Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 5
Capítulo 04 – Você é a Razão


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!
Antes que comecem a leitura, aproveito para deixar aqui meu agradecimento a Alexia pela linda recomendação. Muito obrigada mesmo ♥. O capítulo é dedicado a você. Espero muito que goste.
Obrigada, também, a todos os comentários deixados no capítulo anterior ♥
Desejo a todos uma boa leitura.



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Era manhã de domingo, Emmett queria aproveitar para arrumar a cerca quebrada, no jardim dos fundos. Há tempos pensava em consertá-la, mas nunca se sentiu realmente motivado a fazer isso. Nos últimos anos nada o motivava. Viver já não lhe trazia a mesma alegria de antes.

Sabia que se Sarah estivesse viva, tudo seria diferente. A casa não estaria tão abandonada, o jardim não estaria destruído. Aquele era o lugar favorito de Sarah em toda a casa. Eles cuidavam de tudo juntos e sempre com um sorrio no rosto, ainda que as coisas não saíssem como esperavam. Mas quando Sarah morreu, seu coração pareceu morrer junto com ela. E ao enterrá-la, enterrou também a sua alegria de viver.

Em um dos seus vários momentos de dor, chegou até mesmo pensar em desistir. Ainda que não quisesse, Cheryl estava lá, batendo o pé, de alguma forma lhe devolvendo um pouco a razão. Exigindo que cuidasse da filha.

Nada do que dissesse ou fizesse o fazia sentir vontade de volta a viver. Emmett deixou de frequentar os lugares onde frequentava com Sarah. Deixou, também, de ver os amigos. A única coisa a qual voltou a se dedicar inteiramente, mais de um ano depois, foi ao trabalho. Esse o matinha com a mente ocupada, a uma distância segura da sensação de culpa e desespero.

Foi totalmente incapaz de se dedicar e amar a filha. Não conseguia deixar de pensar que ela era a culpada pela morte de Sarah. Uma teve de morrer para a outra viver. Ele não entendia e não aceitava que fosse desse jeito.

O seu desejo, de que Olívia se parecesse com a mãe, muito antes de ela nascer, foi atendido, mas agora olhar para ela todos os dias havia se tornado uma tortura. Era como se a menina houvesse sugado toda vida de Sarah pra si. Havia um conflito imenso dentre dele; ódio e amor coexistindo. Nem sempre conseguia lidar bem com a confusão de sentimentos. Assim, esforçava-se em anulá-los buscando refúgio na bebida. O cigarro também passou a fazer parte da sua vida num número maior que antes.

O dia começou acinzentado, ele percebeu ainda da cama, olhando na direção da janela, onde as cortinas estavam abertas. O violoncelo de Sarah estava naquela direção. Ainda que doesse vê-lo todos os dias, jamais cogitaria em tirá-lo dali, da mesma forma outros pertences dela ficaram no closet e na penteadeira que tanto adorava.  Foram muitas as vezes que ficou ali sozinho, revivendo momentos através das lembranças. Todas elas. Queria ouvi-la tocar apenas mais uma vez. Aceitaria qualquer coisa por uma chance de vê-la de novo.

Saiu da cama, guiado pelas memórias, e se aproximou do violoncelo. Deslizou a mão sobre o instrumento lustroso, imaginando os belos momentos em que Sarah tocava para ele. Bela e talentosa. O primeiro, e talvez o último, amor de sua vida.

Agasalhou-se, decidido finalmente a resolver o problema da cerca.

Enquanto estava na cozinha, preparando o café, acendeu um cigarro. Soltou a fumaça, após uma longa tragada, olhando através da janela de vidro sobre a pia, dali podia ver a cerca quebrada. Virou-se e encheu uma caneca com café. Tomou um gole, a fumaça subindo diante o seu nariz, exalando o aroma. Imaginou quanto de madeira usaria para fazer aquele conserto. O que tinha na garagem iria servir, pensou, tomando mais um gole de café. Só não tinha certeza quanto aos pregos, talvez tivesse de ir à loja de ferragens para conseguir mais alguns.

Levar Olívia com ele a qualquer lugar era sempre ultima opção. Como era manhã de domingo, a Sra. Smith provavelmente estaria se aprontando para ir à igreja. Aí está um dos locais ao qual tem evitado todos esses anos, a todo custo. Perder Sarah também abalou a sua fé. Onde está Deus? , ele questionou quando teve de se despedir para nunca mais voltar a vê-la.

