Lepus Timidus escrita por Kori Hime


Capítulo 2
Coelha, da Família Leporidae, do Gênero Sylvilagus


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Nick precisou de mais uma taça de champanhe. Ajeitou os pelos detrás das orelhas que arrepiavam sempre quando pensava em Judy. Sua atitude mais cedo no saguão, quando o beijou no focinho, foi uma surpresa agradável, mas que causou um constrangimento muito grande entre os dois. A única coisa que ele poderia fazer era tentar passar por cima de seus sentimentos, para terminar aquela missão com sucesso.

E mesmo que desejasse fortemente falar sobre seus sentimentos, Nick ainda possuía uma grande insegurança. Era ridículo confessar em pensamentos altos que tinha medo de revelar para a colega de trabalho que estava apaixonado, mas era a verdade.

— Pronto ou não, lá vou eu. — A voz de Judy soou atrás dele e Nick terminou de beber o líquido borbulhante. — Você está com os ingressos?

— Sim... — Nick abriu a boca levemente, não sabia dizer se era o ar despojado ou a paixão adolescente que arrebatava seu coração ao olhar para Judy naquele momento. Ela estava linda, e de uma forma atraente que nenhum de seus colegas raposas já imaginaram sentir por um coelho.

Oh! Céus, seus amigos não perdoariam a chance de acabar moralmente com ele quando descobrisse o romance. Estava apaixonado pela coelha mais fofa de Zootopia.

— Ótimo, vamos? — Ela perguntou, com uma expressão positiva.

Nick não disse nada e abriu a porta do quarto, com os ingressos no bolso da camisa que vestia. A noite no Saara era bem fria, além do mais, o teatro possuía um ar condicionado congelante.

Parados no elevador, Nick pigarreou, dirigindo um olhar para a coelha.

— Precisamos andar de mãos dadas? — Ele estendeu a pata, quando a porta do elevador abriu.

— Sim, claro. — Judy segurou a pata dele, mantendo o sorriso humorado.

Cruzaram o saguão do hotel juntos. Nick sentiu todos os olhares recaírem sobre eles. Estava acostumado com olhares desconfiados, por ser uma raposa. E depois de tantos anos, ele aprendeu a se cuidar e blindar as emoções. Só que ele não podia lidar com o fato dos outros fazerem uma cara distorcida de nojo ou aversão por vê-los juntos.

De repente, ele ouviu Judy pedir para se acalmar, e quando notou, apertava a pata da coelha com vigor.

— Desculpe, eu me distraí.

— Não se incomode os outros. — Judy tentou reverter a situação, mas Nick sabia que não dava para lutar contra o preconceito dos bichos, por experiência própria, eles podiam ser bem tóxicas. E ele jamais permitiria que Judy passasse por uma situação ruim.

Vinham mudando dia após dia a ideia de que Raposas eram confiáveis dentro do departamento de polícia. Daí para ter um relacionamento íntimo e físico com elas, era outra história. Isso acontecia com muitas espécies, como as víboras, as peçonhentas e venenosas. Mesmo com milhares de anos de evolução, certas coisas pareciam tão enraizadas que Nick não conseguia ver mudanças tão cedo.

Eles pegaram um taxi e o silêncio parecia mais com um iceberg dentro do carro. Precisou o motorista puxar assunto para que os dois no banco de trás começassem a falar.

— Vamos ver o show da Gazelle. — Judy falou, recuperando a animação.

— Vocês formam um casal bonito. — O motorista do taxi era um velho lince de longas presas que saíam pela boca. Ele ajeitou o espelho retrovisor, quando parou o carro no sinal vermelho, olhando o casal.

O sorriso de Judy iluminou seu rosto e ela olhou para Nick com confiança e começou a falar sobre as férias romântica que eles estavam naquele momento.

— Posso sugerir uma atração para casais?

— Seria maravilhoso, não é, querido? — Judy segurou o braço de Nick.

— Parece até um sonho. — Nick falou um pouco enfadonho, recebendo um cutucão da coelha.

— Tem uma ponte aqui perto, onde os casais costumam prender cadeados, é uma superstição boba, mas dizem que os cadeados representam o amor eterno.

— Podemos colocar aquelas algemas. — Nick deu uma risadinha capciosa, fazendo Judy cutucar ele. — Ok! Vamos comprar um cadeado.

Desceram do táxi quando estava próximo ao teatro, havia uma multidão que iria ver o show. A dupla caminhou, com as patas unidas todo o tempo, só soltaram quando Nick parou para comprar uma bebida.

O show iniciou as dez horas em ponto. Eles estavam na área vip e dançaram as primeiras músicas animadas de Gazelle, enquanto observavam a interação de todos, na tentativa de encontrar algo suspeito. Judy deixou Nick por alguns minutos, alegando que iria ao banheiro. Quando o disfarce foi por água a baixo e um grupo de coelhas a reconheceu.

As coelhas adolescentes a cercou, com gritinhos e pedidos para tirar uma selfie. Judy, que não conseguia recusar um pedido desses, tirou as fotos. Foi preciso apenas alguns minutos para que a internet compartilhasse fotos dela no show de Gazelle, também havia fotos de Nick e Judy juntos dividindo uma bebida e a última coisa que os dois pensariam que iria acontecer, era um tipo de processo interno que iria avaliar a conduta deles no local de trabalho.

— Isso é completamente ridículo. — A coelha esbravejou, saltando da cadeira de balanço que ficava pendurada na varanda da casa dos pais. — O que eu faço da minha vida particular, diz respeito somente a mim.

