Bom dia, vamos roubar um banco? escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 1
Plano? Que plano?


Notas iniciais do capítulo

Presente de primeiro de abril para a LittleHobbit.

Primeiro de abril, um bom dia para tentativas de comédia... E, já que eu não sei ser engraçado com pegadinhas, vai ter que ser com história mesmo!



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Era mais um dia perfeitamente normal e terrivelmente chato, numa sala de aula perfeitamente normal e terrivelmente chata, quando Roberto (um aluno nem tão perfeitamente normal ou terrivelmente chato) teve uma ideia.

Como todas as ideias potencialmente destrutivas e parcialmente insanas, ela veio à mente no meio de uma aula particularmente chata e maçante, quando o garoto já estava até apelando para contar as cerâmicas do chão só para não ter que prestar atenção em seja lá qual conhecimento processado obrigatório devia ser forçado em sua cabeça daquela vez.

Sua ideia? Bem... Como ele não estava fazendo nada mesmo nem tinha planos para a semana, ele podia muito bem montar uma quadrilha e roubar alguma coisa.

Pareceu uma ideia muito lógica no momento, então ele ignorou veementemente o professor e, com uma caneta preta de tubo transparente, rabiscou um plano nas folhas do caderno.

Parecia um plano bom o bastante considerando que foi rabiscado num caderno por um garoto de 13 anos.

Agora ele só precisava arrumar alguns comparsas!

                *

A primeira escolha para a parceria era óbvia: Marcela, sua irmã.

Afinal, mesmo que a relação dos dois andasse meio “entre tapas e beijos” em 90% do tempo, eles eram cúmplices desde sempre! Marcela tinha 12 anos, apenas um a menos que ele, então sim, eles se meteram em muita encrenca juntos e, em geral, ela mantinha seus segredos fielmente.

A não ser que o suborno envolvesse brownies... Nesse caso, lealdade nem existia no dicionário dela, mas essa é outra história.

Enfim, onde estávamos? Hm... Ah sim, ele a chamou no recreio:

— Ei, mana, vamos roubar um banco no fim de semana?

— Quê? Por quê?

— Sei lá, pareceu uma ideia muito boa quando eu tava viajando no aula.

— Por que no fim de semana?

— O pai e a mãe vão passar o fim de semana fora, lembra?

— Ah é. Mas e a Kell? Ela sempre fica de babá.

— E você acha que ela ligaria se roubássemos um banco?

— Ah... É, você tem razão.

— Então?

— Conte comigo! Não perderia essa por nada! Mas vamos só nós?

— Nah... Vou tentar arrumar mais alguém. E você podia tentar também, quanto mais comparsas, melhor!

— Feito!

                *

Depois de mais algumas aulas, Roberto, na saída, encontrou mais uma cúmplice em meio aos corredores: Dora.

A despeito do nome, ela não é uma aventureira.

Mas tinha uma quedinha por Roberto desde os 8 anos, quando ele dividiu um sanduíche de atum com requeijão quando ela esqueceu o lanche. E, desde então, ela era uma boa amiga para ele, sempre disposta a ajudar com dever de casa ou com os estudos ou só sair e dar uma volta no shopping mesmo.

— Bom dia, vamos roubar um banco? — Roberto a cumprimentou casualmente.

— Ahn... Oi?

— Oi! Então, quer ir comigo? No fim de semana. Que tal?

—.... Deixa eu ver se entendi: você está me convidando para roubar um banco com você no fim de semana?

— É! Você vai? Mas é um projeto pessoal e meio secreto, então se puder não contar pra ninguém...

— Ah...

— E se não puder ir tudo bem também... Só achei que seria legal te chamar e-

— Não, não! Eu vou! Com certeza!

— Sério? Ótimo! Te vejo na minha casa sexta pra planejarmos tudo. — Ele sorriu e saiu depois de um aceno de despedida e um sorriso empolgado.

Dora suspirou. Não era exatamente um pedido de namoro... Mas tinha que servir. Pelo menos era um convite.

                *

Enquanto isso, no pátio, Marcela conseguiu o quarto integrante da corja: Fabrício.

Quem era Fabrício? Bem... Em resumo, era um garoto esquisito da sala dela. Ele tinha gostos peculiares... Como sempre usar meias coloridas de pares diferentes, levar coisas estranhas para o lanche e responder as pessoas de modos esquisitos, além de basicamente não ter traquejo social.

