Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 22
Capítulo 21 — Pai e Filha


Notas iniciais do capítulo

Deixarei nas notas finais, o link de duas one-shot’s, especial de halloween, caso alguém ainda não tenha visto e queira de ler, depois de ler esse capítulo.



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Quando a manhã de segunda-feira chegou, Olívia despertou com a sensação de que o mundo que a cercava havia se tornado menos sombrio e desafiador. Embora a paisagem no entorno da casa continuasse igual: o jardim destruído pela falta de zelo, passando por todas as mudanças de estações, durante anos.

Diferente de todos os outros dias de sua vida fosse inverno ou não, agora sabia a importância que teve para Sarah. A mamãe jamais a teria deixado, se tivesse a chance de escolha. Ela a amou com toda força do seu ser. E teria sido uma benção vê-la crescer.

Pronta para enfrentar mais um dia na escola empurrou os cobertores para longe. Ao se sentar no colchão, pegou o porta-retratos com a fotografia de Sarah, que agora estava sempre ao lado de sua cama. Como deveria ter sido desde o começo.

— Bom dia, mamãe — as palavras deixaram seus lábios com facilidade, entoando carinho. Aproximou a fotografia dos lábios deixando um beijo na imagem da mamãe, protegida pelo vidro.

O despertador ainda tocava ao lado do pequeno abajur. Só se deu conta que precisava desligá-lo quando o papai apareceu na porta do quarto. O rosto salpicado de sardas adquiriu o ar de preocupação ao vê-lo.

— Desculpe papai. Eu vou desligar tá bom? Não fique bravo. — Antes que pudesse alcançar o despertador com a mão, Emmett entrou no quarto.

— Não se preocupe — disse ele. — A partir de hoje você não vai mais precisar disso. — Estendeu a mão alcançando o objeto e desligou. Os olhos de Olívia, atentos a cada gesto seu.

— Não vou? — ela parecia desconfiada, e também curiosa.

— Não.

— E como vou saber que é hora de ir pra escola? Não posso perder o horário do ônibus. — sussurrando completou: — Porque você não gosta de me levar na escola.

— O que acha de eu te acordar todos os dias, de agora em diante?

Um par de olhos escuros se arregalou, revelando espanto.

Emmett não pôde negar o que viu.

— Ele era bem irritante, concorda comigo? — aguardou a resposta dela sentindo o incomodo da ansiedade crescer a cada segundo de silêncio. — Olívia? — chamou, desejando que dissesse algo que fizesse se sentir melhor.

Olívia deixou o porta-retratos em cima do travesseiro, ficando de pé no colchão, os pés afundando no amontoado de cobertores trocados recentemente por Rosalie. A velha cama de ferro fundido rangeu ao seu pulo.

— A vida inteira eu esperei por isso. — Então, ergueu os braços para ele. — A vida inteira — repetiu.

Levou um minuto inteiro para Emmett assimilar as palavras da filha e o gesto repentino. Ele sorriu para ela. Aproximou-se da cama e a pegou no colo. Os braços pequenos envolveram seu pescoço de forma familiar.

— Essa manhã está sendo diferente de todas — comentou a menina. — Até parece um sonho.

— Isso é bom?

— Isso é muito bom. Muito mais de bom. É extraordinário.

— Extraordinário — repetiu Emmett, se perguntando há quanto tempo à filha teria aprendido aquela palavra. Sem que percebesse, estava com um sorriso gigantesco no rosto. Orgulhoso daquela menininha.

— Você está sorrindo, papai? — Olívia concluiu, sem deixar de olhar para ele.

— Estou?

— Está sim. — Ela encostou ambas as mãos nas bochechas dele, os dedos afofando a barba espessa e tão familiar para ela.

— Não sei por que isso está acontecendo.

— Eu sei.

— Você sabe?

— Uhun. — Ela meneou a cabeça. — É que agora a gente sabe que a mamãe não partiu por minha causa.

Emmett abraçou a filha, encostando a cabeça ruiva no ombro, beijando seus cabelos bagunçados. Olívia apertou os braços ao redor do pescoço dele um pouco mais, se permitindo apreciar cada gesto de carinho que lhe era dado.

Emmett foi surpreendido pela mão pequena afagando suas costas. O gesto de carinho trouxe a sensação de ser amado da melhor forma de todas. A aura de pureza o envolveu.

