Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 15
Capítulo 14 — Mais do Que Palavras


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal!
Peço desculpas pela demora, devido a problemas familiares não tive condições de fazer a atualização antes, embora desejasse muito fazer isso.

Espero que gostem do capítulo. Se possível, deixe um recadinho para eu saber se gostou.
Desejo a todos uma boa leitura!



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Como prometido, Rosalie passou na escola ainda pela manhã. Olívia correu para seus braços sem hesitar quando saltou do ônibus. O momento em que estiveram juntas foi breve, não tinha autorização para estar com a menina por muito tempo.

Mesmo o pouquinho que estiveram juntas foi suficiente para deixar Olívia contente. Na hora de se separarem, quase se esqueceu da lancheira. Porque para Olívia, o mais importante era a companhia de Rosalie e o carinho que lhe dava.

Na volta para a casa do avô, Rosalie passou no mercado e comprou alguns itens de higiene infantil, pensando em levar para Olívia em sua próxima visita a casa dela.

Reconheceu o carro de Emmett estacionado em frente à loja de ferragens ao passar de carro pelo estabelecimento. Não esperava pudesse vê-lo ali, acabou que ele saía da loja, bem na hora em que passava, carregando materiais para a carroceria da velha caminhonete com ajuda de um funcionário da própria loja. Se ele a viu, não demonstrou.

Ela passou algumas horas na companhia do avô, ouvindo contar histórias que já nem lembrava, de sua infância. Quando o relógio marcou três e trinta e cinco, levantou da cadeira dizendo que estava na hora de encontrar com Olívia novamente. Norman disse apenas para tomar cuidado, uma vez que o pai da criança não a queria por perto. No momento, para Rosalie, o que menos importava era o que o pai de Olívia desejava.

Rosalie estacionou próximo da casa de Emmett, e saiu do carro para esperar Olívia no ponto de ônibus. Trazia na mão a sacola das coisas que havia comprado para a menina ainda mais cedo.

Não levou muito tempo, avistou o ônibus amarelo se aproximar. Ficou ansiosa, sabendo que ali vinha à garotinha triste e solitária que se alegrava com sua presença e um pouco de seu carinho.

Olívia a avistou mesmo antes de o ônibus parar. Ajoelhou-se no banco para vê-la melhor, enquanto acenava com a mão. Com o barulho dos freios, levantou pondo a mochila nas costas, rapidamente disparando pelo corredor estreito.

Rosalie se aproximou da porta ainda enquanto a menina se movia dentro do ônibus, ansiosa por encontrá-la.

A alegria que Olívia sentiu naquele momento foi única e especial. O coraçãozinho agitado dentro do peito, ansiando o reencontro. Ninguém jamais a recebera ao chegar da escola. A porta parecia nunca abrir tanto era sua ansiedade para saltar do veículo. Olhou a mulher que dirigia como pedisse que a deixasse ir. A mulher negra ao volante lhe sorriu. Conhecia Rosalie da escola, sabia que não havia perigo em deixá-la ir com ela. O sorriso naquele pequeno rosto marcado de sardas era algo que nunca tinha presenciado. A mulher então acionou os botões que liberavam a porta e Olívia pôde finalmente saltar. Ela se atrapalhou um pouco com os degraus, mas mãos cuidadosas a ampararam impedindo-a de cair.

Pendurada no braço estava a lancheira cor-de-rosa que Rosalie comprou para levar o lanche dela todos os dias na escola.

— Rose! — chamou com alegria pelo nome dela. Rosalie a tirou do último degrau pegando-a no colo. Olívia se agarrou a ela com braços e pernas, reconhecendo o conforto daqueles braços.

— Oi, meu amor! — Rosalie a envolveu, sentindo os cabelos ruivos bagunçados, roçar seu rosto.

— Você veio — a pequena mencionou, olhando no rosto dela.

— Eu vim, sim. — Rosalie sorriu para ela. — Você comeu tudinho? — pediu. O ônibus partiu deixando elas duas para trás. Rosalie começou caminhar pelas calçadas que antecediam gramados desbotados, levando Olívia no colo.

