Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 4
Capítulo 03 – No Seu Olhar


Notas iniciais do capítulo

Antes de qualquer coisa quero agradecer a Liv Cullen pela recomendação. Abrigada mesmo, Liv. Eu adorei! Capítulo dedicado a você. Espero muito que goste.

Desejo a todos uma boa leitura.



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Fazia três dias desde a chegada de Rosalie à cidade e tudo o que tinha feito durante esse tempo, havia sido se esconder no antigo quarto de Dorothy e chorar.

Norman não estava nada satisfeito em como a neta vinha passando os seus dias. Acabou imaginando uma forma de fazê-la sair de casa. Pensando nisso, moveu os pauzinhos, falou com algumas pessoas e chegou a uma possível solução. Era hora de pôr um ponto final às lágrimas derramadas por quem era feliz sem ela.

Depois de atender a uma ligação, Norman subiu a escada. Era cedo ainda, e, mesmo sabendo que a neta poderia estar dormindo, se aproximou do quarto que um dia foi da sua filha e bateu uma única vez na porta antes de abri-la.

— Levanta daí — Ele bradou. A voz firme, decidido.

Percebeu Rosalie se mexer embaixo das cobertas, em seguida, levantar a cabeça do travesseiro devagar. Os olhos inchados de tanto chorar na noite anterior era a prova do que vinha fazendo nos últimos dias. Sua pele mais pálida que o normal.

Norman caminhou para junto da cama, depois de afastar as cortinas permitindo assim a luz do dia entrar e iluminar a escuridão que se encontrava o quarto.

— O que está fazendo, vovô? — Ela não entendeu o porquê de ele estar agindo de tal maneira. A atitude a surpreendeu. Sentiu-se um pouco amedrontada com a forma como chegou, também.

— Levante já dessa cama — ele exigiu. Seu próximo ato foi arrancar as cobertas de cima dela. Apesar de o sol lá fora, a manhã estava fria. Rosalie logo sentiu o frio ocupar o lugar antes dos cobertores em seu corpo.

— Mas eu não fiz nada — finalmente falou, sentindo como se voltasse a ser uma garotinha com os pais a obrigando levantar da cama para ir à escola.

— Exatamente isso — Norman afirmou. — Você não tem feito nada desde que chegou, a não ser chorar trancada dentro desse quarto. Não se alimenta direito. Aposto que nem mesmo tomou banho ontem.

— Eu estou bem. E eu tomei banho sim, só pra constar. — Ela cheirou a si mesma como não confiasse no que dizia.

— Se você está bem, eu sou o Papai Noel. Anda, levante dessa cama. Troque de roupa e dessa para comer alguma coisa na cozinha.

— Estou sem fome.

— Vai comer mesmo assim.

— Está me fazendo sentir como se tivesse seis anos outra vez. A mamãe não dava mole. Estava sempre exigindo que eu fizesse algo. E esse algo, quase sempre, era do interesse dela.

— Você não é mais uma garotinha. É uma mulher feita. E eu não sou a Dorothy.

— Se bem que a mamãe está mais para a Bruxa Malvada do Oeste.

Norman não deu importância a seu comentário. Estava decidido por um fim ao isolamento da neta de uma vez por todas.

— Se vai ficar nesta casa, não vai ser chorando por um filho da mãe que te traiu com sua irmã. Que caráter tem esse homem, me diga? Aqueles dois não merecem uma única lágrima sua. Vou me certificar de que vai parar com isso, e tenho dito.

Falar sobre a traição não estava ajudando.

— Vovô...

O avô segurou na mão dela, decidido. Ela aceitou, embora desacreditada.

— Você vai sair dessa casa em alguns minutos, está me ouvindo?

— O quê? Está me expulsando?

— Não diga besteiras.

— Mas o senhor acabou de dizer...

— É manhã de sábado, Rose. Três dias inteiros, foi o tempo que ficou aqui trancada chorando. Agora, chega, você vai sair e ver gente. Vai viver a vida, ainda que ache que ela está sendo difícil agora. Acredite esse não é o fim da linha.