Ele era um perfeito desajustado esquisito e sem amigos! O ideal para essa missão!

— Hey, Fabrício.

— Uh... Tá falando comigo?

— É, eu tô.

— Uau! Que legal! Por quê?

— Quer dormir lá em casa na sexta?

— Uma festa do pijama? Que demais! Nunca me chamaram pra uma...

— É pra planejarmos um assalto. Vamos roubar um banco sábado.

— Oh, ok. Eu tenho que levar alguma coisa ou só meu pijama? Quer que eu leve azeitonas pretas? Tem vários potes lá em casa!

— Ah... Leva o que achar melhor. Estamos combinados?

— Claro!

— Ótimo, nos vemos lá. E é segredo, viu?

— Tango Alfa Bravo Oscar Mike! Te vejo lá!

                *

E este é o nosso estimado grupo de ladrões, quatro pré-adolescentes com nada melhor para fazer. Mas, ei, todo mundo tem que começar em algum lugar, certo?

E na sexta-feira, pouco depois de os pais de Roberto e Marcela saírem, o grupo se reuniu para a “festa do pijama” com fins maliciosos.

Infelizmente, a mancomunação teve que esperar, já que um convidado inesperado tomou toda a atenção:

— Uh... Quem é esse molequinho? — Roberto apontou para o garotinho, que devia ter uns oito ou nove anos e estava parado em sua sala de estar com uma mochila nas costas.

— Ah, é meu irmão. Não tem problema, né? Ele ficou tão animado quando eu disse que tinha uma festa do pijama que minha mãe perguntou se eu não podia trazer ele junto... — Fabrício explicou. — Tudo bem?

A sala ficou em silêncio por uns três segundos.

— Bem... Você sabe que vamos discutir um roubo, não sabe?

— Sei!

— E acha uma boa ideia trazer seu irmãozinho?

— Claro, ele é um ótimo ajudante nessas coisa, não é? — Ele se voltou para o garoto.

— Senhor, sim senhor! — O menino bateu continência (com a mão errada) — Cadete Marco se apresentando para o assalto!

 De novo, um segundo de silêncio caiu sobre o recinto. Ninguém soube ao certo como reagir à cena.

Dora foi a primeira a se recuperar:

— Ahn... Bem-vindo ao bando, Marco. — Ela sorriu.

Fabrício a interrompeu:

— Ah não, o nome dele é Alexandre.

—... Quê? — Todos (exceto Fabrício e Alexandre, claro) disseram em uníssono.

— Uh... Que parte vocês não entenderam? O nome dele é Alexandre. Fim.

— Tá, mas por que ele disse que era Marco?

— Ah, isso? Ele gosta do nome Marco.

—... Tá bom então. — Todo mundo decidiu simplesmente ignorar a situação como um todo. Roberto bateu as mãos para conseguir a atenção dos outros:

— Muito bem, chega desse blá-blá-blá e vamos aos negócios. O roubo! Eu desenhei até um plano no meio da aula. E complementei depois de saber quantas pessoas iam participar. — Disse orgulhoso. — Aliás, espera um pouquinho aí. — Ele pegou sua caneta preta de tubo transparente e fez mais alguns rabiscos. — Pronto, agora tudo certo!

Ele expôs seu plano/conjunto de rabiscos. Havia cinco bonecos de palito jogados nas páginas com seus respectivos nomes e funções indicados por setas. Outras setas pareciam indicar movimento ou deslocamento e alguns quadrados, triângulos e manchas estranhas apareciam entre as setas, a maioria sem legenda alguma.

Obviamente, ninguém entendeu nada.

— Então, mano, sem querer criticar seus dotes artísticos... Mas o que isso significa?

— Ora, não é óbvio? É só ler as legendas!

— Eu leria se sua letra não fosse um garrancho esquisito. — Marcela retrucou.

— Eu posso te dar aulas de caligrafia se quiser. — Dora ofereceu.

— Ou você podia escrever em letra de forma. — Fabrício sugeriu.

— Ou talvez-

— Ok, ok, entendi! Minha letra é um lixo! Mas vocês bem que podiam fazer uma forcinha para entender, né?

— Não é mais fácil você decifrar pra gente?

—.... Tá bom. — Aceitou de má vontade e apontou para os palitos. — Esses somos nós, embaixo eu escrevi a função de cada um no roubo e-

— Espera aí! Como assim função? Eu não me lembro de ter concordado com nenhuma função!