Olívia moveu a cabeça com satisfação, agitando a lancheira pendurada no braço.

— Eu trouxe sua lancheira bonita.

— Ela é sua, Ollie. Eu comprei para você.

— De verdade que é minha?

— Sim, verdade.

— Obrigada, Rose!

— De nada, meu amor.

— Você vai ficar comigo até a senhora Smith chegar?

— Não. — Olívia murchou com sua resposta. Mas, o que disse a seguir fez seus olhinhos brilharem. — Eu vou ficar com você até o seu papai chegar. Não irei te deixar sozinha com a bruxa de jeito nenhum.

— É sério que vai fazer isso?

— Seríssimo.

— Obá! Isso é muito legal, Rose.

— Não é, amor?! — Olívia concordou mexendo a cabeça com empolgação.

Pelo tempo que levaram para alcançar o jardim destruído da casa de Emmett, Olívia descansou a cabeça no ombro de Rosalie, desfrutando da maravilhosa sensação de se sentir cuidada. O cheiro do perfume floral que já conhecia, lhe dando segurança, criando memórias olfativas que ficariam por toda vida.

Rosalie adorava estar com ela tanto quanto Olívia adorava sua presença. No entanto, passar por aquele jardim era deprimente, por vezes assustador.

— Chegamos! — cantarolou ao alcançar a varanda.

— Chegamos! — Olívia imitou, animada.

Rosalie a pôs no chão, e segurou a lancheira. Olívia logo se livrou da mochila nas costas, largando-a na cadeira branca de vime que já teve dias melhores.

— Vamos esperar a bonita aparecer — Rosalie comentou, olhando para os lados, imaginando se a vizinha estava chegando.

— Quem é a bonita? — Olívia questionou sem entender a quem ela se referia.

— A Sra. Smith.

O olhar de Olívia revelou que não concordava com o elogio. Imaginando se estaria falando sério.

Rosalie deu risada.

— Que carinha é essa? — brincou, cutucando a bochecha de Olívia, que deu risada também. — O que você fez hoje na escola? Aprendeu bastante? Conte-me tudo. Eu sou tão curiosa, você nem imagina.

Olívia abriu a mochila, pegando um de seus cadernos.

— Tinha umas coisas bem difíceis hoje.

— É mesmo? Eu posso ver?

— Ahã. — Olívia deixou que pegasse seu caderno. O olhar ansioso, aguardando o que Rosalie diria sobre seu desempenho escolar. Enquanto olhavam a lição, a Sra. Smith chegou ao jardim.

— O que está fazendo aqui? — foi logo questionando.

— Estou fazendo companhia a Olívia.

— Então já pode ir.

Olívia guardou o caderno rapidamente, temendo a Sra. Smith. Devagarinho ofereceu a mão a Rosalie, que segurou sem hesitar.

— Eu vou ficar até o pai dela chegar.

— Por quê? — a vizinha pediu, estreitando os olhos.

— Para cuidar de Olívia.

— Eu já faço isso.

— Será que faz mesmo?

— Ora... — A Sra. Smith resmungou.

— Será que poderia abrir a porta, fazendo favor? — Rosalie pediu. — Está frio aqui fora.

— Não me diga o que fazer — a Sra. Smith resmungou, virando as costas para elas, deixando claro sua irritação.

Rosalie balançou sutilmente a mão unida a de Olívia e sussurrou:

— Está tudo bem, meu anjo. Não vai acontecer nada. — Pegou a mochila, a lancheira e a sacola de compras antes de passarem pela porta.

A Sra. Smith não perdeu tempo, foi logo mandando Olívia se ocupar.

— Vá fazer a lição de casa, Olívia. Não quero ouvir desculpas.

A menina abaixou a cabeça. Sem questionar, estendeu a mão para pegar a mochila que Rosalie tinha acabado de deixar no sofá.

— Tudo bem, Ollie. Eu te ajudo.

Olívia sorriu para ela, mas quando seu olhar cruzou com o da Sra. Smith, o sorriso desapareceu.

— Vê se não vai fazer a lição toda por ela — cutucou a Sra. Smith. — Essa menina já não é muito inteligente.