Rosalie olhava para ele sem acreditar nas coisas que dizia.

— E eu vou fazer o quê?

— Vai dar uma volta pela cidade. Respirar um ar puro.

— Eu posso respirar ar puro no jardim.

— E vai falar com as plantas e arbustos enquanto faz isso?

— Algumas pessoas fazem.

— Não você. E se começar a fazer isso, eu vou pensar que está doida.

Ele soltou a mão dela e se afastou alguns passos em direção à porta.

— Agora eu vou sair para você se trocar. E nem pense em voltar a dormir.

Enquanto o avô se aproximava da porta, Rosalie questionou:

— Por que tudo isso?

Norman a olhou sobre o ombro.

— Porque eu te amo. E não quero passar os meus dias apenas sentado assistindo você sofrer por um bostinha qualquer.

Rosalie suspirou.

Norman estava com um pé já fora do quarto quando parou e falou:

— Ah, outra coisa. — Ele sacudiu a mão. — Arrumei um emprego para você.

De todas as coisas que Rosalie esperava ouvir aquela, sem dúvida, não era uma delas. Sua expressão passou de descrença para surpresa e confusão.

— Mas eu já tenho um emprego, vovô. Não preciso de outro. E estou de férias, lembra?!

— Sim, sim, sim. — Ele tornou a sacudir a mão. — Eu sei. Você já me contou isso. O que arrumei para você é temporário. Como eu disse, não quero você trancada chorando por quem não merece.

— Vovô.

— É isso mesmo. Eu juro que daria uma surra nele se o encontrasse.

Rosalie se deu por vencida.

— Tudo bem. O que o senhor tramou... quero dizer, planejou para mim?

— Você disse que cursou biblioteconomia, e que agora trabalha num museu. Sim, eu já sei de tudo isso.

— E?

Norman se virou ficando de frente para ela.

— Você vai cuidar da biblioteca da escola primária. A moça que trabalha lá ficou doente. Eles estão precisando de alguém até ela voltar, e eu disse que você estava disponível.

— Como assim?

— Você disse que seu primeiro estágio foi em uma biblioteca pública.

Rosalie balançou a cabeça.

— Há quanto tempo o senhor esteve tramando isso?

— Desde que se enfiou nesse quarto e não fez outra coisa a não ser chorar. Você pode até querer fugir, só não permitirei se isolar.

— Como conseguiu? Quero dizer, o emprego na escola primária?

— Falei com umas pessoas. Conheço quase todo mundo na cidade, essa é uma das muitas coisas de se morar numa cidade pequena. Recebi a resposta agora a pouco. Você começa na segunda-feira.

Rosalie soltou o ar pelos lábios, cedendo os ombros, demonstrando sua falta de entusiasmo.

— Era para eu estar de férias.

— Pense que é por pouco tempo. Vai ser bom, você vai se distrair. Encare isso como um emprego temporário de verão. Quando menos esperar, terá acabado.

— Mas nós nem ao menos estamos no verão.

— Você só tem de saber que não é para sempre. Logo estará voltando para Atlanta, para o seu verdadeiro emprego. Quando o momento chegar, quero que faça isso de cabeça erguida. Recuperada. Não como tivesse passado esse tempo dentro de uma caverna.

— Agora eu tenho de fazer o que mesmo?

— Trocar de roupa, comer alguma coisa e sair um pouco de casa.

Rosalie moveu a cabeça, finalmente aceitando.

— Quero que vá ao mercado e compre umas coisas que está faltando na despensa. Não se preocupe lhe darei o dinheiro.

— Não estou preocupada com o dinheiro, vovô.

— Seu dinheiro, suas coisas. Não quero que gaste comigo.

Ela balançou a cabeça com um leve rolar de olhos.

— Eu também estou...

— Não importa. Encontro você na mesa para o café da manhã. Vê se não demora.

— Vou me trocar e desço num instante.

[…]

Emmett caminhou até a casa da Sra. Smith, três casas de distância da sua. Não gostava de ter de fazer isso, mesmo que em algumas ocasiões fossem realmente necessário.