— Está na hora de se trocar para ir à escola — lembrou.

Olívia ergueu a cabeça, olhando no rosto dele novamente.

— Vai ter café da manhã hoje de novo, papai?

— Vai. — Ele sorriu. — Darei uma olhada no que tem na geladeira e armários. Se precisar, passo no mercado mais tarde. — Ele a colocou no chão. — Escove os dentinhos, depois troque de roupa. Estarei te esperando lá embaixo.

Olívia correu para o corredor e, antes que pudesse alcançar a porta do banheiro, voltou para o quarto no mesmo pique.

— Papai?

— Sim?

— Você vai pentear os meus cabelos, igual a Rose faz?

A inocência de seu pedido, fez com que se sentisse culpado. Ele não pôde dizer outra coisa senão a verdade.

— Eu não sei fazer isso Olívia.

O desapontamento no rosto da filha foi visível.

— Desculpe.

— Está tudo bem papai. Você não precisa saber fazer todas as coisas que uma mamãe sabe. — Ela correu novamente para o corredor, alcançando o banheiro em pouco tempo. Deixando o pai com os próprios pensamentos.

“Você não precisa saber fazer todas as coisas que uma mamãe sabe”, as palavras ricochetearam na cabeça dele.

Não demorou outro pensamento lhe ocorreu. Será que a filha considerava Rosalie uma mamãe? Sua mamãe.

Pensou, também, se queria dar a filha todo amor e cuidado que lhe fora negado nos seis anos da morte da mãe, tinha também de cuidar da aparência dela. Isso incluía manter seus cabelos limpos e alinhados. Assim, precisava dar um jeito de resolver isso.

Quando Olívia chegou à cozinha para o café da manhã, notou seus cabelos bagunçados, mesmo que tenha se esforçado para melhorar a aparência deles. As roupas novas e os calçados lhe caiam muito bem, apesar de os cabelos não estarem alinhados como deveria.

— Ficou bom assim, papai? — pediu, de pé ao lado da mesa.

— Assim parece bom. — Ele não pôde dizer que não. Como poderia? Ela estava feliz. Os olhos cintilando ao olhar para ele. — Já pode sentar para comer — estava dizendo, quando ela interrompeu.

— Panquecas, panquecas.

Foi surpreendido pelo abraço pequeno que envolveu suas pernas.

Ao correr para ocupar seu lugar a mesa, Olívia completou:

— Você fez panquecas de novo papai. Panquecas são deliciosas.

Ela mordeu a panqueca com gosto, em seguida, olhou para o pai. Um sorriso de dentes pequenos se revelando.

Uma imagem de Sarah, idêntica aquela, invadiu a mente de Emmett. Recordou que, durante a gravidez, estava sempre querendo comer panquecas. A semelhança entre as cenas o fez sorrir.

— Você está sorrindo de novo papai.

— É, acho que estou sim.

— Eu gosto que agora não seja mais tão difícil sorrir. Sorrir é bom, você não acha?

As palavras de Olívia o fizeram pensar a respeito.

— Você tem toda razão. Sorri é muito bom.

[…]

Quando Olívia estava para sair e esperar o ônibus, ele a chamou. Entregando em suas mãos um embrulho de papel.

— O que é? — ela pediu.

— Um sanduíche, para o seu lanche.

— Obrigada, papai. — Então se lembrou: — Mas o que eu vou fazer com o lanche que a Rose leva pra mim?

— Rose leva o lanche para você? — foi inevitável não fazer a pergunta. Não fazia ideia que isso acontecia.

— Todos os dias, desde que a gente se conheceu.

Lá estava novamente a culpa pesando sobre ele. Lembrou-se de ter visto Rosalie recolhendo uma lancheira cor-de-rosa na pia de sua cozinha, não muito tempo atrás. Fazia sentindo agora a cena que viu.

— Hoje você terá dois lanches, então.

— Eu posso dividir, se alguém não tiver o que comer?

— Sim, você pode dividir. Olívia? — disse ele, um segundo depois. — Me desculpe por não estar em uma lancheira tão bonita quanto a que Rosalie te leva o lanche na escola.

— Não faz mal, papai.

Outra vez o gesto da filha o fez lembrar-se de Sarah. De quando dizia, depois de não ter conseguido que as coisas fossem de outro jeito, que estava tudo bem. Poucas vezes ouviu se queixando de algo.