— Senhora, por favor, meça suas palavras. Está se referindo a uma criança, tenha mais cuidado. — Ela segurou na mão de Olívia, fazendo um carinho. — Onde costuma sentar para fazer a lição? — pediu.

Olívia moveu a mão indicando a mesinha de centro atulhada de coisas inúteis.

Rosalie não disse nada, apenas começou retirar dali todos os objetos liberando espaço para o material escolar da menina. Quando terminou, a Sra. Smith a fuzilava com o olhar. Ela ignorou, trazendo Olívia para perto, e juntas começaram retirar o material escolar de dentro da mochila.

A Sra. Smith se enfiou na cozinha resmungando qualquer coisa.

Diferente da vizinha mal-humorada, Rosalie se preocupou em perguntar se a menina tinha fome.

— Você quer comer alguma coisa antes de começarmos a fazer a lição?

— Tinha muita coisa gostosa no lanche que você levou pra mim. Eu comi bastante hoje.

Rosalie passou a mão no rosto dela.

— Que bom! Depois que terminarmos aqui, eu vou preparar o seu banho.

— Igual ontem?

— Hoje vai ser bem melhor que ontem.

— Por quê?

— Trouxe umas coisas para pôr na água. Para sua higiene pessoal, também.

— Você vai lavar meu cabelo hoje?

— Sim.

— Pode ser agora?

— Vamos fazer a lição antes, tudo bem?

— Para Sra. Smith não ficar brava com a gente? E também não dizer coisas feias?

— Não queremos que isso aconteça, não é?

— Não. — Olívia segurou no lápis, pronta para começar.

Rosalie a ajudou com dedicação e paciência.

A Sra. Smith voltou à sala para espionar mais de uma vez. E sempre retornava resmungando para a cozinha.

Quando terminaram a lição, Rosalie ajudou guardar todo o material de volta na mochila. As duas então subiram a escada sem falar com a mulher na cozinha. Enquanto a menina guardava o material escolar no quarto, Rosalie ficou no banheiro preparando o banho.

Olívia entrou no banheiro pouco tempo depois. Encontrou Rosalie retirando coisas da sacola na qual tinha trazido. Em meio a todas as coisas que tinha ali, foi um brinquedo, que soltava bolhas de sabão, a ganhar sua atenção. Quando suas mãos pequenas seguraram o brinquedo, os olhos encontraram os de Rosalie com um brilho de felicidade.

Assim que a banheira foi liberada, a menina arrancou as roupas e entrou na água cheia de espumas e aromas. Tão encantada ficou com a espuma e o brinquedo de bolhas que não conseguiu para de brincar e sorrir.

Rosalie lavou seus cabelos com shampoo infantil e ao usar o condicionador, os fios ruivos desmaiaram entre os dedos. O cheiro trouxe lembranças de sua infância. Dessa vez, não pensou na traição da irmã ou suas travessuras quando pequena, em vez disso se pegou desejando ser mãe daquela garotinha. Viu como parecia satisfeita com o pouco que lhe dera e o momento de cuidado que lhe era dedicado. Tocou na pontinha de seu nariz com o dedo cheio de espumas, recebeu um sorriso sincero e foi se sentar na tampa da privada, dando um tempo para Olívia, antes de retirá-la do banho.

Viu quando deu três pulinhos dentro da banheira, soltando bolhas de sabão para o alto. Os cabelos, quando molhados, passavam da cintura. Pensou se poderia, talvez, cortar as pontas. Enquanto pensava nessas coisas, o olhar de Olívia encontrou o seu, o sorriso que lhe deu só veio confirmar que estava fazendo a coisa certa.

Um momento mais tarde, retirou a menina da banheira e a enrolou na toalha manchada por água sanitária. Encontrou um secador na gaveta do armário e ao ligá-lo na tomada, descobriu que ainda funcionava. Usou para secar os cabelos de Olívia para que não dormisse com eles úmidos. De volta ao quarto, a menina vestiu o pijama e calçou as meias.