O reverendo tentou por diversas vezes trazê-lo de volta, mas todas as suas tentativas foram falhas. Com o tempo, acabou desistindo, assim como a mãe de Emmett havia feito.

Ali, sozinho na cozinha, terminou o café e deu uma última tragada no cigarro antes de apagar e jogar fora a bituca.

Seguiu para a garagem, onde vasculhou algumas caixas de ferramentas no armário junto à parede em buscas daquelas que usaria. Como imaginou, precisaria de mais pregos. Usou o botão ao lado do portão para abrir a garagem. Pouco a pouco foi levando tudo o que precisava para o jardim dos fundos. Percebeu um dos vizinhos olhando o que fazia, mas, nenhum dos dois se arriscou a dizer qualquer palavra.

Tudo preparado, a bancada onde trabalhar, pronta, começou a medir e serrar madeiras. Durante todo o tempo evitou olhar a casinha de bonecas de Olívia. Lembrava-se de como foi prazeroso o tempo que dedicou à pequena construção, de como Sarah se dedicou ao desenho que criou, ficou ao seu lado dando sugestões e de como acariciava a barriga, já nas últimas semanas de gestação. O amor cintilando em seus olhos escuros. O som de seu riso toda vez que fazia ou falava algo engraçado. Como era gostoso estar na companhia dela.

O barulho no jardim dos fundos, em frente a sua janela, despertou Olívia de seus sonhos. Ainda estava tentando entender o que acontecia, quando saiu da cama, agarrada ao cobertorzinho encardido que um dia havia sido cor-de-rosa. Os cabelos revoltos. As mesmas roupas do dia anterior e meias coloridas nos pés. Aproximou-se da janela, puxando a cortina branca. Viu o papai no jardim. O que estaria fazendo? , pensou. Estranhou que estivesse trabalhando em casa já que raramente fazia reparos, exceto em coisas que não davam para esperar como vazamentos.

Ansiosa para estar lá fora com ele, se apressou em pôr um casaco e calçar as galochas. Ela bem tentou pentear os cabelos, mas acabou desistindo na metade, o que ocasional em metade liso e metade embaraçado com alguns nós.

Saiu do quarto, correndo pelo corredor, levando o cobertorzinho junto. Desceu a escada, passando pela sala estar, a de jantar e também a cozinha, até chegar ao jardim dos fundos.

Emmett continuava trabalhando com a madeira, perdido em pensamentos e lembranças. A bancada improvisada, com o material em cima, estava uma bagunçada. Ele deixou a serra de lado quando pensou ter sentido a presença da esposa falecida.

— Sarah... — sussurrou. E, ao se virar, percebeu que era apenas Olívia que chagara de mansinho. Envergonhado, abaixou a cabeça e pegou o martelo.

— O que está fazendo papai? — Olívia perguntou, seu tom de voz soando cauteloso. Os olhos indo do material na mesa para o rosto dele.

Emmett evitou olhar no rosto dela, quando respondeu:

— Vou consertar a cerca, não está vendo?!

— Ah... — murmurou Olívia, apertando o cobertorzinho ao peito, olhando do local onde estava o material de trabalho para o vão na cerca quebrada. — Ela está mesmo precisando ser concertada. Você sabe fazer isso, né papai?!

O pai apenas ignorou seu comentário.

Um instante depois, ela voltou a falar:

— Vai consertar a minha casinha de bonecas também, papai?

A atenção dele se voltou para Olívia. Havia tanto de Sarah naquela garotinha. A semelhança lhe causou um aperto no peito. Ainda assim, encontrou pequenas diferenças; Sarah irradiava felicidade. Estava sempre arrumada. Os cabelos sedosos e brilhantes cheiravam a jasmim. Olívia vivia sempre desalinhada, suas roupas eram gastas, os cabelos ruivos, herdados da mãe, em raros momentos os vira penteados, e seu brilho nunca foi o mesmo.

— Você já escovou os dentes? — Ele tentou tirar os pensamentos daquele caminho, não era seguro. A menina moveu a cabeça, negando.

