Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 6
Capítulo 05 – Ao Menos Uma Vez


Notas iniciais do capítulo

Obrigada Angel pela recomendação linda que deixou nessa fic e na Um Lugar Para Ficar.
Obrigada, também, a nyx por ter recomendado essa e a Coração de Soldado. Fiquei muito feliz quando vi que tinham recomendado não só essa, mas também outras fic’s minhas. O capítulo é dedicado a vocês, espero muito que gostem.

A todos uma boa leitura!



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Após o ocorrido no cemitério, Emmett e Olívia voltaram para casa, ambos magoados, cada um tendo de suportar sua parcela de dor e tristeza. Além disso, Emmett, também, estava bravo consigo mesmo, se achando fraco. No meio disso tudo havia a criança que carregava seu sangue e sobrenome, mas que não conseguia se apegar. Sentir o afeto que todos esperavam que sentisse.

Uma saída que deveria ter levado apenas alguns minutos, acabou se estendendo por horas. Por isso, ao estacionar na entrada de veículos de sua casa, já passava bastante do horário do almoço.

Ele saltou do veículo, batendo a porta com força desnecessária. Abriu a porta traseira, movido pela impaciência, retirando o cinto de segurança de Olívia puxando-a imediatamente para fora do veículo. A força com que a colocou no chão quase a fez cair para trás.

Tendo o rosto molhado de lágrimas e os olhos vermelhos, Olívia apertou o cobertorzinho junto ao peito. Olhando para ele com tristeza e ressentimento. Fungando algumas vezes. Imaginando porque tinha de ser assim.

— Vá já para o banho e trate de lavar esse cabelo, que mais parece um ninho de passarinho. Tente fazer direito dessa vez.

Olívia levou a mão trêmula à cabeça, acariciando a lateral, sentindo-se imensamente envergonhada. Além de toda tristeza no coração.

— Você não ouviu o que eu disse? Vá tomar banho — Ele elevou o tom de voz mais do que realmente precisava. Olívia saiu correndo até a varanda, parando de frente a porta fechada, sem olhar para trás. — Ainda está aí Olívia?

— Tá fechada com a chave, papai? — ela não olhou para ele ao responder, ainda estava com medo. Levar mais uma bronca não era o que desejava.

Emmett então percebeu seu erro. Enquanto procurava as chaves no bolso do jeans surrado, ficou de cabeça baixa. Assim que as encontrou, subiu os degraus da varanda pisando duro. Olívia chegou para o lado logo que ele se aproximou. Ele abriu a porta, permanecendo com a mão na maçaneta pelo tempo que ela levou para passar para o lado de dentro.

Olívia correu para a sala de estar, alcançando a escada o mais depressa que conseguiu.

De onde estava Emmett pode ouvir os sons de seus passos no assoalho. O barulho de portas sendo abertas e gavetas, puxadas.

Mesmo àquela hora, não sentia fome. Tantos sentimentos estavam acabando com ele. Só queria que deixasse de doer tanto, ao menos um instante. E a única forma que encontrou de fazer isso acontecer foi bebendo.

Movido pelo desespero, chegou à cozinha quase ofegante. As mãos tremiam enquanto vasculhava os armários em busca da última garrafa de vodka. Pegou, também, na geladeira, uma lata de cerveja. Bateu a forma de gelo em cima do balcão da cozinha, em seguida, jogou cubos o suficiente dentro do copo, acrescentando à primeira dose de vodka.

Levou tudo com ele para a sala de estar onde, sentado ao sofá, passou mais uma vez a beber para camuflar o sentia.

No segundo andar, Olívia tomou banho e vestiu roupas limpas. Era verdade que se esforçara para deixar os cabelos limpos e penteados como o papai queria, mas jamais conseguiu fazer com perfeição.

Seus cabelos úmidos ainda preservavam resíduos do sabão que usou. Além disso, era sempre muito difícil penteá-los.

A vovó sabia como fazer essas coisas. Mas um dia, ela simplesmente foi embora. Não entendia por que tinha feito isso. Talvez, pensou, a Sra. Smith tivesse razão; era provável que a vovó não gostasse dela, assim como o papai e a própria velha rabugenta que lhe dizia coisas feias.

Depois de um tempo tentando se arrumar, ouviu a barriga roncar. A boca salivou só em pensar que pudesse comer um bife com batatas fritas. Há quanto tempo não comia um bife com batatas fritas? Nem conseguia lembrar. Ainda que quisesse, não tinha certeza se o papai faria qualquer comida para o almoço deles. Ele estava bravo e isso erra sinal de mais isolamento e bebida.

