Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 19
Capítulo 18 — Os Desenhos Explicam




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Novamente, Rosalie recebeu Olívia no ponto de ônibus. Mais uma vez a vizinha não estava lá para receber a menina como era de se esperar que fizesse.

Enquanto seguiam de mãos dadas a caminho da casa, Rosalie comentou:

— Sabe por que a Sra. Smith não apareceu ontem o dia inteiro?

Olívia sacudiu a cabeça, dando a entender que não fazia ideia.

— Ela machucou o pé. Não sei como aconteceu, o que sei é que precisou ir ao hospital. Ela bem poderia ter avisado depois, uma vez que o que aconteceu não impedia de fazer isso quando voltou para casa.

— Nós vamos à casa do seu vovô de novo? — Os olhos, animados, mostrando a Rosalie o quanto desejava aquilo.

— Você quer ir?

Olívia sacudiu a mão que segurava a de Rosalie, dando um pulinho.

— Nós podemos ir até lá. Só teremos de voltar antes de o seu pai chegar do trabalho. Não quero que fique bravo e acabe me proibindo de te ver. Tudo bem se fizermos assim?

— Eu não quero ficar sem te ver — Seus olhos demostraram preocupação ao dizer o que sentia.

Rosalie logo tratou de mudar isso.

— Isso não vai acontecer. Estaremos de volta antes dele. Só vamos passar na casa da Sra. Smith antes para tentar pegar a chave.

Passaram em frente à casa de Emmett, seguindo caminho até a casa da Sra. Smith. Em nenhum momento, Olívia soltou sua mão. Sentia-se amparada toda vez que Rosalie, gentilmente, acolhia sua pequena mão na dela.

Rosalie tocou a campainha e aguardou. Lembrou-se de como a mulher a colocou para fora no dia anterior; a bengala a tempo de virar uma arma na mão dela. Sua desconfiança quanto à história da Sra. Smith, continuava igual.

Ouviu o barulho na fechadura. Antes que a porta fosse aberta, Olívia se escondeu atrás de suas costas. Rosalie notou a insegurança da menina, e lhe beijou a mão. Olívia olhou para ela abrindo um sorriso, embora não confiasse na mulher dentro da casa.

Uma cabeça grisalha surgiu no vão da porta antes que fosse aberta por completo.

— Você de novo? — resmungou a dona da casa. — Não satisfeita, dessa vez veio com a menina. Você não cansa de ser impertinente, não? Não vai entrar em minha casa outra vez. Muito menos irei responder suas perguntas.

— Não quero incomodar a senhora, vim apenas para buscar a chave da casa deles. Isso não teria acontecido se tivesse me entregado a chave ontem como eu pedi.

A mulher avaliou Rosalie com mau humor.

— Se a senhora nos entregar a chave, não vai precisar sair de casa. Olha só que legal, vai poder ficar descansando pelo resto da tarde. Sem aborrecimentos.

Rosalie a ouviu resmungar qualquer coisa e seguir mancando, usando a bengala de apoio, no caminho até o aparador onde pegou a chave da casa de Emmett.

Olívia espiou por detrás das pernas de Rosalie a vizinha malvada se movimentar com dificuldade. A Sra. Smith retornou antes que reagisse, voltando a se esconder novamente.

— Está gostando de me ver assim? — acusou. A menina tornou se esconder rapidamente. — Aposto que está adorando.

— Sra. Smith, não fale desse jeito com ela — defendeu Rosalie. — Olívia é só uma criança, não tem pensamentos maldosos como a senhora.

A Sra. Smith empurrou a chave na mão de Rosalie.

— Aproveite enquanto pode — resmungou. Seu próximo gesto foi esticar o braço para puxar no de Olívia. Rosalie interceptou seu gesto hostil com a mesma mão que segurava a chave, lançando o olhar de advertência a ela. Seu olhar e o da Sra. Smith se encontraram, desafiando a atitude uma da outra. A primeira a desviar o olhar foi a Sra. Smith.

— Não vai tê-la para sempre — a velha gritou para Olívia, furiosa por Rosalie impedir que tocasse na criança.