— Ora, nunca viu filmes de roubo? Todo mundo tem um papel! Aqui: Eu sou o líder, Marcela é os músculos, Dora é o cérebro, Fabrício é o alívio cômico e Alexandre é o café com leite.

— Ahn... Não me leve a mal, mas isso não chega nem perto de ser um plano de verdade. Não diz o que devemos fazer ou qual é o.... Bem, o plano. — Dora apontou.

— Viu? Por isso você é o cérebro!

— Tá... Mas por que sua irmã mais nova é a parte agressiva? Ela parece um doce.

— Isso é porque você não conhece ela direito... Ela dá cada chute, soco e mordida em brigas! É pior que cão raivoso!

— E por que eu sou o alívio cômico? Parece injusto.

— Ah, bem, é que... Veja bem...

Por sorte, Roberto foi salvo pelo som da porta se abrindo, o que distraiu todos e o livrou de responder a pergunta.

A propósito, Kell, a babá, chegou.

— Ei, olá, pessoal. — Ela sorriu. — Festa do pijama hoje, é? Que divertido.

Kell na verdade se chamava Kellen, mas não gostava muito por considerar a versão pobre do nome Kelly, que por sua vez parecia mais nome de boneca. Ela tinha 17 anos e ganhava uns trocados ficando de babá para os vizinhos. Era confiável até certo ponto e bastante amigável, mas meio desleixada.

— Oi, Kell. Estamos, uh, meio ocupados, então vamos ficar trancados no quarto um tempo fazendo coisas absolutamente não suspeitas, ok?

— Tá bom, qualquer coisa é só chamar.

Os quatro aspirantes a ladrões (e o café com leite) foram até o quarto que os irmãos dividiam e, depois de fechar a porta, voltaram a tramar:

— Tá, os bonecos de palito somos nós e os garranchos são nossas funções — Dora aceitou o rabisco que se passava por plano. —, mas o que é esse quadrado que as setas apontam?

— Ah, é a coisa que vamos roubar.

— Quer dizer o banco?

— Não, está escrito “coisa que vamos roubar” mesmo, quando eu fiz o plano, não sabia o que íamos roubar. Só improvisei essa coisa de roubar um banco quando fui convidar vocês porque assim parecia que eu tinha uma ideia de verdade. E o banco é a escolha mais clássica.

— Então... Não vamos roubar um banco?

— Podemos roubar um banco se vocês quiserem, é um clássico afinal.

— Claro, parece uma ótima ideia!

— É meio clichê, mas eu gostei.

— É, mas... E a polícia? Sempre tem policial na porta do banco. E se a gente for preso? Minha mãe me mata!

— E temos que ter pelo menos uma arma de brinquedo pra intimidar.

— Eu tenho uma arminha de plástico que atira dardos de espuma! E uma que atira água!

— E quanto dinheiro vamos pegar? E se tiver gente? Vamos ter que fazer reféns?

— Hum, querem saber? Essa coisa de roubar banco é muito complicada! E se roubarmos outra coisa?

— Podíamos roubar um banco de verdade. Sabe, aqueles de sentar. Seria irônico!

— Nah, não teria graça nenhuma. E se invadirmos a escola e roubarmos algo lá?

— Tá brincando? Eu não queria nem ir pra escola em dia de semana, imagine invadir no fim de semana!

— E se assaltarmos a padaria?

— Nem pensar! Não passei meia hora rabiscando meu caderno pra ser um simples ladrão de padaria!

— Ei, eu tenho uma ideia! — Alexandre, o café com leite, exclamou.

— Mesmo? E qual é?

— Só conto se vocês me levarem junto pro roubo!

— Nem pensar, não é lugar pra criança.

— Então eu não conto!

—.... Fabrício, faz alguma coisa! É seu irmão!

— Ué, eu não me importo de levar ele.

— Argh, tá! Qual é sua ideia brilhante?

— Por que vocês não roubam o cassino? Lá tem pouca polícia, não é muito difícil invadir e tem um montão de coisa legal pra pegar.

Silêncio.

—…É, parece razoável... E não é que o molequinho teve uma boa ideia? Quem está de acordo? Vamos roubar o cassino?

— Por mim tudo bem.

— Eu topo.

— Claro, vai ser legal.

— Decidido então! Amanhã vamos pôr o plano em prática! Agora... Quem tá com fome? É hora da janta!

Então eles debandaram para a cozinha como animais famintos, ignorando completamente a inexistência do dito plano.