A fome era persistente e dolorosa. Olívia escondeu o cobertorzinho embaixo do travesseiro e saiu para o corredor. A porta do quarto do papai estava aberta. Ela caminhou devagarinho, alcançando o patamar da escada num tempo maior do que levaria normalmente. E, com as mãos no corrimão, desceu um degrau de cada vez. Na metade da escada, avistou o papai no sofá da sala. Notou a garrafa de vodka pela metade, uma lata de cerveja, tombada, já vazia. Ele tinha o porta-retratos com a foto da mamãe na mão.

Olívia se sentiu mal. Não compreendia por que ele amava tanto a mamãe, mas não conseguia amá-la nem mesmo um pouquinho. Outra vez se lembrou das palavras duras da Sra. Smith. Com lágrimas nos olhos, sentou no mesmo degrau onde havia interrompido a descida e dali ficou olhando o papai com costas apoiadas ao encosto do sofá. Ficou tanto tempo naquele mesmo degrau que acabou cochilando com a testa apoiada a proteção lateral de madeira. Quando abriu os olhos, a garrafa de vodka que ele carregava estava praticamente vazia, largada ao lado dele. O porta-retratos não estava mais em sua mão.

Olívia esfregou os olhos com as mãos e então se levantou. Nas pontas dos pés chegou ao final da escada. Passou por detrás do sofá e, ao ficar de frente para ele, percebeu que dormia.

A barriga roncou outra vez para lembrá-la que ainda não tinha almoçado. Viu o porta-retratos com a foto da mamãe no sofá, quis muito pegá-lo e olhá-lo de perto, mas não teve coragem de fazer isso. O papai não gostaria que fizesse.  Então fez a única coisa que precisava fazer; estendeu a mão e o cutucou com os dedinhos finos.

— Papai?... — ela sussurrou. — Acorde, eu ainda não comi nadinha.

Emmett resmungou qualquer coisa. O cheiro de álcool atingiu o rosto de Olívia, que achou forte e ruim.

— Papai... — arriscou mais uma vez. — Por favor, estou com fome. Acorde. — Ela olhou na direção da porta de entrada, como esperasse por ajuda, e novamente para o pai, que dormia sob o efeito do álcool. Olhou na garrafa quase vazia e o cinzeiro cheio de bitucas de cigarro. — Papai? — murmurou mais uma vez, desistindo por fim.

Uma breve olhada em direção da cozinha, e ela se afastou de Emmett. Se o papai não acordava para lhe dar o que comer, precisava fazer por si mesma.

Quando já estava na cozinha, arrastou a cadeira para junto do armário e vasculhou os compartimentos em busca de algo para comer. Talvez pudesse tentar fazer panquecas. Tinha visto uma moça fazer panquecas na televisão uma vez. Mas estava proibida de mexer com o fogão. Acabou pegando o pão e preparando um sanduíche frio de queijo e tomate. Encheu um copo de suco de laranja, escolhido pela Sra. Smith na última ida ao mercado.

Comeu todo o lanche, sentada sozinha, a mesa da cozinha. Quando terminou arrastou a cadeira para junto da pia e lavou a louça que sujou. Teria chupado uma das balas que a moça na loja de ferragens lhe deu mais cedo, mas, depois de tudo o que aconteceu aquela manhã, não se lembrava de onde as tinha deixado.

Voltou à sala e ligou a tevê. Deixou em um de seus canais de desenhos favoritos, e enquanto assista se aconchegou no sofá desocupado.

O papai tinha apagado, mas, ao menos assim, podia ficar um tempo perto dele.

Foram horas seguidas, deitada no sofá, assistindo televisão. Acabou cochilando mais uma vez. Quando acordou já estava escuro lá fora. A única luz que mantinha a sala parcialmente iluminada era a luz da tevê, gerando sombras assustadoras nas paredes. Olívia sentiu medo, mas quando olhou para o lado e viu que o papai ainda estava dormindo no outro sofá, o medo perdeu força. Ela então levantou e acendeu as luzes da sala, para somente depois desligar a televisão.

— Papai? Papai... — Cutucou Emmett com a mão, ele nem sequer se moveu. Preocupada, Olívia reparou no peito dele, se estava se movendo. Perceber que respirava a tranquilizou. Acabou desistindo outra vez de acordá-lo. Havia uma manta velha no encosto do sofá, ela puxou e jogou sobre ele.