Rosalie virou de costas, pedindo a Olívia que encobrisse os ouvidos. A menina prontamente obedeceu. Ela levou a mão às costas de Olívia sobre a mochila guiando-a até a calçada.

— Ela não é sua mãe.

Rosalie olhou para trás lançando a Sra. Smith um olhar de advertência. Usando de todo autocontrole para não mandar à velha se ferrar. Tomando certa distância do jardim da Sra. Smith, disse que tudo bem Olívia descobrir os ouvidos.

— Quer correr até o carro? — perguntou a menina. Olívia se mostrou animada. Rosalie contou até três e as duas correram de mãos dadas, sempre respeitando o ritmo da menina. A poucos metros de onde estava estacionado o carro, elas pararam.

Rosalie pôs as mãos nos joelhos, respirado ofegante.

— Acho que estou ficando velha — brincou.

Olívia chegou mais perto, avaliando seu rosto.

— Você não parece nada velha pra mim.

Rosalie voltou sua postura ereta, estendo a mão para acariciar o rosto de Olívia.

— Obrigada, meu amorzinho. Partiu ver o vovô?

— Partiu! — vibrou a menina.

Entraram no carro, animadas. Olívia começou cantarolar uma música infantil que aprendeu na escola, e Rosalie acompanhou.

[…]

— Vovô? — Rosalie chamou, abrindo a porta da casa do avô. Norman descia a escada, quando a viu chegar. — Olha só quem veio visitar o senhor. — Ela indicou Olívia ao seu lado.

Norman recebeu a menina com a mesma satisfação que sempre recebia a neta.

— Olha só senão é a minha Abobrinha. E a Pipoquinha foi quem a trouxe de novo.

— Pipoquinha? — Olívia perguntou a Rosalie.

— Era assim que ele me chamava quando tinha a sua idade.

— Você não se importa que eu a chame de Abobrinha, não é?

— Nenhum pouco.

A menina sorriu e foi abraçar Norman, que veio a seu encontro.

— Eu tenho uma mochila nova — ela contou a ele, um minuto depois.

Rosalie mostrou a mochila que agora segurava.

— Ela é toda linda. Tem essas cores bonitas. E foi a sua Pipoquinha quem me deu. — Norman e Rosalie riram juntos. Olívia olhou de um para o outro, achando perfeito que eles rissem ao mesmo tempo, contagiada, acabou rindo também.

Rosalie serviu um lanche a ela, e depois ajudou com a lição de casa.

Agora, Norman estava ensinando Olívia jogar damas na mesma da sala de jantar. O pequeno rosto concentrado a tudo o que ouvia dele. Rosalie reparava nela com afeto, reconhecendo o modo como mexia o pequeno nariz antes de estender a mão e mover uma peça. O cuidado. A concentração.

Norman a deixou ganhar duas das três partidas que jogaram. Ele revelou a Rosalie, quando Olívia estava usando o banheiro, que não deixou que ganhasse em todas as partidas para não desconfiar do estava fazendo.

— Vovô — Olívia estava diante dele quando falou. A mão pequena tocando no braço de Norman. Rosalie aguardou, prestando atenção ao que diria.

— Sim? — Norman respondeu.

— Sabe a joaninha do outro dia? O senhor viu se ela voltou para casa com o papai e a mamãe dela?

Norman olhou para Rosalie, imaginando uma resposta. A neta anuiu sabendo que falaria a coisa certa.

— Ah, sim, a joaninha, agora estou me lembrando. Com certeza ela voltou com o papai e a mamãe dela. Ela não estava mais sozinha quando a vi pela última vez. Estão todos juntos agora. Você pode ficar tranquila.

Olívia refletiu um instante, então voltou a falar:

— Ela não tem mais medo agora.

— Não, ela não tem — Norman garantiu.

Rosalie terminou de juntar as coisas de Olívia e a chamou.

— Vamos, meu amor? Já está na hora.

A menina beijou na bochecha de barba grisalha.

— Tchau vovô, Nor. Outro dia eu volto. Agora tenho de voltar para casa, para o papai não ficar bravo, nem triste.

— Tenho certeza que ele está com saudades suas.

Olívia concordou com um movimento de cabeça, em seguida, saltitou para junto de Rosalie.