Eles resolveriam depois.

                *

Na manhã seguinte, todos tomavam alegremente o café da manhã sentados à mesa. Isso é, todos menos Roberto, que, depois de ser ameaçado pela irmã, levou seu prato para o jardim e se sentou na grama para comer.

— Então, não sei se eu devia perguntar, mas... Por que você expulsou o Rob da mesa? — Dora indagou enquanto mastigava um sanduíche.

— Ora, garotos malvados fazem refeições no jardim. — Marcela deu de ombros e jogou mais cereal de chocolate na boca. — E ele me chamou de cão raivoso ontem na frente de todo mundo!

— Hum, e você vai deixar ele voltar pra casa? — Fabrício perguntou e pegou outro biscoito canino. Sim, esse era seu café da manhã.

— Claro que vou. Depois do café da manhã... Ainda temos um roubo pra discutir. E você tá comendo biscoito de cachorro?

— É.

— Por quê?!

— Porque deixa meus dentes fortes e meu pelo macio.

— .....Ok.

— Sua babá sabe que ele tá lá fora? — Foi a vez de Alexandre entrar na conversa, diferente do irmão, ele ficou com algo mais clássico: bolo e achocolatado.

— A Kell disse pra não deixar ele lá por mais de dez minutos ou os vizinhos vão perceber... Falando nisso, acho que deu o horário, vou lá buscar ele.

                *

— Você realmente tinha que me expulsar da mesa? Eu não te chamei de cão raivoso de propósito! Comer no jardim não é legal!

— Tá reclamando do quê? Se fosse o contrário, você me faria dormir no telhado.

— Puxa, você prende uma pessoa no telhado uma vez e ela nunca mais esquece... Quando você vai parar de usar isso contra mim?!

— Quando você p-

— Ei, foco aqui. — Dora interrompeu. Ela os conhecia bem o bastante para saber que a discussão podia durar horas. — Temos um cassino para roubar e nenhum plano, lembram?

— Ah é....

— Foi mal.

— Então, do que precisamos? — Fabrício indagou.

— Bem... Primeiro precisamos de um modo de entrar. Ninguém com menos de 18 anos passa pelo segurança.

— E se subirmos no ombro uns dos outros e usarmos um sobretudo? Funciona nos filmes. — Roberto sugeriu.

— Uh, eu não acho que daria certo, Rob... Pra começar, ficaríamos muito altos, chamaria atenção demais.

— E se batermos no segurança e passarmos enquanto ele está desmaiado?! — Marcela disse com um sorriso animado. Dora pôde ver a semelhança com um cão ansioso para a caçada, mas sabiamente não a comentou.

— Não... Não acho que quatro pré-adolescentes consigam derrubar um segurança de cassino. E, se conseguíssemos, chamaria atenção demais.

— Poderíamos passar pelas entradas de ar. Tubulação sempre funciona nos filmes! — Fabrício sugeriu.

— Vocês veem filmes demais. — Kell, a babá, comentou despretensiosamente sentada no sofá. — E, tirando o pequeno, vocês são grandes demais pra passar.

— AAAHH! Kell! Há quanto tempo você tá aí? — Roberto entrou em pânico.

— Algum tempo... Querem um conselho? Não discutam seus planos de invasão na cozinha bem ao lado da sala. Vocês falam alto demais.

— Então... Estamos encrencados? — Marcela disse o que estava na mente de todo mundo.

— Nah... Quem nunca tentou cometer um crimezinho quando era menor? Eu roubei uns chicletes da padaria uma vez. — Ela comentou sem tirar os olhos da tela. O filme estava legal. — Mas o plano de vocês é uma droga. Deviam dar uma volta pelos lados do cassino agora de dia e procurar entradas e rotas de fuga para usarem à noite.

— E quem disse que vamos à noite?

— Ora, vocês não querem roubar um cassino em plena luz do dia, querem? E à noite é quanto rola movimento, mais gente pra se misturar.

—.... Kell, você é um gênio!

— Valeu, bem que podiam dizer isso pra minha professora.

— Então... Se importa se sairmos pra dar uma volta?

— Vão lá, seus meliantezinhos, mas antes eu quero todo mundo com celular no bolso e o número de todo mundo. Nada de silencioso. Se eu ligar, vocês atendem. Entenderam? Eu ainda sou a responsável aqui!

— Sim, senhora!

— E voltem para o almoço antes que esfrie.

— Tá bom.

— E levem casaco que tá frio.

