Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 23
Capítulo 22 — À Deriva




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Não fazia muito tempo, Rosalie recebeu Olívia no ponto de ônibus. Preparou waffles para o lanche, e a ajudou com a lição de casa.

Enquanto a menina guardava o material escolar de volta na mochila, não conseguiu deixar de pensar em como poderia contribuir na arrumação da casa. Imaginou que a sala de estar seria o melhor lugar por onde começar.

— Ollie, meu amor, o que acha de eu tentar dar jeito aqui na sala? Tirando o pó dos móveis, organizando as coisas.

A menina se mostrou animada com a ideia.

— Eu posso ajudar? — pediu.

— Claro! Por que não?

Olívia terminou de guardar o material escolar o mais depressa possível, deixando a mochila cuidadosamente na poltrona.

— Já podemos começar — convocou sem perder a animação.

Rosalie teve de rir de sua empolgação para começar organizar a casa.

— Só tem de me mostrar onde seu papai guarda os produtos de limpeza e o aspirador de pó. Estou um pouco perdida em relação a isso.

— Ele guarda onde ficam nossas máquinas de lavar e secar. Você já foi lá uma vez. Mas eu te levo, se você esqueceu. — Olívia correu para a cozinha. — É por aqui.

— Espera por mim.

Olívia voltou e segurou sua mão.

— Desculpa — pediu.

Rosalie beijou o dorso de sua mão pequena, sorrindo ao olhar em seu rosto.

— Está tudo bem. Vamos lá então.

Olívia a levou pela mão, cruzando a sala de jantar e também cozinha, parando diante uma porta fechada, logo ao lado da despensa.

— É aqui — disse a menina.

Rosalie abriu a porta, acendeu a luz no interruptor junto ao batente.

— Vamos lá, então?!

Desceu alguns poucos degraus, para então se dar conta de que Olívia não a estava seguindo.

— Você não vem? — pediu. Olhando para a menina, notou preocupação estampada no rosto de traços delicados.

— Não gosto de ir aí dentro — Olívia hesitou. — Tenho medo.

— Do que você tem medo? — Rosalie voltou os degraus que havia descido, se aproximando novamente de Olívia. Segurou suas mãos e pediu que sentasse ao lado dela, ali mesmo nos degraus. — Aconteceu algo aqui dentro que levou você a ficar com medo? — Ela ficou atenta à expressão no rosto da menina. — Estou aqui com você, Ollie. Não permitirei que nada de mal te aconteça. Nem o seu papai irá permitir. Sabe que pode confiar em mim.

— A Sra. Smith… — começou Olívia.

Rosalie aguardou, pensando, tinha de ser coisa da vizinha sem coração.

— O que ela fez Ollie?

— Ela disse que me trancaria aqui se não me comportasse. Foi logo depois de a vovó Cheryl ir embora. — Então aproximou os lábios do ouvido de Rosalie, confidenciando. — Quando uma criança fica presa no porão, monstros aparecem para pegá-la, especialmente quando elas têm cabelos vermelhos.

Maldita Sra. Smith, Rosalie pensou.

— Nada do que ela tenha dito é verdade, Ollie. Ela estava tentando te assustar. — Reparando no rostinho cheio de incertezas, continuou: — Posso te contar um segredo? — Olívia meneou a cabeça, afirmando. Rosalie prosseguiu: — Certa vez, quando tinha mais ou menos sua idade, durante uma temporada de verão na casa do vovô, enquanto brincava de esconde-esconde, fiquei presa no porão. — A verdade é que tinha sido Irina a trancá-la lá por horas, mas Rosalie achou melhor não contar essa parte. — Assim como você, eu senti medo, e até chorei.

— Sério?

— O porão da casa do vovô não era assim como o de vocês, que é uma lavanderia, na época. Ele usava mesmo para guardar bugigangas.

— E o que aconteceu depois?

— Eu chamei pelo vovô. Na verdade, eu gritei mesmo.

— Eu teria feito o mesmo — confessou Olívia.

— Levou um tempo até o vovô perceber que eu estava lá embaixo. Enquanto tentava abrir a porta, que estava trancada com a chave que havia desaparecido, ele disse para eu não ter medo. Que monstros não existiam. Então, pediu que eu fechasse os olhos e pensasse em coisas bonitas. Coisas que me fizessem não sentir medo.

— No que você pensou?

— Fadas. Eu pensei em fadas.

