Rulers escrita por May


Capítulo 4
Capítulo 4 - Pequenas Coisas




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Viera calada durante todo o caminho até Artena, não lhe agradava ter deixado Afonso pra trás nas mãos de Constantino, mesmo que os homens de seu pai procurassem incessantemente por ele. Catarina sabia que deveriam voltar ao reino, seu pai principalmente, e que ela também necessitava de cuidados, um bom banho, uma refeição decente e uma noite de sono tranquila, porém ela queria ser a primeira a saber quando o encontrassem, queria estar o mais perto possível, queria lhe agradecer devidamente tudo o que ele fizera por ela, e, principalmente, queria ter o prazer de ver Constantino morrer na sua frente.

Somente quando desceram da carruagem em frente ao castelo ouviu-se a voz da princesa, arrastada, sonolenta, cansada, mas o assunto que seu pai apresentava agora merecia as suas palavras. Rei Augusto lhe garantia que se Demétrio não lhe mandasse notícias até o dia seguinte, ele mandaria mais homens em busca de Afonso. A princesa, certa das intenções do duque, garantiu que ele negociaria a liberdade do ex-príncipe como fizera com ela, o rei, todavia, não estava mais disposto a fazer nenhum tipo de acordo com o mercenário.

Mal haviam chegado as portas do castelo quando mais más notícias surgiram. Rebelião na masmorra, fuga em massa, cidade saqueada. Catarina respirou profundamente, definitivamente aquele não era um bom momento em Artena, seu pai parecia irritado com aquela situação e de pronto foi ficar a par de tudo mais detalhadamente. A princesa sabia que poderia deixar a política para depois, nesse momento ela precisava urgentemente de um banho, na verdade, merecia isso depois de tudo que lhe aconteceu.

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Afonso tentava a todo custo não responder as provocações de Constantino, o duque estava ajeitando a sela do cavalo enquanto falava.

— Confesso que você é um homem difícil de entender, poderia ser um dos soberanos mais poderosos de toda a Cália e, no entanto, joga tudo fora por uma plebeia, eu gostaria de entender, o porque de tal loucura.

— Foi uma decisão que não envolveu nem poder nem dinheiro, então seria impossível tentar explicar, você jamais entenderia.

Ele limitou-se a dizer tentando ao máximo se agarrar em suas próprias palavras, Afonso de fato não era ambicioso, mas sempre procurou ser um homem correto, um homem que arcava com suas responsabilidades e seus deveres, ele sabia que tinha um dever com o povo, no entanto havia deixado tudo pra trás por Amália, Amália que sequer se lembrava dele, que tudo que tinha feito nos últimos dias tinha sido lhe evitar e lhe desprezar, mesmo não querendo admitir, Afonso questionava sua própria decisão, teria ele sido impulsivo demais?

Agora ele estava preso em uma vida completamente nova, sem um futuro certo, longe de sua família e de seu reino, ele estava sozinho, pois seu relacionamento com a plebeia era a única coisa que dava sentido a sua vida como plebeu em Artena, e ele, tão cego, nunca pensou na possibilidade do amor acabar, nunca pensou na sua vida além de Amália, ela tinha tudo ali, não precisou sacrificar nada, já ele… Afonso havia chegado a conclusão da sua precipitação e irracionalidade, mas ele não queria admiti-las.

Depois de ouvir mais provocações do duque, eles finalmente estavam prontos pra começarem a se deslocar, entretanto uma movimentação estranha colocou Constantino em alerta. Os homens do rei Augusto passavam naquele instante a uma distância curtíssima deles, o mercenário tratou logo de se esconder com Afonso atrás de uma árvore, colocando uma adaga na garganta do ex-príncipe.

— Um suspiro e será o último som que sairá de sua garganta. - Anunciou.

O destacamento passou por eles, o duque muito atento ao som dos cavalos diminuindo e Afonso muito atento as cordas que prendiam seus pulsos, não era a hora de agir ainda, mas logo seria.