— Pois então, volte lá dentro e faça isso. Eu vou ter ir à loja de ferragens buscar alguns pregos se quiser terminar isso aqui ainda hoje.

Os olhos de Olívia se encheram de lágrimas.

— Vai me deixar sozinha, papai? — pediu.

Embora fosse seu desejo, não o faria.

— Você vai comigo.

O sorriso que ela lhe ofereceu foi como oferecer um raio de luz a seus dias nublados. Foi tão forte que Emmett não aguentou manter contato por muito mais tempo.

— Anda, vai... — ele moveu a mão na direção da casa.

— E o meu café da manhã?

— Vou deixar o cereal e o leite em cima da mesa. Estarei lá dentro em alguns minutos.

Olívia girou nos calcanhares, abraçando o cobertorzinho, correndo em disparada para dentro de casa. Sentia algo diferente no coração, uma sensação prazerosa a qual não estava habituada. Não podia se atrasar ou o papai a deixaria sozinha em casa. E ela tinha muito medo que isso acontecesse. Ainda se lembrava da primeira vez que isso aconteceu. Do pavor que sentiu. De ter se machucado e precisado ir ao hospital.

Alguns minutos depois, Emmett gritou da cozinha:

— Se apresse Olívia.

Ela chegou à cozinha o mais rápido que pôde. O rosto ainda com vestígios de água e o hálito de creme dental. Correu para se sentar à mesa, em seguida, virou a caixa de cereal derrubando alguns grãos na tigela, então acrescentou o leite.

Encostado ao balcão, Emmett acendeu outro cigarro e ficou fumando enquanto aguardava por ela.

— Nós podemos ir ao parque? — ela questionou.

— Não. Tenho outro lugar para ir antes de voltar ao conserto da cerca.

Os ombros de Olívia cederam em desanimo.

Ela gostava de cereal matinal, mas também gostaria de poder comer outras coisas no café da manhã de vez em quando. Quando terminou, deixou a tigela vazia dentro da pia.

Emmett entrou na garagem assim que Olívia saiu da mesa. Quando ela o alcançou, a porta já estava sendo aberta. O cobertorzinho ainda estava com ela.

— Você não pode levar essa coisa encardida para todos os lados — o pai se queixou.

— Mas é meu cobertorzinho — ela defendeu. Por que será que o papai não entedia que não era apenas um cobertor encardido? Ele era sua fonte de segurança e conforto. Quando o segurava sentia-se mais forte e confiante.

— Deixe isso aí, Olívia — ele ordenou. A menina negou, balançando a cabeça com força, agarrando ainda mais forte o cobertor.

— Essa coisa é fedida e feia — bradou, avançando para ela com a mão estendida na intenção de capturar o pedaço de pano. O grito que Olívia soltou foi alto e estridente. Sua atitude repentina fez Emmett parar, com a mão no ar, quase que imediatamente. — Você ficou maluca? Quer que as pessoas pensem que estou te machucando? — Ele tentou mais uma vez, e Olívia tornou a gritar.

Emmett realmente desistiu de tentar. Sua mão então foi para a porta traseira da caminhonete e ele a abriu para Olívia entrar. Ela mesma fechou o cinto ao sentar na cadeirinha. Ele bateu a porta ao sentar ao volante.

— Não deixe que ninguém veja isso — exigiu, sem olhar para ela. A mão na chave, em seguida, o motor do carro rugiu. Eles saíram da garagem ainda enquanto Olívia chorava baixinho no banco de trás.

A primeira parada foi na loja de ferragens.

Olívia ainda estava com os olhos úmidos quando Emmett abriu a porta traseira para ela saltar.

— Limpe o rosto e deixe esse cobertor horrível dentro do carro — exigiu, com uma mão na porta, a outra, indicando que ela saísse.

A menina esfregou o cobertor no rosto, limpando as lágrimas nas bochechas antes de deixá-lo no assento, ao lado da cadeirinha. Emmett se irritou com a demora, avançando para tirá-la de lá ele mesmo. Os olhos de Olívia se arregalaram, demonstrando medo, diante o gesto hostil do pai.

Num instante, estava de pé ao lado da caminhonete, no estacionamento. Mantendo as mãos unidas, ficou de cabeça baixa. Estremeceu quando a porta bateu, dando um passo para trás.