Olívia sorriu. Os olhos brilhando, gostando de ouvir aquela parte da história.

— Você viu fadas no porão do vovô Nor?

— Muitas delas. E, advinha só?

— O quê? — Olívia se mostrou ansiosa.

— Uma delas tinha cabelos ruivos, parecidos com os seus.

— Uau! — a exclamação saiu com facilidade dos lábios de Olívia.

Rosalie sorriu.

— Você ficou amiga das fadas? Elas se pareciam com as que aparecem nos filmes?     

— O vovô conseguiu abrir a porta antes. A essa altura, eu já não estava mais com medo. Pensar em fadas funcionou. Então, quando o vovô me alcançou no porão, eu sabia que não havia motivos para sentir medo.

— Você voltou a ver as fadas?

— Eu costumava pensar nelas, sempre que sentia medo. — então completou em pensamento. — Funcionou por um tempo. Com medos que faziam parte de minha infância.

Olívia ficou de pé.

— Você quer voltar para a sala? Pode me esperar lá, se quiser.

A menina balançou a cabeça.

— Eu vou entrar lá com você.

Rosalie sorriu para ela. A abraçou, e se colocou de pé.

— Vamos pegar o que precisamos.

Olívia pulou um degrau.

— Vamos!

Após pegarem tudo o que precisavam, tornaram a subir a escada do porão. Antes que Rosalie fechasse a porta, Olívia olhou para baixo, sussurrando:

— Fadinhas.

Uma vez na cozinha, Olívia voltou a falar:

— Acho que as fadas não gostam do nosso jardim.

— Por que você acha isso?

— Nosso jardim é feio.

— Ele não é feio Ollie, só não está sendo cuidado como deveria. Quem sabe, se você falar com o seu papai, ele não dá um jeito. Agora não dá para plantar, mas pode melhorar a aparência.

— Pode ser.

— Eu posso ajudar.

A animação estava de volta no rosto da menina.

Levaram tudo até a sala de estar, onde deram início a limpeza e organização. Superfície dos móveis, batentes de janelas e rodapés foram todos limpos com espanadores.

Rosalie encontrou um DVD da versão original do filme O Mágico de Oz, numa das gavetas enquanto organizava o móvel. Ficou de joelhos, com o objeto na mão, analisando a capa.

— Olha só o que encontrei Ollie.

A menina se aproximou, com o olhar curioso.

— O que é? — pediu.

— É um DVD do filme O Mágico de Oz.

— O Mágico de Oz?

— Sim. A sua canção favorita “Além Do Arco-íris” ela faz parte da trilha sonora. Olha! — Ela mostrou a Olívia cada um dos personagens na capa. Ao abrir, encontrou uma dedicatória. — Consegue ler? — pediu a Olívia, que chegou mais perto e, devagar, soletrou formando as palavras escritas ali.

— Para minha querida filha, Sarah, em seu décimo aniversário. Com amor, papai. — Olívia piscou, em seguida, abrindo os olhos com espanto. — Sarah! — exclamou. — Aqui diz Sarah. Esse é o nome da mamãe.

— Sim, era de sua mamãe esse DVD.

— Foi o papai que deu pra ela?

— Não o seu papai. O dela.

— No décimo aniversário — concluiu Olívia. — Ele gostava muito da mamãe, não é? Ele escreveu que foi com amor.

— Sim, muito. Ele deve ter tido muito trabalho em encontrar essa versão. Por isso deve ter tido um significado ainda maior para ele, o ato de presenteá-la.

— Por que será que ele nunca veio me visitar?

— Eu não sei Ollie. Eu realmente não sei te dizer, meu amor.

Num gesto carinhoso, Olívia encostou o DVD ao peito. Depois de um tempo, tornou a ler a dedicatória.

— Você gostaria de assistir? — Rosalie sondou.

Um pulinho, seguido de um animado sim, lhe trouxe a certeza.

— Deixa só eu passar o aspirador de pó aqui na sala rapidinho e então coloco para a gente assistir.

Olívia saltitou até o sofá, onde se sentou com o DVD nas mãos, aguardando.  De tempos em tempos, Rosalie olhava em sua direção, e toda vez que fazia isso a encontrava relendo a dedicatória feita pelo avô materno a sua mãe. Embora não ouvisse por causa do barulho do aspirador, reconhecia no modo como movia os lábios.