Parado diante a porta, tocou a campainha. Levou alguns instantes até a mulher aparecer.

— Emmett — disse ao vê-lo do outro lado da porta. — Está precisando de alguma coisa?

— Eu tenho de ir ao trabalho agora pela manhã, será que a senhora não poderia ficar com Olívia até eu voltar. Não vai levar o dia inteiro, mas, também não tenho certeza se voltarei até o horário do almoço.

— Eu estava pensando em sair para fazer compras agora pela manhã. Mas, posso levar a menina comigo, se não se importar.

— Claro que não me importo. A senhora pode levá-la. Incomoda-se de trazer umas coisas para mim? São poucos itens. Deixarei anotado no papel junto ao dinheiro em cima da mesa da cozinha, tudo bem?

A vizinha assentiu.

— Chegarei a sua casa em alguns minutos.

Emmett refez o caminho de volta até sua casa, pensando que era um problema a menos. Precisava dá uma passada na obra, e não podia deixar Olívia sozinha em casa quando nem ao menos tinha certeza do horário retorno.

Durante a semana era tudo mais fácil. Olívia ficava a maior parte do dia na escola e quando voltava, a Sra. Smith ficava com ela até ele chegar do trabalho. Nos finais de semana tudo se complicava, nem sempre a vizinha estava disponível.

Precisava da ajuda daquela senhora. Ela era a única disponível, na época que buscava alguém para cuidar da filha depois da escola, logo que Cheryl decidiu não ajudá-los mais, voltando para a cidade onde morava.

Na mesma época, havia deixado Olívia sozinha em casa e quando retornou, foi para levá-la ao hospital. A menina tinha caído da cadeira enquanto tentava encontrar comida dentro dos armários. Olívia conseguiu cinco pontos abaixo do queixo e ficou com o braço esquerdo imobilizado por vários dias. Foram muitas as explicações que teve de dar. Se pudesse evitar passar por toda aquela situação, evitaria.

Estava no jardim de sua propriedade agora. O jardim destruído era o reflexo de sua vida nos últimos anos. Enquanto se aproximava da varanda, percebeu Olívia abrir a porta da frente. Ela ainda vestia o pijama. Os cabelos ruivos, bagunçados. Segurava o cobertorzinho e a pelúcia velha junto ao peito. As lágrimas no rosto revelavam o choro recente. O alívio em vê-lo fez a expressão de tristeza em seu rosto se suavizar.

— Você está aqui — mencionou, aliviada por não estar sozinha. Quando acordou e não o encontrou em lugar algum da casa, chegou a pensar que ele a tinha deixado sozinha outra vez.

Emmett passou por ela, sem olhá-la direito.

— A Sra. Smith está vindo pra cá. Ela vai cuidar de você.

“Ela nunca cuida de mim”, Olívia quis dizer. Mas não daria em nada. Ele nunca se importava. Tudo o que fez foi segui-lo pela casa, como uma sombra, mendigando um pouco de sua atenção e de seu carinho.

Emmett parou de andar de repente, levando Olívia colidir com suas pernas.

— Tenho coisas a fazer, Olívia. Vá se trocar. A Sra. Smith irá levá-la ao supermercado com ela.

— Eu quero ir com você.

— Eu vou trabalhar.

— Hoje é sábado.

— E o que isso tem a ver? Anda, vê se para de me atrapalhar e vai cuidar de suas coisas.

Olívia abaixou a cabeça, entristecida, dando dois passos para trás.

— Não foi minha culpa, papai. Não foi minha culpa... — ela sussurrou.

Emmett olhou para trás dizendo:

— Olha, eu tenho mesmo de ir. Eu vou deixar dinheiro para ela trazer umas coisas do mercado pra gente. Você pode até comprar um doce com o que sobrar.

Olívia ficou interessada no doce, mas não alegre. O que queira mesmo era um dia inteiro na companhia do papai e, quem sabe chegasse a ter um pouco de seu carinho e atenção.

— Agora anda. — Ele moveu a mão como espantasse um animal. — Vai logo se trocar.