Constantino não estava brincando quando disse que o dia seria cansativo, especialmente para Afonso, eles estavam em movimento fazia bastante tempo. O duque montado no cavalo e o Monferrato andando logo atrás amarrado, os músculos das pernas de Afonso pareciam que iam rasgar com a dor, sua garganta queimava de sede e Constantino ainda lhe fazia o favor de beber água na sua frente.

— Tá com sede? - Indagou vendo o olhar desejoso de Afonso para a água, mas o ex-príncipe mantinha a expressão firme. - Você perdeu a coroa, mas não perdeu o orgulho, hein?

Disparou jogando o resto do líquido no chão bem diante dos pés de Afonso, mas ele continuava com a expressão inalterada, se recusando a demonstrar qualquer tipo de fraqueza diante de seu raptor, nesse aspecto ele e Catarina eram muito parecidos.

O duque continuava a arrastá-lo enquanto observava os arredores, naquele momento Afonso encontrou sua oportunidade, depois de se levantar de uma queda, enquanto Constantino estava distraído, ele puxou a corda que prendia seus pulsos ao cavalo, fazendo o animal se empinar nas patas traseiras e derrubar o mercenário.

Recuperado do susto momentâneo, Constantino apanhou sua espada de pronto e começou a investir contra o Monferrato, que, mesmo desarmado e se esquivava com maestria, confundindo seu oponente. Depois de uma empreitada mal sucedida, o duque havia perdido sua espada para Afonso, que agora tentava o golpear, ele também se esquivava bem, tanto que em um determinado momento a espada foi esquecida e o combate se resumiu a socos e empurrões.

Em um movimento ágil, Afonso conseguiu deslisar por baixo do braço de Constantino e apanhar a espada que jazia no chão, quando o duque avançou em sua direção, o ex-príncipe cortou-lhe a pena fazendo o sangue pingar na areia. O duque estava ajoelhado devido ao golpe e afonso estava com a espada apontada para suas costas, logo ele disparou:

— Renda-se, Constantino.

Mas o mercenário não estava disposto a isso, reunindo suas últimas forças conseguiu acerta Afonso com um pedaço de madeira localizado no chão, o ex-príncipe caiu atordoado, dando tempo para que Constantino se levantasse mancando e subisse em seu cavalo saindo em disparada, Afonso viu tudo isso com a visão turva, a cabeça dolorida e tonto, mas de uma coisa ele tinha certeza agora: ele também estava livre.

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Depois de um breve descanso, Catarina já tinha se colocado a par de tudo que havia acontecido em sua ausência, a princesa tentou voltar a suas atividades normais, mas não podia negar sua ansiedade, a todo momento esperava que alguém lhe trouxesse notícias de Afonso, sempre que avistava algum comandante entrando no castelo parava na expectativa de que algum fosse lhe falar, mas se frustrava todas as vezes, pois tudo que conseguia deles era uma reverência.

Para completar, tinha que aguentar a companhia maçante de Rodolfo, que parecia mais preocupado em cortejá-la do que com o próprio irmão. Nem quando ela estava lhe contando de seu sequestro o rei de Montemor perdia a oportunidade.

— A verdade é que a minha vida ficou por um fio naquele lugar cercado por assassinos. Eu não sei o que teria sido de mim sem a ajuda de vosso irmão.

— O ato de Afonso não me surpreende, ele fez o que qualquer Monferrato faria, uma vez que a bravura é a marca de nossa família, está em nosso sangue. Tenha certeza, princesa, que se eu lá estivesse, teria feito o mesmo por vossa alteza. Ou até mais…

Rodolfo termina a afirmação se aproximando mais de Catariana, a princesa ainda se surpreendia com o cinismo do rei de Montemor.

— Eu não tenho dúvida.