— Calma, querida, são apenas alguns dias de licença até as coisas voltarem ao normal. — A mãe dela tentou tranquiliza-la. — Além do mais, vocês dois não estavam mesmo... namorando, não é?

— Não, mamãe, nós estávamos interpretando um casal para ficar mais verídico a missão.

— Sim, sei, sei. Que ótimo.

— Ótimo?

— Ora, minha filha, as raposas e os coelhos são duas espécies diferentes. — A mãe de Judy segurava a ponta do avental, comprimindo as patas no pano, enquanto falava com dificuldade o que pensava, para não magoar a filha. — Quando você diz que é apenas amiga dessa raposa, você diz amiga ou quer dizer amiga?

— Não estou entendendo nada, mãe. — As orelhas de Judy inclinaram. — Eu só quero retornar para meu posto e voltar a fazer o meu trabalho.

E o desejo de Judy foi realizado. Entretanto, algumas considerações foram necessárias para que ela retornasse ao departamento. O que deixou a coelha totalmente irritada, principalmente porque havia perdido o parceiro. Nick agora iria trabalhar com Grod, o gorila, enquanto ela ficaria presa em uma pilha de papeis burocráticos, até segunda ordem.

Judy também precisou se apresentar pelo menos duas vezes por semana no consultório do psicólogo do departamento de polícia de Zootopia. As consultas, na verdade, se mostraram um alívio para ela. Muitas questões não resolvidas agora foram solucionadas, mas a maior questão ainda fazia parte de uma grande incógnita.

Porque ela sentia tanta falta de Nick?

E não era somente no trabalho, mas em qualquer momento ela se virava para falar com ele, mas a raposa não estava ali presente. Os encontros ficaram cada vez mais esporádicos, e Judy sentiu que Nick passou a ser somente mais um rosto conhecido dentro do departamento de polícia.

Seu coração apertava dentro do peito, na expectativa de encontra-lo, nem que fosse na reunião matinal. E mesmo que ele se sentasse na outra ponta da sala, e ela ao lado do chefe, podia ao menos vislumbrar sua promoção a agente especial, após conseguir capturar o maluco que estava ameaçando Gazelle.

No final da reunião, Judy aproximou-se da raposa, com um aceno, eles ficaram parados no meio do corredor, em silêncio, até que Nick foi chamado por Grod, para saírem longo.

— A gente pode conversar depois. — Judy falou, sem pesar no que dizer depois.

— Certo, podemos conversar no bar do Tony depois do expediente.

— Claro, vamos sim. — Judy concordou e Nick foi embora.

Era a oportunidade então de colocar aquela confusão sentimental na mesa e lidar com isso como uma coelha adulta.

— Hopps! Na minha sala, agora. — Gritou o pequeno e peludo capitão.

Judy deu uma volta e caminhou sem muita expectativa para dentro da sala, ao sentar na poltrona, analisou a lebre sobre sua cadeira que foi adaptada especialmente para que ela pudesse ver tudo por cima da mesa. A criatura era pequena e com um nariz marrom sempre úmido.

— Senhor, posso ajudar em alguma coisa?

— Sim, sim, eu recebi a sua avaliação do psicólogo, agora podemos coloca-la novamente nas ruas. Mas... — A lebre bateu a pata na mesa de vidro. — Está fazendo um trabalho tão bom com os arquivos que eu estou cogitando a possibilidade de te fazer minha assistente pessoal.

— Senhor, com todo o respeito, eu fui treinada para trabalhar nas ruas e não ficar presa dentro de uma sala fechada. — Judy falou incisiva, movendo o focinho em seguida, preocupada se estava indo longe demais.

A lebre tremulou as orelhas, com os olhos fixos em um papel, até que ele suspirou e concordou.

— Pode voltar as ruas.

— Maravilhoso, muito obrigada senhor. Vou falar com o agente Wilde agora mesmo.

— Não se empolgue muito, vocês não serão mais parceiros.

— Mas, porque não? — Judy segurava o celular, pronta para mandar uma mensagem para o colega de trabalho. — Nós sempre trabalhamos juntos, até então foi tudo bem. Já foi provado que não tivemos culpa na missão do show.

— Não é isso, Hopps. — A lebre esfregou os pelos com a pata, reflexivo. — Recebemos algumas reclamações direto da prefeitura, e a imagem de uma coelha com uma raposa não estava passando muita credibilidade para os cidadãos de Zootopia.

— Mas...

— Você deve entender que alguns animais ainda são muito tradicionais.

— Senhor, eu não estou entendendo. — Judy sentiu o sangue ferver, irritada com o rumo daquela conversa, e sempre que isso acontecia ela ficava com os pelos eriçados.

— Vamos parar por aqui, aquilo que faz em sua vida pessoal não me diz respeito, mas tudo o que faz publicamente diz respeito ao departamento, afinal, você é a cara da nossa instituição. Não é?

— Se for para viver uma mentira, prefiro não ser.

— Não seja tola, na sua idade com tanto prestígio, deveria estar bastante contente. Agora pode ir, tenho muito trabalho a fazer.

Assim que saiu da sala do chefe, Judy sentiu todo o peso do mundo sobre seus ombros. Os animais não tinham o direito de interferir dessa forma em sua vida pessoal. E ela não permitiria que isso acontecesse.


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Notas finais do capítulo

O próximo já é final.
Beijos e valeu pela sua presença, diz aí o que achou do capítulo :D



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