Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 17
Capítulo 16 — A Deixe Entrar




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/757879/chapter/17

Misturando-se ao som de cascalho esmagado pelas rodas do carro, as vozes de Rosalie e Olívia alcançavam o fim de uma terceira canção, ainda no interior do veículo.

Rosalie reconheceu a figura do avô ainda há alguns metros, Norman juntava as folhas no jardim com ajuda de um ancinho, sob a copa desnuda de uma árvore. Um sorriso involuntário marcou seu rosto, tomada pelo carinho que sentia pelo homem de cabelos grisalhos, o mesmo que, sempre que tinha oportunidade, lhe dava um conselho valioso.

Desligou o motor do carro ao alcançar a entrada de veículos, logo atrás do carro do avô estacionado ali. Olívia olhava pela janela, quando se virou no assento para ver como estava.

Logo ali ao lado, Norman parou o que estava fazendo para olhar na direção do carro onde elas estavam sem largar o ancinho.

— Chegamos! — O sorriso ficou ainda maior ao falar com Olívia. — Esta é a casa do meu avozinho, Ollie. — Seu olhar seguiu o de Olívia, não demorou a perceber que a menina olhava Norman através do vidro da janela. — É ele — revelou —, o meu avô.

Olívia virou o rosto em sua direção, a expressão preocupada, nem parecia à mesma garotinha que estava cantarolando, sorridente, segundos atrás.

— E se ele não gostar de mim? — de repente, Olívia estava expondo seu medo a Rosalie, que se sentiu tocada. Aquela criança havia sido rejeitada tantas vezes, que a sensação de medo era frequente em sua vida.

Rosalie desafivelou o próprio cinto, e tornou olhar para Olívia no banco de trás.

— Aposto que ele vai adorar te conhecer, Ollie. — A sobrancelha ruiva se moveu num arquear transparecendo dúvida. — Falei de você para ele tantas vezes, que agora ele não ver a hora de te conhecer.

Olívia suspirou. Olhou de Rosalie para Norman, parado no jardim onde as folhas das árvores estavam em sua maioria no chão, aguardando que se aproximassem.

— Tudo bem — aceitou por fim.

— Ótimo! — Rosalie se alegrou com a decisão dela. Saindo imediatamente do carro para ajudá-la. Desafivelou o cinto que a mantinha presa ao assento e ficou segurando a porta até ela sair do carro.

— Vamos deixar a mochila e a lancheira aqui, está bem? — contou.

— Uhun — murmurou Olívia. A primeira coisa que fez ao sair do carro foi olhar no jardim. Mesmo com a estação fria, as plantas perdendo o viço, o jardim deles era bem-cuidado como a maioria dos jardins de seus vizinhos eram. Em nada se pareciam com o que tinham em casa. Ela olhou para Rosalie, segurou as bonecas num só braço, e lhe estendeu a mão.

Rosalie segurou sua mão pequena com firmeza buscando lhe transmitir confiança. Juntas, passaram por detrás do carro, seguindo caminho até onde estava Norman. Ele deu alguns passos, encurtando o caminho que os separavam.

— Vovô, olha só quem eu trouxe hoje para te ver.

Norman a recebeu com um sorriso caloroso.

— Olha só se não é a pequena Olívia quem está aqui. A garotinha mais incrível de todas.

Olívia, que antes se escondia atrás das pernas de Rosalie, tomou coragem e chegou mais para o lado. O olhar tímido, ainda se encolhendo, segurando as bonecas num só braço.

— O senhor sabe meu nome? — perguntou surpresa, porém, contente que soubesse quem era.

— Sim, sim, minha neta fala muito em você. Ela te adora.

Olívia ergueu a vista, buscando o olhar de Rosalie. A expressão em seu rosto revelava aceitação, o que deixou Rosalie satisfeita.

Norman prosseguiu a conversa.

— Estava curioso sobre essa garotinha encantadora. Pensando, quando poderia conhecê-la? Quando minha neta iria nos apresentar?

