Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 7
Capítulo 06 – É Ela




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Ainda que não quisesse voltar em casa depois de deixar Olívia na escola, Emmett acabou tendo de fazer isso, para buscar algumas ferramentas de trabalho que ficaram para trás. Em nenhum momento parou para pensar que a filha tivesse ou não se alimentado antes de sair de casa aquela manhã. A verdade é que raramente se preocupava com isso.

Na escola, Olívia foi novamente motivo de conversa sussurrada e olhares estranhos da parte de alguns colegas. Chegar à sala de aula acompanhada pela diretora foi mais um motivo para tal atenção.

A professora a recebeu na porta, deixando a aula de lado um instante. Repousou a mão no ombro de Olívia e a conduziu a seu lugar na sala de aula. A menina, disfarçadamente, encobriu com a mão um furo no agasalho, e tentou não olhar no rosto das outras crianças no curto trajeto até seu assento próximo à parede, no centro da sala, permanecendo em silêncio, olhando as próprias mãos.

[…]

Rosalie havia se instalado há pouco tempo na pequena biblioteca da escola. Embora conhecesse o trabalho que exerceria, recebeu algumas instruções. Estava habituada a ambientes tranquilos e silenciosos, tinha certeza que não seria difícil gostar de estar ali.

Sentiu-se ansiosa ao ver tantas crianças chegarem ao prédio, minutos após ter se instalado. Sempre gostou muito de crianças, houve inclusive uma época em sua adolescência, que cogitou a possibilidade de se tornar professora e trabalhar na educação infantil. Com o passar do tempo, seus sonhos se tornaram outros, a vida seguiu outro caminho. No entanto, o carinho pelos pequenos no seu coração permaneceu. Depois, pensou pudesse ter seus próprios filhos, e não foi fácil quando passou por uma interrupção involuntária da gestação. Isso a desestabilizou. Enfraqueceu seus maiores anseios.

Até pouco tempo Rosalie não sabia que o noivo estava tão ansioso para formar uma família. Só percebeu depois da traição, quando a gravidez de Irina foi anunciada, e Royce tratou de correr com a papelada do casamento. Os preparativos para a chegada do bebê começaram em seguida.

Não via a hora das crianças começarem a chegar à biblioteca, com fome de descobertas e aprendizado, falar com elas, ajudá-las encontrar aquilo de que precisavam. Tinha certeza de que seria um tempo válido, o pouco tempo que estaria prestando serviço à escola primária.

Durante as primeiras horas esteve trabalhando em silêncio na companhia dos livros. Somente por volta das onze horas da manhã as crianças começaram a aparecer. Rosalie ficou feliz em ajudá-las. Pouco antes do meio-dia chegou mais uma, buscando um livro a pedido da professora.

O horário do almoço das crianças logo chegou. Rosalie não achou que fosse receber muitas delas na biblioteca durante aquele horário, mas três delas apareceram. Duas meninas e um menino, com idade entre sete e oito anos. Mostraram-se agitadas, sorrindo para ela com receptividade. Conversaram e esbanjaram sorrisos com falhas. Rosalie descobriu seus nomes, elas, o seu. Depois as ajudou na busca de seus livros e até lhes deu alguma explicação.

O garotinho já estava de saída quando uma quarta criança apareceu. Diferente das outras crianças que estiveram ali, essa trazia a mochila nas costas. Suas roupas eram gastas, e no casaco havia um furo na parte da frente. Ela estava de cabeça baixa, evitando olhar nas outras crianças e até mesmo em Rosalie, que a observou caminhar para a parte dos fundos onde era mais sossegado. Rosalie estranhou que todas as outras crianças quisessem conversar com ela, conhecê-la, contar e ouvir histórias, quando aquela, em particular, parecia querer se isolar.

Foi olhando para ela que Rosalie entregou o livro à garotinha negra de cabelos trançados que estava ao seu lado. Ofereceu um sorriso, que foi facilmente retribuído pela menina.

Rosalie andou pela biblioteca, até encontrá-la sentada num dos bancos acolchoados ao lado da janela. Olhando sobre sua cabeça podia ver uma parte do gramado, do lado de fora.

A menina de cabelos ruivos e longos cujo Rosalie tinha a impressão de já ter visto antes, estava com a cabeça baixa, buscando algo dentro da mochila preta que em nada se parecia com a mochila das outras meninas que encontrou pelo corredor, na sua maioria em cores vivas e alegres.