Rosalie observou correr para fora do quarto e voltar trazendo um porta-retratos com a fotografia de Sarah, num cenário florido, usando tranças nos cabelos ruivos. Logo percebeu que o cenário era o jardim deles, ou o que havia sido um dia.

— Rose...

— Oi, amor?

Com o porta-retratos estendido na frente dela, aguardou com ansiedade. Rosalie não notou somente que o jardim, ainda com toda diferença de cuidado era o mesmo, como também reconheceu a semelhança entre a menininha que segurava o porta-retratos e a moça na fotografia.

— Essa é a sua mamãe? — pediu.

Olívia meneou a cabeça, positivamente.

— Ahã. A minha mamãe, essa moça.

Rosalie notou que a menina queria fazer um pedido, mas parecia não saber como.

— O que houve Ollie?

— Você sabe fazer tranças?

— Você quer que eu faça tranças iguais a essas em você?

— Uhum.

— Tudo bem. Eu posso fazer. Vem cá! — Ela usou a escova de cabelos nova para alinhar os fios e separá-los ao meio. Separando pequenas mechas, trançou cuidadosamente cada lado, num trançado frouxo que caia sobre os ombros.

O rosto atento de Olívia ao se olhar no pequeno espelho que tinha no quarto foi um dos momentos que jamais esqueceria. Foi como não se reconhecesse. E, pela primeira vez, gostasse daquilo que os olhos viam.

— Você está tão linda, meu amor — comentou Rosalie, satisfeita.

Olívia se virou para ela, estampando um amplo sorriso no rosto.

— Obrigada, Rose! — Ela segurou o porta-retratos diante os olhos então novamente olhou-se no espelho. Com uma última olhada na fotografia, correu para devolvê-la ao quarto do pai.

— Posso ficar acordada até o papai chegar? — pediu um momento depois, já de volta ao quarto com Rosalie. — Eu quero que ele veja meu cabelo bonito.

— É claro que pode esperar o papai acordada.

— A Sra. Smith não deixa.

— Por quê?

— Ela diz que o papai não gosta.

— Não gosta do quê?

— De me encontrar acordada quando chega do trabalho.

Rosalie acariciou o rosto salpicado de delicadas sardas.

— A Sra. Smith é uma boba. Não acredite no que ela diz. Vamos descer?

— Vamos! — Olívia deu um pulinho. Pôs a mão na de Rosalie, e desceram a escada de mãos dadas. Olívia de pijama, usando meias coloridas e chinelos nos pezinhos. Pela primeira vez desde que se lembrava seus cabelos estavam alinhados, cheirosos e brilhantes.

Chegando à sala, Rosalie reconheceu pelo o aroma, que a Sra. Smith preparava algo para o jantar deles.

Olívia correu para ligar a televisão. As duas se sentaram no sofá, uma ao lado da outra, para ver desenhos. Assistiram a dois episódios de Rainbow Ruby, e um da Princesinha Sofia, que Rosalie descobriu ser um dos desenhos animados favoritos de Olívia.

O barulho na porta da frente anunciou que alguém chegava. Olívia ficou ansiosa, saindo do lado dela para esperar o pai de pé, aguardando ser notada por ele.

— Você de novo? — Emmett ignorou a filha, rosnando para Rosalie.

— Não se preocupe, não vou demorar muito mais.

— Papai, papai — Olívia pediu sua atenção desesperadamente. Colocou-se em sua frente com movimentos incontidos. — Olha papai! — pediu, pondo as mãos nas longas tranças que lhe caiam sobre os ombros. — Olha o meu cabelo bonito, papai. Rose que fez ficar assim. Não tá bonito? — os olhos ansiosos, aguardando a aprovação dele. Mas Emmett a ignorou, tirando do caminho com o braço, seguindo seu caminho até a escada. Olívia abaixou a cabeça, se deixando abater pela tristeza já tão comum em sua vida.

Rosalie não pôde ficar indiferente a olhinhos tão tristes.

— Ollie — chamou, estendendo a mão para ela. — Vem cá, meu amor.

De cabeça baixa e semblante triste, Olívia voltou a sentar ao seu lado.

