Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 14
Capítulo 13 — Assim Uma Mamãe Faria


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal!
Dedico o capítulo de hoje a B Carvalho pela linda recomendação. Espero muito que goste. E, muito, muito obrigada!

Tenham todos uma boa leitura!



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Quando Rosalie voltou estacionar em frente à casa de Emmett, uma segunda vez após desafiar a Sra. Smith, trazendo Olívia de volta da consulta médica, abrindo e fechando a porta do veículo devagar, a menina facilmente notou a diferença entre o modo grosseiro que pai quase sempre fechava a porta do carro dele.

Antes de abrir a porta traseira para retirar Olívia, olhou rapidamente na direção da casa. Reconheceu a figura da Sra. Smith espiando por uma brecha na cortina da janela no térreo.

Ela voltou sozinha com Olívia, depois de a menina passar por atendimento médico. Emmett acabou voltando ao trabalho minutos depois, após deixarem a farmácia. Antes, tinha tomado a menina dos braços de Rosalie ao vê-las chegar e dali em diante se dedicado ignorar sua presença. Até mesmo ficou com a menina enquanto ela voltava para buscar alguns documentos, seguindo suas instruções, sendo esse o único momento que se dirigiu a ela. Rosalie descobriu que Olívia tinha, sim, um plano de saúde pago pela avó paterna.

Gentilmente destravou o cinto de segurança que envolvia o corpo pequeno e miúdo da menina.

— Vem, meu amor — murmurou ao pegá-la no colo. Olívia se agarrou a ela com braços e pernas outra vez, assim como quando a tirou de casa horas atrás. Confiante. Segura. A cabeça ruiva descansando em seu ombro, apoiada ao cobertorzinho inseparável.

Rosalie seguiu pelo caminho de pedras que cruzava o jardim. E antes que pudesse alcançar a campainha, a Sra. Smith abriu a porta.

— Você é uma abusada — acusou sem rodeios. — Já perdi as contas de quantas vezes, só nessa tarde, entrou e saiu desta casa.

Rosalie ignorou sua grosseira, seguindo em silêncio para o lado de dentro, levando a menina fadigada em seus braços.

— Acha mesmo que pode chegar à casa dos outros e fazer o que bem entender? Seus pais não lhe disseram que isso não se faz?

Rosalie alcançava à escada quando a outra berrou.

— Agora que já fez o que queria, já pode ir embora.

Antes de pôr o pé no primeiro degrau, Rosalie parou e olhou para trás.

— A senhora pode falar o que quiser. Eu não vou embora até ter certeza que essa criança terá uma noite de sono tranquila. Então, pode continuar falando a vontade. — Não esperou por resposta, subiu dois degraus, antes de parar novamente e falar: — Ah, não se preocupe, passei no restaurante e trouxe o jantar da Ollie.

A senhora Smith notou a sacola do restaurante pendurada num dos braços dela, torcendo o bico para sua atitude.

— Eu não pretendia fazer nada mesmo — resmungou. — Não depois de ela ter se recusado comer da sopa que preparei mais cedo.

— Por Deus, ela não se sentia bem — Rosalie defendeu.

— Ela vomitou... — a velha revidou, indignada.

— Bom, até mesmo eu teria vomitado se tivesse de comer daquela coisa. — Rosalie cutucou e continuou a subir a escada. — Fala como se a criança tivesse feito por prazer.

— Eu não vou embora até o pai dela chegar — ouviu a Sra. Smith resmungar antes de finalmente poupá-la de seus comentários.

— Se a intenção for contar fofocas, está perdendo seu tempo. Ele já sabe tudo o que fiz.

A porta do quarto de Olívia estava escancarada, assim como havia deixado ao sair.

— Chegamos meu amor. — Rosalie a colocou na cama com cuidado, logo após deixar a sacola sobre a mesinha de cabeceira. — Vou preparar um banho para você. Vai ver como vai se sentir melhor.

Olívia esfregou o cobertorzinho no rosto, sem deixar de olhar para ela um só segundo. Pensando, o quanto era boa à sensação de se sentir querida.

— Você vai dar banho em mim? — pediu por fim.

Rosalie esfregou a barriga dela sobre a roupa amarrotada num cafuné.

— Se estiver tudo bem para você.

