Através do Tempo - Entre Vidas escrita por Biax


Capítulo 20
XX – Décima Dimensão




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— Por que a gente sempre se mete em enrascada? — Rebeca perguntou assim que chegaram em uma vila com pequenas casas de madeira e tetos de folhas.

— Eu também me perguntei isso. — Gabriel respondeu.

Eles perceberam que os dois garotos começaram a se afastar enquanto os puxavam. Rebeca travou no lugar.

— Não! Me soltem agora! Gabriel! — Olhou para ele.

Ele também tinha parado e estava tentando puxar seus braços do garoto. Sem muita paciência, o garoto encostou algo no pescoço de Gabriel. Parecia uma faca branca, de pedra.

— Deixa ele em paz! — Rebeca falou alto e sentiu algo em seu rosto.

Quando virou, percebeu que a menina também tinha uma faca daquela, e estava ameaçando cortar sua bochecha. Engolindo seco, Rebeca voltou a andar foi puxada, cada vez mais longe de Gabriel.

Andaram um pouco e entraram em uma casa pequena. A garota fez Rebeca sentar no chão, e depois saiu. Olhando ao redor, Rebeca tentou ver se tinha algo ali que cortaria aquele cipó, mas não havia nada além de uma cama de folhas e algumas vasilhas de barro. Então, levantou e foi até a porta, olhando para os dois lados. Não havia ninguém por perto, e saiu, andando sem rumo e tomando cuidado para ninguém a ver.

Havia uma árvore entre as casas com galhos baixos. Teve uma ideia.

Foi até lá, levantou os pulsos juntos e fez com que o galho entrasse dentro das voltas do cipó. Começou a raspar aquelas fitas, tentando cortá-los com a fricção. Seus braços já estavam doendo quando finalmente conseguiu. Rapidamente desenrolou o resto do cipó e massageou os pulsos doloridos.

Voltou a andar, com cuidado, entre as casas, ouvindo vozes. Olhou de relance, atrás de uma casa, e um pouco ao longe, viu algumas pessoas reunidas. A garota estava lá, falando com o homem mais velho. Aquele outro garoto também estava, e para a felicidade de Rebeca, Gabriel estava também, sentado no chão logo atrás do grupo.

Eles pareciam discutir. A menina parecia totalmente nervosa enquanto gesticulava com os braços enquanto o menino a ignorava.

Como uma luz, Ethan apareceu atrás de Gabriel sem ninguém mais o ver. Ele parecia estar invisível. Desamarrou os pulsos de Gabriel, que levantou, e saíram de lá. Rebeca correu e, sem dizer nada, seguiu Ethan para o portal que os esperava perto de uma árvore à esquerda.

— Sim, a gente só se mete em furada sem você por perto. — Rebeca já falou quando saíram do outro lado.

— Eu percebi faz um tempo. — Ethan comentou, olhando ao redor. — Mas infelizmente precisava deixar vocês.

— Nada dela?

— Não.

Assim que Rebeca também observou o ambiente, sentiu sua visão embaçar e o corpo ir para frente e para trás, cambaleando. Quando sentiu seu corpo indo para trás de uma vez, tudo ficou escuro. Sua mente apagou de um jeito que nunca tinha acontecido antes. Ao mesmo tempo que Rebeca via luzes sem sentido, ela parecia estar distante.

Seu corpo começou a despertar lentamente.

Abriu os olhos enquanto virava de barriga para cima. Viu o céu, de um azul claríssimo. Sentiu uma grama fofa debaixo do corpo e sentou, com dificuldade. Viu que Gabriel estava deitado ao seu lado, e contemplou o lugar. Os dois estavam debaixo de uma árvore com a copa gigantesca, cheia de folhas amarelas.

A grama fofa se estendia além. Haviam outras árvores pelos arredores, de cores diferentes, porém, nada mais à vista. O ar ali ainda era pesado, mas não tanto quanto naquela floresta que estavam antes.

Foi para trás e se recostou no tronco, se perguntando onde Ethan estaria.

Gabriel se mexeu e abriu os olhos, vendo Rebeca ali. Sentou, coçando os olhos.

— Você está bem?  — Ele perguntou. — Você desmaiou... e eu também, pelo que me lembro.

— Estou... Você também sonhou com umas luzes estranhas?