— Sua mochila nova também é muito bonita.

— Você ficou triste que agora não uso mais a mochila que você me deu?

— Claro que não. Essa combina muito mais com você.

Isso fez Olívia se sentir aliviada. Feliz.

— Tchau, papai! — Ela abriu a porta para sair para a varanda. Aguardou um instante para ver se o pai saía também, mas ele não se moveu. O ônibus amarelo apontou na rua. Olívia se apressou até o ponto de ônibus.

O barulho do veículo fez Emmett perceber que não tinha se despedido da filha como pretendia. Correu para fora a tempo de vê-la subir os degraus do ônibus.

— Olívia! — gritou. — Olívia?

A menina parou, olhando para trás.

— Tchau! — Emmett tomou coragem para falar. — Tenha um bom dia.

Um sorriso gigante iluminou o rosto da criança. Até mesmo a motorista do ônibus escolar sorriu para a cena.

Naquela manhã, uma garotinha contente por receber atenção do pai, correu para ocupar seu assento dentro do ônibus escolar. Acenando para ele através do vidro da janela.

[…]

Cerca de vinte minutos após a partida do ônibus que levou Olívia para a escola, Emmett estava no trabalho. Em cima do telhado da casa em construção, martelando sem parar. A cinta de ferramentas presa à cintura, o capacete de construtor na cabeça.

Havia mais duas pessoas no local, mas agora apenas ele estava em cima do telhado.

Um rapaz de pele bronzeada e cabelos escuros tirava a medida em um pedaço de madeira, na bancada improvisada no jardim. O outro rapaz se encontrava no interior da casa.

Com o martelar dos pregos e a concentração no que fazia, não conseguiu perceber o land rover branco se aproximar na rua.

O carro parou junto ao meio-fio, e Rosalie saltou para a calçada.

O rapaz no jardim parou o que estava fazendo para prestar atenção nela. Não a conhecia, mas sem dúvida já tinha visto andando pela cidade. Até mesmo tinha visto o carro estacionado na rua onde Emmett mora.

Deixou as ferramentas de lado, dando uns poucos passos na direção dela.

Rosalie afastou alguns fios de cabelos louros do rosto.

Sem dúvida era uma mulher muito bonita, pensou o rapaz no jardim. Em seguida, bateu as mãos uma na outra afastando os resíduos de madeira que pudessem estar nelas. Aproximou-se, avaliando a figura feminina.

— Olá! — cumprimentou Rosalie, com cautela.

— Em que posso ajudá-la?

O martelar incessante em cima do telhado atrapalhava um pouco a conversa entre eles.

— Estou procurando por uma pessoa — contou ela. — Passei por aqui outro dia — se explicou, indicando a rua com a mão. — E o vi trabalhando.

— Quem a moça está procurando?

— Emmett. Emmett McCarty, esse é o nome dele. Você o conhece?

— Com certeza conheço. — Ele olhou para cima, na direção do telhado. O olhar de Rosalie seguiu o seu. — Ele está lá — disse por fim.

Rosalie pensou que seria difícil falar com Emmett naquela distância. O rapaz notou a preocupação alcançar o rosto bonito.

— Não se preocupe, ele virá até você. — Olhou outra vez para cima. — Emmett? — gritou. — Emmett — tornou a gritar, com as mãos ao redor da boca dessa vez. O martelar cessou, mas ele ainda estava de costas para o jardim. — Tem um mulherão aqui querendo falar com você.

— Com licença — Rosalie interrompeu, com o dedo sutilmente erguido. — Eu me chamo Rosalie. Você pode usar o meu nome quando falar de mim.

Em cima do telhado, Emmett virou com cautela na direção do som de suas vozes. Nada contente em ver que era Rosalie quem estava procurando por ele no local de trabalho.

Rosalie acenou um tanto desconfiada, sabia do risco de ele ficar furioso com sua presença.

— Se eu fosse você, não demoraria tanto assim para vir falar com ela — provocou o rapaz.

Rosalie teve a impressão de ouvir Emmett rosnar lá do alto.

Ele caminhou por cima da madeira recém-colocada, tomando cuidado com o espaço entre uma e outra. Um instante depois surgiu na lateral da casa retirando as luvas grossas das mãos.