Mantendo a chave do carro na mão, Emmett ordenou:

— Me siga. E depressa.

Olívia obedeceu, seguindo-o o tempo todo a passos largos, tanto que ficou ofegante. Quando ele parou diante a porta do estabelecimento, empurrando com a mão para abrir, ela colidiu nas pernas dele e por pouco não caiu de costas.

Emmett bufou com irritação. Mas permitiu que fosse à frente.

— Olá, Olívia! — uma das vendedoras da loja a reconheceu.

— Olá — a menina respondeu com timidez.  O tempo todo de cabeça baixa.

A moça de cabelos escuros, atrás do balcão de atendimento, sorriu para ambos.

— O que precisam hoje? — ela tentou.

Emmett não retribuiu ao sorriso. E sua resposta foi simples.

— Preciso de pregos e lixa.

Antes que a moça tivesse chance de oferecer ajuda, ele se afastou, empurrando Olívia pelos ombros, sabendo exatamente onde encontrar o que precisava. A menina tropeçou antes de ele deixá-la por conta própria.

Enquanto ele escolhia o material de trabalho, Olívia se distraiu olhando as prateleiras cheias de coisas da qual ela não conhecia.

— Não toque em nada — ouviu-o alertar.

Olívia sacudiu a cabeça como saísse de seu mundo imaginário.

Tendo tudo o que precisava em mãos, Emmett voltou à entrada da loja para fazer o pagamento. Havia outro cliente efetuando pagamento, por isso teve de esperar sua vez. Olívia ficou ao lado dele, mexendo os pezinhos, calçados de galochas vermelhas, nas listras do piso.

Por fim chegou à vez de Emmett. A moça tentou novamente iniciar uma conversa e outra vez ele não deu chance de a conversa se alongar. Ela sorriu parecendo sem graça e seu olhar foi para Olívia, que ainda brincava com as listras no piso.

— Você gostaria de ganhar uma bala, querida? Quero dizer, você pode comer doce?

Olívia olhou para ela, encolhendo os ombros. A moça finalizou a compra de Emmett, e, num potinho ao lado da caixa registradora, pegou um punhado de balas colocando nas mãos pequenas de Olívia.

— Não tem problema, não é? — pediu ao pai da menina.

— Não, nenhum — ele respondeu e pegou as sacolas.

— Obrigada — a menina agradeceu. E seguiu o pai até a saída. Começava retirar a embalagem de uma das balas, quando Emmett a alertou.

— Não vá chupar todas agora. Guarde algumas para depois.

Olívia anuiu.

— Você quer uma, papai?

— Não. — Ele apertou o passo. — Ainda temos um lugar para ir.

Olívia começou correr atrás dele tentando se manter por perto. Uma das balas caiu no chão e quando estava prestes a pegá-la, Emmett fez outro alerta.

— Deixe isso aí.

— Ainda está na embalagem.

— Não importa. Deixe onde está.

Olívia olhou o doce no chão, desapontada. No instante seguinte, estava correndo atrás dele outra vez.

Emmett ajudou ela entrar no carro. Minutos depois, fez uma breve parada numa lojinha de flores e comprou uma única rosa-vermelha.

— Para quê essa flor, papai? — Olívia pediu, assim que ele deixou a rosa no banco do carona. — Ela é muito bonita.

Seguiram viagem sem que Olívia obtivesse uma resposta para sua pergunta. Ela tentou mais de uma vez enxergar a rosa no banco ao lado dele, mas acabou desistindo. Distraiu-se com as construções por onde passavam. Os prédios mais altos da cidade tinham apenas três andares. E, em algumas calçadas, os tijolos haviam rachado ao longo do tempo.

Voltou a estacionar, momentos depois, a poucos metros do cemitério local.

— Espere aqui — pediu a Olívia. Em seguida, pegou a rosa. — Eu volto num instante.

A expressão da menina se tornou preocupada.

— Aonde você vai? — pediu

— Eu não demoro — se limitou a responder, saindo do carro.

Olívia se desesperou.

— Papai, papai. Aonde você vai? Eu não quero ficar aqui sozinha. Não me deixe sozinha... — ela estava outra vez chorando. Através de uma cortina de lágrimas viu o pai se afastar do carro e desaparecer do outro lado dos portões de ferro. Soluçando, voltou agarrar o cobertorzinho. Passaram-se cinco minutos, ela não conseguia parar de chorar e olhar na direção onde o pai havia desaparecido de vista.