— Eu quero que você dê banho em mim.

— Que bom. Fique quietinha, descansando, que eu volto em um minuto. Depois que você estiver limpinha, vou servir o seu jantar, aquele que pegamos no restaurante a caminho de casa. Vai ficar tudo bem, Ollie.

Olívia suspirou, puxando a ovelhinha, deixada antes na cama, para junto do corpo. Os olhos seguindo cada passo de Rosalie à medida que ela se afastava e então deixava o quarto.

— Arco-íris? — chamou. Ao ter a amiga imaginária ao seu lado falou: — Ela voltou. Rose está aqui, na casa minha e do papai.

— Não está mais sozinha, Olívia — a amiga imaginária respondeu. — Não precisa sentir medo. Rose vai cuidar de você.

— Eu gosto muito dela.

— E ela de você.

— Ela é boazinha.

— As coisas vão melhorar de agora em diante. Acredite.

Rosalie procurou pelo banheiro no andar de cima. Não foi difícil encontrar, uma vez que a porta estava entreaberta. Sua intenção era preparar um banho bem gostoso de banheira para Olívia, mas não encontrou nada que pudesse usar na água para fazer espumas. O único shampoo infantil que encontrou estava com a data de validade vencida há alguns meses.

Ao menos conseguiu encontrar sabonetes novos no armário abaixo da pia. Retirou um da embalagem e colocou a banheira para encher. No mesmo armário encontrou também toalhas limpas. A maioria delas, manchadas por água sanitária. Pensou em Emmett, se ele teria manchado as toalhas sem querer durante a lavagem.

Queria muito lavar os cabelos de Olívia, mas pela falta do que usar e por já estar tão maltratado, resolveu não lavá-los por enquanto. A menina já estava abatida, repuxá-la ao pentear seus cabelos após uma lavagem com sabão, não seria legal. Com sorte voltaria ali outro dia e cuidaria dos cabelinhos dela com o cuidado que merece.

Voltou ao quarto e encontrou Olívia conversando com a amiga imaginária.

— Está pronta? — pediu.

A menina olhou para ela, movendo a cabeça positivamente.

— Sim.

Rosalie a pegou no colo.

— Arco-íris também vai tomar banho? — perguntou, tentando envolver a amiga imaginária no momento de cuidado para que Olívia se sentisse mais a vontade.

— Ela está dizendo que não, porque você já está cuidando mim muito bem.

— Obrigada pela confiança, Arco-íris. — Rosalie falou, então sussurrou para Olívia: — Você acha que ela me ouviu?

— Ouviu, sim.

Rosalie beijou seu rosto ao sair do quarto, levando-a no colo.

— Não encontrei nada que pudesse usar para deixar a banheira com espumas, Ollie. Queria ter feito algo agradável e divertido.

— Tudo bem. Eu sempre tomo de água e sabão mesmo, no chuveiro. Não precisa disso.

Rosalie sentiu por ela nunca ter podido brincar na banheira de espumas. Quando criança, ela e a irmã, Irina, costumavam fazer muita bagunça na hora do banho.

— Eu também gostaria de lavar seus cabelos, mas, se fizer isso somente com sabão, vai ser muito difícil para pentear e eu não quero machucar você.

Olívia pôs as mãos nos cabelos louros dela.

— O seu cabelo brilha — comentou, achando muito bonito. — Até parecem fios de ouro, que nem a história que eu ouvi na escola. E também me faz pensar na música brilha estrelinha.

— O seu também é muito bonito.

— Ele fica muito bagunçado. — Ela passou as mãos nos próprios cabelos. — Tem um monte de embaraço a maioria das vezes. Fica parecendo uma juba do leão.

— O seu cabelo é lindo, Ollie.

— Você acha mesmo, de verdade?

— Você é toda linda. Uma princesinha criada por Deus, cada pequenino detalhe, até mesmo cada uma dessas sardinhas que enfeitam seu rosto.

Um sorriso brilhou no rosto de Olívia, enquanto passava os braços em volta do pescoço de Rosalie.

Entraram no banheiro e Rosalie a pôs no chão. Antes que pudesse oferecer ajuda, Olívia começou retirar as roupas.

