O Ar Que Ela Respira escrita por Alyssa


Capítulo 1
Prólogo ou Pecados




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Foi no seu aniversário de oito anos.

Tinha a cara tão manchada de lama e fuligem que nem se percebia mais as sardas alaranjadas que lhe pintalgavam o nariz e Ginny já declarara, num tom condescendente que Lily ainda não sabia que se tornaria hábito, que a sua jardineira preferida iria diretamente para o lixo: ela caíra cerca de cinco metros para dentro de um lamaçal tão cheio de vida que Albus tirara-lhe tês espécies de larvas diferentes do cabelo.

O cheiro de sabonete de laranja insinuava-se maravilhosamente pelo banheiro. Mamãe sempre lhes preparava o banho com cheiros cítricos e muito, muito barulho. Era quase como uma tradição, todos os dias a partir das seis horas da tarde, em que Ginny enchia a única banheira da casa com água limpa e escaldante enquanto se desenrolava aquilo que considerava uma competição saudável entre os seus filhos que discutiam quem ia entrar primeiro no banho. Como Ginny raramente era imparcial e divertia-se com as artimanhas deles, escassa era vez que um deles entrava para a água antes que esta já estivesse morna. Mas, naquele dia, o único som que invadia o compartimento era o da água que continuava a cair enchendo a banheira. Lily começava a sentir-se nauseada, o sentimento de culpa entranhando-se cada vez mais no seu estômago.

Ela sabia que tinha feito algo muito errado, contudo não parecia que ter partido um par de ossos horas atrás quando Ginny sempre lhes dissera para ter cuidado fosse o verdadeiro problema. Afinal, não houvera gritos, nem sermões ou tampouco uma frase completa. Apenas uns feitiços que lhe puseram os ossos no lugar e um “Oh, Lily…” suspirado enquanto saiam rapidamente d’A Toca.

Então Lily tinha a certeza que tinha feito algo errado. Mas o quê afinal?

A sua mãe ajoelhou-se à sua frente, finalmente saindo do frenesim em que se encontrava. Ela era uma mulher tão bonita. Com longos cabelos ruivos, olhos avelãs matreiros e um sorriso quase permanente no rosto, Ginny assemelhava-se demais com uma super-heroína das histórias que lhe contava antes de dormir.

— Não fizeste nada de errado, Lily. — disse, puxando o lábio como se quisesse sorrir, mas esquecera-se de como o fazer. Por tenebrosos momentos, Lily receou que tivesse roubado uma das melhores qualidades de sua mãe.

— Mas se eu não fiz, significa que a mamãe e o papai fizeram?

Ginny pareceu chocada com a espontaneidade de Lily, mas abanou a cabeça e soltou um som parecido a um riso como se não pudesse acreditar como ela não pensara naquilo antes. Do ponto de vista da sua filha, a estranha sucessão de acontecimentos da tarde tinha de ter culpado.

Colocou um dedo no queixo dela de modo que se olhassem diretamente nos olhos.

— Vais ficar bem. — Afirmou levantando-se e caminhou em direção à saída do banheiro.

Lily franziu as sobrancelhas, confusa.

— Isso é por causa do que aconteceu na casa dos avós? O meu braço já está bom, sabes.

— Eu sei — e fechou a porta atrás de si ao sair.

Quando uma coruja precipitou-se por uma das janelas abertas da casa Potter, foi com pouca surpresa que Harry e Ginny recolheram as duas cartas seladas em pergaminho, deixadas pela ave sobre a pequena mesa de centro, que era ladeada, tanto à esquerda como à direita, por majestosos divãs no mais puro tom de oiro e prata.

Até aquele momento, haviam aguardado com ansiedade que os seus receios não passassem de temores próprios de pais. Afinal, eles preocuparam-se quando James passou todas as noites durante um mês inteiro a chorar depois de nascer. Preocuparam-se quando o Albus, até aos quatro anos, ainda não tinha dito nenhuma palavra.

Contudo, após esta tarde e com os documentos dispostos à sua frente, a verdade irrefutável se lhes ria na cara e esmagava em pedaços qualquer lampejo de esperança mantida por eles. A sua caçula era tão maravilhosamente vibrante e doce. Isso a deixaria em cacos. Por céus, deixava-os a eles em cacos.

— Acha que isto…? Que isto tem origem nos nossos pecados? — Silêncio. — Pensas que é algum ajuste de contas divino devido à guerra?

— Não. — Respondeu Harry. Todavia, por que prendeu ele o ar na garganta? Repetia para si que eles fizeram o que tinha de ser feito. Que livraram o mundo de um mal incomparável. Tinham se passado 18 anos de paz, e nem todo esse tempo ostentava o mesmo nível de destruição de um dia na guerra. Eles fizeram o que era certo. Mas, e se à custa disso, eles houvessem causado mais dor que era preciso? Talvez isso explicasse porque Lily era… Não. — Não é culpa de ninguém que Lily seja uma sem-magia.

Uma Squib. A filha do Eleito, aquele que derrotou um dos maiores bruxos de todos os tempos, uma descendente de longas, e durante muito tempo, puras, linhagens de bruxos era… Uma Squib. Parecia tratar-se de uma péssima piada.

Agora que era capaz de olhar para trás, Lily arrependia-se amargamente de cada decisão que tomara nesse dia. Contudo, a sua aparente incapacidade em tomar decisões sensatas mostrou-se inigualável. Se ela tivesse ficado os cinco minutos extra que costumava a demorar quando se lavava, talvez não tivesse fugido de casa naquela noite fria de dois de março, ao ouvir as palavras saírem da boca do pai.