Antes de subir para o quarto, voltou à cozinha e tomou um copo de leite.

Escovou os dentes, vestiu o pijama e foi para a cama. Com o cobertorzinho e a ovelha de pelúcia embaixo do braço, sentia-se confortável e protegida. Ao lado da cabeceira da cama sempre ficava uma luz noturna acesa. Fechou os olhos e fez uma prece, pedindo ao papai do céu que tudo melhorasse; que o papai não fosse tão malvado. Que um dia ele pudesse amá-la. Também pediu que, se papai do céu não estivesse ocupado demais com todos os problemas no mundo, lhe enviasse alguém disposto a ser uma mamãe. Alguém de bom coração, que a amasse e gostasse de fazer carinhos. Escovasse seus cabelos, como as mamães que gostam de suas filhinhas fazem. Alguém que gostasse de preparar refeições quentinhas. Que contasse histórias antes de dormir. Que lhe desse um beijinho de boa-noite, e, ao menos uma vez, lhe dissesse que a amava, e que era importante.

Foi caindo no sono gradualmente. Vagando nos sonhos, de seus desejos mais profundos. Imaginando como seria bom ser amada.

[…]

Rosalie estava sentada ao lado do avô, no lado de fora da casa, diante uma fogueira que crepitava soprada pela brisa fria e suave. Ela tinha uma touca de lã vermelha na cabeça e segurava uma manta de xadrez escuro sobre os ombros.

Assavam marshmallow, enquanto conversavam e davam risadas, relembrando alguns momentos da infância de Rosalie, das poucas vezes que veio visitá-lo. Ela sabia que esse momento de distração e alegria acabaria no momento em que pusesse a cabeça no travesseiro. O silêncio da noite era traiçoeiro, não tinha dúvidas quanto isso.

Ela mordeu seu último pedaço de marshmallow. Encostou a cabeça no ombro do avô, sentindo seu cheiro que remetia a hortelã.

— Estou feliz de ter decidido vir para cá — murmurou ao ombro dele.

Norman beijou sua testa.

— Eu também estou feliz que esteja aqui — afirmou, fazendo um carinho no rosto da neta, notando as bochechas coradas. — Acho que deveríamos entrar agora. Essas bochechas coradas me dizem que está com frio.

Rosalie levantou a cabeça do ombro dele.

— Estou sim. Mas, a verdade é que gosto muito de estar aqui. Tudo isso faz lembrar minha infância, quando meus pais ainda traziam a gente para visitar o senhor e a vovó durante as férias de verão. — a recordação a levou pensar em Irina, com isso a tristeza que estava tentando evitar apertou o coração. — Por que eles tinham de fazer isso comigo vovô?

Norman gostaria muito de ter a resposta certa, no entanto, tudo que conseguiu pensar foi que encheria o ex-noivo dela de pancada se ficasse frente a frente com ele.

— Quer saber de coisa? — arriscou.  — Eu pegaria sua irmã agora e trancaria num quarto até ela perceber a sacana que foi com você. E, se lhe serve de consolo, sua mãe também. Mas em quartos separados para que elas não pudessem conversar e fazer mais merdas juntas. Não posso esquecer-me do seu pai, também.

Rosalie teve de rir depois disso.

— Obrigada, vovô — agradeceu, apertando o braço dele ao seu. Um minuto depois, acrescentou: — Acho que vou entrar agora.

— Faça isso, querida. — Norman cariciou a cabeça dela sobre a toca de lã vermelha. — Eu vou ficar mais um pouco, para apagar essa fogueira.

Rosalie anuiu.

— Vovô, será que eu posso usar seu telefone para falar com minha amiga Bella, em Atlanta? Ainda não estou querendo usar meu celular.

— Não precisa se explicar Rose. Entre e ligue para sua amiga. Fale o tempo que precisar, e mais um pouco se isso for lhe fazer bem.

— Quero contar para ela que saí de férias e acabei conseguindo um novo emprego.

Norman se deixou levar por um riso solto. 

— Será apenas por alguns dias.

— Eu sei vovô. Com certeza Bella vai pensar que endoidei de vez. Ou vai rir de minha cara, como acabou de fazer.

— Ria com ela, se for o caso. E vai ver como vai se sentir melhor depois disso.

— Obrigada, vovô. Prometo que vou tentar.

Rosalie se levantou e seguiu para a varanda, entrando na casa pela porta dos fundos. Parou na cozinha e se serviu de um copo de água. Quando chegou a sala, pegou o telefone do gancho e sentou no sofá com as pernas dobradas. A manta permanecia em seus ombros mantendo-a aquecida.