— Olá! — Rosalie saudou com cautela.

Quando a menina ergueu a vista, não teve dúvidas, era a mesma que viu no supermercado outro dia. Os cabelos ruivos bagunçados, os olhos escuros e tristes, ela jamais esqueceria. Era ela, a garotinha para quem comprou os chocolates. Tinha procurado por ela e no final não a encontrou. Mesmo que lhe dissessem o contrário sabia que a tinha visto dentro daquele carro, nas proximidades do cemitério.

Vendo-a assim tão de perto, não só notou as pequenas sardas nas maçãs do rosto e nariz, como também a cicatriz embaixo do queixo.

Como a menina não respondeu, Rosalie tentou mais uma vez.

— Você precisa de ajuda?

A menina negou, balançando a cabeça.

— Você deve estar estranhando, não é? — Rosalie comentou. — Eu sou nova por aqui, estou substituindo a Rachel, mas só até ela se recuperar. Se você precisar de algo, pode falar comigo. Ainda estou me acostumando com tudo por aqui, então pode ser que eu tenha um pouquinho de dificuldade — Rosalie sorriu com simpatia, aguardando uma reação da parte da criança.

Olívia olhou para ela, talvez a reconhecendo, também, do supermercado. Mas, em vez de lhe dizer alguma coisa, apertou a mochila junto ao peito e tornou abaixar a cabeça.

— Você se lembra de mim? — Rosalie ariscou. — Eu te vi no supermercado, no outro dia. Você estava acompanhada por uma senhora de cabelos grisalhos, na seção de doces. Estava perto da prateleira de chocolates. Lembra?

Olívia se encolheu, apertando ainda mais a mochila junto ao peito.

Tentando ganhar sua confiança, Rosalie continuou:

— Ela não parecia muito amável. Ela é sua avó?

Olívia negou, outra vez balançando a cabeça. O seu estômago roncou alto, a vergonha a atingiu em cheio.

— Querida, você ainda não almoçou? — como que respondendo por ela, o estômago de Olívia voltou a roncar. — Você não almoçou, não é?!

Ela negou outra vez, balançando a cabeça em silêncio.

— Quando foi à última vez que fez uma refeição?

Não houve respostas com palavras, os olhos de Olívia se encheram de lágrimas. Com isso, Rosalie compreendeu: aquela criança nem sequer havia tomado café da manhã antes de sair de casa.

— Tudo bem. — Rosalie estendeu a mão para fazer um carinho em seu rosto, e Olívia ficou olhando sua mão se aproximar como fosse à coisa mais extraordinária de todas. Feito um bichinho maltratado, ficou sem saber como agir quando a mão gentil de Rosalie lhe afagou o rosto. — Espere aqui um instante — Rosalie pediu. Tinha ficado tão surpresa com a reação da menina, quanto à mesma ficou ao receber seu gesto de carinho. — Eu já volto. Por favor, não saia daqui.

Ela retornou para junto de Olívia poucos minutos depois, trazendo consigo um saco de papel pardo.

Olívia estava outra vez de cabeça baixa, com as mãos dentro da mochila.

— Voltei! — Rosalie brincou. Olívia olhou para ela, esperançosa. Rosalie puxou uma cadeira colorida, na mesa ao lado, e sentou. — É o meu primeiro dia aqui e já estou quebrando regras — comentou de forma natural enquanto retirava os alimentos de dentro do caso. Dois sanduíches de peito de peru, duas maçãs, dois bolinhos, dois sucos de caixinha e uma caixinha de leite.

Olívia olhou os alimentos, cuidadosamente colocados à mesa de estudos, e seu estômago tornou a roncar. A boca salivou, e ela pensou se poderia comer ao menos uma daquelas coisas.

Rosalie afastou outra cadeira.

— Venha almoçar comigo, querida.

Olívia hesitou um instante.

Rosalie deu a primeira mordida em seu sanduíche. Com um ar conspiratório mencionou:

— Temos de dar um fim a tudo isso, antes que apareça alguém da direção e nos pegue quebrando as regras. Posso ficar encrencada no meu primeiro dia aqui, você não concorda comigo?

O rosto triste de Olívia suavizou diante o comentário divertido. Rosalie aceitou aquilo como um sorriso.

Olívia se levantou, acanhada, e Rosalie tocou seu braço guiando-a até a cadeira. Ela se sentou, os olhinhos vidrados na comida, antevendo o sabor de cada alimento disposto ali.