— Você é pior que nossa mãe!

— Fazer o quê? Estão me pagando pra isso. — Ela deu de ombros.

                *

Depois, vestindo casacos e com celulares no bolso, os quatro projetos de ladrão (e o café com leite) chegaram nos arredores do cassino. Eles foram de bicicleta porque era meio longe para ir a pé, o que, é claro, influenciava o plano: eles precisariam de:

A: uma carona de carro.

B: um lugar para esconder as bikes durante o roubo.

C: muita força de vontade para irem a pé à noite.

A opção C foi prontamente descartada.

Depois havia a questão da invasão... O cassino tinha uma porta dos fundos, um portal luxuoso na frente que sempre contava com pelo menos um segurança e, é claro, a tubulação. Depois de muita discussão, decidiram que deixariam Alexandre entrar com eles (por muita insistência dele) desde que passasse pelos tubos, o que ele conseguia.

Dora sugeriu que ela e Marcela usassem saltos enormes e quilos de maquiagem para parecerem mais velhas. Roberto criticou a ideia e disse que isso jamais funcionaria e que não existia maquiagem no mundo que fizesse garotas de 12 e 13 parecerem ter 18. A questão ficou em aberto.

Não que a ideia de Roberto fosse muito melhor... Ele queria se disfarçar de entregador de pizza e entrar pela porta dos fundos com uma “entrega especial”. Dora o lembrou que entregadores geralmente não passam na porta e que eles não tinham dinheiro para gastar com uma “pizza de Troia”.

— É... Está complicado pra vocês. — Fabrício comentou enquanto tomava um gole de chá, que ele colocou numa garrafa plástica antes de sair porque “estava a fim de tomar chá no caminho”.

— Pra gente? E você, esquisito?

— Ah, eu vou entrar pela ventilação com meu irmão. — Ele deu de ombros.

— Quê? Mas você é muito grande, não vai caber.

— Claro que vou, só tenho que fazer isso. — Ele sorriu e forçou seus braços para cima até que um súbito crek foi ouvido. Ele deslocou os próprios ombros.

— Ai!

— Wow.

— Ouch.

— Isso não dói?

— Não, eu queria ser contorcionista quando era menor, então me virei pra aprender a deslocar a maior quantidade possível de membros e pôr no lugar depois. Também consigo tocar meu pé na minha orelha, querem ver?

— NÃO!

                *

À noite, os projetos de ladrões decidiram pôr seu rascunho-quase-plano em prática. Depois, é claro, de ouvirem um milhão de recomendações, conselhos e ordens de Kell... Eles podiam fazer o que quisessem, desde que voltassem antes das dez e meia, não se metessem em muita encrenca, não chamassem atenção da polícia, não se machucassem muito e levassem os celulares.

Se considerar que eles planejavam furtar um cassino, nem eram tantas regras assim.

 De bônus, Kell deu uma carona para eles até o cassino, o que resolveu a questão das bicicletas.

   Mas ainda havia a questão de entrar....

— Então... O que fazemos agora? — Roberto perguntou assim que Kell sumiu de vista, provavelmente para aproveitar o tempo sozinha sem as crianças.

— Entramos, ué. — Marcela retrucou.

— Puxa, como eu não pensei nisso antes? Mas como fazemos isso, gênia?!

— Cada um se vira e vemos quem entra primeiro, como uma competição. Que tal? — Ela sugeriu e mordeu um dos brownies que trouxe.

— É, pode ser interessante... Espera aí, você trouxe brownies?

— O Fabrício me deu. — Ela deu de ombros. — Quer um?

— Não, valeu.

— Eu quero. — Dora se manifestou.

— Claro, pega um aí.

 — Quer um também, Fabrício?

— Não, obrigado, eu trouxe lanche. — Ele sorriu e mordiscou um ossinho canino (dentes fortes e saudáveis, dizia a embalagem).

— Ei, pessoal, foco! Viemos roubar ou fazer um piquenique?! — Roberto esbravejou.

— Você só está com ciúme porque não trouxe nada para comer. — Marcela provocou.

— É! — Alexandre concordou mais para lembrar aos outros que estava ali. Era duro ser o café com leite... Pelo lado bom, ele lembrou de pegar lanche também.

— Quer saber? Esquece, fiquem com o piquenique de vocês que eu vou entrar! E antes de todo mundo! — Ele saiu revoltado.