Rosalie lhe deu um sorriso triste, porque o momento a fez imaginar a quanto tempo àquela criança vinha cuidando de si mesma.

— Pronta? — pediu, se esforçando para não deixar Olívia notar sua tristeza em relação à vida que tinha ao lado do pai.

— Sim — a menina pareceu mais animada ao lhe responder.

Rosalie segurou sua mão e a ajudou entrar na banheira. Depois de prender os cabelos de Olívia no alto da cabeça, alcançou o sabonete e muito cuidadosamente começou lavá-la. Os olhos escuros a olhá-la diziam sobre como seu gesto significava.

— A sua mamãe também dava banho em você? — Olívia pediu de repente.

— Sim. E também na minha irmã. A gente fazia muita bagunça no banheiro. Era bem divertido — Rosalie se lembrou, novamente, da infância ao lado da irmã. Irina quase sempre criava situações que a levara ficar de castigo, mas também houve momentos em que se divertiram muito juntas. Lembrar-se de Irina também a fez lembrar-se de sua traição, isso fez seu coração apertar.

— Onde que ela tá? Rose?

Rosalie sacudiu a cabeça espantando os pensamentos sobre a irmã.

— Oi, amor?

— Onde que ela tá?

— Quem? Minha irmã?

— Ahã. — Olívia encheu as mãos com água observando atentamente escorrer entre os dedos.

— Ela está em Atlanta.

— É lá que fica sua casa de verdade?

— É, sim.

— Ah... O seu papai é bonzinho?

— Nem sempre.

— Ele te ama?

— Sim, apesar de nem sempre demonstrar.

Assim que terminou, Rosalie a enrolou na toalha e as duas voltaram de mãos dadas ao quarto. Ela a ajudou vestir o pijama, e não pode deixar de notar que, assim como a maioria de suas roupas, o pijama também estava curto e surrado. Novamente deu uma leve arrumada nos cabelos de Olívia. Pôs ela na cama, depois pegou a sacola do restaurante.

— Eu vou lá embaixo, pôr a comida num prato. Já volto, está bem?

Chegando à sala, encontrou a Sra. Smith cochilando no sofá. Deu-se conta, ao olhar na janela, que lá fora começa escurecer.

Depois de procurar na cozinha o que precisava, voltou ao quarto levando a bandeja com o jantar da menina.

Após comer tudo o que ela tinha levado, Olívia escovou os dentes. Antes de voltar a deitar na cama, pegou um livro no suporte ao lado da cômoda e estendeu na direção de Rosalie, que reconheceu o título no mesmo instante. O livro ilustrado contava a história da Arca de Noé. Ela e Irina tiveram um igual quando ainda eram crianças.

— Quer que eu leia ele para você? — Estava sentada na beirada da cama, quando estendeu a mão para receber o livro.

Olívia concordou com um breve movimentar de cabeça.

— Você gosta desse?

— Não sei... — Os ombros dela se moveram como estivesse envergonhada.

— Não conhece a história, Ollie?

— Só as figuras. Os bichinhos aparecem em pares.

— Ninguém jamais leu esse livro para você?

A menina negou com outro movimentar de cabeça.

— Você sabe há quanto tempo tem ele?

— Desde que eu era bebê.

Rosalie segurou o livro junto ao corpo, se inclinando para beijar a testa de Olívia. Pensando se teria sido a mãe a ter comprado o livro antes mesmo de ela nascer.

— Essa será apenas a primeira de muitas, Ollie. Prometo lê-lo outras vezes para você. E também outros livros. Todos que pudermos.

Olívia deitou na cama, com o semblante satisfeito estampado no rosto. Pegou a ovelha e o cobertorzinho, um em cada braço, mantendo-os juntos ao corpo. Esfregou a ponta do cobertor no rosto e olhos, aguardando.

Rosalie a cobriu até a altura do peito. Acomodou-se ao seu lado, só então abriu o livro.

Olívia ficou ansiosa, observando os dedos dela deslizarem sobre as folhas ilustradas. Logo a primeira frase deixou os lábios de Rosalie, o olhar das duas se encontrou. Ambas conscientes de que o momento ficaria para sempre gravado em suas lembranças. Da mesma forma que ficou gravado o momento que entrou com ela e pai na sala do médico. Não foi encontrado nada que desse origem a sua febre, por isso foi medicada e mandada de volta para casa. Se a febre persistisse, teria de voltar para mais exames.