— Você pode me ajudar com isso? — Rosalie se dobrou sobre a mesa buscando o olhar dela. Olívia a olhou, ainda acanhada, mas dessa vez o seu movimentar de cabeça foi positivo. Rosalie voltou a morder seu sanduíche. — Hummm... Isso está uma delícia. Não imaginava que aqui eles tivessem sanduíches tão bons assim. Por que não experimenta o seu?

Olívia pôs a mão em cima da mesa, lentamente aproximando do sanduíche. Rosalie não pôde deixar de notar o quanto seus dedos eram finos e pálidos. A menina levou o sanduiche a boca, dando a primeira mordida, como não confiasse no que estava acontecendo. A segunda mordida veio em seguida, apressada e gulosa.

De canto de olho, Rosalie reconheceu a satisfação no rosto da criança. Olívia comeu metade do sanduiche num folego só. Parecia entalada quando tomou o primeiro gole do suco. Ela lançou o olhar envergonhado a Rosalie antes de comer o restante do lanche. Sem esperar que mandasse, passou para o bolinho e o leite.

Rosalie percebeu ela soltar um suspiro de satisfação. A boca cheia e migalhas nas roupas.

— O meu nome é Rosalie Hale. Amigos e familiares costumam me chamar de Rose — tentou não reparar muito na forma como Olívia parecia faminta e isso a levou imaginar que tipo de pais a deixariam passar fome, a menos, claro, fosse uma família humilde. Talvez toda a família estivesse na mesma situação. Pensou, também, quantas crianças mais estariam passando pelo mesmo problema que aquela a sua frente.

Não tinha certeza quanto a esses pensamentos. E estava longe de imaginar que tudo fora causado pela falta de amor e o desprezo de quem deveria cuidá-la e alimentá-la.

— Você, como se chama?

Com a boca cheia, Olívia falou com ela pela primeira vez.

— Olívia.

— É um nome muito bonito, Olívia. Você sabe quem o escolheu para você?

A resposta silenciosa estava de volta, e havia sido negativa.

— Aposto que quem escolheu, gostava bastante de como ele soava. Humm... Quantos anos você tem Olívia?

— Seis.

— Você mora com o seu papai e a sua mamãe?

— Só com o meu papai.

— É? E onde está a sua mamãe?

— A minha mamãe morreu.

Rosalie não aguentou olhar naqueles olhinhos tão tristes sem lhe fazer um afago no rosto.

— Sinto muito, querida. Há quanto tempo isso aconteceu? Consegue me dizer?

— Olívia? — Ambas ouviram alguém chamar.

Olívia terminou de comer o bolinho às pressas e rapidamente escondeu a maçã dentro da mochila.

Rosalie enfiou as embalagens vazias dentro do saco de papel empurrando tudo para debaixo da mesa.

As duas ficaram de pé, sabendo que tinham descumprido uma regra.

— Aí está você — a recém-chegada falou com Olívia. — Olá! — ela cumprimentou Rosalie. — Você deve ser a voluntária que está substituindo Rachel. Eu sou Hannah, professora de Olívia.

Rosalie lhe estendeu a mão.

— Rosalie Hale, muito prazer.

— É um prazer tê-la conosco. — A professora olhou para Olívia e sorriu. — Estava procurando por você. — Então olhou para Rosalie outra vez. — Algumas crianças disseram tê-la visto entrar aqui. O horário do almoço terminou e como ela não estava por perto, fiquei preocupada.

— Sinto muito, devo tê-la atrasado. Não foi minha intensão. Estávamos conversando — Rosalie piscou um olho para Olívia.

Hannah estendeu a mão.

— Vamos voltar para a sala? — Então parou e olhou para Rosalie. — Você disse que Olívia estava conversando com você? Dificilmente ela fala com alguém, estou surpresa que isso tenha acontecido. — Ela segurou na mão da menina, e as duas viram de costas, prontas para partir. — Estou feliz que tenha feito uma amiga — Hannah comentou com a criança.

Rosalie sorriu, acenando para Olívia, que moveu a mão timidamente em resposta.

Novamente sozinha Rosalie tratou de se livrar das provas do almoço na biblioteca, jogando no lixo as embalagens vazias de comida. Enquanto fazia isso, pensou que gostaria de conhecer melhor a história de Olívia. Entender por que o pai a mandava para a escola sem antes se preocupar em alimentá-la. Quando e como a mãe havia morrido?