Rosalie sacudiu a mão que segurava a pequena mão de Olívia, sorrindo para ela.

— Eu não te disse. — cantarolou. A menina retribuiu o sorriso facilmente. Tornando olhar para Norman, que lhe estendeu a mão. Antes de finalmente segurar na mão dele, buscou o olhar de Rosalie novamente esperando aprovação.

— Muito prazer em conhecê-la, Olívia — Norman saudou, de maneira animada, sacudindo sutilmente a mão pequena que segurava na sua.

— Seu jardim é bonito — Olívia comentou no momento que soltaram as mãos.

Norman olhou em volta, como admirasse o zelo do próprio jardim, então para Olívia uma vez mais.

— Muito obrigado. Ele não está nos seus melhores dias agora, espere só para vê-lo na primavera. É um encanto com todo aquele verde e as cores de minhas flores favoritas. — Ele fez uma breve pausa, acompanhando o olhar da menina. — Você tem uma flor favorita?

— Eu não sei... Nunca estive tão perto das flores de verdade. Mas eu gosto da flor que o papai leva para a mamãe no cemitério. É bonita, e cheira bem.

Norman se sentiu mal pela pergunta, afinal.

— Na primavera, poderei apresentá-la todas elas. Você só terá de vir me visitar.

Olívia assentiu.

— Gosto dele assim também — ela continuou. — Gosto dessas cores, elas parecem bonitas pra mim. Combinam com a cor dos meus cabelos.

O olhar de Rosalie encontrou o do avô, sutilmente piscou para ele.

— Fique à vontade para olhar tudo aqui. Você é muito bem-vinda. E eu achei os seus cabelos lindos.

— Obrigada, vovô da Rose.

— Você pode me chamar de vovô, também, se quiser. Eu sempre quis ter uma netinha de cabelos vermelhos.

— Posso? — Olívia se mostrou surpresa, porém, feliz.

Ao lado da menina, Rosalie se viu tentada a fazer perguntas.

— Você sabe onde seus avôs vivem Ollie?

Olívia negou com um movimento de cabeça.

— Vamos entrar? — Rosalie mudou de assunto. Preferiu não continuar com perguntas que possivelmente a deixaria triste. — Eu vou preparar um chocolate quente. Você gosta de chocolate quente, Ollie?

— Sim, sim, de montão. E com marshmallow. — Ela fechou os olhos, fingindo apreciar o sabor. — Hummm... que delícia. Você vai pôr marshmallow?

Enquanto fingia pensar, Rosalie encostou a mão ao queixo.

— Mas é claro que sim. Tudo pela minha garotinha.

Olívia não se conteve de alegria e deu um pulinho.

— Vovô, nos vamos... — Rosalie dizia, indicando o caminho da casa com a mão livre, quando o avô lhe disse.

— Vá em frente. A casa é toda sua. — Olhando para a menina, completou: — E você é nossa convidada de honra, pequena Olívia.

As duas seguiram de mãos dadas a caminho da varanda. E então para dentro da casa.

— Seja bem-vinda — Rosalie novamente quis deixar claro o quanto a queria com ela.

— Obrigada, Rose — a resposta veio com uma breve olhada ao redor.

— Você pode deixar as bonecas no sofá, enquanto tomamos o chocolate quente na cozinha.

Olívia se movimentou pela sala, ainda conhecendo o ambiente. Beijou no rosto de cada uma das bonecas e as colocou sentadas, lado a lado, no sofá antigo, mas bem-cuidado, da casa de Norman. Seu olhar curioso encontrou as fotografias no console da lareira. Em silêncio, se aproximou para vê-las melhor. Rosalie percebeu e se aproximou, encostando o dedo, explicando para ela algumas imagens.

— Estas são minha irmã e eu. E estes são os meus pais. Aqui, a minha avozinha.

Olívia virou o rosto em sua direção.

— Onde eles estão agora?