Ela sorriu para ele, ansiosa. Ele não retribuiu ao sorriso.

O rapaz ficou olhando de um para o outro, esperando para ouvir alguma coisa.

— Volte ao trabalho Jacob — Emmtt ordenou. Um olho em Rosalie outro em Jacob.

— Ah, sim — murmurou Jacob.

— Obrigada — agradeceu Rosalie.

— Estou a sua inteira disposição — comentou Jacob, alegre, ignorando o olhar ranzinza e o rosnar de Emmett.

Emmett observou ele entrar na casa. Certamente para chamar o colega para bisbilhotarem juntos e ficarem de cochicho a suas costas pelo resto do dia. Meneou a cabeça, irritado com aquele pensamento.

— O que faz aqui? — pediu, olhando no rosto de Rosalie. Em sua barba espessa havia fuligem de madeira.

Rosalie desejou poder tocar em sua barba, afastando a fuligem para longe. O forte desejo em fazer isso a assustou.

— Preciso falar com você — disse, finalmente.

— Sobre o que quer falar? — Ele deu alguns passos na direção da caçamba onde estavam os resíduos da obra.

Rosalie o seguiu. Deu uma breve olhada para trás, notando que Jacob observava da janela na companhia de outro rapaz.

— Você está se escondendo? — ela deixou escapar.

Emmett parou, virando-se para ela. A expressão dura no rosto.

— Por que eu faria isso? — soltou.

— Não sei. Diga-me você.

— Está atrapalhando o meu dia de serviço. Diga logo o que quer e vá embora. Aconteceu alguma coisa com Olívia? Por que veio no meu local de trabalho? E como sabia exatamente onde me encontrar?

Ela se viu dando a mesma explicação que deu a Jacob minutos atrás.

— Passei por aqui outro dia, por coincidência você estava trabalhando aqui fora. E não, não aconteceu nada com a Ollie. Ela está muito bem. Vim porque não atendeu minha ligação. Ollie me disse que está procurando alguém para ficar com ela depois da escola, agora que finalmente a senhora Smith não estará mais perto dela. Quero dizer que não precisa. Eu vou esperar por ela no ponto de ônibus todos os dias e levá-la para casa. Posso buscá-la na escola também, se me permitir.

Emmett não demonstrou interesse.

— Por favor… — Estendeu a mão, tocando sutilmente no braço dele. A rigidez dos músculos por pouco não a fez perder o foco.

Emmett reparou na mão de unhas bem feitas a segurar seu braço. O sutil calor irradiando através do tecido de sua camisa de flanela surrada.

Rosalie finalmente percebeu o que estava fazendo, afastando a mão, tentando disfarçar que ficou envergonhada.

— Não posso pagar por seus serviços — ele lembrou. — Não o quanto certamente deseja.

— Não quero o dinheiro.

— Eu realmente não entendo.

— Por favor, me deixe cuidar da Ollie, sem outra pessoa nos dizendo o tempo inteiro o que fazer. Quer dizer… Além de você, claro.

Emmett esteve a ponto de sorrir de seu comentário.

— E quando você for embora? Como ficará Olívia?

— Darei um jeito. — Após um instante em silêncio, completou: — Não vamos pensar nisso agora.

— Por que veio para Edenton?

— Já disse, não falarei sobre isso a menos que sinta que realmente deseja saber.

Ele deu um passo para o lado. Cutucou a grama com o pé, voltando a falar:

— Está certo.

— Então, já posso começar hoje?

— Olívia vai gostar — essa foi a resposta dele.

Rosalie abriu um sorriso, em seguida, estendeu a mão.

— O quê? — comentou ele, sem entender.

— A cópia da chave, de sua casa.

— Ah — murmurou. — Está na caminhonete. — Eles caminharam até o outro lado do jardim onde estava estacionada a velha caminhonete dele. Abriu o porta-luvas e retirou a chave que foi entregue na mão dela.

— Posso ir buscar ela na escola?

— Uma coisa de cada vez.

— Certo — Rosalie apertou os lábios para não sorrir.

— Tenho planos para hoje à noite. Sendo assim, quero que vá embora assim que eu chegar em casa.

— O que planejou?

— Eu não vou te dizer.

— Vamos, não seja chato.