A menina deu alguns passos, olhando para ele com o semblante triste, compreendendo que ele sempre buscava a distância.

Emmett olhou para ela um instante, quando a menina deu as costas para ele subindo a escada para o segundo andar. Ela tinha tanto da mãe. Ainda assim, só conseguia pensar que Olívia era a culpada por Sarah não estar mais ao seu lado.

Recordou o momento em que esteve com a esposa, já sem vida, numa sala fria de cheiro característico e silêncio perturbador. Sarah parecia estar dormindo, ainda que suas mãos e cabelos não estivessem na posição correta. O corpo ereto, as mãos, ao lado do corpo. Os cabelos não estavam espalhados no travesseiro como costumava ser. A pele fria.

A lembrança dolorosa trouxe um gruindo a sua garganta. Emmett apertou as mãos no rosto quando lágrimas lhe escaparam. Respirou fundo, em seguida, caminhou até a cozinha. As palavras da médica voltando à memória.

Tomado pela dor da lembrança, derrubou uma cadeira e empurrou-a com o pé para fora do caminho. Então, se apoiou no balcão, respirando com dificuldade, esperando a dor passar. Como aquilo não tinha fim, ele abriu a geladeira e tirou de lá uma cerveja.

“Vai amá-la como me ama?”, ele recordou as palavras ditas por Sarah antes de tudo mudar. Antes de a história deles chegar ao fim.

— Eu não posso — murmurou sozinho na cozinha. — Eu não posso fazer isso. Não consigo.

Quando a cerveja acabou, ele escreveu num bloco de papel, tirado de uma gaveta na cozinha, os itens que queria que a Sra. Smith trouxesse do mercado. Arrancou a página e deixou em cima da mesa junto a algumas notas de dinheiro.

Abriu a porta que dava na garagem e entrou no carro. Pelo tempo que o portão levou para se erguer completamente, achou que demorou demais. Queria se afastar quanto antes, da casa e também de Olívia.

Da janela do quarto do pai, onde tinha entrado para ver o violoncelo da mãe falecida, Olívia percebeu quando ele saiu com o carro da garagem. Soltou um suspiro triste, antes de avistar a Sra. Smith se aproximando da casa. Logo correu para fora do quarto. Ele não a queria ali, e a Sra. Smith não era uma pessoa em que pudesse confiar.

Olívia entrou no próprio quarto, ofegante, e começou despir o pijama. Quando terminava de pôr a roupa, a porta da frente bateu.

— Olívia, se apresse. Nós vamos ter de sair agora — a Sra. Smith foi até a cozinha buscar o dinheiro e o papel onde Emmett havia anotado as coisas a serem compradas.

Olívia correu até alcançar o topo da escada, dali em diante desceu os degraus devagar, com a mão no corrimão.

Voltando da cozinha, a mulher a encontrou ainda na metade da escada.

— Se apresse Olívia.

A menina passou a descer os degraus um pouco mais depressa, por medo de uma bronca maior. Encontrou com a vizinha no hall de entrada. Ambas saíram para a rua. Olívia dois passos logo atrás da mulher, que caminhava até o carro estacionado em frente à casa de jardim repleto de duendes.

Olívia sentou no banco de trás e colocou o cinto de segurança. Não estava ajustado ao corpo pequeno e magro dela, sabia disso. Mas o que poderia fazer.

A Sra. Smith sentou ao volante e deu partida no motor. Ela dirigia sempre muito devagar. Ainda que andasse pouco no carro com o pai, Olívia tinha notado a diferença.

Pouco tempo depois, o carro foi estacionado numa das vagas no estacionamento e as duas entraram no mercado.

Olívia seguia a mulher por todos os lados. Ela andava devagar, empurrando o carrinho de compras, olhando o valor dos itens quando esse era de seu interesse. Notou que por quase todas as seções por onde passaram a Sra. Smith pegou uma coisa, o que a surpreendeu.

— O papai pediu pra levar todas essas coisas? — a menina pediu, impressionada, uma vez que aquilo nunca tinha acontecido antes.

A mulher quase deu risada.

— São para minha casa — esclareceu. — Seu pai deixou apenas uma lista de cinco itens.