— A minha avó morreu já tem algum tempo. Mas os meus pais e minha irmã estão em Atlanta. Lembra que eu disse que minha casa fica lá?

Olívia a pegou de surpresa ao abraçar suas pernas, murmurando:

— Mas agora você está aqui.

Rosalie retribuiu o gesto de carinho como pôde.

— Sim, eu estou aqui. E vou preparar um chocolate quente bem gostoso pra gente tomar.

— E com marshmallow — a pequena lembrou.

— E com marshmallow — Rosalie repetiu e deu risada. Olívia deu risada junto com ela, sem mesmo se dar conta disso.

Antes de entrar na cozinha, Olívia pediu para usar o banheiro. Rosalie mostrou onde encontrá-la depois, em seguia, a deixou no banheiro ao lado da escada.

Aquecia o leite, quando Olívia apareceu pouco tempo depois.

— Quer me ajudar? — perguntou a menina.

Olívia correu para junto dela toda sorridente. Rosalie se certificou que havia lavado as mãos, antes de colocá-la sentada na banqueta diante a ilha e lhe entregar o pacote de marshmallows já aberto.

— Eu ponho o chocolate e você os marshmallows, combinado? No meu copo você pode colocar dois. No do vovô, um é suficiente. No seu até três, do contrário pode ficar muito doce.

— Ahã — o murmúrio veio de uma garotinha contente, que equilibrava os cotovelos na bancada lustrosa.

Rosalie observou pôr a mão pequena dentro da embalagem e retirá-la com alguns marshmallows, cuidadosamente contar os doces ao adicionar em suas respectivas canecas. Seu rosto de traços delicados, salpicados de sardas, com a sutil felicidade conquistada pouco a pouco.

Rosalie teve outra ideia.

— Ollie, você já fez cupcakes alguma vez?

A menina balançou a cabeça de forma negativa.

— Uma vez, já tem muito tempo, a vovó Cheryl fez, mas ela não me deixou ajudar.

— OK — Rosalie ponderou. — O que você acha se fizermos cupcakes, depois que terminarmos de tomar o chocolate quente?

— Legal! — Olívia se animou mais ainda com a ideia.

Pouco tempo depois, as duas estavam novamente diante a ilha. Olívia em cima do banquinho, usando um avental maior que ela, sujo recentemente de farinha branca. Tanto ela quanto Rosalie, com os cabelos presos no alto da cabeça. O rosto de Olívia sujo de farinha, sem disfarçar a alegria que Rosalie vinha lutando para pôr em seu rosto dia após dia.

Norman entrou na cozinha apenas duas vezes; primeiro para tomar seu chocolate quente, depois para ver o andamento dos bolinhos. Agora, estava na sala assistindo televisão, dando um tempo na coleta das folhas lá fora. De onde estava, podia ouvir suas vozes e também quando riam. Muitas vezes tendo de se controlar para não rir junto e revelar que prestava atenção no que diziam.

Enquanto se preparava para levar ao forno duas bandejas de cupcakes, Rosalie tocou o nariz de Olívia com a mão suja de farinha e perguntou:

— Quer brincar um pouco lá fora, só até os cupcakes ficarem prontos?

— Quero sim. Você também vai?

— Sim.

Olívia passou a mão no rosto, afastando alguns fios de cabelos dos olhos, e acabou se sujando ainda mais. Rosalie limpou o rosto dela com a ponta do avental. Elas riram uma da outra. Rosalie finalmente deixou os cupcakes no forno e voltou para ajudar Olívia retirar o avental e descer do banco.

— Vovô — chamou Rosalie, quando já estavam na sala —, pode ficar de olho no forno pra gente? Estamos indo lá fora para Ollie brincar um pouco.

— Podem ir tranquilas. Quando estiver pronto, eu aviso.

— As minhas bonecas? — murmurou Olívia, preocupada.

— O vovô vai cuidar delas também. — A menina assentiu. Elas puseram o agasalho e saíram para o jardim.

