— Ele não desviava os olhos de mim, Heitor. Fiquei com tanto medo...
Abracei minha namorada, tentando lhe passar uma sensação de conforto e segurança para não ter que ver lágrimas em seu belo rosto. Conversando cuidadosamente com ela na manhã seguinte ao acontecimento no quiosque, descobri que, além de observar a mim e à minha casa, o "fã" havia feito o mesmo com Camila naquela tarde. Isso me deixou ainda mais certo de ter tomado a melhor decisão durante a noite.
Enquanto estava sentado à mesa com minha namorada e fazendo uma refeição, ouvi a campainha tocar. Levantei-me para abrir a porta e por ela entraram três homens e uma mulher, todos uniformizados. Camila fez uma expressão de estranhamento e se encolheu na cadeira com a cabeça baixa, desse modo sua longa franja cobria seu rosto quase que totalmente.
Depois de eu ter explicado toda a situação para ela, minha namorada concordou em ser acompanhada pelo casal de seguranças. Eu não podia deixá-la sozinha depois do ocorrido, e ela tampouco queria ficar só. Minha casa não era mais um lugar seguro, aquele homem já sabia onde eu morava, então não podia deixar Camila permanecer ali enquanto eu trabalhava. Ela relutou um pouco, mas aceitou ser deixada em casa pelos seguranças naquela manhã. Porém, não consegui fazer com que eles a acompanhassem em todos os momentos, então ficou combinado que Camila ligaria para eles sempre que precisasse sair de perto da sua casa. Na frente do prédio, despedi-me dela com um beijo na testa e em seguida a observei partir.
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Os dias que se seguiram foram mais tranquilos, Camila inclusive voltou a vender seus quadros, graças à companhia dos seguranças. Nenhum de nós dois voltou a ver aquele homem de preto que nos perseguia. No meu trabalho, ouvi apenas alguns comentários pelas minhas costas. "Olha só! Ele mal estreou como apresentador e já está dando show de estrelismo", alguns diziam depois de terem me visto chegar com seguranças, mas Tárcio entendeu toda a situação. Ele inclusive nos convidou para sair no fim de semana, uma festa de boas vindas de uma modelo famosa que tinha voltado da Europa.
— Agora que você está ficando famoso, quero introduzi-lo na alta sociedade. Além do mais, você precisa relaxar. Aconteceram muitas coisas esses dias... Não vai negar o convite do seu velho amigo, não é?
E não neguei. Ele me fez prometer que levaria Camila junto comigo e essa foi a parte difícil da história. Ela nunca se sentiu confortável no meio de muita gente. Depois de dar todas as desculpas existentes, finalmente aceitou meu convite. Três dias antes do evento, mandei-lhe pelos seguranças uma caixa de presente listrada com as coisas que ela disse não ter, quando estava me dando desculpas para não ir. Seria nossa primeira vez em um local elegante e rodeados por pessoas igualmente finas, não podíamos fazer feio para que não falassem mal de nós naqueles detestáveis programas de fofoca. Isso poderia custar meu emprego.
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Chegada a noite de sábado, sentei-me na sala depois de estar devidamente trajado para esperar Camila e Tárcio chegarem ao meu apartamento. Como foi ele quem me chamou, iríamos juntos. Foi em vão que liguei o televisor, não passava nada além de jornais. Como se já não bastasse eu dar notícias ruins. Então peguei meu telefone para ver se tinha algo novo no Orkut. Uma pena não poder usar o BuddyPoke pelo celular. Sempre interagia com o avatar de Camila, uma bonequinha com expressão sombria e maquiagem forte nos olhos.
Enquanto olhava as postagens em uma comunidade sobre mim mesmo (é sempre bom saber o que pensam de nós), a campainha de meu apartamento foi tocada. Arrumei minha roupa ao me levantar do sofá e fui atender quem estava à porta. Minha namorada me olhava um tanto sem graça por baixo da franja que sempre cobria um de seus olhos e parte de seu rosto, e eu retribuía com um sorriso bobo.
— Nossa, amor... Você está maravilhosa essa noite.
Ela usava a roupa que lhe dei: um vestido rodado mais justo no torso e que se alargava a partir do centro, onde era cortado por um cinto de lacinho. A saia preta era sobreposta sobre outro tecido branco visível no centro, da mesma cor da parte de cima. Minha namorada ficou deslumbrante, não conseguia tirar os olhos dela. Segurei uma de suas mãos e a fiz entrar no apartamento, e fizeram o mesmo meus dois seguranças. Eles iam nos acompanhar nesse evento, então pedi que trouxessem Camila até minha casa.