                *

Por mais que raiva seja um excelente combustível para a motivação, ela não te deixa repentinamente mais inteligente, então não, Roberto ainda não tinha um plano.

Nem dinheiro para uma pizza de Troia e um disfarce de entregador.

Nem a capacidade sobre-humana de Fabrício de se contorcer em espaços pequenos.

Mas ele tinha algo que compensava tudo isso: um descaramento invejável.

Então ele simplesmente pegou uma carteira de estudante adulterada, que havia usado uma ou duas vezes para entrar em filmes de terror de classificação 18 no cinema, entrou pela porta da frente com um sorriso confiante e a apresentou. O homem o lançou um olhar desconfiado, mas ele deu de ombros dizendo que era baixinho e tinha cara de bebê.

Por um milagre da vida (ou pelo fato de o homem não dar a mínima para a veracidade da história), Roberto conseguiu entrar.

Às vezes um pouco de atrevimento burro é melhor que qualquer plano complicado.

(Mas, na maioria das vezes, não)

                *

Dora, a não aventureira, tentou seu plano da maquiagem. Realmente, não existia maquiagem no mundo para fazê-la passar por uma moça de 18 anos convincente, mas talvez isso não fosse um problema se ela tivesse a cara-de-pau de Roberto. Ou uma identidade falsa.

Infelizmente, ela não tinha nenhuma das duas.

Sim, ela foi barrada.

Depois de mais uma tentativa em vão de passar pela porta da frente, ela mudou de estratégia e tentou a porta dos fundos, que estava trancada. Num momento de desespero, ela até tentou passar pela ventilação assim como Fabrício e Alexandre, mas era pequeno demais e ela quase ficou entalada.

Por um nem tão breve momento, Dora contemplou a possibilidade de desistir dessa palhaçada toda e ir para casa, mas desistiu da ideia porque estava obstinada. Ela iria realizar esse roubo com Roberto nem que fosse a última coisa que ela fizesse!

E, pelo rumo das coisas, era bom ela ganhar pelo menos um convite para sair depois dessa. Sair de verdade, não roubar um banco ou um cassino.

No fim, ela acabou pedindo ajuda de Marcela, que aceitou com algumas pequenas condições. Uma delas, obviamente, era que Dora lhe fizesse brownies e entregasse segunda-feira na escola.

Dora concordou com todos os termos, até os esquisitos, e Marcela, sorrindo, se aproximou da porta dos fundos e a abriu com um chute, depois entrou como se nada tivesse acontecido.

— Ah... Você acabou de abrir uma porta com um chute?

— Talvez. — Marcela deu de ombros. — Vamos entrar agora?

                *

O cassino era grande, brilhante e luxuoso como um cassino deve ser. O interior era decorado em tons sedutores de uma mistura de cores quentes e metálicas. Sons de máquinas caça-níquéis se misturavam a gritos vitoriosos daqueles que venciam apostas nas cartas e grunhidos de insatisfação dos perdedores (exceto, é claro, na mesa do pôquer. Ela era silenciosa e inexpressiva).

Em meio às luzes, ao som animado do ambiente e às apostas sem fim, o grupo de aspirantes a ladrões se encontrou.

A primeira reação de quase todos eles foi surpresa ao ver que os outros também conseguiram entrar. Nenhum deles tinha muita fé que o plano inexistente chegaria tão longe.

— Então... O que fazemos agora? — Dora quebrou o silêncio.

— Você é o cérebro, você diz. — Roberto respondeu. — Qual o plano?

— Ah... Você não tinha rabiscado um plano no caderno?

— Era pra roubar um banco, não um cassino. Eu não faço ideia do que estou fazendo. — Ele admitiu.

— E por que eu tenho que pensar no plano?

— Porque você é a pessoa mais inteligente aqui!

— É, mas... Espera aí, você disse que me acha inteligente? — Dora sorriu.

— Ei, pessoal, parem de namorar, estamos no meio de um roubo! — Marcela interrompeu o não-exatamente-romântico momento.

E provavelmente falou mais alto do que devia, já que algumas das pessoas próximas olharam estranho para eles e encararam rapidamente os seguranças.

— Uh... Devíamos sair logo daqui. E tentar chamar menos atenção. — Alexandre sugeriu sabiamente.

— Concordo! — Fabrício rapidamente se dirigiu a um dos corredores e os outros o seguiram, saindo do salão principal antes de chamar demais a atenção dos adultos presentes e, em especial, dos seguranças.