— Posso brincar nas folhas secas? — Olívia apontou na direção do último amontoado de folhas daquela tarde, no qual Norman ainda não havia recolhido.

— Vai lá! Aproveite.

A menina correu para as folhas secas, tão logo Rosalie lhe deu permissão, saltando sobre elas como fosse uma piscina de bolinhas. Rolou de um lado a outro, dando risadinhas, as folhas levemente estalando com o peso de seu corpo.

Rosalie se aproximou.

— Tem lugar aí para mim?

Olívia a olhou como não acreditasse, mas o sorriso estampado em seu rosto lhe dizia que sim. Ela rolou para o lado cedendo espaço a Rosalie sobre as folhas em tons de alaranjado, vermelho e marrom.

Rosalie juntou um punhado delas, como teria feito com a neve e jogou em Olívia. Sua risadinha gostosa deixou claro que havia gostado da brincadeira. Rosalie fingiu não ter sido ela, olhando para o lado fazendo cara de paisagem, quando Olívia olhou em seu rosto. Ainda sorrindo, Olívia juntou um punhado de folhas nas mãos pequenas e jogou na cabeça dela.

Simulando espanto, Rosalie falou:

— Você não fez isso, mocinha? — o riso preso nos lábios.

— Eu fiz, sim — Olívia tinha os olhos travessos, cheios de alegria.

— Sua danadinha! — Ela se levantou, juntando novamente um punhado de folhas secas, correndo atrás de Olívia no jardim.

Norman se aproximou da janela da sala, a tempo de ver a neta jogar as folhas secas na garotinha, que por sua vez recolheu mais folhas. Olívia correu até ela, jogando as folhas que tinha acabado de pegar. Ambas voltaram a recolher mais e mais folhas e jogar uma na outra, sem parar. Uma verdadeira batalha de folhas secas e risos.

Rosalie se jogou no chão, levando Olívia com ela. Seu corpo servindo de almofada para o corpo pequeno da menina. Norman se pegou rindo, acompanhando a gargalha das duas em seu jardim.

Pouco tempo depois, Norman apareceu na varanda avisando que os cupcakes estavam prontos. Elas começaram juntar de volta as folhas no mesmo lugar onde ele havia deixado. Ao tentar pegar um novo punhado delas, Olívia encontrou uma joaninha e a recolheu na ponta do dedo indicador.

— Olha! — Ela mostrou a Rosalie a mão com o inseto. — Que bonitinha que ela é. Que gracinha!

Rosalie chegou mais perto.

— Oh, que linda, Ollie.

— Acha que ela tem uma mamãe e um papai?

— Acho que sim.

— Então é melhor pôr ela de volta, para ela não ficar triste — concluiu Olívia. Devagar, se afastou deixando a joaninha num arbusto. — Aqui ela vai poder encontrar a mamãe dela? — pediu, numa breve olhada em direção de onde Rosalie estava.

— Aí está perfeito.

Ela voltou correndo para junto de Rosalie.

— Agora podemos comer cupcakes? — os olhinhos brilharam em expectativa.

— Estava só esperando você falar.

Olívia segurou na mão dela e juntas voltaram para dentro de casa.

— Se divertiram? — Norman pediu ao vê-las chegar de mãos dadas.

— Eu achei uma joaninha — contou Olívia. — Mas a devolvi ao arbusto, para poder voltar para a família. A gente acha que ela tem uma mamãe e um papai.

— Fez muito bem. Você é uma garotinha esperta.

Olívia sorriu, olhando de Norman para Rosalie, que piscou para ela.

— Estamos indo decorar os cupcakes, vovô, não gostaria de se juntar a nós? — Rosalie ofereceu.

— Não, minha querida. Vai começar agora o programa que estou querendo ver. Guarde apenas um para que eu possa comer mais tarde.

Depois de decorar os cupcakes com chantili e confeitos coloridos, Olívia comeu dois deles e Rosalie, um.