Ela limitou-se a dize com um sorrio forçado, logo se distanciando dele, mas Rodolfo insistia em acompanhá-la por seu passeio pelo castelo. Catarina já estava ficando irritada com a presença dele ali, no momento ela desejava ficar sozinha, desejava pensar, e não ficar se esquivando das investidas de um homem que ela considerava extremamente tolo e desinteressante.

— Como vai a sua esposa, majestade?

A princesa resolveu lembrá-lo de que ele era casado e Rodolfo gaguejou diante da pergunta repentina.

— Minha… Minha esposa? Está ótima… É… Lucrécia, Lucrécia está ótima. - Terminou com um pigarreio.

— Que bom, vocês formam um lindo casal, claramente feitos um para o outro. - Rodolfo abriu a boca, desnorteado, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa Catarina continuou. - Agora se vossa majestade me der licença, eu irei me retirar para repousar um momento, ainda estou um pouco cansada.

— Claro… Princesa.

Foi tudo que ele conseguiu balbuciar antes de Catariana se retirar.

Finalmente reclusa em seu quarto, a princesa olhava pela janela a procura de qualquer sinal que indicasse que as tropas haviam retornado. Assim que Lucíola entrou no aposento com roupas de cama novas, foi a primeira coisa que ela perguntou.

— Alguma notícia de Afonso?

— Ainda está desaparecido, alteza. Fico feliz que a senhora esteja bem, vossa alteza correu um grande perigo, o duque Constantino poderia…

— Por favor, Lucíola. - A interrompeu de pronto. - Não mencione mais o nome desse crápula diante de mim. - Pediu se aproximando da criada. - Realmente não sei o que teria acontecido comigo se não fosse Afonso… Nunca pensei que ele se arriscaria dessa forma. - Comentou pensativa.

— Ele fez o que um súdito leal a Artena faria pelo rei.

— Uma pena que ele tenha escolhido ser plebeu, um desperdício. - Admitiu voltando a olhar pela janela.

— Vossa alteza não acha que ele possa voltar atrás um dia da sua decisão de ter abdicado do trono de Montemor?

— Quem sabe…

A princesa deixou a frase no ar enquanto seus pensamentos vagavam, vagavam para longe dali, para uma tenda no meio da floresta, para a sensação de sua mão em sua boca, sua respiração pesada em seu pescoço e sua voz sussurrada em seu ouvido. “Não grite.” Quem sabe Afonso um dia se arrependeria? O que Catarina não sabia era que o Monferrato já se arrependera, só faltava admitir isso para si próprio.

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Depois de se livrar de Constantino tudo o que Afonso fizera foi andar, ele já estava no seu limite, arquejando, se apoiando nas árvores para prosseguir, finalmente não aguentou e parou se apoiando em um tronco, pensou em ficar por ali mesmo, mas a voz de Cássio o despertou, ele estava ali, corria em sua direção, um pouco mais atrás estava Demétrio com soldados de Artena, estava salvo, ele pensou.

A água pareceu devolver sua vida, mesmo exausto ele conseguiu subir no cavalo para retornar a Artena junto com Cássio, Demétrio continuaria a busca por Constantino junto com os soldados.

Afonso não podia acreditar no que via ao chegar na cidade, estava parcialmente destruída, as pessoas reconstruíam suas barracas na feira, o conselheiro real sugeriu que parassem para comer algo, mas o ex-príncipe desejava ir direto para o castelo, queria prestar contas ao rei Augusto o mais rápido possível, e também desejava saber se tudo corria bem com Catarina, mesmo Cássio lhe assegurando que a princesa havia retornado em segurança, Afonso desejava pelo menos ver se os ferimentos da princesa estavam melhores, a medida que atravessavam a cidade ele corria os olhos pelo ambiente tentando absorver tudo quando a viu, lá estava Amália e sua barraca também estava destruída, ela tentava arrumar as coisas.