— Volto mais tarde vovô — avisou.

— Tenha cuidado.

Ela anuiu. As duas deixaram a casa novamente de mãos dadas. Olívia brincou no piso da varanda evitando pisar na linha enquanto andava. De lá, apontou para o arbusto no jardim.

— Foi bem ali que a joaninha encontrou o papai e a mamãe dela. Que bom. Ela está feliz agora. Não está mais sozinha, neste mundo tão grande.

— Sim. E foi com a sua ajuda que ela conseguiu voltar para casa. Você é uma garotinha muito especial, Ollie.

Rosalie fechava o cinto em torno de Olívia, quando Norman apareceu na varanda se despedindo.

— Tchau, Abobrinha. Volte mais vezes para jogarmos dama.

A menina acenou para ele de dentro do carro. Rosalie beijou seu rosto e logo em seguida fechou a porta.

[…]

Olívia estava colorindo, com canetinhas e giz de cera, sentada no tapete usando a mesinha de centro como apoio. Rosalie também estava sentada no tapete, no outro lado da mesinha. Não pôde deixar de notar que no segundo desenho Olívia havia desenhando um arco-íris, o mesmo de sempre, cujo ela aparecia no final dele.

Olívia levantou a vista do desenho e um sorriso de dentes pequenos se abriu para ela. Sem deixar o giz de cera de lado, se pôs a falar:

— Aqui é onde encontro você. O arco-íris me mostra o caminho.

O coração de Rosalie encheu-se um pouco mais de amor por aquela garotinha.

— Isso é tão bonito, meu amor.

— Eu sempre fico feliz quando passo por este caminho. — Ela encostou o dedo no arco-íris. — Aqui, no final, sinto como o melhor lugar no mundo todo. Aqui tem amor e carinho.

— Minha pequena — Rosalie levantou e foi sentar ao lado dela. Olívia ficou de joelhos envolvendo seu pescoço num abraço. Rosalie beijou suas bochechas e a deixou sentar em seu colo. Olívia sorriu quando ela cutucou sua barriga com o dedo. Então Rosalie tocou novamente no desenho dela. — Qual a sua cor favorita no arco-íris? — pediu.

Olivia deslizou o dedo no amarelo, depois no violeta.

— Duas cores? — pediu Rosalie. — Sabe o que elas significam?

A pequena negou, balançando a cabeça.

— O amarelo está associado ao sol e a luz, significa prosperidade, otimismo e alegria. O violeta está associado a espiritualidade, a magia e o mistério.

Olívia tornou a pôr a mão no desenho.

— Alegria — disse. — Magia.

— Você acha que no seu desenho tem alegria e magia?

— Magia — ela repetiu com a mão no desenho. — Alegria.

— Acabei de ter uma ideia.

Olívia aguardou, olhando no rosto dela.

— Por um acaso você não teria mais desenhos guardados, teria?

— Tenho, sim.

— Isso é perfeito, Ollie! Vamos fazer uma exposição com todos eles para o papai.

— Como assim?

— Nós vamos deixá-los em exposição, igual às obras de arte estão em galerias e museus, para que outras pessoas possam apreciá-las. Nesse caso, será o papai a apreciar seu talento.

— Mas o papai não gosta.

— Ela gosta.

— Não gosta, não. Ele nem olha quando faço um desenho pra ele.

— Eu garanto que hoje ele vai olhar. Anda, se anima pequena. Pegue todos os desenhos que você tiver feito, mesmo os mais antigos e traga para mim.

Olívia se apressou em sair de seu colo.

— Não precisa correr.

Ela subiu a escada devagar, usando o pijama kigurumi que havia ganhado de Rosalie outro dia.

— Isso, muito bem. Nada de correr.

Pouco tempo depois, estava de volta com uma pasta amarela cheia de desenhos em folha sulfite e também em cadernos de desenho.

— Muito bom, Ollie.

A menina se mostrou animada. Elas usaram fita adesiva para prender nas paredes da sala e escada os desenhos em folhas avulsas. Os cadernos ficaram no aparador com a primeira página aberta como um convite.