Ao final do horário letivo, tentou encontrá-la, mas havia muitas crianças nos corredores, ansiosas para retornarem as suas casas.

Quando o estacionamento já estava vazio, caminhou até seu carro, levando apenas a bolsa embaixo do braço e a chave, na mão.

A assistente da diretora, no outro lado do estacionamento, carregando um amontoado de papeis, chamou seu nome.

— Rosalie?

Rosalie olhou naquela direção procurando quem a chamava, ao avistá-la acenou com a mão que segurava a chave do carro.

A baixinha de cabelos escuros e repicados atravessou o estacionamento indo ao seu encontro.

— Então como foi? — Alice pediu. — Não nos falamos mais, queria saber como foi seu primeiro dia. — Ela indicou o prédio da escola logo atrás das costas. — Você gostou? — o vento jogou para frente seus cabelos e ela usou a mão para afastá-lo do rosto.

— Ah, sim! — respondeu Rosalie, como percebesse só agora ao que Alice se referia. — Foi bom. Acho que vou gostar desse tempo aqui com vocês e as crianças. Já estou ansiosa para amanhã.

Alice sorriu.

— Que bom! Porque eu ouvi boatos de que as crianças adoraram você, algumas chegaram até mesmo dizer que gostaria que fosse professora delas.

O sorriso que Rosalie esbanjou foi grandioso, verdadeiro.

— Posso dizer que é um sentimento reciproco.

A expressão de contentamento no rosto de Alice foi clara.

— É bom trabalhar com pessoas que cuidam e respeitam nossos pequenos. Nos vemos amanhã, então. Até logo, Rose!

[…]

Rosalie cruzou a porta da casa do avô, deparando-se com ele vindo em sua direção. Deduziu que estava contando os minutos para seu retorno.

— E aí? — ele fez o comentário. — Vai arrumar suas malas e voltar correndo para Atlanta, pro seu emprego por opção, ou vai ficar e dar uma chance a si mesma? Vou entender se quiser ficar longe desse velho chato e desse emprego ao qual não estava buscando. Ainda que eu pense que será bom para você ficar um tempo com eles.

Rosalie o olhou com afeto. Estendeu a mão deixando a bolsa no sofá, antes de envolvê-lo num abraço apertado. Norman, que segurava uma xícara de chá em uma das mãos, ficou sem reação diante o abraço inesperado.

— Obrigada, vovô. Eu adorei aquele lugar. — Ela se afastou, tomando a xícara da mão dele. Provou um gole e voltou a falar: — Só para o senhor saber, durante todas essas horas que estive lá, não pensei no que me fizeram. Nenhum só minuto.

Ainda que não fosse à intensão, a revelação deixou Norman envergonhado.

— Me desculpe querida. Bastou você voltar para esse velho tolo trazer esses dois a seus pensamentos.

— Está tudo bem vovô, não se culpe. Não disse isso para fazê-lo se sentir culpado.

— Então você realmente gostou? Quero dizer do trabalho na biblioteca da escola?

— Sim. — Ela tomou outro gole de chá. — Vai me fazer bem passar um tempo perto das crianças. Elas são sempre tão verdadeiras — Rosalie pensou em Olívia e as palavras desapareceram de seus lábios sem aviso.

— O que foi? — Norman estudou a expressão preocupada em seu rosto.

Rosalie se movimentou pela sala indo sentar no sofá. Sentou-se com as pernas dobradas sobre o estofado, puxando uma almofada para o colo.

— Sabe a garotinha que mencionei ter visto no supermercado no outro dia? A mesma para quem comprei os chocolates que não consegui entregar?

O avô anuiu.

Mais um gole do chá, ela tornou a falar:

— Eu a encontrei hoje. Ela frequenta a mesma escola para onde o senhor me mandou como voluntária. Ela tem seis anos, e está no primeiro ano.

— E por que você parece triste e não feliz ao dizer isso?

— Ela não me pareceu uma criança feliz, vovô. Pelo contrário, pareceu bem triste. O olhar dela, o mais triste que já percebi no rosto de uma criança próximo a mim.

— Confesso que por isso eu não esperava.

— Acredita que ela foi à escola hoje sem ao menos ter tomado o café da manhã? Não levou almoço de casa, nem mesmo tinha como pagar por um.

Norman coçou a barba grisalha.

— Isso é preocupante.

— Não é? E ela é um amorzinho, só que carrega essa tristeza com ela.