Com dificuldade desceu de seu cavalo e foi imediatamente saber o que havia ocorrido com ela, mas pra quê? Ele se arrependeu quase imediatamente de seu ato, a plebeia continuava a lhe tratar com frieza, talvez mais frieza que antes, fez questão de deixar bem claro que fora Virgílio quem a salvou, sem se importar se isso o magoaria ou não, ela nem ao menos se solidarizou pelo estado deplorável em que Afonso se encontrava, o ex-príncipe quase caiu de fraqueza diante dela e nem assim ela lhe ofereceu ajuda, pelo contrário, quando Cássio sugeriu que Afonso fosse levado para casa, Amália demonstrou todo o seu desagrado com essa ideia em sua expressão.

Tanto o conselheiro real quanto o Monferrato perceberam isso e, antes que alguém dissesse mais alguma palavra, Afonso se pronunciou dizendo que deveriam ir diretamente ao castelo.

—__&___

Na sala do trono já se discutia a necessidade de mais buscas, Rodolfo e Augusto debatiam na presença de Catarina e Petrônio quando as portas se abriram revelando Cássio e Afonso.

— Afonso! - Rei Augusto exclamou.

Catarina virou-se imediatamente para a porta, o coração batendo forte, finalmente ele estava ali, a princesa sentia um alívio inigualável, ela olhava Afonso se aproximar ao lado de Cássio, as roupas sujas, o rosto cansado e suado, seu andar um pouco cambaleante ao parar para receber o abraço de Rodolfo. A princesa se conteve para falar com ele, deixaria que ele tivesse seu momento com o irmão.

— Meu irmão! - O rei de Montemor comemorou o abraçando. - Eu pensei que não fosse mais revê-lo.

— Eu estou bem, eu estou bem. - Garantiu sorrindo.

Rodolfo saiu de sua frente lhe dando a visão de rei Augusto e ao seu lado Catarina. Afonso não a via desde que a mandara correr e ficara lutando com os homens de Constantino. A princesa tinha agora um sorriso que iluminava seu rosto de maneira gloriosa, as poucas olheiras que ainda tinha eram ofuscadas por tamanho brilho que ela emanava, ela deveria sorrir sempre, ele pensou, e, involuntariamente, retribuiu o sorriso da princesa. Mas logo tratou de se dirigir ao rei Augusto.

— Majestade.

— Está tudo bem com você?

— Sim, mas o miserável do Constantino conseguiu escapar.

— Não se preocupe com isso agora. Não tenho palavras para descrever o quanto lhe sou grato por ter salvo a vida de minha filha.

— O que você fez foi muito ousado e corajoso. - A princesa finalmente falava. - Eu lhe sou grata por tudo.

— Princesa. - Afonso lhe fez uma reverência. – Vossa alteza está bem? Como andam seus machucados?

— Estou bem Afonso, meus ferimentos são muito pequenos, já estão cicatrizando, logo n~~ao existirão mais, mas você deve estar exausto. Eu vou mandar lhe prepararem um bom banho, e também cuidarei para que façam um lombo de porco recheado com purê de maça e um bolo de frutas, seus favoritos. Supervisionarei tudo pessoalmente, é o mínimo que posso faze depois de tudo que você fez por mim.

— Eu lhe agradeço muito alteza, mas como sabia que esses são meus pratos favoritos? - Indagou com verdadeira curiosidade.

— Eu conheço você desde que eu nasci Afonso, acho que isso é tempo suficiente pra você ter me falado isso. - Disse em tom divertido.

Afonso riu sem jeito diante da declaração de Catarina.

— Não imaginei que a princesa fosse se lembrar dessas pequenas coisas sobre mim.

— Eu me lembro das coisas importantes, sejam elas grandes ou pequenas.

Os dois trocaram um olhar intenso por um breve momento, Catarina logo tratou de fazer um sinal para Afonso segui-la, sem dar tempo de deixar qualquer clima evidente para os presentes. O ex-príncipe se retirou com mais uma reverência ao rei Augusto, antes de desaparecerem da sala do trono, a princesa colocou a mão em suas costas enquanto andavam, arrancando um olhar invejoso de Rodolfo.

 


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