— Ele vai voltar — Arco-íris soprou em seus ouvidos.

— Onde que ele foi? — Olívia olhava a amiga imaginária ao fazer a pergunta. Um soluço lhe escapou ao abrir a boca para falar.

— Ele foi fazer uma visita especial... Para alguém que ele amava muito.

— Por que ele não me ama também?

— Ele te ama, sim.

— Não é verdade. — Ela soluçou novamente. Um instante depois voltou a falar: — Que lugar é esse? Quem está lá?

— Este é o lugar para onde costumam trazer as pessoas que já se foram.

— Se foram para onde?

— Pessoas que morreram.

Olívia não havia reparado, mas nesse momento um carro cruzou a rua a poucos metros da caminhonete do pai dela. Nesse carro, estava Rosalie e o avô.

— É ela! — Rosalie deixou escapar, tomada pela surpresa.

Norman olhou brevemente a neta no banco do carona.

— Quem? — quis saber ele.

— A garotinha que vi no mercado no outro dia. Volte com o carro, vovô — pediu agoniada.

— Você tem certeza?

— Sim. Volte com o carro, vovô, por favor. Era ela, eu tenho certeza.

Pelo tempo que Norman fez o retorno, Rosalie não percebeu o que aconteceu no carro que ficou para trás.

— Pessoas como a minha mamãe? — Olívia perguntou a Arco-íris.

— Sim.

A resposta bastou para Olívia decidir o que fazer. Sua mão pequena logo foi para o cinto de segurança. No minuto seguinte, se encontrava fora do carro. A porta bateu quando fechou. Decidida, correu pela calçada e, ao se aproximar dos portões do cemitério, ficou olhando a imensidão de grama desbotada e lápides que se estendiam em todas as direções. Sentiu o medo chegar e ficar. Engoliu a bile, apertou as mãos junto ao peito, e passou para o lado de dentro.

Norman parou o carro a poucos metros de onde estava estacionada a velha caminhonete de Emmett. Rosalie saltou imediatamente, indo até o outro carro atrás da criança que chamou sua atenção noutro dia. Mas, ao se aproximar da janela, percebeu que estava vazio. Será que agora estava tendo alucinações? Não, ela tinha certeza de ter visto uma criança no interior daquele carro segundos atrás. Reconheceu que o vidro estava alguns centímetros abaixados. Havia uma cadeirinha e ao lado dela um cobertorzinho.

O avô saiu do carro dele, permanecendo de pé ao lado da porta, olhando na direção de onde ela estava.

— Então, querida, encontrou a criança? Ela está aí?

Desanimada, Rosalie virou o rosto para olhar para ele.

— Não. Não tem ninguém. — Ela olhou então na direção dos portões do cemitério e novamente para o carro. — Deve haver uma explicação para isso — falou consigo mesma. Finalmente desistindo, voltou para o carro do avô.

— Tem certeza de ter visto uma criança naquele carro? — Norman pediu, notando que ela parecia incomodada.

— Por acaso o senhor não acha que eu...

— Não, é claro que não. Só pensei que pudesse ter se confundido.

— Ela estava lá vovô, eu a vi. Mas quem a deixaria sozinha, dentro de um carro? E por quê?

— Certamente uma pessoa irresponsável. Que sorte que ela não está mais lá.

Rosalie anuiu.

Norman comentou como falasse para si mesmo.

— Aquele me pareceu o carro de Emmett. O rapaz que trabalha com construção e reforma de casas. A esposa dele faleceu há alguns anos. Talvez ele tivesse ido levar flores ao túmulo dela.

Olívia seguiu caminho entre as lápides, vez ou outra tropeçando nos próprios pés. As mãos sempre juntas ao peito, como segurasse o cobertor que ficou dentro do carro. A respiração pesada. Ela não fazia ideia de para onde estava indo, apenas querendo o papai de volta.

Ouviu o crocitar de um corvo não muito longe de onde estava. O medo a obrigou aumentar o passo. Sem que esperasse, Emmett surgiu ao seu lado, agarrando-a pelo braço. Olívia gritou e se debateu para fugir de suas mãos.