Não teve dificuldades em digitar os números do celular da amiga, em Atlanta. Esperou bem menos do que imaginou fosse acontecer para ser atendida.

— Alô?

— Oi, Bella! Sou eu, a Rose...

— Rose? Rose! — A amiga berrou do outro lado da linha. — Minha nossa, até que fim você resolveu me ligar. Depois daquela única mensagem de texto afirmando que chegou bem, não deu mais notícias. Nada, nem sinal de fumaça. Me diga como você está? O que tem feito? Sua mãe...

— Calma Bella. — Rosalie acabou deixando surgir um sorriso no canto dos lábios. — Uma coisa de cada vez. São muitas perguntas.

— Certo — a amiga concordou. — Vamos a mais importante de todas: como você está?

— Estou bem.

— Está falando sério? Porque se estiver mentindo, vou ficar muito brava com você, garota.

— Ainda dói, Bella. Eu tento ser forte, só que às vezes eu não consigo.

— Rose...

— Eu sei, eu sei. Nenhum deles merece qualquer sofrimento meu. E quer saber, acredite ou não, vir para cá foi a melhor decisão que poderia ter tomado. O vovô tem sido uma ótima companhia. Às vezes ele relembra minha infância, e eu percebo o quanto gostava de estar aqui, nas poucas vezes que isso aconteceu. Eu sentia falta dele e não sabia disso. Parece estranho, mas é verdade.

— Esse seu vovozinho parece ser um cara legal.

— E ele é. Só que também é solitário. Estamos nos dando muito bem. Um anima o outro, na verdade. De vez em quando ele me dá uma bronca. Ainda fico surpresa como uma hora ele é divertido e carinhoso e de repente se torna mandão. No fundo, sei que isso é por estar preocupado comigo.

— Fico feliz que ter ido para esta cidade esteja ajudando se sentir melhor. Ainda que eu esteja sentindo muito a sua falta. Caramba! Você faz muita falta Rose.

— Eu também sinto sua falta. E do meu trabalho...

— Ontem encontrei com o Franklin. Edward e eu saímos para dançar e ele estava lá. Estava bebendo com um grupo de amigos. Ele disse que também sente sua falta. Disse que espera que essa fase passe logo, que você volte para nós. Linda e poderosa. Espero sinceramente que não fique, o tempo que estiver aí, trancada num quarto, chorando, pensando no que aqueles cretinos fizeram.

— Não se preocupe. Vovô está empenhado em me manter com a mente ocupada. Ele até me conseguiu um emprego.

— Como assim? Você não está pesando em...

— Não, não, é temporário. E é um trabalho voluntário. Coisas que o vovô gosta de inventar.

Rosalie percebeu o momento em que a amiga suspirou aliviada.

— Por pouco você não me assustou.

— Eu vou voltar. Até lá, vou fazer como o vovô disse. Vou viver, ou ao menos tentar, sem ter de ficar sofrendo o tempo todo.

Isabella deu risada.

— Eu não acredito que você tirou férias, após tanto tempo, e acabou conseguindo outro emprego. Só você mesmo Rose. Olha, tenho de admitir, seu avô está se esforçando para manter você com os pensamentos em um lugar seguro. Diz para ele que meu nome é Isabella, e que já sou fã dele.

— Pode deixar. Ele vai gostar de saber.

— E aí quando começa no novo emprego? Aliás, com o que vai trabalhar mesmo? Se você me disse, eu não lembro. Desculpe.

— Bom, eu não me lembro de ter dito. Mas é isso, vou cuidar da biblioteca de uma escola primária. E quer saber, estou bem ansiosa. Hoje até conheci a diretora, lá na igreja que o vovô frequenta.

— Você foi à igreja?

— Sim, com meu avozinho.

— Está aí uma coisa que não esperava. Conte-me como foi isso?

— Quem ouve você falar assim até pensa que corro de igrejas. Eu gostei. Acho que no próximo domingo estarei lá de novo.

— Muito bem. Mas, mudando de assunto, sua mãe me procurou.

— Eu estou sabendo. Ela acabou ligando para cá e o vovô falou com ela. Ele disse que eles brigaram.

— Eu juro que não disse onde você estava. Ainda fiz um drama fingindo estar preocupada. Não que eu não esteja preocupada com você, mas você entende o que quero dizer.