Emmett reparou que os dois bisbilhoteiros rondavam o jardim agora.

— Entre em seu carro e vá embora agora.

— Que mandão.

— Não quero que volte mais aqui.

— Eu vou aonde quiser. Segundo a constituição, sou uma mulher livre. — Dizendo isso, seguiu caminho até onde estava estacionado seu carro. — Tenha um bom dia. Até mais tarde.

Emmett voltou para junto da casa, pensando em subir no telhado novamente para dar continuidade ao trabalho. Jacob e o colega, de pele clara e cabeça raspada, olhavam para ele com expressões de zombaria.

— O primeiro que disser alguma coisa, vai sentir o peso do meu punho.

Do alto do telhado, com pregos e martelo nas mãos, assistiu Rosalie deixar a rua dirigindo o carro branco.

[…]

Era hora do almoço, quando Olívia deixou o refeitório e seguiu para a biblioteca.

Foi Rachel a recebê-la e ajudar na escolha do livro. Agora que conseguia ler sozinha, Olívia abriu na primeira página do livro, pronta para mergulhar no mundo mágico das letras. A dedicação de Hannah e Rosalie começou surtir efeitos na vida acadêmica da pequena não havia muito tempo.

— Senhorita Rachel — uma garotinha, de pele clara e cabelos escuros, entrou na biblioteca. — Estou procurando uma colega. A senhorita Hannah disse que eu poderia encontrar ela aqui.

Rachel olhou para ela sobre as lentes dos óculos de grau.

— Qual o nome dela? — pediu.

— Olívia. Ela tem cabelos compridos e ruivos.

Rachel sorriu.

— Sei exatamente de quem está falando. Ela realmente gosta de estar aqui. Você vai encontrá-la na mesa dos fundos. Ela acabou de retirar um livro para ler.

— Obrigada! — A menina deu um pulo ao se virar de costas para a mesa de Rachel.

— Sem correr.

Ela parou e, virando para olhar, repetiu as palavras que ouviu:

— Sem correr.

— E sem barulho, também.

A menina encobriu a boca com as mãos. Dando passos grandes e exageradamente lentos. Rachel balançou a cabeça.

Ao avistar a mesa onde estava Olívia, se aproximou com cautela.

— Oi — começou.

Olívia ergueu a vista, olhando de um lado para o outro, se certificando de que era com ela que a outra falava.

— Oi — respondeu, desconfiada.

— Você quer brincar comigo no parquinho? A senhorita Hannah está lá, não tem que se preocupar. Podemos defender uma a outra, também. Minha tia disse que quando nós, mulheres, nos unimos nos tornamos mais fortes.

Como Olívia não respondeu, a garotinha de cabelos escuros se sentou na cadeira de frente para ela.

— Se preferir, podemos ficar aqui e ler.

— Você gosta de desenhar? — Olívia finalmente perguntou.

— Sim. Desenhar é bem legal.

Uma sorriu para a outra. Ambas levantaram e, juntas, foram até a mesa de Rachel pedir papel e giz de cera.

[…]

Rosalie pegou Olívia no colo assim que ela saltou do ônibus escolar, depois do horário letivo. Beijou ambas suas bochechas antes de colocá-la no chão. Com uma mão segurou a lancheira da menina, na outra, sua mão pequena.

— Tenho uma novidade — começou Rosalie.

Olívia olhou no rosto dela, ansiosa, imaginando o que iria acontecer. Ao mesmo tempo, pensava que tinha, também, algo para contar.

Rosalie enfiou a mão no bolso do agasalho retirando a chave da casa.

— Tcharan!

Um sorriso de dentes pequenos se revelou.

— Você conseguiu?! — vibrou Olívia.

Tão animada quanto à menina, Rosalie respondeu:

— Eu vou poder ficar com você todos os dias depois da escola. Só nós duas, sem nenhuma malvada por perto, fazendo cara de brava o tempo todo.

Olívia saltitou, quase gargalhando.

— Obá! — comemorou. Em seguida, abraçou as pernas de Rosalie. — Que bom que o papai deixou.

— Não é? — Rosalie sorriu para ela. — Eu adorei.

— Eu também. — Olívia deu mais alguns pulinhos antes de recomeçarem a caminhar. — Hoje aconteceu uma coisa bem legal na escola — voltou a falar, enquanto alcançavam o jardim.