— Olívia — ele precisou erguer o tom de voz para ela perceber que era ele quem a segurava e deixar de gritar.

— Socorro! — a menina pediu de olhos fechados, sem coragem de olhar.

— Olívia, sou eu, seu pai.

— Papai? — ela sussurrou, sentindo o alívio que a explicação lhe trouxe acalmar o coração. Imediatamente parou de lutar para se soltar, em seguida, abriu os olhos.

— O que está fazendo aqui?

— Você me deixou sozinha...

— Eu falei para esperar no carro — ele explicou, ignorando o que dizia.

— Você demorou.

Emmett girou o corpo dela, de maneira a ficar de frente ao caminho por aonde veio.

— Vamos. Vamos voltar para o carro.

Alguns passos à frente, Olívia questionou:

— É aqui que a mamãe está? Porque ela está morta...

A pergunta teve seu efeito.

— Anda! — Ele a empurrou para que fosse mais depressa.

— Por que não me leva com você onde a mamãe está? Eu quero ver. Você nunca me fala sobre ela. Por que não me disse que a flor bonita era para mamãe?

Olívia não desistia das perguntas, assim como Emmett não desistia de encaminhá-la a saída.

— Cale a boca! Cale a boca! — Emmett esbravejou, de repente. — Eu mandei ficar no carro. Não era para você vir atrás de mim. Você me segue feito uma sombra. Eu não gosto disso, Olívia. Eu não gosto. Será que você não entende isso?

As palavras a magoaram. Olívia virou o rosto para olhar para ele, lágrimas cintilaram nos olhos tristes e molharam suas bochechas. Os lábios tremeram e, com um soluço doloroso, ela se virou novamente para frente e saiu correndo pelo cemitério.

— Olívia — Emmett chamou vendo-a se distanciar cada vez mais. — Você está indo para o lado errado.

Ela sumiu de vista, entre tantas lápides.

— Droga — esbravejou. — Olívia, não se esconda de mim. Precisamos voltar para casa agora. Tenho um trabalho a terminar. — Ele deu alguns passos à procura dela. — Olívia, eu estou falando sério, se você não aparecer agora mesmo, vou deixá-la aqui. Está me ouvindo? Eu acho que você não vai gostar de passar a noite aqui.

Mais adiante, ouviu o choro dela.

— Olívia, eu estou indo embora... — Ele parou de andar. Então, percebeu quando ela apareceu por detrás de uma lápide antiga. O corpo magro tremendo com espasmos e soluços.

— Eu não quero dormir aqui... papai... papai... — Emmett se aproximou pegando-a com um só braço, mantendo-a presa ao corpo como uma bola de futebol americano. Resmungando por todo o caminho de volta ao carro.

Prendeu Olívia na cadeirinha, gritando que não se atrevesse a sair dali outra vez. Entrou no carro logo depois, batendo a porta. Queria fumar um cigarro, mas já estava cheio de Olívia colada nele o tempo todo. Acabou deixando o cigarro para depois, para se concentrar apenas na estrada. Assim que estivessem em casa, e Olívia estivesse no quarto, voltaria para o conserto da cerca e fumaria quantos cigarros quisesse.

— Pare de chorar — Ele esbravejou com as mãos ao volante. Olívia escondeu o rosto no cobertorzinho. Ele a olhou através do espelho retrovisor. — Eu ainda posso ouvir seu choro. Isso não faz você sumir.

As palavras que saíram dos lábios de Olívia lhe pegaram de surpresa.

— Então me deixe com a mamãe. Porque eu quero a mamãe...

Emmett pisou no freio bruscamente. E se virou para olhar no rosto da menina.

— Sua mãe não vai te ouvir. Não vai cuidar de você porque ela está morta, a palmos de terra embaixo no chão. — Ele voltou-se para frente, apertando as mãos no volante. — Isso tudo é... — o peso das palavras impediu que fossem ditas, antes que fosse tarde demais.

E ali estava ele, sendo sugado por um redemoinho de dor, na presença da filha pequena. As lágrimas molhando seu rosto, num choro silencioso. Convencido de que aquela criança era a razão de sua perda.

 


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Notas finais do capítulo

Vejo vocês nos comentários?
Beijo grande
Sill