Rosalie se preocupou ao olhar na janela e ver que já havia escurecido.

— Ollie, meu amor, a gente precisa ir. — Ela olhou as horas no relógio de parede. — Já passa das sete. Eu já deveria tê-la levado de volta para casa.

Olívia parou o que estava fazendo e ficou olhando para ela em silêncio. Seu rosto não parecia mais tão feliz quanto antes. Rosalie se aproximou, segurou suas pequenas mãos, abaixando-se para ficar na mesma altura.

— Eu sei minha princesa. — Não precisou de palavras para compreender que Olívia preferia ficar, o olhar falava por si. — Seu papai deve estar se perguntando onde está — contou. — Também não sabemos o que aconteceu a Sra. Smith. Vai saber o que ela vai falar de mim para o seu pai. — Rosalie segurou o queixo dela, erguendo sutilmente, quase encobrindo a cicatriz, para pode ver seus olhinhos. — Ela pode inventar que te sequestrei. Se seu pai acreditar no que ela diz e chamar a polícia, posso estar encrencada até conseguir provar que não foi bem assim.

Finalmente, Olívia olhou para ela.

— Eu digo que não é verdade. Você não fez isso — murmurou.

— Mesmo assim, meu amor, eu tenho de levar você de volta.

Olívia passou os braços em volta do pescoço dela.

— Não quero ir.

Rosalie ficou de pé com a menina no colo e colocou sentada na ilha da cozinha. Ajeitou uma mecha de cabelos ruivos atrás da orelha e tornou a falar:

— Você não quer mostrar a seu papai as bonecas novas?

A menina pareceu pensar.

— Você pode levar todos os cupcakes para comer com ele. Ele iria gostar, não iria?

Olívia concordou com um menear de cabeça.

— Então, podemos ir?

— Você vai ler uma história antes de eu dormir?

Um sorriso facilmente cruzou os lábios de Rosalie.

— Sim. E também vou ajudar com o banho e pentear seus cabelos.

— Eu tenho de voltar para casa que nem a joaninha que deixamos no arbusto?

— Sim.

— Tá bom.

Rosalie tocou a pontinha do nariz dela com dedo antes de colocá-la de volta no chão.

— Vamos guardar os cupcakes numa vasilha para que possamos levar?

Olívia correu para onde estavam os bolinhos e ficou aguardando Rosalie com a vasilha. Ela pareceu contente ao guardar os bolinhos, o que deixou Rosalie mais tranquila sobre levá-la de volta para casa.

— Você pega suas bonecas — disse a Olívia ao entrarem na sala. A menina recolheu as bonecas com o mesmo cuidado de quando as deixou ali.

— Já vai pequenina? — Norman pediu.

Com as bonecas no braço, ela respondeu:

— Agora eu tenho de voltar para casa, que nem a joaninha no arbusto.

— Está certo.

— O senhor cuida dela, se ainda estiver sozinha?

— Pode deixar.

Olívia o abraçou.

— Tchau — ela falou, finalizando o abraço.

— Volte mais vezes para me visitar.

Ela olhou para Rosalie buscando sua opinião.

— Com certeza ela irá voltar. — As palavras de Rosalie a tranquilizou. — Devo demorar um pouco para voltar, vovô. — Ela se encaminhou com Olívia para a porta, conseguindo ainda ouvir o avô dizer:

— Tenha cuidado.

— Pode deixar, sou uma ótima motorista.

— Não foi apenas a isso que me referi.

— Ah — Rosalie compreendeu. — Não se preocupe vovô, eu vou estar bem. Até daqui a pouco.

Olívia olhava na direção do arbusto, embora não conseguisse ver muita coisa àquela hora, com a escuridão que chegava mais cedo aquela época do ano. Rosalie segurou firme sua mão a caminho do carro.

— Está escuro, mas aposto que ela não está sozinha. — Ela abriu a porta traseira, pôs a vasilha no banco, depois ajudou Olívia se acomodar e pôr o cinto.