Alguns desenhos expressavam a tristeza conhecida ainda muito cedo. Repetindo cores e padrões. Depois os traços foram ficando mais firmes. Cores e um mundo mágico passaram a colorir as páginas, uma figura de cabelos nas cores do arco-íris surgiu. A amiga imaginária estava em grande parte deles, desde sua primeira aparição nas páginas. O pai também aprecia em muitos dos desenhos.

Em uma folha em branco, ajudou Olívia escrever com caneta colorida: artista em exposição, Olívia McCarty.

— E agora? — pediu Olívia, após tudo pronto.

— Agora a gente prepara o jantar enquanto o papai não chega.

Rosalie pensou que Emmett estava demorando demais para chegar. Pelo tempo que chegaram da casa de Norman, ele já deveria ter aparecido. Temia que chegasse muito tarde. Não queria pensar que pudesse estar bebendo em algum lugar, fingindo não se lembrar de que havia uma garotinha aguardando por ele em casa.

Preparou o jantar com o que encontrou na geladeira; aspargos, purê de batata e peito de frango grelhado no fundo da frigideira.

A menina estava com fome quando o jantar ficou pronto. Ela teve o cuidado de arrumar a mesa com o que encontrou nos armários e serviu a comida da criança. Como não havia suco na geladeira, serviu água mesmo. Fez companhia a Olívia jantando junto com ela.

Assim que terminaram, lavou toda louça acumulada na pia e a que usou durante o jantar. Tinha colocado na maquina de lavar, mas como a maquina não ligou, retirou tudo e lavou na mão. Olívia esteve o tempo todo lhe fazendo companhia. Eram nove horas da noite e Emmett ainda não havia aparecido.

— Por que o papai não chega nunca? — Olívia pediu, olhando na janela pela quinta vez em menos de dez minutos.

Rosalie acabava de falar com o avô por telefone, explicando o motivo de ainda não ter voltado.

— Ele deve ter se atrasado, meu amor.

A menina voltou para junto dela no sofá. A televisão estava ligada no canal infantil havia alguns minutos. Os dedos de Rosalie correndo nos cabelos ruivos fazendo um cafuné.

Eram quase dez horas da noite quando a porta da sala foi aberta e Emmett entrou por ela, trazendo algumas sacolas de compras penduradas no braço. Seu rosto demonstrava cansaço e um pouco do que Rosalie poderia descrever como frustração.

Olívia dormia no sofá, a cabeça descansando em seu colo. O cobertorzinho colado ao rosto. Uma manta foi usada para aquecê-la enquanto esperava pelo pai.

O olhar de Emmett encontrou o de Rosalie, durando um minuto inteiro no mais puro silêncio. Somente depois, ele finalmente se deu conta dos vários desenhos pregados nas paredes. O cartaz com letra infantil.

Rosalie viu tristeza e culpa cruzar os olhos dele. Viu se aproximar dos primeiros desenhos na parede da sala e tocar um deles com a ponta dos dedos. Foi então que tomou coragem para quebrar o silêncio.

— Ela preparou tudo isso para você.

Ele seguiu olhando os desenhos ao longo de toda a parede.

— São todos os desenhos que ela já fez, e você nunca parou para apreciar. Um segundo de sua atenção era o que ela queria — Rosalie sentiu as lágrimas se acumularem nos olhos com o pensamento em o quanto Olívia teria desejado isso; um minuto de atenção, um minuto de seu carinho.

Ainda em silêncio, Emmett voltou para deixar as chaves no aparador ao lado da porta. Sua mão encostou-se a um dos cadernos de desenhos. As cores e os traços chamaram sua atenção da mesma forma que os desenhos na parede. Numa rápida olhada, conseguiu ver vários deles. Afastou-se rapidamente. Ele pode sentir muito do que a filha sentiu ao criar todos aqueles desenhos, o que lhe trouxe a sensação de desespero.

Seu olhar vagueou pela sala, parando na criança adormecida com a cabeça no colo de Rosalie. Olívia teria adorado presenciar o momento que ele parou para ver seus desenhos e muito mais que isso, os sentiu.

— Ela esperou por você... — Rosalie tornou a falar. — Você demorou muito. Ela ficou cansada e acabou dormindo.