Quando já estava quase dormindo, Olívia falou com voz de sono.

— Você vai embora?

Rosalie fechou o livro. Levou uma mão a repousar no corpo de Olívia, sentindo sua respiração suave a movimentar o peito.

— Eu preciso ir, Ollie. Mas, fique tranquila, não irei até que esteja sonhando com os anjinhos.

— Então eu vou sonhar com você — murmurou, fechando os olhos, sucumbindo ao cansaço.

Suas palavras fizeram crescer ainda mais o amor que Rosalie tinha por ela.

Deixou o livro na mesinha de cabeceira. Ajeitou a cobertor ao corpo dela e depositou um beijo em sua testa. Olívia se virou de lado, sem desgrudar dos dois objetos de conforto.

— Eu te amo, Rose — murmurou.

Rosalie beijou sua bochecha.

— Eu também te amo, Ollie. Amanhã, se estiver se sentindo bem, vá à escola. Levarei seu almoço e aproveitarei para vê-la. — Ficou acariciando os cabelos de Olívia até ter certeza de ela estar no sono solto. Somente então recolheu a bandeja e deixou o quarto.

Descia a escada quando percebeu alguém abrindo a porta da frente. A Sra. Smith ficou de pé, se mostrando ansiosa. Seu sono pareceu ter sumido no momento que ouviu a porta. Rosalie sabia bem por quê. Aquela velha rabugenta iria entregá-la aos leões.

Ao alcançar o último degrau, viu Emmett entrar na sala trazendo um boné surrado na mão. Os cabelos bagunçados. O olhar cansado.

Tinha sido ele a pagar os medicamentos de Olívia, ainda que ela tenha insistido.

Apesar de o desleixo com a aparência e de seu jeito rude de tratar as pessoas, não podia negar que era um homem muito atraente. Sentia uma agitação estranha toda vez que o via.

A voz da Sra. Smith logo interferiu em seus pensamentos sobre o pai da criança dona de seu afeto.

— Aquela moça... — começou a vizinha. Seu olhar era de quem estava gostando de jogar lenha na fogueira. Antes que pudesse continuar com a fofoca, Emmett lançou o olhar na direção da escada notando a presença de Rosalie.

— Achei que quando chegasse você já teria ido embora — bradou com ela.

A Sra. Smith tomou dianteira, dando continuidade ao que tanto queria fazer desde que Rosalie entrou na casa mais cedo.

— Eu tentei te avisar sobre isso. Essa moça chegou aqui mais cedo e até levou a menina. Você teria ficado sabendo se atendesse aquele aparelho que vocês chamam de telefone celular. — então completou aos sussurros: — Nem sei para que quer, já que nunca atende quando precisa. 

O olhar de Emmett para Rosalie demonstrava raiva e desprezo em relação sua presença.

— Eu já sei de tudo. E se não atendi foi porque tinha recebido uma ligação antes. — Olhando para Rosalie, avisou: — Não pense que irei te agradecer toda hora pelo que fez hoje.

— Não se preocupe, não esperava que fizesse isso. — Ela deu alguns passos em direção à sala de jantar.

— Onde pensa que vai? — Emmett logo questionou.

— Vou deixar isso na cozinha. — Ela moveu a bandeja sutilmente para caso ele não tivesse notado o objeto.

Emmett avançou em sua direção, segurando seu braço com rispidez. A louça na bandeja chacoalhou. A Sra. Smith tinha um sorrisinho de vitória estampado no rosto.

— Você vai sair de minha casa agora mesmo — Emmett exigiu, empurrando-a a caminho da porta da frente. — Já me encheu a paciência demais para um só dia.

Na tentativa de se livrar das mãos dele, ela soltou uma das mãos da bandeja.

— Me solta! — exigiu. O rosto começando ficar vermelho de raiva. — Está me machucando — ao dizer isso, a bandeja escapuliu da mão. O prato se quebrou, o copo de plástico e os talheres deslizaram em direções opostas. — Seu monstro — disparou, observando as coisas no chão.

— Saia de minha casa — Emmett abriu a porta empurrando-a para a varanda fria. — Não quero que volte aqui — avisou, com Rosalie se equilibrando nós próprios pés, após ser empurrada.