Assim que terminou, colocou o DVD no aparelho e apertou o play. Enquanto ocupava seu lugar ao lado de Olívia no sofá, fez um comentário.

— Sabia que minha mãe se chama Dorothy?

Olívia balançou a cabeça, negando.

— Sua mãe também tem um cachorro que se chama Totó?

— Não. Minha mãe nunca gostou de animais. Nem mesmo gostou da história do livro quando o leu ainda criança. — Olívia olhava para ela como sentisse muito. — Mas, tudo bem. Eu sempre gostei por nós duas — Continuou Rosalie.

— Eu amo os animaizinhos. Eles são criaturas de Deus. No livro que você leu para mim, e agora o papai está lendo, eles aparecem em pares. Dois a dois.

— Isso mesmo. Talvez, minha mãe estivesse mais para Bruxa má do Oeste.

— Bruxa má do Oeste?

— Uma das personagens da história.

Olívia se aconchegou a ela, ainda enquanto explicava. Juntas, começaram a prestar atenção no filme.

Cerca de dez minutos após o início, um pouco mais cedo que o esperado, Emmett entrou pela porta da frente.

Do sofá, Olívia gritou:

— Nós estamos assistindo O mágico de Oz.

Emmett olhou as duas no sofá, juntinhas, feito mãe e filha, e então para a tela da televisão. Olívia segurou a capa do DVD na mão e se aproximou dele.

— Era da mamãe — disse. Emmett a pegou no colo. — Foi o vovô que deu para ela. — Ele beijou seu rostinho salpicado de sardas. — Aqui dentro tem uma opositoria que ele deixou para ela.

— Dedicatória — ele corrigiu.

— Isso mesmo.

— Como você encontrou?

— Foi a Rose.

Claro que tinha sido Rose, pensou. Seu olhar pousou nela.

— Desculpe. — Ela moveu os lábios pedindo.

Emmett olhou em volta, estranhando a organização na sala e o como tudo parecia mais limpo. Caminhou pela sala, ainda carregando Olívia no colo.

— Faz tempo que está assistindo? — ele perguntou a filha.

— Só um pouquinho.

— Dez minutos — Rosalie completou do sofá.

Ele pôs Olívia ao lado dela.

— Sabia que a mamãe da Rose se chama Dorothy? Mas ela não tem um cachorro chamado Totó, nem mesmo gosta dos animais.

Emmett olhou para Rosalie, automaticamente.

— Eu não sabia — respondeu, sem graça.

— Rose disse que nesse filme tem a música “Além do Arco-íris”. Você sabia disso, papai?

— Sabia.

— Eu não sabia.

Emmett se curvou, beijando no rosto decepcionado da filha.

— Eu sinto muito por não ter lhe mostrado antes.

— Quer assistir com a gente? — Rosalie foi quem perguntou. — Está no começo. Embora eu imagine que tenha assistido tantas vezes a ponto de ter decorado todas as cenas.

Ele a surpreendeu ao dizer:

— Com Olívia será a primeira vez. — Olhando para a filha, completou: — Papai vai fazer pipoca.

Isso fez Olívia se lembrar de Norman.

— Sabia que o vovô Nor, chamava a Rose de Pipoquinha quando ela tinha a minha idade. Ele disse que era porque estava saltitando sempre que se encontravam.

— É mesmo? — Ele olhou Rosalie de canto de olho.

— É sim.

— Papai vai fazer a pipoca, está bem?! Eu não demoro.

Olívia anuiu. Rosalie a encobriu com a manta quando tornou se aconchegar a ela. Não levou muito tempo, Emmett estava de volta com duas tigelas de pipocas. Estava prestes a ir para o sofá vazio, quando Olívia o chamou.

— Vem pra cá papai.

Rosalie olhou, desconfiada, para ele.

— Você não quer vir ficar aqui com o papai? — perguntou ele.

— Quero que papai fique aqui com a gente.

Emmett se mostrou inseguro.

— Mas… — murmurou.

— Vem papai, por favor. É só a Rose.

É só a Rose, ele pensou.

— Vem papai — Olívia insistiu.

— Eu não mordo — Rosalie se atreveu a dizer, vendo o quanto ele parecia inseguro.

— Eu sei que você não morde. — resmungou e foi sentar ao lado da filha.

— Mais pertinho, papai — Olívia insistiu.