Por sorte, não havia ninguém nos corredores, ou eles estariam em maus lençóis para explicar o que estavam fazendo ali em primeiro lugar...

— Pra onde estamos indo? — Roberto perguntou. Para ser sincero, ele só estava seguindo Fabrício porque era isso que todo mundo estava fazendo.

— Como eu vou saber? — Fabrício retrucou. — Só achei que seria mais seguro ficarmos fora de vista.

— Ah... E por que paramos?

— Ah, é que tem uma câmera logo ali. — Ele apontou para o final do corredor. — Viu? Perto daquela porta.

   — Espera. Câmera significa coisa importante na sala, certo? Afinal, alguém se preocupou em protegê-la e tudo o mais. — Marcela comentou.

— É, faz sentido.

— O que será que tem naquela sala?

— A placa diz que é a diretoria. — Dora apontou. — Será que tem algo que valha a pena roubar?

— Com certeza! É a diretoria! — Roberto exclamou. — Só precisamos de um modo de passar sem sermos vistos pela câmera.

— E se andarmos plantando bananeira? Assim a câmera não pega nosso rosto, só nossos pés. — Fabrício sugeriu.

— Você fala como se andar com as mãos fosse fácil. — Marcela revirou os olhos.

— Ué, mas é.

Para provar seu ponto, Fabrício colocou as mãos no chão, erguendo o corpo e, o equilibrando, andou até o fim do corredor plantando bananeira e parou logo abaixo da câmera, fora de seu campo de visão.

— Viu? Fácil.

— Fácil pra você que é um circo ambulante. — Roberto provocou, mas Fabrício encarou como um elogio.

— Obrigado.

— E o resto de nós, como passa?

— Sem chance de ser assim! Eu não sei plantar bananeira!

— E se rastejarmos? — Alexandre sugeriu. — Se ficarmos bem perto do chão, acho que a câmera não pega a gente.

— Uh... É, não parece uma ideia ruim. — Roberto concedeu.

Os quatro se abaixaram, corpos quase grudados ao chão, e, depois de percorrerem mais da metade com caminho, Fabrício se manifestou.

— Sabe, se vocês quiserem, eu desconecto a câmera. Vocês estão demorando demais... — Ele comentou e cortou o fio da câmera com uma tesoura escolar.

—... Espera, você podia ter feito isso desde o começo?

— Hum, é.

— E por que não fez?!

— Ninguém pediu. — Ele deu de ombros.

— Por que você tinha uma tesoura?

— Precaução. Mas relaxa, é de plástico e sem ponta, totalmente responsável.

— Se você diz...

— Então, vamos entrar na sala?

— Claro.

                *

Os quatro pré-adolescentes e o café-com-leite passaram alguns minutos explorando a sala. Considerando que estava em um cassino, era decepcionantemente chata. Parecia apenas uma sala comum de diretoria, do tipo que se vê em qualquer outro lugar.

Mesmo assim, agora que já estavam ali, eles pegariam no mínimo um souvenir antes de sair.

Depois de muito remexer e não encontrar nada demais, eles acabaram se contentando com qualquer lembrancinha só para não voltar de mãos vazias. Alexandre, o café-com-leite, pegou balinhas de um pote de doces; Dora, a não aventureira, pegou uma caneta vermelha de cima da escrivaninha; Roberto, o líder não muito competente, pegou alguns post-it em branco e Marcela, a subornável por brownies, pegou uma revistinha de uma das prateleiras.

Todos felizes, menos Fabrício, que continuava revirando gavetas e prateleiras.

Depois de vários minutos, Roberto perdeu a paciência.

— Será que dá pra você se apressar? Só pega qualquer coisa e vamos sair antes que dê problema.

— Você não entende, eu ainda não achei o.....

—…O?

— Nada, esquece. — Fabrício desconversou depois de trocar um olhar rápido com Marcela e Dora.

Roberto sentiu o sangue ferver.

— Por que parece que vocês estão escondendo algo de mim?!

— Bem... — Marcela olhou para Dora como quem pede ajuda.

— Não é que a gente esteja escondendo algo, é só que...

Para a sorte delas, passos foram ouvidos no corredor, o que deixou a discussão em segundo plano. Para o azar geral, havia alguém se aproximando e não existiam exatamente muitos esconderijos na sala e, mesmo que houvesse, o celular de Roberto escolheu justo esse momento para tocar, a música os denunciando.