— Ah... — Olívia murmurou, desapontada.

— Não sei por que se espanta?

De cabeça baixa, pensando naquilo, Olívia acabou, sem querer, esbarrando no carrinho de compras de outra cliente que passava pelo mesmo corredor.

— Me desculpe — ela pediu. E a mulher, sorrindo gentilmente, perguntou:

— Você se machucou?

— Não. Eu estou bem.

A Sra. Smith a puxou pelo braço para fora do caminho.

— Você deveria prestar mais atenção por onde anda — queixou-se.

— Foi sem querer, eu juro — a menina abaixou a vista, envergonhada. — Eu pedi desculpas — sussurrou.

Continuaram seguindo em frente, indo de um corredor a outro. Ao avistar a seção de doces, Olívia não resistiu e correu para junto da prateleira de chocolate.

— Olívia! — A Sra. Smith praticamente gritou com ela.

Hipnotizada pelo doce, Olívia pareceu não ouvir e, com os olhinhos brilhando, pegou uma barra de seu chocolate favorito.

A Sra. Smith apressou o passo. Chegando ao lado de Olívia, lhe deu um tapa na mão. O chocolate caiu no chão e Olívia olhou assustada para ela. Era a primeira vez que isso acontecia. Ela nunca tinha lhe batido antes.

— Pegue esse chocolate e ponha de volta no lugar — grunhiu.

Ainda assustada, Olívia se abaixou pegando a barra de chocolate, porém, sem devolver a prateleira como lhe foi ordenado.

— O papai disse que eu podia levar um doce — falou em voz baixa.

A Sra. Smith arrancou o doce das mãos dela colocando de volta no lugar.

— Esse é um doce muito caro — advertiu. — Você não pode levá-lo.

Rosalie chegou àquela seção a tempo de ver a Sra. Smith arrancar o doce das mãos da menina. Estava comprando as coisas que o avô pediu havia alguns minutos.

A cena chamou atenção e lhe causou incomodo.

Chegando um pouco mais perto, percebeu o olhar triste de Olívia. Ficou sentida por ela. Ao olhá-la com mais atenção, percebeu que não era tristeza somente pelo doce que lhe fora negado, havia algo mais forte e mais profundo. Tinha ficado claro, aquela garotinha era, por alguma razão que ela desconhecia, profundamente triste. A julgar por suas roupas, era de família muito humilde, ou quem sabe, apenas desprezada.

Rosalie não compreendeu a necessidade repentina de cuidá-la. De lhe fazer um carinho. Era uma garotinha muito bonita e, sem dúvida, ficaria ainda mais se lhe dessem roupas novas e lhe penteassem os cabelos.

Reconheceu que era uma criança magra. A feição delicada. O nariz pequeno salpicado de sardas, assim como as maçãs do rosto. A pele pálida.

Os olhos de Olívia encontraram os dela. Rosalie sorriu querendo, de alguma forma, que sentisse seu sorriso como um conforto. A menina apenas abaixou a cabeça. A mulher ao lado dela ainda resmungava por causa do doce e sua expressão era rude.

Rosalie não conseguiu deixar de olhar para a criança de olhos tão tristes pelo tempo em que estiveram na mesma seção de compras. Quando a menina e a mulher se afastaram, chegou perto dos chocolates pegando algumas barras com recheios e sabores diferentes, pensando, se a encontrasse na saída, entregaria algum a ela. Mas isso não aconteceu.

Depois de voltas e voltas, Rosalie aceitou que não a veria de novo. Entrou no carro, com as sacolas de compras, pronta para voltar à casa do avô.

Edenton tinha um centro pequeno. Suas casas datavam do início do século XIX e, nos últimos anos muitas delas tinham sido restauradas e voltado à antiga glória. Carvalhos gigantescos ladeavam os dois lados da rua e sombreavam os caminhos, fornecendo uma agradável cobertura no calor do verão. Agora, no entanto, com o outono avançando, suas folhas começavam perder a cor e se soltar dos galhos.