Desconfiado, ele chegou mais perto das duas. Olívia pegou uma tigela de pipocas e entregou a Rosalie. Olhou de um para o outro, suspirando, satisfeita. Rosalie apertou novamente o play.

Emmett colocou pipoca na boca de Olívia. Depois, jogou algumas para cima aparando em sua própria boca.

Durante o decorrer do filme, de tempos em tempos, Olívia olhou de um para o outro. Quando a tigela de pipocas não estava mais com eles, segurou suas mãos no colo, ansiando que se tocassem.

[…]

Poucos dias depois…

Ainda pela manhã daquele domingo, Rosalie foi à igreja com o avô. Lá ficou sabendo, através de alguns conhecidos, que a senhora Smith havia deixado à cidade para ficar uma temporada com a irmã em Connecticut.

Deixando a igreja, almoçaram num pequeno restaurante no centro da cidade. Depois disso, ajudou o avô em casa com afazeres domésticos.

Há aproximadamente uma hora tinha deixado o avô tirando uma soneca no sofá da sala, enquanto saía para uma caminhada. Deixou um bilhete na porta da geladeira explicando o que tinha ido fazer.

Desde que o dia amanheceu, seus pensamentos estavam barulhentos. A maior parte do tempo, em Atlanta. Como não acontecia há algum tempo.

Ir à igreja com o avô, até mesmo ajudá-lo com os afazeres de casa, ajudou bastante aliviar o que estava sentindo. Mas agora, com o avô dormindo, e sem poder estar com Olívia, sentia que precisava ocupar a mente.

Irina e Royce estariam se casando hoje. Não podia ficar sentada pensando nisso, pois corria o risco de não aguentar e acabar se entregando a tristeza. E havia o avô. Ele não podia encontrá-la sofrendo com essa história outra vez.

Correu por ruas tranquilas, por calçadas com tijolos que haviam rachado ao longo dos anos. Os fones nos ouvidos. A respiração ofegante, os batimentos cardíacos acelerados. Mal viu as ruas por onde passou, a mente era traiçoeira, estava o tempo todo a obrigando voltar a Atlanta; em Royce e Irina. Na cerimônia de casamento. Na felicidade dos dois. Nos planos que lhe foram roubados.

O coração a guiou para a rua onde Emmett e Olívia mora. Consequentemente, a casa deles. Aquela foi a primeira vez que cruzou o jardim sem de fato reparar nele.

Alcançou a varanda ainda ofegante da corrida. Pôs as mãos nos joelhos dobrando-se um pouco enquanto tomava um ar. Finalmente, retirou os fones dos ouvidos, tomando a decisão de tocar a campainha.

Lá dentro, sem esperar por sua visita, pai e filha estavam envolvidos numa disputa de fazer caretas. Risos explodiam, de tempos em tempos, na sala de estar.

— Fui eu que ganhei dessa vez, papai.

— Não, foi o papai. — A voz de Emmett soou alegre. Esperançosa. Revelando um pai que amava e se preocupava com a filha.

Fazia cocegas na menina, no momento que a campainha soou uma segunda vez. Os dois olharam na direção da porta, imaginando quem poderia ser.

— Quem será? — A voz de Olívia soou alegre. Ela ainda ria quando sentou no sofá, olhando na direção da porta, seguindo os passos do pai com o olhar.

Emmett abriu a porta, deparando-se com Rosalie usando roupas de corrida. Os cabelos louros presos num rabo de cavalo bagunçado, diferente de todas as outras vezes que a viu. Linda, de um jeito natural.

— Rose! — Olívia se alegrou com sua chegada. Pulou do sofá, cruzando a sala, alcançando-a na varanda, agarrando sua cintura com um abraço sincero.

Emmett a viu se curvar retribuindo o abraço de Olívia.

— O que faz… — ele questionava, parando ao reparar no rosto dela. Parecia diferente, mas não sabia dizer como. Talvez, preocupada.

Ao fazer um afago no rosto de Olívia, Rosalie respondeu a ele:

— Desculpe. Sei que hoje não deveria estar aqui, mas eu precisava ver a minha menina.

Olívia sorriu de orelha a orelha, gostando de como se referiu a ela. Olhando de um para o outro.

— Que bom que veio — admitiu Olívia.

Emmett quis dizer que Olívia não era sua menina, conseguindo frear a língua a tempo.

— Será que eu posso entrar? — arriscou se dirigindo a Emmett.