Não é culpa de ninguém que Lily seja uma sem-magia. Ela não era uma bruxa. Ela nunca seria capaz de fazer todas as coisas que a sua família tomava por garantido, como ir ao Ollivander’s e ser escolhida por uma varinha ou comprar o material escolar no Beco Diagonal. Raios, ela jamais pisaria os terrenos mágicos de Hogwarts que crescera a ouvir sobre. Não, não. Lily estava presa a um mundo estupidamente mágico, mas fora bruscamente colocada à parte.

Então ela correu. Passou a cozinha, atravessou o corredor, e saiu disparada pela porta da frente com pequenas lágrimas a se formarem nos seus olhinhos infantis. Ela era uma aberração? Porque não se sentia como uma. Na verdade, sentia-se absolutamente normal e sempre fora tão feliz quanto se era permitido. Ela tinha os melhores brinquedos, melhores até que os de sua prima Rose, que ultimamente apenas parecia interessada nos seus livros, tinha uma família enorme que se reunia todo o final do mês na casa dos avôs e sempre que a sua mãe fazia algum doce deixava-a rapar a massa ainda crua do fundo da panela, que era sem dúvida a sua parte favorita.

Lá fora, a lua cheia brilhava forte iluminando todo o caminho à sua frente. A sua pequena sombra alongava-se no chão batido e ela percebeu que não precisava de se parecer, nem mesmo sentir-se, como uma aberração para de facto o ser.

Sabia que a cerca de 500 metros de onde se encontrava, a sul da sua casa de família, corria uma pequena ribeira que, se se esforçasse, conseguia escutar o chapinhar da água misturado com os gemidos das rãs. O que ia fazer para lá no entanto? Isto, ela, não era algo de que pudesse fugir.

Deu uma fungada, limpando o nariz. Depois disso tudo se processou muito rápido. Rodeado de uma forte luz, um majestoso cervo feito de fios de prata e um suave azul, o patrono do seu pai, prestou-se à sua frente. Procurando-a, protegendo-a.

Harry apareceu poucos segundos depois. Tinha os mesmos olhos preocupados que Ginny ostentara o dia todo e rugas que se aprofundavam no queixo e testa.

— Não podes sair de casa à noite, Lily. Ainda para mais sem avisar.

Ela sentiu-se corar pelo raspanete.

— Não faço parte da vossa família. Sou uma monstruosidade — murmurou, olhando o seu ténis.

Harry suspirou.

— Tu não és um monstro. Eu conheci muitos deles e eles em nada se parecem contigo, Lily. Monstros são seres viciosos que fazem coisas más por diversão. Tu és a nossa doce garota que deixa os irmãos ficarem com a última bolacha mesmo sabendo que eles jamais fariam o mesmo.

— Mas eu acho piada quando o James faz partidas ao Albus, mesmo o Albus não gostando. Isso não é uma coisa má?

— Achas o James um monstro por fazer isso?

— Claro que não.

— Tu, como ele, não és um monstro. — Harry sorriu, colocando-lhe uma mão no ombro. — Para começar, os monstros também não usam sapato rosa com glitter.

Lily riu. Talvez, apenas talvez, o pai pudesse ter alguma razão. Mas ela seria alvo de chacota na família. Talvez até gostassem menos dela. E facto era, que ela jamais se voltaria a encaixar.

— Papai, eu sou… Uma sem-magia — as palavras deixaram um dissabor na sua boca. — Todos vão me odiar. E… Eu não quero ser uma Squib entendes? Eu só quero ser como vocês!

Harry ajoelhou-se à sua frente para que ficassem do mesmo tamanho. O seu patrono ainda os rodeava, emanando um calor confortável que aumentava a sensação de segurança.

— Jamais te odiaríamos, princesa. — afirmou, sério. — E eu vou contar uma coisa que tens de me prometer que nunca vais esquecer, sim?

Apesar de não parecer convencida, Lily balançou a cabeça afirmativamente.

— Não precisas de magia para ser mágica, Lils. O que tu fazes, quem tu és, isso torna-te mágica. E se encontrares algo que amas muito, algo que és muito boa a fazer, não duvido que possas tu criar magia.

Com os olhos lacrimejando, ela acenou novamente. Ela experimentaria de tudo até encontrar algo que realmente adorasse e fizesse esquecer esta parte da sua vida.

— Achas?

— Tenho a certeza. Agora vamos que mamãe está muito preocupada e prometeu que faria o doce que quisesses quando chegarmos a casa.

Lily agarrou a mão do pai, fantasiando todo o caminho de volta com o cheiro de panquecas de chocolate e grandes taças de sorvete. Vais ficar bem, prometera-lhe a mãe. E talvez realmente ficasse. Verdade era que grandes quantidades de doces e jogos pela noite dentro já lhe pareciam um bom começo.

Alguns meses depois, tinha Lily pouco mais de oito anos quando, frente ao espelho embaçado do seu banheiro, encontrou a perfeita analogia para descrever a sua muito curta existência nos seus dentes da frente: eram tortos, muito afastados e com uma grande necessidade de intervenção profissional. O que, eventualmente, foi o que os seus pais acabaram por procurar, tanto para a sua vida como para os próprios dentes.


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Notas finais do capítulo

Os próximos capítulos, Lily já será uma moça, apenas queria mostrar como todo esse lance se processou. Espero que me digam o que acham de ela ser uma Squib (ou um Aborto) e o que acharam do capítulo :)



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