— O papai nem olhou no meu cabelo bonito — murmurou com voz de choro.

— Não fique triste, Ollie.

A menina fungou, esfregando a mão no nariz pequeno.

— Tenho certeza que o papai viu seu cabelo bonito.

— Tá igual o da mamãe. Igualzinho.

— Igualzinho o da mamãe — Rosalie lhe garantiu, passando gentilmente as mãos nas tranças ruivas. — Tenho certeza que sua mamãe daria um abraço apertado se pudesse e diria que está linda. A garotinha mais linda que já viu.

— Você pode me dá um abraço agora?

— Mas é claro que eu posso. — Rosalie a envolveu nos braços, levando-a para sentar em seu colo. Beijou todo o rosto de Olívia, e passou lhe fazer cocegas na barriga. As risadinhas iniciaram com timidez, à medida que se contorcia ria mais e mais.

O som de seu riso logo chegou aos ouvidos de Emmett, no andar de cima. O coração turrão reagiu de forma estranha. Lembrou-se de Sarah, de como ela sorria com facilidade. A curiosidade o levou a voltar ao patamar da escada e olhar para baixo com atenção.

Rosalie e Olívia riam juntas. Sua filhinha se contorcendo em alegria sob as mãos cuidadosas dela. Nunca tinha visto cena igual. Ao mesmo tempo em que lhe fez bem ouvi-la sorrir também lhe fez mal.

— Parem com isso! — bradou do alto da escada. As duas pararam de rir imediatamente. Olívia se agarrou a Rosalie, assustada. Ambas olhando em direção à escada e para cima.

A Sra. Smith não demorou aparecer na sala trazendo no rosto um olhar satisfeito. Aguardando por mais uma reação bruta da parte de Emmett.

— Saia da minha casa! — ele exigiu.

Rosalie se levantou pronta para se retirar.

Olívia se desesperou com a cena.

— Não, Rose! Não! Não vá, não vá. — Se agarrou a ela. — Não, papai. Não mande Rose embora. Por favor. Não papai...

— Você não ouviu? — A Sra. Smith se dirigiu a Rosalie com hostilidade. — Saia já dessa casa. Você não é bem-vinda aqui.

Rosalie ignorou a provocação, olhado diretamente para Emmett no alto da escada.

— Me deixe ficar somente até a menina dormir.

Emmett virou as costas, sem responder.

Rosalie olhou para Olívia.

— Tudo bem, meu anjo. Acho que o jantar já está pronto. — Pegou na mão da menina e a levou para a cozinha, ignorando a expressão ranzinza da Sra. Smith.

Não fosse sua presença na mesa durante o jantar, Olívia teria jantado sozinha. Talvez até tivesse se encarregado de servir a própria comida. A vizinha foi embora logo que elas saíram da sala, sem se importar em fazer alguma coisa pela criança que ela, supostamente, estava ali para cuidar.

Mais tarde, Rosalie subiu a escada com Olívia e a levou para escovar os dentes antes de colocá-la na cama. Leu mais um pouco da Arca de Noé para ela. Somente ao ter certeza de a menina estar no sono solto, apagou a luz do teto, deixando apenas o abajur ligado.

Uma vez no corredor, olhou de um lado para o outro, talvez, imaginando se veria Emmett. A televisão estava ligada na sala, mas nem sinal dele no cômodo. 

Já estava a caminho da porta, quando se lembrou de pegar na cozinha a lancheira de Olívia e assim poder preparar e levar o lanche dela novamente no dia seguinte.

Assustou-se ao entrar no cômodo silencioso e de repente ser surpreendida pela voz grave de Emmett.

— Ainda está aqui? — se dirigiu a ela com aspereza. — Achei que há essa hora minha casa estaria livre de sua presença.

O coração bateu acelerado no peito. Olhando para o lado, encontrou Emmett sentado à mesa da cozinha, jantando sozinho, assim como Olívia teria feito não fosse sua companhia, ainda que não tenha jantado com ela.

— Já estou de saída, não tem porque se preocupar.