— Posso dizer o mesmo sobre você.

— Ah querida, muito obrigado – sorri gentilmente. – Se bem que não estou muito diferente de como apresento o programa ao meio-dia.

— Essa gravata dourada combina bem com o terno preto, boa escolha. – disse um dos seguranças após sentar no sofá. Ele parecia ter perto dos dois metros de altura e sua voz forte completava o pacote de intimidação, mas aparentava ser um cara amigável.

— Obrigado, Hernandes. Vocês querem alguma coisa? Uma água, café? Um chazinho…

— Eu aceito a água – respondeu-me García, o outro segurança.

O relógio na parede da cozinha mostrava que em breve chegaria a hora de irmos para a festa, então Tárcio não demoraria muito tempo para chegar. Era possível ouvir a conversa dos dois homens sobre o próximo jogo de futebol. Camila estava sentada numa cadeira perto deles, olhando para o quadro que eu tinha comprado dela. Voltei para a sala com o copo de água em mãos e me juntei à conversa que acontecia entre García e Hernandes. Tentei fazer minha namorada se comunicar mudando de assunto, mas não tive sucesso. Suas respostas, quando não eram monossilábicas, davam a entender que ela não gostaria de continuar fazendo aquilo. O que não me surpreendeu, Camila nunca foi de muitas palavras.

Depois de um certo período de tempo, Tárcio chegou em meu apartamento e também ficou admirado com a beleza de minha namorada.

— Vai chamar a atenção de todos na festa!

— Não, não! É a última coisa que eu quero. – E olhou para o lado.

— Ué, por que não?

— Minha namorada não gosta de atrair olhares para si, não lembra? – Pus meu braço direito ao redor de seus ombros e a olhei com um sorriso. – Não tem nenhum problema. Só tente ser simpática com quem falar com você. Pode ser que tenham alguns repórteres daqueles programas de fofoca te observando, e eu não quero que falem mal de você na televisão.

— Então, vamos? – Camila desconversou.

De dentro do carro de Tárcio, eu olhava pela janela as luzes que a cidade ganhava quando anoitecia, era realmente lindo. Mas não dava para ignorar as diferenças dessa parte da cidade para a outra, onde Camila morava, era como se fosse outro lugar. No caminho, vimos a lagoa onde minha namorada e eu passamos um tempo há alguns dias, e me esforço para afastar a sensação ruim de estar sendo observado. Camila, que também estava olhando pela janela, apertou minha mão com mais força quando viu este local.

— Não se preocupe mais, estamos bem com os seguranças. Nada mais nos aconteceu depois que os contratei, não é verdade? Fique tranquila, querida… Está tudo bem. – sussurrei em seu ouvido na tentativa de fazê-la acreditar em algo que nem eu mesmo punha tanta fé. É como se ele estivesse sempre ali, à espreita.

Meu amigo estacionou o carro na garagem da grandiosa casa após certo tempo de viagem. Primeiro desceram García e Hernandes, que começaram a observar o local. Assim que eles deram o “ok”, fomos os próximos a sair. Como não podia deixar de ser em festa de famosos, câmeras e repórteres estavam à entrada do local. Eles tiravam fotos da modelo para quem se fez a festa. Camila segurou meu braço enquanto nos aproximávamos dela para cumprimentá-la, talvez numa tentativa de se esconder.

— Olha só quem está aqui, se não é Tárcio Marcos Martins!

— Heidi Bliss!

A loira estonteante aproximou-se dele com um grande sorriso de dentes branquíssimos e depositou um beijo em sua cabeça, que estava ficando calva. Tárcio, que não era um homem alto, ficava ainda mais baixo perto da modelo muito conhecida.

— Estava com saudades de você, apareça mais vezes!

— Ora, mas você estava na Europa, como poderia te ver? – ele riu, sendo acompanhado por Heidi.

— E esse rapaz, quem é? – perguntou ela olhando para mim curiosa.

— Heitor Fragoso, novo apresentador do Cidade do Povo. É um prazer conhecê-la, senhora Bliss.

— Vamos, pode me chamar de Heidi. Todo amigo de Tárcio é meu amigo! E suponho que essa que agarra seu braço é sua esposa, certo?

— Não, começamos a namorar há pouco tempo. – respondi sem graça enquanto Camila me soltava.

— Me chamo Camila. Acho que já vi fotos suas num jornal ou revista.

— Devem ter sido da última propaganda que fiz para a Avon…

— Isso mesmo!