Ainda enquanto dirigia a caminho da casa de Emmett, ouviu Olívia brincando com as bonecas no banco de trás.

O carro foi estacionado junto ao meio-fio, em frente a casa onde Olívia vivia com o pai, pouco tempo depois de deixarem a casa de Norman. As luzes acesas no interior dela revelava a presença de Emmett. Outra vez, Rosalie sentiu a sensação estranha de agitação em pensar que seria ele a abrir a porta para elas.

— Vamos lá, meu amor — comentou brevemente com a menina no banco de trás.

Rosalie a ajudou sair do carro e pôr a mochila nas costas, com o lembrete silencioso de perguntar a menina depois se gostava da mochila que tinha; era tão escura e grande, em nada se parecia com a personalidade de Olívia.

Ela segurou a vasilha com os cupcakes. Olívia suas novas bonecas e a lancheira vazia. Outra vez Rosalie precisou ignorar a angústia que era ter de atravessar aquele jardim sombrio. Respirou fundo ao tocar a campainha. Falar com o pai de Olívia nunca era uma tarefa fácil, mas ela era persistente naquilo que estava fazendo, tanto quanto ele era especialista em afastar as pessoas.

As duas trocaram um breve olhar enquanto aguardava a porta ser aberta. Quando a figura grande e intimidadora apareceu do outro lado, Rosalie notou os cabelos úmidos, bagunçados, a toalha escura em volta dos ombros, a essência e o frescor de sabonete. Ele usava roupas limpas, embora a aparência delas fosse gasta.

Rosalie se sentiu encolher ao receber o olhar duro dele. Aquele lindo tom de azul servindo como cortina para a tristeza que habitava neles, permitindo somente ira parecer.

Olívia entrou saltitante na casa atraindo o olhar desconfiado e curioso do pai. Fazendo-o duvidar que fosse a mesma criança que morava ali.

— A gente trouxe cupcakes para você, papai — contou num tom de voz que esteve a ponto de soar como uma canção.

Rosalie sorriu, olhando da criança animada para o pai desconfiado. Seu sorriso desapareceu ao olhar no rosto dele outra vez. Ela somente lhe entregou a vasilha e entrou, também, na casa.

— Rose e eu que fizemos — a menina continuou alegre, indiferente à expressão ranzinza no rosto do pai.

Emmett olhou no lado de fora, como esperasse encontrar mais alguém na varanda.

— Onde está a Sra. Smith? — perguntou por fim.

— Como assim? — pediu Rosalie, tão surpresa quanto ele, porém, por motivos diferentes. — Sua filha não está em casa nem a mulher que supostamente deveria estar cuidando dela, quando você chega do trabalho, e você não se interessa em saber onde elas estão?

— Não venha me dizer o que fazer, muito menos quando está na minha casa. Olívia? — ele a chamou. — Onde está a Sra. Smith? Por que não está com ela?

— Eu não sei papai. A gente foi na casa dela, mas ninguém abriu a porta. Parecia que ela não estava lá.

— Onde você ficou depois da escola, posso saber?

— Na casa do vovô da Rose. Nós tomamos chocolate quente e fizemos cupcakes. — Ela chegou mais perto do pai erguendo as mãos com as bonecas. — Olha só o que ela deu pra mim. Não são lindas, papai?

Emmett devolveu a vasilha de cupcakes às mãos de Rosalie com tanta força que ela deu um passo em falso.

— Você não é a mãe dela — bradou empurrando Rosalie até a porta.

— Não, papai! — Olívia se desesperou. — Não, não, não. — Quando a porta se fechou com Rosalie do lado de fora, ela começou a gritar, tão alto quanto no dia que tentaram lhe arrancar o cobertorzinho na escola.

— Olívia — Rosalie a chamou, preocupada com sua reação. — Não chore meu amorzinho. — Ao ouvir sua voz, Olívia correu para junto da janela tentando enxergar através do vidro manchado.