— Sim.

Ethan apareceu na frente deles e sentou, cruzando as pernas. — Como se sentem?

— Estranha. — Rebeca respondeu. — Onde você estava?

Então, ele jogou uma fruta para cada um. — Procurando comida.

Rebeca olhou para a fruta que pegara. Tinha o tamanho de um abacate e era roxo igual uma berinjela. Estranhou, mas deu uma mordida. Parecia uma mistura de morango, manga e abacaxi.

Deu mais uma mordida, com gosto. — O que aconteceu?

— Vocês desmaiaram. Por causa da entrada brusca nessa dimensão.

— Dimensão? Estamos em outra? Como assim? Não tínhamos que seguir...

— Calma. — Ethan a cortou, tranquilo. — Chegamos em um ponto do tempo onde só existe vida nessa dimensão. Estamos na décima dimensão da terra.

— Então... na última vida que estávamos seria a décima primeira?

— Exato. Na verdade, agora estamos na décima estação das almas, como é chamada.

— Estação das almas? Como é isso?

— Todas as almas existentes não vão diretamente para a décima primeira dimensão. Quando elas são criadas, precisam passar pelas estações para evoluir como ser. Nós estamos na última estação. A última etapa que as almas passam antes de ir para a dimensão da terra.

— Mas... por que estamos aqui?

— Não tem como ir além. Aqui é a última estação. Depois disso, não tem como “pular” no tempo. Só dá para ir de estação em estação, uma de cada vez.

— E para qual estação a mulher pretende ir? — Gabriel se pronunciou.

— Não sei, mas suspeito que ela pretenda ir para a primeira. Só não faço a menor ideia do que ela quer fazer lá.

— Na primeira estação, as almas estão fazendo o quê? — Rebeca questionou.

— Digamos que é uma prévia de como seria uma vida humana. Elas nascem, completamente puras e confusas. Por isso existem as estações, para elas irem se acostumando com seu corpo, no ritmo de cada uma.

— Por que ela iria para lá? Para... impedir as almas de nascerem?

— Ela não poderia impedir as almas de nascerem... apenas... poderia desviá-las do caminho da evolução. Mas isso não faz o menor sentido.

— Espera, se essa aqui é a última estação, significa que aquela última vida em que estávamos era a primeira vida... “oficial”?

— Para vocês, sim.

— Então... nós nos conhecemos daquele jeito? — Apontou para si e para Gabriel. — Nos socando?

Ethan deixou escapar um riso. — Na verdade, vocês se conheceram um pouco antes daquilo. Mas é, não foi tão diferente.

Rebeca ficou decepcionada. Onde estava o momento de amor que ela imaginou? Eles se olhando e vendo que eram almas gêmeas...

— Por quê? — perguntou, inconformada com aquilo.

— Não tem motivos. Nas primeiras vidas, os humanos agem por puro instinto. Os sentimentos se tornam mais intensos, mais agressivos. Aquele Gabriel se intrometeu na sua caçada e você se irritou... E sim, isso ia acontecer de qualquer forma. Mas com javalis no lugar de vocês dois.

Gabriel e Rebeca se olharam, espantados.

— Bom, acho que podemos continuar, certo? — Ethan levantou.

Depois de se levantar, começaram a andar atrás dele enquanto terminavam de comer a fruta. Chegaram em uma vila bonitinha, com casas de madeira clara com cercas baixas, cercadas por muitas árvores coloridas. Haviam pessoas andando para lá e para cá, vestidas com roupas leves e brancas.

Era estranho, porque parecia que ali as coisas eram mais modernas, comparado com as últimas vidas que eles visitaram.

Ethan seguiu entre as casas e as árvores. Andaram até que as casas começarem a ficar menos frequentes, e ele parou na frente de uma casa afastada das demais.

— Fiquem aqui. Acho que serei mais rápido se ir sozinho. E não saiam — falou firme, olhando para os dois.

Rebeca suspirou, fazendo bico. — Okay.

Ele fez um gesto para que eles entrassem, e assim o fizeram. Era um cômodo pequeno. Havia um banco de madeira, que parecia um sofá sem almofadas, uma mesa com duas cadeiras e alguns vasos com plantas.

Gabriel sentou no banco e Rebeca olhou ao redor, se sentindo inquieta.