— Eu sei — a voz dele soou rouca, resultado do tempo sem uso. — Quando saí do trabalho quis ir comprar algo para ela. Gastei muito tempo dentro da loja de departamentos, não sabia o que comprar nem o tamanho certo.

Suas palavras pegaram Rosalie de surpresa, de todas as coisas que poderia ter imaginado sobre a demora dele, nem de longe essa passou por sua cabeça. Ele pareceu frustrado com a incapacidade de fazer o que tinha de fazer.

Rosalie finalmente prestou atenção nas sacolas de compras deixadas por ele junto à porta de entrada.

— Olívia vai adorar — acrescentou. Ele precisava de um incentivo, ela creditou nisso.

Novamente, ele estava diante os desenhos na parede. Atraído pelos traços infantis, criados por sua própria filha, onde muitos deles mostravam seus maiores desejos e medos.

— Ela desenha bem, não acha? — Rosalie continuou tomando a frente na conversa.

— Sim — admitiu, de maneira automática, sem deixar de reparar no desenho. O silêncio tornou se instalar. Sem que Rosalie esperasse, ele voltou a falar: — Não consegui comprar os sapatos. — Ele caminhou até outro desenho. — Não tive certeza sobre a numeração.

Rosalie não se surpreendeu. Havia muito tempo ninguém comprava roupas e calçados para a criança. Nem mesmo podia dizer se algum dia o pai havia feito isso, porque Olívia parecia não vestir nada novo desde que a avó foi embora.

— Fiquei muito tempo na seção de calçados infantis. A loja já estava para fechar, então tive de sair sem comprar.

— Pense pelo lado bom. Agora você vai poder fazer isso na companhia dela. Tenho certeza que Ollie vai adorar ir às compras com o papai. Já posso imaginar o sorriso que a notícia trará a seu rostinho lindo. E não digo isso pelo bem material, do qual ela precisa muito, mas pelo fato de estar com você. Sua atenção, ainda que por alguns minutos, será valiosa para ela. Ela tem esperado muito por isso.

O viu mover a cabeça, porém, não soube com certeza se estaria concordando com o que disse.

— Ela desenha muitos arco-íris, não é? — ele fez o comentário. Como poderia nunca ter reparado nisso, pensou Rosalie.

— É uma coisa na qual gosta muito. Representa para ela o caminho entre o céu e a terra. A estrada que a leva a um local de conforto e segurança.

— Sarah era apaixonada por arco-íris... — ele divagou. — Toda vez que via um surgir no céu, ficava deslumbrada. Costumava dizer que se algum dia, por algum motivo esquecesse o caminho de casa, seguiria o caminho do arco-íris. Ela também gostava de desenhar. — Fez-se uma pausa antes de voltar a falar: — Deve haver algum desenho feito por ela junto com suas coisas — a conversa seguiu por um caminho que Rosalie não esperava. Mas, certamente, estava gostando. Talvez não fosse coincidência que Olívia gostasse tanto de desenhar e ver arco-íris. 

Emmett se virou de modo a vê-la sobre o encosto do sofá.

— Além do arco-íris, a canção que Sarah costumava cantar todas as noites antes de dormir, quando Olívia ainda estava em sua barriga. Outras vezes, tocava apenas no violoncelo. — Ele finalmente se aproximou do sofá olhando de perto a filha dormir. — Ela tem muito mais da mãe do que eu imaginava. Do que conseguia enxergar.

— Por que não leva sua filha para a cama? — sugeriu Rosalie.

Ele recuou, afastando as mãos do encosto do sofá como houvesse escutado algo difícil de fazer.

Notou que estava inseguro quanto a segurar a filha no colo.

— Você nunca fez isso? Nunca carregou sua filha no colo sem hostilidade? — ela quis gritar na cara dele que o odiava por ser um pai negligente, mas não podia fazer. Não com a menina deitada com a cabeça em seu colo. — Você pode começar agora. Nunca é tarde para se arrepender.

Ele aceitou as palavras de Rosalie, movendo-se de modo automático até estar de frente a elas. Por duas vezes tentou pegar a filha no colo e travou no caminho.