— Pode, sim — Olívia foi quem respondeu. Segurou sua mão, e a levou para dentro de casa. Deixando Emmett de pé, sozinho, ao lado da porta sem saber o que fazer a seguir.

Rosalie reparou nos jogos de tabuleiro no tapete e na mesinha de centro. A caixa do DVD do filme O Mágico de Oz, ao lado da televisão. A tigela de pipocas com sobras, esquecida ao lado de uma almofada. Desde a primeira vez que assistiram ao filme, os três juntos, a menina vinha sempre pedindo para assistir de novo.

Emmett reparou nas duas conversando. Olívia contando a ela tudo o que tinham feito aquele dia, desde que saíram da cama pela manhã. Falou da ida ao parque, do pai empurrando o balanço e esperando por ela no final do escorrega.

Rosalie ouviu cada palavra com interesse, sorriu, até fez perguntas quando necessário. Mas Emmett reparou, sempre que Olívia se distraia, voltava ficar com o semblante distante. Será que era tristeza o que estava sentindo?

Olívia contou que ganhou mais uma boneca Barbie do pai e também o boneco do Ken. No dia anterior, Rosalie tinha dado a ela o carro cor-de-rosa. A menina então perguntou se podiam brincar.

— O papai fazendo voz de menina, é muito engraçado — Olívia entregou.

Automaticamente, o olhar de Rosalie foi direcionado ao homem grande, de pé ao lado do sofá. Ele pareceu ficar envergonhado, ela notou.

— É divertido — continuou Olívia. — A Barbie que ele brinca, sempre dirige o carro feito uma maluca. Ela já conseguiu muitas multas de trânsito, o papai disse. — Ambas sorriram.

Emmett aproveitou para sair da sala de fininho. Entrou no escritório, ficou sentado olhando o notebook desligado até finalmente tomar uma decisão.

Minutos mais tarde, Rosalie passava para ir ao lavabo, quando o viu usando o notebook, concentrado.

Jantou com eles aquela noite, embora não sentisse que realmente tinha fome.

Emmett preparou o jantar. E ela cuidou do banho de Olívia. Ele secou a louça, e Olívia ajudou guardar tudo nos armários depois.

[…]

— O papai volta depois — falou para a menina, após colocá-la na cama. E lhe dar um beijo na testa.

Olívia tinha os braços em volta do pescoço dele quando perguntou:

— Vai ler pra mim também, papai?

Rosalie estava de pé ao lado da cama, reparando silenciosamente os dois.

— Sim. Daqui a pouco eu volto.

— Tá bom. — Olívia beijou sua barba espessa e o deixou ir.

Rosalie aguardou ele deixar o quarto, para então se aproximar da cama da menina. Olívia pegou o livro na mesinha de cabeceira e entregou a ela. O livro que estavam lendo agora era O Mágico de Oz, presente de Norman para ela. E, assim como no DVD que o avô deu a sua mãe quando criança, Norman também escreveu uma dedicatória.

Emmett ficou na sala aguardando o momento para poder subir e continuar a leitura para a filha. Era assim que estavam fazendo agora; Rosalie iniciava a leitura, ele dava continuidade a cada noite.

Olhava no relógio quando ouviu passos na escada. Ergueu a vista. Ela parecia distante, como os pensamentos vagassem para um território que a deixava mal.

Como não trouxe bolsa, se encaminhou direto para a porta da frente.

— Amanhã eu volto para ficar com ela depois da escola — foi tudo o que disse sem mesmo se dar o trabalho de olhar no rosto dele.

Achando tudo muito estranho, Emmett ficou olhando-a sair para a varanda fria. Ela não lhe disse o que fazer. Nem mesmo lhe desejou boa-noite. Ficou uns cinco minutos pensando a respeito. Imaginando o que teria acontecido.

Subiu até o quarto de Olívia. Como a menina já estava dormindo, não pode ler para ela como prometeu. Ajeitou suas cobertas e deu um beijo de boa-noite. Percebeu as cortinas afastadas, e foi até elas para fechar.

Foi aí que a viu, no jardim dos fundos, sentada no banco sob o caramanchão. Havia uma única luz acesa naquela parte da propriedade. O coração pulsou na esperança que fosse Sarah. Mas logo esse pensamento desapareceu.

Imaginou o que estaria fazendo, sentada ali sozinha, nas sombras e no frio quando já deveria ter ido embora.