Emmett pôs uma garfada generosa de comida na boca. Rosalie virou o rosto para o outro lado. Mesmo sendo um pai horrível para Olívia, ainda era um homem muito bonito e, por vezes, causava sensações estranhas e inesperadas olhar para ele por tanto tempo.

— Que bom — ele respondeu terminando de engolir —, porque não gostaria de ter de largar minha comida aqui enquanto lhe mostro o caminho da rua.

— Que gentileza a sua — Rosalie respondeu usando um tom áspero. Encaminhou-se a pia, onde havia deixado a lancheira e as vasilhas que usava dentro dela.

— Não está pegando nada que me pertence, está?

Ela se virou, com a lancheira na mão, para olhar para ele.

— Meus pais me ensinaram, ainda muito cedo, não pegar o que não me pertence.

Emmett moveu a cabeça em sinal de descaso. Rosalie tomou caminho rumo à porta, parando um instante, olhando no rosto dele, fazendo uma pergunta.

— Por que a trata assim?

A pergunta o pegou de surpresa. Emmett pegou o prato ainda com comida dentro e se levantou da mesa.

— Pensei ter ouvido que estava de saída. — Ele cruzou a cozinha, levando a louça para deixar na pia.

— Ela é sua filha — Rosalie voltou a falar. — E só tem seis anos. Acha mesmo que Sarah estaria feliz com o modo como vem tratando todos esses anos a filha de vocês?

Falar em Sarah foi uma afronta, considerada por ele, muito grande.

Emmett largou a louça dentro da pia junto com os talheres. Lançou o olhar irado na direção de Rosalie, que recuou um passo ao som dos objetos tintilando no interior da pia.

— Não se atreva mencionar Sarah — ele fez o alerta. — Você não nos conhece. Não sabe sobre nossas vidas. É só uma estranha que se acha no direito de entrar e sair de minha casa quando bem entende.

— Sei que não tem sido um bom pai para a garotinha que está dormindo lá em cima nesse instante, e isso é o bastante.

— Você pensa que sabe.

— Será mesmo? — Rosalie desafiou, sustentando o olhar dele. — Ela acorda com um despertador para ir à escola. Por Deus, ela tem apenas seis anos de idade. Era você quem tinha de acordá-la, levá-la a escola ou mesmo esperar pelo ônibus ao lado dela. As roupas que usa estão pequenas e gastas. O único calçado fechado que lhe serve é um par de galochas vermelhas. Era para você estar cuidando dessa criança, participando da vida dela.

— Já acabou? — ele desafiou.

— Não estou nem perto disso.

— Vá embora! — ele ordenou, tentando manter o controle, embora estivesse sendo muito difícil.

— Sarah não vai mais voltar, Emmett. Essa sua obsessão...

— Não se atreva a dizer que o que sinto por ela é obsessão. Eu a amava.

— Eu sinto muito. Mas você precisa aceitar que seu amor por ela não irá trazê-la de volta.

— Você está mexendo num terreno perigoso — ele tornou a fazer o alerta. — É melhor ir embora agora.

— Sarah não escolheu ficar longe da filha, o que aconteceu a ela foi uma fatalidade. Já você está escolhendo a distância. Como é possível não ver todo mal que está causando a essa criança e a si mesmo?

Emmett avançou na direção dela. Rosalie conseguiu rapidamente se desvencilhar dando alguns passos para trás.

— Não precisa me jogar para fora de sua casa. Eu já estou indo embora.

Ela caminhou em direção à porta da frente com Emmett logo atrás, pronto para expulsá-la caso mudasse de ideia e decidisse ficar.

A própria Rosalie foi quem abriu a porta. E, antes de sair para a varanda, emendou.

— Olívia é um pedacinho dos dois. O melhor de Sarah deixado para você. Como pode desprezá-la dessa maneira? Como pode fazê-la tão infeliz?

Rosalie reconheceu, apesar de tudo, que ele demonstrava em atos e palavras, que suas palavras o feriu.

Antes que ele a alcançasse, ela saiu para a varanda. A porta foi fechada no mesmo instante, ainda assim Rosalie não desistiu.