— Me conta tudo. Não deixe nadinha de fora.

— Agora eu tenho uma amiga lá.

— Isso é muito legal Ollie. Quem é ela? Que idade tem?

— Ela tem a mesma idade que eu. Ela é da minha classe. E se chama Megan.

— A sobrinha de Alice, assistente da diretora?! Que bom Ollie. Megan é uma garotinha do bem. Eu sabia que em algum momento se tornariam amigas.

Alcançaram a varanda, e então Rosalie pôs a chave na fechadura. Uma sorriu para a outra, compartilhando a conquista de não precisarem esperar por mais ninguém para abrir a porta.

— Megan também gosta de desenhar — contou Olívia. — A senhorita Hannah disse que Megan queria ser minha amiga já tinha um tempo, só que ela pensava que eu não iria gostar dela.

A porta foi aberta. As duas passaram para o lado de dentro.

— Mas eu ainda gosto mais de você.

— Oh, meu amor. E você é a minha garotinha favorita em todo o mundo. Mas tudo bem você gostar de brincar com a Megan. Vai ser muito bom ter amigos de sua idade.

— Arco-íris disse a mesma coisa quando contei para ela. — Ela saltitou até o sofá, onde deixou a mochila. — Você é que nem uma mamãe. Nenhuma amizade pode ser melhor que isso.

Rosalie deixou a lancheira junto à mochila no sofá, agarrando Olívia com beijos e abraços.

Um instante mais tarde, os risos cessaram e Olívia olhou no rosto dela.

— Igualzinho uma mamãe — repetiu a menina. — Arco-íris disse que você nasceu para ser uma mamãe. Disse sim.

Rosalie sorriu.

— Eu sempre soube que Arco-íris era incrível. Eu amo você, minha pequena.

Olívia se ajoelhou na almofada do sofá, passando os braços em volta do pescoço de Rosalie.

[…]

O barulho do motor da caminhonete, e o brilho dos faróis alcançando a parede da sala anunciaram a chegada de Emmett.

Rosalie e Olívia montavam um quebra-cabeça de cem peças na mesa da sala de jantar.

Olívia largou a pecinha que segurava, saltando da cadeira indo para junto da janela. Viu primeiro o carro, depois o pai saltou carregado de sacolas de mercado.

— Papai, papai. — Ela correu para perto da porta. Rosalie assistiu a tudo de onde estava. Olívia pôs a mão na maçaneta no mesmo instante que Emmett colocou a mão dele pelo lado de fora.

Ele empurrou a porta devagar. Sendo recebido por um rosto sorridente e um par de olhos brilhantes. Foi automático, o sorriso que ofereceu a menina.

— Papai, papai — cantarolou agitada.

Emmett se abaixou mesmo carregado de sacolas para beijar sua testa.

Olívia olhou na direção de Rosalie como trocassem segredos através do olhar. Rosalie piscou para ela.

— Você comprou muitas coisas papai.

— São para o nosso jantar de hoje.

— Ah — murmurou Rosalie, lembrando o que disse mais cedo. Colocou-se de pé. — Desculpe, eu não sabia que iria preparar o jantar também. Então, acabei preparando com o que encontrei na geladeira e no armário.

A expressão no rosto dele se fechou.

— Eu disse que tinha planos — rosnou entre dentes.

— Ollie não jantou ainda. — A menina olhava de um para o outro, preocupada que fossem brigar. — Estava esperando você chegar.

A expressão no rosto dele melhorou, após saber disso.

— Você sabe o que fazer agora.

— Sim — ela aceitou sem discussões. Aproximou-se de Olívia, ajoelhando para ficar na mesma altura que ela. — Agora eu preciso ir, meu amor.

— Não… — gemeu a menina. — Por quê? — Ela olhou para o pai. — Por que ela tem de ir, papai? — as mãos nas de Rosalie. — Não quero que ela vá.

Rosalie respondeu primeiro, evitando conflitos entre eles.

— O papai planejou um jantar especial para vocês dois. Papai e filhinha. — Olívia abaixou a vista, pensando, iria faltar à mamãe. — Vai ser especial, você vai ver. — Tocou nos cabelos compridos presos com maria-chiquinha.

Olívia sacudiu os ombros.

— Amanhã você volta? — se certificou.

— Pode apostar que sim.