Saiu do quarto com isso na cabeça. Até tentou ignorar o que estava acontecendo do lado de fora, sentando no sofá da sala. As mãos nos joelhos, o olhar na porta. Não resistiu ficar na incerteza e se levantou. Saindo de casa pela porta da frente, dando a volta, chegando assim ao jardim dos fundos.

Ao redor, na luz amarelada da lâmpada se formava um nevoeiro. Um inseto se bateu no vidro antes de se afastar.

Aproximou-se devagar, esmagando nas solas do sapato a vegetação que crescia no entorno da casa.

O barulho de passos a obrigou olhar em sua direção. Por um instante, pareceu assustada. O reconhecimento trouxe de volta a tranquilidade.

Ela passou no rosto as mãos encobertas pelas mangas do moletom.

Na curta distância, Emmett teve a impressão de ouvi-la fungar. O rosto virado para o lado oposto como não quisesse revelar a ele os sentimentos.

Estava preocupado, não conseguia acreditar nisso.

Aproximou-se um pouco mais, pisando na madeira velha do deque. Em silêncio, olhou para Rosalie por um minuto inteiro.

— Vai ficar parado aí me olhando — a voz dela quebrou o silêncio.

Emmett chegou mais perto, sentando ao seu lado no banco. Olhou no alto, na direção da janela do quarto de Olívia.

— Eu estava lá — começou ele. — Você não fechou as cortinas no quarto dela essa noite. — Então esclareceu. — Não pense que estou cobrando. Até porque não tenho nenhum direito. O que estou tentando dizer é que, ao me aproximar para fechar, eu a vi de lá de cima.

— Então resolveu descer e me expulsar de sua propriedade? — a voz dela soou áspera. Ele quase não a reconheceu.

— Não. Eu só pensei por que estaria aqui sozinha?

Pela primeira vez desde que chegou no final daquela tarde, Rosalie olhou no rosto dele. Emmett percebeu os olhos vermelhos, os cílios, molhados.

— Você estava chorando — falou sem pensar.

Ela desviou o olhar novamente.

— Por isso estou aqui — respondeu. — Não quero que meu avô me veja assim.

— Espero não ter sido algo que eu tenha feito. Ou mesmo dito.

De cabeça baixa, ela mexeu os dedos dentro das mangas do moletom.

— Não é nada sobre você. Pode ficar tranquilo.

— Alguém na cidade…

— Não tente adivinhar.  Não vai conseguir. — silêncio se instalou sem que nenhum deles soubesse o que dizer. — Ah — ela tornou a falar um minuto depois. — Eu vi que estava assistindo tutoriais sobre como pentear cabelos de meninas. Fico feliz que esteja se esforçando pela Ollie. Ela merece tudo e qualquer coisa que faça por ela.

Emmett aceitou as palavras com um meneio de cabeça. 

— Obrigado. — Mais um minuto de silêncio. Olhares na escuridão. Ele mexeu o pé no chão, voltando a falar: — Não vai me dizer o que aconteceu?

Ela olhou no rosto dele, na pouca luz, tentando encontrar algum sinal que era verdade seu interesse em saber o que estava acontecendo. Como demorou em falar, ele arriscou.

— Tem a ver com sua vinda para Edenton?

Rosalie sentiu o coração se agitar dentro do peito. Finalmente, iriam ter aquela conversa.

— Minha irmã se casou hoje — começou hesitante.

— Por qual motivo sua irmã se casar te deixa tão triste?

— Agora vem à parte que explica minha vinda a cidade.

Emmett aguardou.

— Ela se casou com o homem com quem eu iria me casar.

A expressão de surpresa no rosto dele foi inevitável.  Nem de longe, teria imaginado algo como o que acabou de ouvir.

— Está me dizendo que sua irmã roubou seu noivo?

— Surpresa — ela murmurou com amargura. Os olhos, cheios de lágrimas.

Emmett se pegou sentindo raiva do homem que nem mesmo conhecia. Mas o que perturbou mesmo foi o fato de sentir ciúme por ela chorar por outro homem.

— Você amava esse cara?

— Não consigo me decidir se o que estou sentindo é porque o amava ou por ter sido engana pela minha própria irmã. Talvez se fosse de outra forma, não estaria sentindo o que estou agora.

— Sua irmã e ele são exatamente iguais. Não merecem uma só gota de seu sofrimento.

— É o que meu avô diz.