— Não quero machucar ela — suas palavras não passaram de um sussurro.

Rosalie quis estender a mão para tocar o pulso dele, mas não se atreveu a fazer isso.

— Não irá machucar, se essa não for sua intenção. É só pegar ela com cuidado, sem deixar que pensamentos hostis ocupe espaço em sua mente.

Entre tentativas e desistências, finalmente conseguiu pegar a filha no colo sem estar em um momento de fúria e mau humor. Foi a primeira vez que admitiu a si mesmo o quanto era pequena e frágil.

A menina se remexeu apenas no momento em que ele passou o braço por baixo de seu corpo erguendo do sofá e do colo de Rosalie. Facilmente se aconchegando ao peito forte do pai como sentisse que era ele a carregá-la.

Rosalie se surpreendeu com o cuidado com que ele acolheu Olívia nos braços. Foi muito mais cuidadoso do que imaginou fosse capaz. Não se assemelhava ao homem bruto que ela viu pela primeira vez na escola. Assistiu ao momento que a barba dele roçou discretamente nos cabelos ruivos de Olívia. Pensou que estivesse fazendo o mesmo que os animais fazem quando perdem seus filhotes e voltam a encontrá-los, reconhecendo seu cheiro.

Ele parecia viver uma realidade paralela. Rosalie teve de mostrar o caminho da escada, ainda que essa fosse a casa dele.

— Você tem de subir com ela e colocá-la na cama.

Seus movimentos pareciam em modo automático, um degrau de cada vez.

— Alguma vez chegou a dar um beijo de boa-noite em sua filha? Ou mesmo leu um livro para ela antes de dormir? — tornou a repetir a pergunta feita em outra ocasião.

Emmett parou na metade da escada, olhando um instante para trás. É claro que tinha a resposta, mesmo assim achou que deveria perguntar. Ele continuou a subir os degraus. Uma vez que estava no segundo andar, reparou na ovelhinha que decorava a porta do quarto. A lembrança de Sarah, decorando a porta lhe ocorreu. Ela jamais esteve triste enquanto preparava as coisas para a chegada da primeira filha. Sua única filha.

Ele olhou no rosto de Olívia, encostado a seu peito e ao cobertorzinho. Reconheceu a incrível semelhança entre as duas, começando a pensar que o fato de Olívia se parecer com a mãe fosse uma coisa boa.

Alguma coisa estava acontecendo dentro dele. Algo forte demais para ser controlado.

Entrou no quarto e colocou Olívia na cama com o mesmo cuidado com que a pegou no sofá. Ajeitou o travesseiro e a cobriu. O colchão acolheu o corpo miúdo em um sono tranquilo. Ele se dobrou beijando a testa da menina brevemente, temendo que a barba pudesse despertá-la.

Quando já estava para sair do quarto, lembrou-se das palavras de Rosalie. Olhou em volta, procurando por algum livro que pudesse ler. Os livros comprados por Sarah ainda estavam lá no suporte. Um exemplar de Alice no País das Maravilhas, em capa dura, estava em suas mãos agora.

Sentou na mesma poltrona que Sarah costumava sentar e ficar falando com Olívia mesmo ainda em seu ventre. Ali, ela também costumava cantar para o bebê que, mesmo sem ver o seu rostinho, já o amava incondicionalmente.

A mão áspera acariciou a capa do livro, tomando coragem para começar a leitura. Olhou no rosto de Olívia, a figura adormecida trouxe a coragem que precisava. Abriu o livro, pensou na esposa que perdeu, na menininha que ficou, e sem que percebesse estava lendo o livro. Quando deu por encerrada a leitura por aquela noite, tinha lágrimas nos olhos e dessa vez não estava somente ligada a Sarah. Fechou o livro, deixando na poltrona ao levantar.

Encontrou Rosalie no mesmo lugar ao retornar a sala.

— Desculpe — ela pediu. — Não queria sair sem ter certeza que não acordaria. Fiquei com medo que perguntasse por mim.

— Ela não acordou. Você já pode ir agora.

Rosalie mexeu as mãos sentindo-se sem jeito.

— É — moveu a mão na direção da porta —, eu vou indo.