 — Rose! Rose! — ela chamou, espalmando as mãos pequenas e pálidas no vidro.

Rosalie se aproximou pondo sua mão na dela com o vidro entre elas.

— Não chore Ollie. Eu estou bem. Você também vai ficar bem, meu amor.

Olívia virou o rosto um instante, soluços faziam seu peito balançar enquanto o nariz escorria, para olhar o pai ao lado da porta.

— Papai... papaizinho — E voltou olhar Rosalie do outro lado do vidro da janela. Ela insistia em consolar a menina mesmo com a janela entre as duas. Suas mãos se encontrando no vidro sujo. As bonecas subitamente esquecidas no chão da sala.

Algo dentro dele cedeu ao assistir o desespero da filha. O sentimento de tristeza o obrigou a abrir a porta novamente. Como nenhuma delas notou, ele teve de falar.

— A porta está aberta. Ela pode entrar Olívia.

Olívia só se deu contra quando Rosalie fez sinal para ela olhar na porta. Como não acreditasse, a menina olhou para a porta depois para o pai, antes de se afastar da janela.

Rosalie devolveu os cupcakes a Emmett, apressando-se em pegar Olívia no colo. Lançou um olhar severo a ele à medida que avançava dentro da casa. Antes de subir a escada, colocou Olívia no chão e segurou sua mão trêmula. Já na metade da escada, Olívia olhou para ele com ressentimento.

Ele havia exagerado, sabia disso, e a culpa chegou bem antes do esperado. Dando um passo para trás, pisou na perna de uma das bonecas. Ele se abaixou recolhendo as duas. De repente, estava lembrando-se de nunca ter dado uma boneca a filha. Nem mesmo chegou a pensar que ela pudesse querer uma. Com a culpa pesando no peito, ajeitou os cabelos de uma das bonecas na palma da mão e as deixou no sofá. Olhando no alto da escada se viu murmurando:

— Me desculpe Olívia.

Um tempo depois, Rosalie voltou ao térreo. Procurando por ele, o encontrou na cozinha.

— Não encontro toalhas limpas. — comentou, ignorando o fato de sua presença não ser aceita por ele de bom grado. — Ollie está no banho, e eu não encontro tolhas para ela.

Emmett fechou a janela sobre a pia, virando em seguida para olhar para ela, que reconheceu a sombra de arrependimento em seu rosto de traços fortes.

— Tem toalhas limpas na maquina de secar — ele contou e não havia mais toda aquela fúria em sua voz. Rosalie olhou pros lados, sem fazer ideia de onde ficava a lavanderia deles.

Então ele saiu da cozinha, quando retornou tinha toalhas limpas nas mãos. Ao entregar as tolhas a ela suas mãos se tocaram muito brevemente. Rosalie desejou ouvir sua voz outra vez sem toda aquela fúria exacerbada.

Ele se afastou rapidamente, incomodado com a repentina vontade de segurar na mão dela. Só agora, Rosalie reparou que ele havia colocado uma panela no fogo e havia cortado alguns temperos na tábua sobre a pia.

— Quer ajuda para preparar o jantar? — ofereceu de boa vontade. — Posso vir te ajudar, depois de cuidar da Ollie.

— Posso fazer isso sozinho — recusou rapidamente.

— Claro que pode. Só perguntei por causa da Ollie, ela precisa jantar antes de dormir.

— Vai estar pronto, não se preocupe.

— Ok — murmurou ela, olhando desconcertada para os lados, sem saber bem o que fazer a seguir. Consciente que a menina estava a sua esperava, se encaminhou a saída da cozinha.

— Você pode ficar — ele lhe surpreendeu ao falar. — Para o jantar — completou após uma pequena pausa.