— Você não fica curioso não? — Olhou para ele, cruzando os braços.

— Com o quê?

— De saber mais. Você está aí todo conformado.

— E eu vou fazer o quê? Sair e me meter em confusão igual sempre acontece?

Ela bufou, encarando a entrada. — Eu ainda não engoli essa história de que a gente se conheceu daquele jeito. Não é possível.

— Qual o problema de aceitar? Você viu como foi.

— Eu não aceito aquilo! Eu achei... achei que... que fomos criados juntos e... evoluímos juntos.

— Beca... só aceita que foi daquele jeito. Não tem o que não aceitar. Já aconteceu.

— Eu preciso saber. Quero saber onde eu estou nesse exato momento!

Gabriel não continuou retrucando.

— Vai, vamos sair. Por favor. — Se virou, notando que Gabriel não estava mais no banco. — Gabriel? — Olhou ao redor.

Ele tinha sumido. E não tinha por onde sair além da porta.

Rebeca saiu, olhando para fora, sem nem sinal dele. E então, percebeu que as cores das árvores estavam diferentes. Antes, haviam verdes claras e marrons. Agora tinham vermelhas, alaranjadas e cor de palha.

O que diabo aconteceu?

Sem saber o que fazer, voltou para a pequena vila. Algumas pessoas apressadas a olhavam, provavelmente por causa de suas roupas, e ela começou a procurar por alguma roupa que pudesse pegar. Como se fosse mágica, avistou um tecido branco em uma árvore. Foi até lá e o puxou com cuidado, vendo que era um vestido.

Se afastou um pouco, ficando atrás de uma árvore larga, e começou a se despir, tirando a blusa e a calça. Vestiu o vestido e decidiu ficar com o tênis. Dobrou suas roupas e as deixou no mesmo lugar onde o vestido estava antes.

Voltou a andar entre as árvores, casas e pessoas. Decidiu ir pelo seu instinto. Andou para onde achava que devia andar. E parou, olhando para uma das casas.

De repente, alguém saiu de lá com pressa.

Rebeca.

Decidiu a seguir. Elas andaram por entre as pessoas. A outra Rebeca continuou além das casas, até que chegaram em um rio. A outra sentou na beira, colocando as pernas na água e apoiou os cotovelos nas coxas, olhando para baixo, como se estivesse deprimida. Rebeca se aproximou e sentou também, não muito perto. Tirou os tênis e as meias, os deixou de lado e mergulhou os pés na água morna.

Olhou para o lado. A outra Rebeca nem a notou. Ela observava a água, parecendo triste e distante.

— Você está bem? — Rebeca perguntou.

A outra levantou o rosto, a encarando, alarmada. — Sim — respondeu, voltando a encarar a água.

A linguagem dela era muito estranha, mas de alguma forma Rebeca conseguia entender e ainda falar igualmente.

Gente, o que tem nesse ar?

Ela queria muito saber o motivo de sua outra versão estar deprimida daquele jeito.

Também encarou a água, como se pudesse ajudar a pensar. Então, já com uma frase engraçada em mente, levantou a cabeça, porém, fechou a boca quando viu que sua outra versão não estava mais ali.

Rebeca olhou para os lados, para frente e trás. Seus olhos foram para as árvores do outro lado do rio. Agora, haviam árvores de folhas roxas e azuis.

Uma voz familiar estava falando ali perto, e Rebeca levantou, pegando seus tênis. Andou pela beira do rio, e logo avistou um casal mais à frente. Ficou atrás de uma árvore e os olhou com atenção.

— Sabe o quão bobo isso soa, não é? — Sua outra versão falava, com ironia.

— Por que eu ainda tento conversar com você? — Ethan disse, exaltado. — Você sempre vem com suas frases prontas cheias de sarcasmo.

— É você que sempre pede por elas! Sabe que eu não gosto que fique me enchendo de perguntas.

— Você não gosta de nada. É sempre melhor que eu fique quieto, não é?

— Parece que alguém adivinhou.

Por que eles estão brigando desse jeito? O que aconteceu?

E em um piscar de olhos, o casal desapareceu. Rebeca percebeu, mais uma vez, que as copas das árvores mudaram de cor.

Folhas rosas e turquesas.


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