Heidi se aproximou de minha namorada e as duas trocaram um abraço rápido junto de um beijo na bochecha, um cumprimento feminino padrão.

— Entrem, fiquem à vontade dentro de casa, daqui a pouco eu farei o mesmo. Foi um prazer te rever, Tárcio!

Passamos pela grande porta de vidro e entramos na festa. Pessoas bem vestidas estavam por todos os lados com copos de variadas bebidas em mãos. Em algumas das paredes haviam grandes fotos de Heidi Bliss, o que é explicado pelo fato de seu marido ser fotógrafo. Tárcio começou a me apresentar para alguns de seus conhecidos e dentro de pouco tempo ficamos rodeados de pessoas que me reconheceram da televisão. Conversando com todos e tentando responder às suas perguntas,

demorei a me dar conta de que Camila não estava mais ao nosso lado. Corri os olhos pela sala de estar, mas nada de encontrá-la. Preocupado, pedi licença a todos e me dirigi aos seguranças, que estavam em uma mesa próxima comendo salgados de festa.

— Onde está a Camila?

— Ué, lá com vocês! – respondeu García.

— A Camila sumiu. Não notei quando isso aconteceu no meio de tantas pessoas. – Eles se olharam preocupados. – Eu pago vocês para ficarem de olho em ameaças e em mim, por que não estão fazendo isso? Agora minha namorada sumiu de vista. Quem sabe o que aconteceu com ela? – Eles se levantaram imediatamente.

— Estamos indo procurá-la!

Meus dois seguranças saíram de minha presença em direção à cozinha, e eu fui em busca de banheiros a passos rápidos. Qualquer pensamento que eu tinha a respeito do ocorrido era ruim demais para aceitar como realidade. “Camila está bem. Ela tem que estar bem”.

Infelizmente, o casal Bliss tinha uma enorme casa, o que só aumentava meu desespero. Não calculo quanto tempo se passou até que eu achasse o primeiro banheiro.

— Camila, é você? – perguntei da porta.

— Oi?

A voz não era dela, então pedi desculpas e continuei minha busca. Ela não estava em nenhum dos três banheiros do térreo, por isso subi as escadas. Continuei andando rapidamente pelos corredores até que vi uma silhueta em uma sacada. Senti que os batimentos do meu coração acelerado pararam por um segundo. Não, não era possível que fosse ele. Não teria como ele burlar o esquema de segurança da festa. Ou será que teria?

Com passos lentos, fui me aproximando da sacada com todo o cuidado para não fazer barulho, mas minha mente não parava de fazer questionamentos. “O que eu vou fazer se for ele? Mas e se for, o que ele vai fazer comigo?”. Eu já tinha ido longe demais para retornar, só restava seguir em frente.

Estava perto das portas quando uma parte do piso de madeira rangeu, o que chamou a atenção da pessoa que eu queria ver. Engoli em seco quando vi o rosto da silhueta virando-se em minha direção.

Finalmente, a luz da lua iluminou sua face.

— Camila! – Minha expressão preocupada deu lugar a um aliviado sorriso, e prendi minha namorada em meus braços. Percebendo que ela não retribuía concluí que não havia entendido o motivo disso. – Você sumiu de repente, pensei que algo tivesse acontecido. Nunca estive tão feliz por estar enganado!

— Eu disse, Heitor… Gente demais.

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Depois de tantas preocupações, Tárcio, Hernandes e García vieram ao nosso encontro. Dei uma dura advertência aos meus seguranças, que se comprometeram a fazer seu trabalho da melhor maneira possível. Descemos novamente e, ficando num lugar mais reservado por causa de Camila, finalmente consegui aproveitar a noite.

— Venham mais vezes! – Heidi despediu-se de nós sem se aproximar da porta. Ela era uma mulher simpática, pude perceber.

No estacionamento, Tárcio destravou as portas do carro. Já tinha aberto a porta quando vi alguém vestido com roupas pretas debaixo de uma árvore. Dessa vez eu tinha quase certeza de que era real.

— Ele está ali! – falei alto, atraindo a atenção de todos os meus conhecidos. García e Hernandes saíram em disparada na direção que eu apontei. Depois de um tempo, os dois falaram que não haviam encontrado nada, mesmo dando algumas voltas.

— Venham, vamos para casa. – chamou Tárcio.

O carro andava suavemente pelo asfalto, e dessa vez Camila ia no banco da frente. Eu não entendo, em todo lugar agora eu vejo aquele homem. Será que ele estava lá? Devo estar ficando paranóico.