— Conseguiu descobrir o porquê de ela não ter se alimentado?

— Ela não falou muito. Eu também não podia deixá-la com fome, acabei comprando um lanche para nós duas, assim ela se sentiria mais à vontade em aceitar.

— Pode ser que a família esteja passando por dificuldades financeiras. Deve haver alguma explicação.

— Eu não sei, mas que fiquei preocupada com a situação dela, fiquei. Ela acabou me contando que a mãezinha dela morreu. Pode ser essa a razão de tanta tristeza em seus olhos.

— Perder a mãe nunca é fácil, ainda mais quando se é tão novinha como ela.

Rosalie moveu a cabeça, concordando.

— Ela lhe disse há quanto tempo isso aconteceu? Se é algo recente?

— Não. Assim que acabou de lanchar, a professora apareceu e a levou para a sala de aula. Talvez amanhã eu leve o almoço para ela.

— Você precisa falar com alguém da escola sobre isso.

— Por enquanto, gostaria de conhecê-la pelos meus próprios olhos, não pelo dos outros. Se eles sabem o que se passa com ela e mesmo assim não a ajudam, não acho que seja a melhor decisão falar com eles agora.

— E o que isso significa?

— Eu quero ajudá-la. Quero cuidar dela. Quero pôr um sorriso em seu rosto. Só que antes tenho de conhecê-la verdadeiramente. Entender o que a faz tão infeliz.

— Rose... — O avô olhou para ela como dissesse para tomar cuidado.

— O senhor praticamente me obrigou a ir àquela escola hoje. Foi então que a conheci. Agora é tarde.

— Você vai se apegar a essa criança.

— Isso não é um problema para mim.

— Não, não é. O problema vai surgir mesmo é quando tiver de ir embora.

— Até lá, eu já terei descoberto o que a faz tão triste. Cuidarei para que seu coração se recupere, nesse meio tempo, espero curar o meu também.

— Se você só vai vê-la por alguns breves momentos na biblioteca da escola, não vai haver tempo para criar laços tão fortes. Pode ser que eu esteja me precipitando.

Rosalie pensou a respeito. Era provável que o laço ao qual o avô se referia já tivesse sido criado. Precisava descobrir mais a respeito da família de Olívia. Era importante descobrir o que acontecia a ela. Do contrário, quando chegasse o momento de voltar para Atlanta, não conseguiria.

Tomou um último gole do chá. Olhou no fundo da xícara, com a expressão pensativa.

— É vovô, acho que tomei todo o seu chá. Posso preparar outro, se senhor quiser.

Norman estendeu a mão, alcançando a dela em volta da xícara vazia.

— Não tem problema — garantiu.

Rosalie desdobrou as pernas e as esticou tocando o chão com os pés.

— Vou tomar um banho. — Ela se levantou e deixou a xícara sobre a mesinha de centro. Caminhou até a escada e parou olhando para trás. — O jantar hoje é por minha conta.

— Será um prazer saborear comida feita por minha neta.

[…]

Emmett passou pela porta de casa, depois de um longo dia de trabalho, exausto e faminto. Como quase sempre acontecia, deduziu que Olívia estivesse se preparando para ir para a cama. Diferente do que esperava a menina ainda estava na sala assistindo televisão.

Ele deixou o casaco no gancho e entrou na sala.

— Oi, papai! — Olívia o cumprimentou.

— Onde está a Sra. Smith?

Sua falta de interesse e atenção fez com que a menina murchasse feito um balão que perde o ar.

— Ela foi ao banheiro.

— Por que você não está na cama?

— Ainda é cedo, papai.

Naquele momento a senhora que tomava conta dela, chegou à sala.

— Insisti que fosse para o quarto assim que jantou, mas... — explicou a Sra. Smith.

Emmett ergueu a mão indicando que parasse. Então olhou novamente a menina, sentada no sofá.

— Vá para o seu quarto. E vista o pijama.

Olívia olhou dele para a televisão onde passava um dos filmes da Barbie.  Queria tanto saber como terminava.

— Você não me ouviu, Olívia?

De cabeça baixa, Olívia pegou o cobertorzinho e saiu da sala.

O olhar de Emmett foi para a senhora no outro lado da sala.

— Hoje tive de levá-la à escola. Ela perdeu a porcaria do ônibus e como não bastasse tive de dar explicações àquela gente. O despertador não tocou.

