares do colégio. Não entendia porque ela falava com um nerd como eu, mas seu jeito desafiador de fazer tudo o que queria na hora que queria me inspirava. Talvez se eu tivesse metade da coragem dela, minha vida não seria essa mentirada toda.

— Ei, você vai a festa de Réveillon hoje junto com a gente, né?

Ela me encarou com aquele olhar sedutor que faria qualquer garoto dizer sim, sem nem saber o que ela estava pedindo. Só que... Eu tinha planos para aquela festa e ficar a noite toda grudado na Sarah não ia ajudar em nada.

— Ãhn… — Tentei ganhar tempo.

Então Trevor se aproximou de nós. Tratei de me afastar de Sarah. Ele fez pose de cowboy. Mão na cintura, sorriso largo e olhos brilhando. Ele me encarou, forçando minha resposta.

— Sim, cla-claro! Nós vamos!

Alguém a chamou. Era o Greg, pedindo ajuda com a bagagem.

— Só um segundo. — Ela sorriu-se. Virou-se batendo os cabelos ruivos ondulados para cima mim e passando por Trevor como se ele fosse invisível. Mas o tonto a seguiu com o olhar.

Sarah agora separava as suas bagagens das de Greg e Tabatha. Greg era um ruivo alto e gordo, primo de Sarah e namorado da Tab. Eles também estavam na casa dos avós de Sarah e tinham trazido a garota de volta. Iam passar o Réveillon aqui.

Trevor de repente pegou no meu ombro, olhando para os lados.

— Escuta, jow… Tem uma coisa que quero falar com você.

Me encarou com uma expressão séria.

— Fala! O que foi? — Fitei-o de volta, pensando em mil coisas possíveis e inimagináveis.

Ele olhou para a garota.

— Eu acho que vou tentar ficar com a Sarah hoje!

E sorriu radiante. Meu coração apertou dolorosamente. Porém, fiz o máximo para sorrir também. Eu fingia muito bem. Anos de experiência.

Trevor arqueou as sobrancelhas e abriu um sorriso ainda maior, esperando alguma coisa. Como eu não falei nada, ele explicou:

— Vocês são melhores amigos, não é? Então… — E se aproximou perigosamente os lábios vermelhos perto dos meus ouvidos. O hálito do Trevor fez tremerem todas as minhas estruturas internas, mas me mantive firme por fora. Ele sussurrou: — Será que você não pode me dar uma ajudinha?

E fez uma cara de segundas intenções.

Aí eu me toquei.

— Sim… Hã... Definitivamente! — Sorri para a empolgação do loiro.

Ele fez um toque de parceiro comigo e disse, felicíssimo:

— Te devo essa!

Trevor se afastou de mim e foi ajudar Sarah com as malas.

E então o meu sorriso se esmaeceu, como uma bola murcha.

Eu estava decidido em fazer alguma coisa. Eu ia ter coragem. Era o último dia do milênio. Amanhã tudo seria diferente. Mesmo que as chances fossem mínimas, já chega de covardia. Estava... Cansado. Fazia pouco tempo que deixei de me enganar. Fazia pouco tempo que finalmente admiti para mim mesmo…

Que eu estava apaixonado pelo meu melhor amigo.

Depois que aceitei isso, as coisas pareceram piorar. A decepção diária de ser só um amigo para o Trevor me sufocava tanto que eu não conseguia respirar.

Comecei a perceber que desde criança gosto dele. E toda a nossa proximidade, toda essa amizade, toda essa história de sermos inseparáveis começou a criar um grande talvez na minha cabeça. Talvez ele sentisse alguma coisa por mim também.

Eu já cheguei a desconfiar que as nossas trocas de olhares tinham algo a mais.

Que quando sentávamos perto demais um do outro no sofá, enquanto jogávamos videogame, era porque ele gostava também de tocar a minha pele e sentir o meu cheiro.

Quando dormíamos um na casa do outro, após muita conversa no quarto, as vezes eu acordava no meio da noite com o coração disparado por um sonho impossível. Ele estava acordado na maioria das vezes, mas nunca falava nada.

Essa dúvida me corroía. As possibilidades iam me matando.

O caminho mais fácil era simplesmente ir me afastando lentamente neste último semestre do colégio, afim de que quando ele fosse para a Universidade de Chicago e eu fosse para a de Massachusetts, eventualmente a rotina de estudos ia torná-lo apenas uma vaga lembrança.

Mas quem disse que eu conseguia ficar longe dele? Isso me deixava muito triste.

O Trevor até já tinha percebido que eu andava um pouco pra baixo nesse fim de ano. E o que ele fez?

Se aproximou mais ainda.

Dessa forma, há uma semana decidi que antes do milênio virar, eu ia… Me declarar.

E essa festa seria uma oportunidade. Eu beberia dez litros de cerveja e falaria. Tentaria alguma coisa, com a coragem dos loucos, tirando essa dúvida que paira na minha cabeça desde muito tempo:

O Trevor gosta de mim como eu gosto dele?

Mas agora…

Agora ele pedia ajuda para ficar com uma garota que sequer gostava dele, arruinando todo o meu plano idiota e maravilhoso de ficar com o meu melhor amigo virada do ano.

Suspirei e o encarei. Ele parecia tão animado...

Resolvi  curtir esse último de dia sem tentar nada. Independente disso tudo, aproveitaria um pouco mais essa amizade fadada ao fracasso.

Que covarde.

Mais um dia para eu ser o cara legal e feliz. O cara que está sempre de boa. Mais um dia para eu ser o Clark, melhor amigo do Trevor.

Mas eu juro que ia ser só hoje.

— Clark!

Ele me chamou de longe, já com os sacos de bebidas nas mãos.

— A gente vai ver o pôr do sol!

Sorri de volta e fui ao seu encontro.


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Notas finais do capítulo

Aguardem o capítulo dois!

Muito obrigado por ler!
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