— Eu sei que não disse nada. Até porque ligar para o vovô, foi a última escolha dela. Como você sabe, tenho mantido o meu celular desligado para evitar ainda mais desgosto. Você é a única com quem tenho mantido contato desde que vim para cá.

— Você sabe que eu queria que tivesse ficado aqui comigo. O convite ainda está de pé. Vem ficar comigo, amiga?

— Você não desiste.

— Claro que não. E... Rose, tem mais uma coisa — um momento de silêncio, ela então tornou a falar: — Sua irmã me enviou um convite de casamento.

Pronto, ali estava magoa e dor exigindo lugar no coração de Rosalie novamente, lembrando-a do motivo de ter se afastado. Nenhuma palavra saiu de sua boca.

— Rose...? Ainda está aí?

Rosalie respirou fundo.

— Irina fez isso porque sabia que sendo minha melhor amiga, iria me contar. Fez isso de caso pensado. Para me atingir. Um lembrete de que ela conseguiu o queria.

— Infelizmente, sei disso. Mas pode ficar tranquila. Não irei a esse casamento nem mesmo me pagando. Inclusive já até joguei na lata de lixo o tal convite.

Isabella não viu, mas o rosto de Rosalie ficou molhado de lágrimas. Outra vez ela ficou em silêncio.

— Rose...? Está aí?

Rosalie passou a mão no rosto.

— Estou — e se esforçou em dizer. — Bella, vou ter de desligar agora. Vou acordar cedo amanhã e...

— Eu sinto muito, Rose. É só que eu tinha de te contar. Não podia esconder isso de você.

— Não se preocupe. Você não tem culpa de nada.

— Ainda posso tacar fogo neles dois, se você quiser.

— Não. Eu realmente não quero ter de visitar minha melhor amiga na cadeia, embora eu saiba que tudo isso não passe de uma brincadeira doida, para tentar me animar. — Mais um minuto de silêncio: — Eu ligo... A qualquer momento.

Rosalie ficou com o telefone junto ao peito, após a ligação finalizada, pensando no que a amiga havia dito. Irina tinha feito de propósito, sabia que sim. Ela não teria outro motivo para convidar Isabella para o casamento com Royce que não fosse a notícia chegar aos seus ouvidos com intuito de provocar.

Naquele momento, Norman chegou à sala.

— Rose, querida... — Ele chegou mais perto. Ela ergueu a vista.

— Eles já estão enviando convite de casamento... — contou ao avô sentindo um aperto do peito. O nó na garganta tornando difícil articular as palavras. Um soluço sofrido escapou de seus lábios.

Norman sentou ao lado dela no sofá.

— Irina enviou um convite a minha melhor amiga. Bella acabou de me contar.

Norman levantou o braço, passando sobre os ombros dela.

— Vamos, não fique assim. Sua irmã não merece que sofra...

Rosalie afastou a cabeça do ombro dele, olhando-o nos olhos.

— Eles estão construindo aquilo que desejei; uma família. Estão esperando um bebê... e vão se casar em alguns dias.

— Você é jovem. Ainda pode sonhar com isso e muito mais. Pode ter sonhos grandiosos e alcançar todos eles. Qualquer um. — Norman segurou gentilmente no queixo dela. — Você pode ser feliz sozinha. Mas, se é uma família que você quer, sei que um dia irá aparecer quem queira tudo isso com você.

— Ninguém jamais me amou de verdade, vovô. Isso sempre ficou bem claro para mim.

— Ei, não é bem assim. E o amor desse velho aqui não conta? Eu te amo, minha Pipoquinha. Seus pais também te amam. Do jeito torto deles, mas sim, eles a amam.

— Não o bastante para alguma vez estar ao meu lado.

— Eu estou do seu lado, Rose. Sempre estarei, mesmo quando não quiser.

Se sentindo acolhida, Rosalie ergueu os braços envolvendo o avô num abraço carinhoso, descansando o rosto no peito dele.

— Eu deveria ter voltado aqui antes — murmurou.

— Vamos, pare de sofrer. Acredite você é boa demais para aquele cretino. Tenho certeza que Deus está preparando algo bem melhor para você.

— Obrigada, vovô.

— Vamos. — Ele a afastou gentilmente. Limpou as lágrimas dela na palma da mão. — Pare de chorar. Você não quer assustar as crianças na escola amanhã, aparecendo por lá com olheiras de um urso panda quer?

Os lábios de Rosalie ameaçaram formar um sorriso.

— Tem razão, vovô. — Ela passou as mãos no rosto. — Eu vou subir. Vou escovar os dentes, me enfiar embaixo das cobertas e ter uma agradável noite de sono.