Rosalie se despediu com um beijo no rosto. Pegou a bolsa e partiu.

Olívia pareceu triste depois de sua partida, permanecendo no mesmo lugar.

— O que acha de ajudar o papai na cozinha? — sugeriu Emmett, tentando animá-la de alguma forma. Lembrando que Olívia gostava toda vez que Rosalie fazia o mesmo convite.

Ela levantou a cabeça.

— Sério papai?

— Sim. Depois você sobe e põe o vestido novo que o papai comprou.

— Vamos ter uma festa?

— Vai ser um jantar especial para celebrar nossa família.

— Que nem de princesas? Vai ter um baile e tudo?

— Quase isso.

Olívia aceitou, chegando mais perto dele. Como ele estava com as mãos ocupadas, segurou sua camisa.

— Vamos então, papai — respondeu.

[…]

Na cozinha, Emmett desfez as sacolas com ajuda de Olívia e deu início ao preparo de um novo jantar, guardando o que Rosalie tinha preparado na geladeira.

Enquanto o jantar ficava pronto, ocupou o lugar de Rosalie na mesa da sala de jantar, acrescentando uma peça ao quebra-cabeça. A imagem que estava se formando era de um castelo de princesas. Em dado momento, percebeu que havia esquecido um tubo de creme para as mãos em cima da mesa. Até tentou ignorar, mas a curiosidade venceu.

Pegou o tubo, retirou a tampa e sentiu o cheiro. Foi exatamente o que imaginou que seria: algo como frutas silvestres. Exalou o aroma profundamente. Pensou em Sarah, e logo o pensamento estava em Rosalie.

— É da Rose — Olívia pegou no flagra.

Emmett colocou o creme de volta na mesa.

— Acho que nosso jantar ficou pronto — mudou de assunto, levantando da cadeira.

— Papai, eu posso ir pôr o meu vestido bonito agora?

— Pode.

Ele entrou na cozinha. E a menina correu até a escada.

— Já está pronto?

— Sim. Enquanto você põe seu vestido, eu vou tomar banho e trocar de roupa também.

Olívia se apressou em subir a escada.

Minutos mais tarde, Emmett aguardava por ela no pé da escada, de banho tomado e roupas limpas.

A menina usava o vestido vermelho com gola peter pan, meia-calça grossa, e as botas novas. Os cabelos estavam soltos e uma tiara enfeitava sua cabeça. Ela sorriu quando o pai se curvou fazendo reverencia. Segurou sua pequena mão e a conduziu à sala de jantar.

O quebra-cabeça continuava no mesmo lugar sobre a mesa. Usaram apenas uma parte dela para servir o jantar. Tudo ali tinha sido feito com esmero por Emmett essa noite.

Puxou a cadeira, ajudando a filha se sentar. Do vaso no centro da mesa retirou um lírio de pétalas azul cujo significado está relacionado a sentimento bom, como, por exemplo, segurança e conforto.

Ao final do jantar, ligou o aparelho de som. Arrastou a mesinha de centro do lugar. E com Olívia no colo dançou uma valsa. Depois outra. Olívia acabou cochilando com a cabeça em seu ombro algum tempo depois. Ele desligou a música.

— Não quero que nosso baile termine papai — murmurou sonolenta.

— Outro dia dançamos de novo. — Ele começou subir a escada levando-a para o quarto. Colocou-a na cama, retirou suas botas, e ajudou vestir o pijama.

O livro A Arca de Noé estava em cima da mesinha de cabeceira. Olívia pegou e entregou na mão dele.

— Você quer que eu leia?

— Rose já leu tudo pra mim, mas eu quero que você leia também.

Emmett abriu na primeira página do livro. Olívia encostou o cobertorzinho no rosto, se preparando para dormir. Ele respirou fundo, tomando coragem para iniciar a leitura.

— Dois a dois… — ouviu a filha sussurrar com voz de sono. Os olhinhos pesados.

Emmett moveu a cabeça, pensando, o melhor presente de todos. A melhor parte de Sarah esteve sempre com ele. Exatamente como disse Rosalie, em algum momento durante uma de suas conversas.

 


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Notas finais do capítulo

Link one Shot’s de Halloween:

https://fanfiction.com.br/historia/783717/Na_Estrada/


https://fanfiction.com.br/historia/783723/Chale/