— Pode ir.

— Ollie tem meu número de telefone na mochila, caso precise me ligar.

Emmett apenas meneou a cabeça.

Estava a poucos metros da porta, quando se lembrou de dizer que tinha jantar pronto. Ele não estava mais na sala quando tentou avisar. O barulho de louça trincando chegou aos seus ouvidos antes que pudesse dizer qualquer coisa.

Correu até a cozinha se deparando com a bagunça que ele acabou de fazer. A mesa posta preparada com tanto cuidado, estava arruinada, todas as coisas se encontravam no chão.

— O que aconteceu? — pediu realmente surpresa com o que via. Quando Emmett se virou em sua direção, a imagem do homem feroz havia tomado lugar em seu rosto novamente. Perguntou-se o que teria acontecido para o homem amável que presenciou há poucos minutos, desaparecer tão depressa.

— Isso aqui não é brincadeira de casinha — vociferou. — Não pode chegar aqui e fazer o que bem entender.

— Eu não estou entendendo...

— A mesa — ele reclamou. — Não quero que ponha a mesa. — O dedo em riste tocou o ombro dela. — Você não é Sarah — bradou.

Rosalie sacudiu os ombros tomando distância dele.

— Não encoste em mim.

Ele também se afastou. O dedo ainda em riste.

— Você não é ela.

— Isso é loucura. Eu não estou tentando ser Sarah.

Emmett se movimentou pela cozinha, um tanto perturbado. Rosalie sempre atenta a seus movimentos.

 — Não quero que venha aqui nesse fim de semana.

— Mas, a Ollie...

Ele a interrompeu outra vez.

— Ela vai estar comigo e com a Sra. Smith.

Rosalie encarou o rosto dele, sem esconder sua revolta.

— Quando é que você vai perceber que essa senhora é, na verdade, uma cobra. Ela não pode continuar ficando com a Ollie. Ela a maltrata. Diz coisas horríveis.

— Você não precisa inventar histórias para estar sempre enfiada na minha casa.

— Eu não estou inventando nada, seu babaca.

— Vá para sua casa. Sei que fez coisas legais por ela hoje, mas agora eu quero que vá embora.

— Por favor, eu te imploro, não deixe Olívia sozinha com a Sra. Smith.

— Saía! — ele moveu a mão reforçando a ordem.

— Não se atreva a encostar a mão em mim de novo. Se fizer isso vou direto à delegacia de polícia.

— Vá embora! — Ele passou a mão na cabeça. — Me deixe sozinho. Como você é teimosa.

— Vai cuidar bem da Ollie?

— Vou levar ela comigo para escolher os sapatos amanhã.

— Está bem. Só não a deixe sozinha com a Sra. Smith.

— Pelo amor de Deus vá para sua casa, mulher.

— Por favor, Emmett, isso é muito sério. A Sra. Smith não é confiável. Não é uma velhinha indefesa e prestativa. É um lobo na pele de cordeiro. Ela faz muito mal a Olívia.

Depois que ela saiu Emmett não quis sentar para comer. Voltou à sala onde ficou olhando novamente cada desenho feito por Olívia, tentando entender o que cada um tinha a dizer.

Era madrugada quando recolheu as sacolas com as roupas novas que comprou para ela e as levou para o quarto. Retirou todas as peças de dentro das sacolas pendurando na poltrona e na cômoda.

E, olhando a filha dormir, falou:

— Espero que goste quando acordar pela manhã e encontrá-las aqui. Não consegui comprar seus sapatos. Desculpe-me por não saber a numeração a comprar. Amanhã você vai comigo para escolher o que mais gostar. — Olívia se mexeu sob as cobertas. Por um momento pensou que fosse acordar, mas isso não aconteceu. Então a deixou dormindo e saiu para o corredor.

Quando estava em seu quarto, sentou na cama e seu olhar foi logo atraído ao violoncelo.

Enquanto o sono não chegava, pensou na esposa que se foi cedo demais. Pensou na filha, a menininha solitária que esperava por amor. Pensou na vida que estavam levando há tanto tempo. Em tudo o que deixou de viver. E acreditar.

 


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