Durante todo o trajeto de volta, Rosalie não conseguiu tirar o olhar triste daquela criança dos pensamentos, imaginando o que a fazia tão infeliz. Por que parecia tão malcuidada? Imaginou que tipo de avó não percebia o que estava acontecendo, claro, presumindo que a mulher que estava com ela fosse mesmo sua avó. Bem, considerando no modo como a tratou, não era algo tão surpreendente assim.

Após estacionar na entrada de veículos da casa do avô, Rosalie saiu do carro com as sacolas de compras. Norman estava na cozinha, tomando um pouco de água, de pé em frente o balcão, quando ela entrou.

— Sua mãe ligou — avisou sem rodeios.

Rosalie largou as sacolas em cima do balcão, atenta.

— O senhor não contou a ela que estou aqui, contou? — a julgar pelo olhar dele, Rosalie viu o contrário. — Não era para eles saberem. Não quero que venham me falar de Irina e do...

Norman terminou de beber a água e deixou o copo no balcão.

— Não se preocupe — tranquilizou —, ela não virá. Nós discutimos. Se sua mãe já não se esforçava muito para vir aqui, agora então duvido muito.

— Eu sinto muito vovô. Sei o quanto minha mãe pode ser desagradável.

— Você não tem culpa. Dorothy sempre foi difícil e caprichosa. Não me recordo uma só vez onde ela não tenha batido o pé para o que eu dizia. Desde muito novinha, sua mãe era inquieta. Tinha sonhos grandes. Não pensou duas vezes antes de dar o fora daqui.

Rosalie começou desfazer as sacolas de compras.

— O senhor e a vovó se confundiram; ela deveria se chamar Bruxa má do Oeste, e não Dorothy.

— Querida, eu só falei que você estava aqui porque sua mãe falou algo sobre botar a polícia atrás de você. Ela estava te procurando desde que você saiu de casa. Parece que nenhum de seus amigos soube dizer onde encontrá-la. Nem mesmo no seu trabalho.

— Ela está mesmo é desesperada por não ter controle sobre mim — Rosalie esclareceu. Ainda assim, a resposta do avô a levou pensar na amiga Isabella. Sua melhor amiga havia cumprido a promessa de manter seu paradeiro em segredo.

A voz do avô a tirou dos pensamentos sobre a amiga.

— Você sabia que esse era o último lugar onde sua mãe pensaria te encontrar, não é verdade?

Rosalie anuiu, envergonhada. Norman deu alguns passos na direção dela e a abraçou.

— Eu sinto muito, vovô.

— Não sinta. Eu estou feliz que tenha vindo.

O abraço foi desfeito, deixando de lado a sensação de aconchego e culpa. Norman notou as barras e chocolate em cima do balcão e, com olhar reprovador, questionou:

— Não está pensando em se trancar no quarto e comer todos esses doces enquanto chora, está? Já falamos sobre isso hoje.

— Não se preocupe vovô. Os doces não são para mim, pelo menos metade deles não.

O avô a olhou sem entender.

— Eu queria entregar um ou dois a uma garotinha que vi no mercado. Mas não a encontrei na saída.

— E por que você faria isso? A criança te pediu?

— Não. Notei o momento em que pegava um desses na prateleira e a mulher que estava com ela lhe deu uma bronca, alegando que era muito caro.

— Aí você sentiu que precisava fazer isso pela garotinha?!

— Acho que sim. Senti outras coisas também; pena, afeto e carinho. — Rosalie refletiu. — Eu queria muito mais que lhe dá um doce, na verdade, queria fazê-la sorrir. Queria cuidar dela. Fazer algo que mudasse aquele olhar.

Norman pegou um dos chocolates.

— Você é mesmo diferente de sua mãe. — Ele abriu a embalagem enquanto cainhava até a porta dos fundos. E, antes de sair para o lado de fora, deu uma mordida no doce.

— Isso é bom ou ruim, vovô?

— Isso é muito bom — respondeu causando o efeito de um sorriso a Rosalie. — E não estou falando desse chocolate que, por sinal, também é muito bom.