— Faça isso. — Ele acariciou seu rosto. — Descanse. Se precisar de mim, estarei no meu quarto. Só tem de bater forte na porta, às vezes durmo feito uma pedra.

Rosalie finalmente ficou de pé. Em seguida, se curvou beijando a testa do avô.

— Boa noite, vovô.

— Boa noite, querida.

[…]

Olívia estava atrasada, o despertador não tocou naquela manhã. O papai não lembrou que aos domingos era sua vez de programá-lo. Ela saltou da cama e se trocou depressa. Enfiou o cobertorzinho dentro da mochila antes de levá-la às costas. Após lavar o rosto e escovar os dentes, desceu a escada correndo. Embora tivesse se apressado e deixado de tomar o café da manhã, o ônibus escolar já tinha passado quando chegou ao ponto de espera.

Sem saber o que fazer, sentou no meio-fio permanecendo ali alguns poucos minutos. Estava frio do lado de fora, então resolveu voltar para casa. Os ombros caídos, um pé na frente do outro dando um passo de cada vez.

O papai ainda estava dormindo no sofá quando entrou na sala. Olhou para ele, pensando, por que fazia essas coisas? Por que bebia e fumava tanto, e esquecia-se dela? Como podia esquecer que tinha uma filhinha a quem proteger, amar e cuidar? Queria tanto que ele a enxergasse realmente.

Deu alguns passos para o lado, tirou a mochila das costas e sentou-se na poltrona. Os olhos ainda no pai. Em silêncio, ficou cerca de vinte minutos observando ele dormir.

A primeira coisa que Emmett viu quando abriu os olhos, foi Olívia. Sua expressão preocupada e olhinhos tão tristes. Ele pareceu confuso e cansado, apesar de estar apagado há várias horas.

Levou a mão ao rosto, coçando a barba espessa. Sentou-se, olhando em volta, como não lembrasse de muita coisa desde que pegou a bebida na cozinha na noite anterior.

— O que está fazendo aí sentada? Você não deveria estar na escola? — Ele suspirou sentindo-se derrotado. Acabado.

— Perdi o horário do ônibus. Ele foi embora sem mim.

O olhar dele foi para o relógio ao lado do telefone, na mesinha.

— O despertador não funcionou. Não foi minha culpa, papai.

Emmett levou ambas as mãos ao rosto peludo.

— Anda! — disparou, e se pôs de pé em seguida. — Pegue sua mochila e vá indo para o carro.

Olívia levou um minuto para entender o que ele pedia, quando isso aconteceu, ela se levantou, passando as alças da mochila pelos braços.

— Eu vou ter de te levar. Tenho de ir para o trabalho, não posso deixá-la aqui sozinha.

— E se não me deixarem entrar, porque estou muito atrasada?

— Eles vão deixar. Tem de deixar. Anda, vá indo para a garagem. Eu vou só lavar rosto, te encontro num minuto.

Olívia se retirou da sala com os ombros caídos, pensando que ele sequer perguntou se tinha tomado café da manhã.

— Droga! — Emmett resmungou indo de um lado a outro, procurando pela chave do carro. Quando a encontrou, enfiou no bolso e correu para lavar o rosto. Suas roupas estavam amarrotadas e com uma mancha ou outra de sujeira. Não se importou que estivessem assim. Desde a morte de Sarah não se importava com a aparência, muito menos com o que as pessoas pensavam a seu respeito.

Apressou-se até a garagem.

Resmungando, puxou a porta do carro.

— Entre e ponha o cinto — avisou. Em seguida, bateu a porta. Apressou-se ao assento do motorista e deu partida no motor.

Minutos mais tarde, estacionou numa das vagas do estacionamento da escola primária, arrancou a menina da cadeirinha e correu com ela até a entrada do prédio.

Após uns poucos minutos se explicando finalmente conseguiu deixar Olívia na escola.

Ele não voltou para casa depois disso. Seu humor não estava dos melhores. Fez apenas uma parada para tomar um café antes de seguir para o trabalho. Não falou com ninguém ao entrar no pequeno estabelecimento e desejou que fizessem o mesmo.

Há anos tem evitado se aproximar das pessoas. Quando não conseguia evitar que um corajoso se aproximasse, deixava qualquer pergunta envolvendo a esposa falecida e a filha, sem respostas.

 


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Notas finais do capítulo

Vejo vocês nos comentários?
Beijo grande
Sill