Rosalie balançou a cabeça sutilmente, aceitando o convite, e saiu da cozinha de uma vez. Passando novamente pela sala, se deu conta das bonecas de Olívia no sofá. Surpresa com a forma cuidadosa como haviam sido deixadas ali, quando sabia que não tinha sido a criança. Ela olhou o caminho por onde havia acabado de passar. Espantada que ele pudesse ter feito algo gentil, pegou as bonecas e levou com ela para o andar de cima.

Olívia ainda brincava na banheira quando entrou no banheiro com as toalhas. Deu a ela mais alguns minutos para brincar antes de finalmente pedir para sair. Enquanto olhava a menina brincar, seus pensamentos iam e voltavam de Emmett. Ela nunca sabia o que esperar dele.

Com Olívia já vestida de pijama e com meias quentinhas nos pés, cabelos penteados, as duas voltaram a descer a escada. Para confirmar seu recente pensamento, Emmett havia colocado três lugares à mesa da cozinha para o jantar.

Olívia ficou tão contente com o que viu que correu para puxar a cadeira onde Rosalie sentar.

— Obrigada, meu amor — Rosalie agradeceu e sentou, sorrindo para ela. Olívia se apressou até seu lugar, onde se acomodou com os ombros erguidos e os pés balançando sem alcançar o chão. Emmett ficou com a ponta. Rosalie estava prestes oferecer ajuda novamente, quando percebeu ele colocar sobre a mesa duas panelas de comida e uma tigela de salada, dessas que já vem picada do mercado.

Olívia olhou dos alimentos para o pai. Rosalie teve a impressão de ele olhar a filha com afeto, e a sombra de um sorriso ameaçando repousar em seus lábios.

Quando ele ocupou seu lugar a mesa, Olívia juntou as mãos em frente ao peito iniciando uma oração.

— Agradecemos papai do céu por este alimento. E também ao papai, por ter deixado Rose entrar e ficar para jantar com a gente essa noite. Amém.

De canto de olho, Emmett percebeu Rosalie se emocionar com as palavras de Olívia. De forma discreta, ela enxugou o canto dos olhos e sorriu para a menina. Ela tinha o sorrio bonito e parecia sempre disposta oferecê-lo a Olívia, não importa o que ele fizesse.

Quando ele pegou o prato de Olívia para servi-la, a menina o olhou com tanto amor e carinho, que Rosalie teve a impressão de que não chegaria ao fim daquele jantar em família sem uma única lágrima lhe molhar o rosto. Do fundo do coração, desejou que não fizesse ou dissesse algo que acabasse com o encanto, ao menos não pelo resto daquela noite.

Para sobremesa, Olívia sugeriu que comessem os cupcakes. Emmett relutava em dar a primeira mordida no bolinho, mas no final, acabou comendo três deles. Para surpresa de Rosalie, ele até mesmo elogiou a receita.

Foi só depois de escovar os dentes que Olívia começou demonstrar os primeiros sinais de cansaço. Rosalie a levou para a cama, deitou ao seu lado e leu um pouco para ela.

— Rose? — no meio da leitura a menina a chamou.

— Sim?

— Canta pra mim? Em algum lugar além do arco-íris.

— Você gosta?

Olívia moveu a cabeça confirmando.

Rosalie a aconchegou junto a seu corpo.

— Eu sonhei com essa música quando era bem pequenininha. Minha amiga Arco-íris apareceu depois. Ai eu descobri que a música existia de verdade, não era só no sonho.

Rosalie se pegou imaginando se a menina não tinha a música guardada na memória, ainda que não soubesse, pela mãe ter cantado para ela enquanto esteve em sua barriga.

— Em algum lugar além do arco-íris... Bem lá no alto... — Rosalie começou. Olívia esfregou a ponta do cobertorzinho nos olhos, ouvindo a voz suave que cantarolava sua canção favorita. — ... Sonhos realmente se tornam realidade — Ela fechou os olhos quando Rosalie alcançou essa parte da canção. Seus lábios se curvaram com um sorriso suave, fazendo Rosalie imaginar com o que estaria sonhando.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!