[…]

Eram três da tarde quando Emmett apareceu em casa. Subia com o carro na entrada de veículos quando percebeu Olívia do lado de fora. Mais uma vez falando sozinha.

Ela olhou na direção do carro, focando na figura do pai. Emmett saiu do veículo e caminhou até a varanda.

— Você tem de parar com isso — se queixou. Olívia ficou de pé no mesmo instante.

— Parar com o quê, papai?

— Parar de falar sozinha.

— Mas eu não estava falando sozinha. Minha amiga Arco-íris está bem aqui.

Emmett olhou ao redor sem perceber nada, nem ninguém além deles dois.

— Arco-íris não existe. Você precisa parar com isso, Olívia. Essa sua mania faz com que as pessoas pensem que é maluca. — Segurou no braço dela e a guiou em direção à porta. — Onde está a Sra. Smith? Entre — alertou.

Olívia se desvencilhou das mãos dele e saiu correndo pelo jardim rumo à parte dos fundos da casa, onde ficava a velha casinha de boneca ao lado do caramanchão de flores mortas com um banco de madeira.

— Olívia, volte já aqui — gritou.

Com o grito dele, a Sra. Smith não demorou a aparecer na porta.

— O que aconteceu?

Emmett desviou o olhar do caminho por onde a menina tinha desparecido para olhar a mulher que falava com ele.

— Olívia correu lá pros fundos. Eu queria ter chegado antes, mas não deu. Obrigado por ter ficado com ela todo esse tempo. Eu sei que estou abusando.

— Você demorou mesmo — respondeu. — Vou só pegar meu casaco e já vou indo. Quero fazer umas coisas em casa ainda, antes de anoitecer.

Quando a Sra. Smith entrou para pegar o casaco, Emmett olhou novamente em direção ao caminho por onde Olívia saiu correndo, pensando se deveria ir buscá-la.

A Sra. Smith voltou à varanda, deu até logo e foi embora.

Emmett finalmente entrou em casa.

Já estava anoitecendo quando Olívia resolveu entrar também. Ela havia chorado por muito tempo, escondida dentro da casinha de bonecas. Seus olhinhos estavam inchados e vermelhos. E ainda fungava.

Entrou pela porta dos fundos. Emmett se encontrava no sofá da sala com a tevê ligada. Olívia se abaixou, engatinhou pela sala e por detrás do sofá, tentando não ser vista por ele. Mesmo assim, ao alcançar a escada, ele se dirigiu a ela:

— Olívia. — Ela parou de se mover imediatamente. Sem olhar para ela, completou: — Nunca mais saia correndo enquanto estou falando com você.

Olívia soltou um suspiro triste e tornou a subir os degraus da escada.

— Volte daqui a pouco para o jantar. Sobrou comida do almoço, eu vou esquentar pra gente. Olívia? — ele chamou um momento depois, olhando então para ela. — Você comprou o doce no mercado?

A menina, do alto da escada, moveu a cabeça em sinal negativo.

— Por quê?

— A Sra. Smith não me deixou comprar. Ela disse que era muito caro.

— Talvez ela tivesse razão. Você não pensou nisso?

— Ela me deu um tapa. E também ficou me puxando.

— Você sabe que não deve contar mentiras, não sabe?

— Não é mentira, papai. Ela me deu um tapa dentro do mercado. E doeu.

— A Sra. Smith é legal, Olívia. Ela cuida de você para mim.

— Ela é malvada — a menina sussurrou. E continuou subindo os degraus da escada. — Ela não gosta de mim. Não gosta.

Emmett ficou pensando se a vizinha de fato era assim. Não tinha certeza. Talvez Olívia só estivesse exagerando.

Ele até podia acreditar que não machucando a filha fisicamente estava evitando dor, porém, maior dor estava sendo causada todos os dias, desde seu nascimento, em não lhe transmitir amor, cuidado e afeto. Sendo um pai omisso.

 


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Notas finais do capítulo

Caso sinta vontade de me deixar um recadinho, ficaria muito feliz. É muito bom quando vocês aparecem e podemos trocar algumas palavrinhas.
Beijo grande
Sill