— Seja bom para Olívia. Se não for por você, que seja por Sarah. Faça pela mulher que você diz tanto amar. Ame sua filha, antes que seja tarde demais.

Emmett desejou se afastar da porta, mas as palavras de Rosalie o atraiam feito um ímã. A verdade contida nas palavras que dizia tinha força.

— Deixe Sarah ir. Você não morreu com ela. Mesmo que não se sinta assim, você está vivo Emmett. Olívia não é culpada. Ela queria a mãe aqui tanto quanto você a sua esposa. Você já puniu essa criança por tempo demais. Dê a ela a chance de ser feliz ao seu lado. Permita a ambos viver a força do amor verdadeiro e único. Seja para Olívia o pai que Sarah esperou que fosse. Ame sua filhinha como ela merece.

O silêncio do outro lado da porta era aterrador. Rosalie já não tinha certeza de ele estar ouvindo o que dizia. Levou a mão devagar a porta encostando na madeira branca, imaginando se ele ainda estaria do outro lado.

— Você pode ter respeito pelo passado e nunca esquecê-lo, mas não pode viver nele. Não é assim que funciona. — Finalmente afastou a mão da porta e se virou para sair da varanda. Foi somente ao sair dali que se deu conta das lágrimas no rosto. Ainda segurava na mão a lancheira cor-de-rosa. Atravessou o jardim ignorando o estado de melancolia que sentia toda vez que passava por ele. Seu carro estava estacionado junto ao meio-fio, no outro lado da rua. Deu uma última olhada na casa antes de entrar no carro. — Eu não vou desistir, Ollie. Eu não vou.

[…]

Dentro de casa, Emmett ouviu o barulho do carro se afastando pela rua escura e fria. Caminhou pela sala em estado letárgico. As palavras de Rosalie ainda importunando seus pensamentos. Fazendo seu coração pulsar de forma pesada e dolorosa. Resistindo em deixá-lo em paz.

Entrou no escritório e ao se encaminhar à mesa, ligou o notebook. Sentado diante a tela acesa, buscou a posta de documentos. Com dois cliques a imagem de Sarah surgiu diante seus olhos marejados. Um dos últimos registros do último verão antes de ela partir.

Eles tinham tirado um tempo para caminhar às margens do rio Chawan. Ao fundo se via alguns barcos a caminho de Batchelor Bay. Castanheiras margeavam a água.

A voz de Sarah soou no escritório como estivesse ali. Ela pedia para parar de filmar. Seus cabelos ruivos, trançados iguais aos de Olívia quando ele chegou do trabalho mais cedo. Lembrou-se da fotografia no quarto, tirada naquele mesmo dia, no jardim, antes de saírem para a caminhada. Olívia teria visto e pedido a Rosalie que reproduzisse em seus cabelos? Ele tinha quase certeza que sim.

A imagem de Sarah se aproximou da câmera. Ela pôs a mão na lente e o vídeo acabou naquele momento. Ele recordava bem o que aconteceu depois; Sarah segurou sua mão e eles caminharam juntos. Atiraram pedrinhas no rio observando as águas tremularem.

Ele estava chorando quando abaixou a tela do notebook.

[…]

Rosalie encontrou o avô dormindo no sofá ao entrar em casa. O ajudou levantar e subir a escada. A caminho do quarto, Norman perguntou como tinha sido na casa de Emmett. Ela resumiu em uma única palavra, difícil.

Deixou o avô confortavelmente na cama dele. Então foi para o quarto que um dia pertenceu a sua mãe. Sabia que seria uma noite longa, de pensamentos agitados.

[…]

Emmett permaneceu na cadeira do escritório até pouco antes de o dia clarear. Quando levantou, foi para ir à cozinha preparar uma xícara de café. Com a xícara exalando fumaça, saiu para o jardim dos fundos. Olhou o banco sob o caramanchão, voltando a pensar em Sarah.

Não demoraria, Olívia estaria de pé se preparando para ir à escola. Ele voltou para dentro de casa e, pela primeira vez em muito tempo, pensou em preparar um café da manhã de verdade para aquela garotinha.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada a quem comentou no capítulo anterior.