— Não dava pra ter deixado no silencioso? — Foi tudo que Marcela pôde dizer antes de o estranho entrar na sala, os flagrando.

Primeiro o homem que entrou ficou confuso, mas, assim que passou os olhos pelos invasores, a confusão foi substituída por irritação.

— Fabrício, Alexandre, o que vocês estão fazendo aqui?!

Fabrício apenas sorriu sem graça.

— Oi, pai... Eu posso explicar!

                *

Logo, os cinco estavam sentados numa espécie de sala de espera enquanto o pai de Fabrício ligava para seus respectivos responsáveis depois de ouvir toda a história do plano de roubo.

Em defesa dos aspirantes a ladrões, eles tentaram mentir para se safar, mas cada um inventou uma história mais absurda que a outra e, no fim, a verdade apareceu.

Enquanto esperavam, Roberto, que se sentia enganado, decidiu tirar essa história a limpo:

— Como assim o diretor do cassino é seu pai?!

— Ele é meu pai. — Fabrício respondeu. — Que parte não ficou clara?

— Não sei, que tal a parte que invadimos o cassino do seu pai e parece que todo mundo sabia menos eu?!

— Tá bom, desculpa, eu explico... Então, meu pai confiscou meu celular há uns dias e eu queria de volta. Fiquei sabendo do plano de vocês e achei que podia usar isso para pegar de volta.

 — E por que você não veio sozinho ou com seu irmão?

— Eu não gosto de fazer as coisas sozinho! E o Alexandre não conta.

(É a sina dos café-com-leite...)

Roberto respirou fundo.

— Tá... Você veio recuperar seu celular. Entendi. Mas por que parece que eu era o único que não sabia?!

Foi a vez de Marcela interromper:

— Olha, mano... Eu ia te contar quando descobri, mas ele me deu brownies! Lembra, aqueles que eu comi quando chegamos? E não deu pra resistir...

— E a Marcela me contou quando eu pedi ajuda pra entrar, mas ela me fez prometer não te contar ou ela não me ajudava. — Dora se explicou.

— Eu só não gosto de você. — Alexandre comentou.

Roberto se sentiu completamente deixado de fora.

— Querem saber? Da próxima vez que eu ficar entediado na aula, vou desenhar mesmo. Dá menos trabalho.

— Ótima ideia, mano. Somos ladrões horríveis!

— E minha mãe vai me deixar de castigo pra sempre.

— E meu pai nunca vai devolver meu celular.

Os lamentos foram cortados quando o pai de Fabrício entrou na salinha de espera seguido pelos demais responsáveis. Cada um pegou sua respectiva responsabilidade e saiu. O clima estava pesado e a perspectiva de futuro, sombria para nossos queridos quase-ladrões.

                *

No fim, Dora, a não aventureira, levou um sermão de uma hora e meia dos pais sobre “se todo mundo pular de um penhasco, você pula também?”, “Maria-vai-com-as-outras”, e outros clássicos dos sermões. Ah, e ficou um mês de castigo. Além disso, suas chances de ter um relacionamento aprovado pelos pais com Roberto se reduziram drasticamente.

Fabrício teve uma longa discussão com seu pai, a qual ele tentou muito ganhar, mas não teve sucesso. Ele tentou se aproveitar do fato de não ter filmagens dele no cassino (já que ele entrou pela tubulação e plantou bananeira o corredor), mas seu pai apontou que havia mais câmeras que aquela espalhadas pelo cassino e, mesmo se não houvesse, dava para ver suas meias de pares diferentes na câmera do corredor que o delatavam. No fim, Fabrício ficou sem mesada para pagar o conserto do câmera, permaneceu sem celular e ficou três meses de castigo.

Alexandre se aproveitou de sua carta branca de café-com-leite e conseguiu reduzir sua “pena” a um mês e meio. Às vezes ser café-com-leite compensa!

Já Marcela e Roberto foram os que mais se deram bem. Como seus pais estavam fora, Kell respondeu como “responsável por eles” e, depois de um breve discurso sobre como eles eram péssimo assaltantes, concordou que ninguém mais comentava essa história.

Marcela aproveitou os brownies que ainda tinha (e sonhou com os que Dora a daria segunda-feira).

Roberto decidiu parar de seguir essas ideias aleatórias que surgiam em meio ao tédio.

Kell recebeu seu pagamento como babá normalmente.


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Notas finais do capítulo

Eu até colocaria morais da história como manda a tradição, mas primeiro de abril é um dia sem moral!

Bye!