— Está aqui para se afastar de tudo? — arriscou. — Fugir às vezes parece ser única solução.

Rosalie imaginou se estaria falando dele também.

— Tentei não pensar neles hoje. Estava me saindo bem, até. Minha mãe me enviou uma fotografia do casamento, quando estava lá em cima com a Ollie. Eu sei que queria esse dia só para você e a Ollie, por trabalhar tanto durante a semana, e por todo tempo que perderam. — A expressão no rosto dele foi de puro remorso. Assim como ele se corrigiu no começo na conversa, ela fez o mesmo agora. — Não estou dizendo isso para que se sinta mal. Eu precisava ver a minha menina. Sua filha é uma luz de bondade e sentimentos reais. Ela gosta realmente de mim, e eu dela.

— Eu gosto de você também — ele falou sem pensar.

Rosalie o encarou com surpresa. O coração voltando ficar agitado. Tolo e esperançoso.

— Quer dizer… — ele tentou remediar o que disse sem pensar. — Você cuida de minha filha como uma mãe. Hoje consigo reconhecer sua importância na vida dela. Agradeço por não ter desistido, mesmo que tudo levasse a isso.

Rosalie sorriu de leve.

— Obrigado por ser para ela a mãe que nunca teve.

— É incrível — Rosalie acrescentou. — Você consegue ser legal quando quer.

Ele tomou, de forma contida, a mão dela na sua. Algo abrasador esteve presente no toque. Fazendo questão de lembrar que estava vivo.

Rosalie engoliu em seco, sustentando o olhar dele. Se perguntando em que momento sentiria os lábios dele nos seus. A barba espessa roçar seu rosto. Ansiou sentir os músculos dele envolvendo seu corpo. O calor. O cheiro. Chegou umedecer os lábios.

Seus rostos se aproximaram um pouco mais. O olhar fixo nos lábios um do outro, atraídos pelo mesmo desejo. Os lábios tocaram-se levemente, causando frisson. Rosalie apertou os olhos saboreando cada instante.

Uma lágrima escorreu no olho de Emmett, lembrando que há muito não se sentia assim. Verdadeiramente vivo.

A força do desejo tornou o momento um pouco mais selvagem. Quase visceral. Os braços fortes envolveram Rosalie com desespero. Beijando-a com ansiedade e força. Mãos com pegada forte, se movendo o tempo inteiro. Acendendo a chama avassaladora do desejo. Um gemido escapou por entre os lábios de ambos, desafiando o silêncio.

O momento, dando a Rosalie a confirmação de como imaginou que seria ser beijada por ele. Forte. Gostoso. Único. Ninguém jamais havia beijado ela de tal maneira. Ela soube naquele instante, que nunca encontraria alguém como ele.

Os instintos primitivos em Emmett revivendo. Ele a tomou no colo. A impaciência levando-a pensar no quanto desejava ir para a cama com ele.

O frio daquela noite de outono deixou de ser incomodo para eles. Ambos se desejavam com desespero. De repente, um pensamento traiçoeiro o levou a Sarah. Estar nos braços de Rosalie, não pareceu correto. Emmett se afastou.

— Eu não posso fazer isso. — Havia um desespero diferente no olhar dele. Algo difícil de lidar.

Os lábios de Rosalie estavam inchados. Os cabelos, uma bagunça completa. Sentiu falta dos braços dele a envolvê-la. Do calor que a aqueceu. Do desejo demonstrado. Do desespero em estarem juntos.

— Emmett… — murmurou ela.

Emmett se levantou. Perturbado. Sem saber como agir depois do que aconteceu.

— Não estou pronto — lamentou. — Não posso…

Rosalie ficou olhando ele se afastar. O homem alto e forte, com os ombros curvados, carregando uma dor que estava enraizada no coração e nos pensamentos. Incapaz de deixá-lo. Um homem atormentado pelo amor que sentia pela falecida esposa.

— Emmett… — ela sussurrou, sentindo o frio e o vazio de volta a envolvê-la. Junto com eles, a lembrança da traição de Irina e Royce. O golpe final, a fotografia enviada por sua própria mãe para atormentá-la.

Triste por tudo o que estava acontecendo, se decidiu por levantar e voltar à casa do avô. Correndo por ruas de pouca iluminação tendo por companhia os pensamentos e o ar frio que alcançava seu rosto úmido de lágrimas.

 


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