— Vou subir e deixá-lo programado para amanhã — comentou a Sra. Smith. Enquanto se afastava remendou: — Você deveria ter feito o mesmo.

— Acha que não sei — ele bradou. — Ontem o dia inteiro foi uma merda. Nada saiu como eu esperava. Eu queria ter consertado a maldita cerca no jardim dos fundos, por causa dela, não consertei.

A vizinha subiu a escada, resmungando consigo mesma sobre Emmett não ser capaz de cuidar da própria filha.

Emmett foi para a cozinha, onde o cheiro de comida era atraente. Sentindo que realmente precisava de uma refeição de verdade, salivou.

A Sra. Smith havia feito um bolo de carne. Serviu-se de um prato cheio. Comeu diante a ilha, sentado na banqueta. Uma lata de cerveja foi posta ao lado do prato e ele bebeu dela enquanto comia.

Olívia estava terminando de se trocar, quando a porta de seu quarto foi aberta bruscamente e a Sra. Smith entrou esbravejando.

— Garota chata. Garota boba.

Olívia saltou para o lado com o susto e rapidamente se encolheu. A mulher se aproximou agarrando sua orelha com força, forçando o tempo todo para cima, sem pena. Olívia apertou os olhos por conta da dor e o gemido ficou preso entre os lábios.

— Vai logo para cama — ordenou ainda com a mão na orelha da menina, sem se importar que o pai estivesse no andar de baixo. Ele mal a enxergava. Assim, empurrou Olívia até a cama.

— Por que tenho sempre de dormir tão cedo? — pediu em meio a um gemido de dor e um quase soluço.

— Você tem de ir à escola. Além disso, seu pai não gosta de te ver acordada quando chega do trabalho. Será que não percebeu que ele fica lá enrolando para que dê tempo de você estar dormindo quando chegar?

A menina caiu na cama, rastejando imediatamente para debaixo das cobertas.

A velha continuou resmungando:

— Eu não o culpo. Faria a mesma coisa se tivesse uma filha tão chata e feia feito você.

Os olhos de Olívia se encheram de lágrimas.

— Eu não sou feia — se negou aceitar a ofensa, choramingando embaixo das cobertas. — Não é verdade... tá bom!

— Você se acha bonita com esse cabelo cor de fogo sempre emaranhado? É muito mal-educada, também. Ainda por cima tem esse cobertor encardido levando para todos os lados. Você tem seis anos, não deveria mais andar com isso por aí. Deveria se envergonhar. Sem contar que ainda tem a loucura de falar sozinha.

Depois de ouvir tantas coisas feias, Olívia estava chorando, escondida embaixo das cobertas.

A Sra. Smith verificou o despertador.

— Vê se amanhã você levanta na hora certa. — O despertador voltou para a mesinha de cabeceira com um baque. Não levou mais tempo, a Sra. Smith saiu do quarto.

Assim que ouviu a porta se fechar, Olívia afastou as cobertas do rosto molhado de lágrimas. Ficou olhando para o teto enquanto chorava. Arco-íris deitou ao lado dela, fazendo um carinho nos cabelos bagunçados, dizendo para que não chorasse.

A Sra. Smith voltou ao térreo e foi até a cozinha avisar que estava indo embora.

— A menina já está na cama — contou. — Ela não irá mais incomodá-lo essa noite. O despertador está programado no horário correto. Se ela não levantar na hora, a culpa será toda dela.

Emmett anuiu.

A Sra. Smith virou de costas e se retirou.

Emmett terminou de jantar ouvindo apenas o silêncio. Lavou a louça que usou, e pegou mais uma lata de cerveja na geladeira levando consigo para o jardim dos fundos.

Ignorando a cerca quebrada, sentou-se no banco de madeira sob o caramanchão de flores mortas. Bebeu um gole da cerveja, recordando em como Sarah havia ficado feliz quando terminou de construir para ela o caramanchão e o banco onde está sentado agora. Tinha sido um de seus primeiros pedidos ao se mudarem para a casa nova, depois do casamento. A casa de bonecas ao lado, foi construída logo depois que descobriram que teriam uma menina. Tinham ficado tão felizes e ansiosos que não conseguiram esperar para tornar real o projeto da pequena construção de madeira.

 


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Notas finais do capítulo

Caso alguém não tenha visto ainda e queira dá uma conferida, postei uma oneshot, então, segue o link: https://fanfiction.com.br/historia/767043/Um_Instante_no_Tempo/

Aguardo vocês nos comentários.

Sill