— Você pode até não querer, mas acontece que a Olívia quer.

Quando percebeu que ele fecharia a porta em sua cara, pôs o pé no caminho impedindo o gesto. Retirou uns papeis do bolso do casaco e estendeu para ele.

— O que é isso? — Ele olhou do papel para ela.

— Um desenho dela para você.

— Eu não quero.

— Eu já disse que é para você. Só fique com isso.

Emmett olhou mais uma vez o papel que segurava, Olívia tinha desenhado os dois ao lado dela. Amassou nos dedos, em seguida, atirou no chão.

Rosalie meneou a cabeça, se recusando acreditar no que ele tinha feito.

— Você ouviu o médico, provavelmente a febre que teve hoje foi de fundo emocional. Ainda assim, é preciso estar atento. Os remédios, eu deixei no armário da cozinha.

— Já disse tudo o que queria? — ele pressionou.

— Eu tenho muitas coisas...

Emmett tornou segurar o braço dela, obrigando-a sair do caminho.

 — Monstro! — Rosalie gritou no momento que a porta bateu, a centímetros de seu nariz. Logo se deu conta de que aquilo era ridículo e que poderia acordar Olívia com tanto barulho. Calou-se e seguiu caminho até onde estava estacionado seu carro. Tropeçou numa raiz exposta, e antes que pudesse praguejar, olhou para trás. A Sra. Smith estava saindo da casa de Emmett. Imaginou se ele a teria expulsado também. Sentiu vergonha de si mesma por desejar que isso houvesse acontecido. Logo se deu conta, pela expressão satisfeita no rosto dela, que não teria sido esse o caso. Deu mais alguns passos, alcançando finalmente a porta do carro. Em pouco tempo, partiu deixando a casa.

[…]

Emmett andou de um lado para o outro, incomodado com tudo que estava acontecendo, com a intromissão de Rosalie. Hoje ela havia passado dos limites, segundo ele, o obrigando sair do trabalho no meio do dia como fosse senhora de sua vida. Chutou a bandeja no chão e resmungou.

— Quem ela pensa que é? — Olhou no alto da escada, se certificando que Olívia não estava ali. — Que criança nunca teve uma febre. — Voltou abaixar a cabeça, deparando com o desenho no chão. Pisou em cima sem remorso e seguiu para a cozinha. Encontrou uma garrafa de uísque pela metade no alto do armário, servindo-se de uma dose.

[…]

Norman esperava por Rosalie do lado de fora. Assim que avistou o carro da neta se aproximando pelo caminho de cascalho, desceu os degraus da varanda para encontrá-la.

Rosalie saltou do carro com a expressão de assombro ainda em seu rosto. Norman reconheceu imediatamente a mudança.

— O que aconteceu? Onde estava? Estava preocupado com você. Disse que não demorava e não voltou mais. Já sou uma pessoa de idade, não pode me deixar preocupado desse jeito.

— Desculpe-me vovô. Acabei me esquecendo de avisar. — Ela passou o braço no dele e os dois caminharam até a varanda. — Olívia não foi à escola hoje, como disse ainda pela manhã — continuou dizendo. — Não consegui ficar o dia todo sem notícias dela, tive de descobrir o que estava acontecendo.

— Você esteve esse tempo todo lá, com ela?

Norman abriu a porta e os dois entraram na casa juntos.

— Sim e não.

Ele a olhou sem entender.

— Eu estive com ela esse tempo todo, mas não o tempo todo na casa deles. — Tive de levá-la ao médico. Ela estava com febre quando cheguei e tinha vomitado, também. Nem sei o que pensar daquela vizinha. Ela não cuida da menina como supostamente deveria cuidar. Pelo menos consegui arrastar o pai e ele engoliu a raiva enquanto esteve no consultório médico.

Norman pareceu preocupado.

Rosalie acariciou seu braço.

— Fique tranquilo vovô. Ela está bem agora. Cuidei para que ficasse bem. Ao menos por essa noite, eu sei que está bem. A deixei dormindo, de banho tomado e barriga cheia. E já não estava mais com febre, graças a Deus.

— Você tem um bom coração Rose. — Norman fez um carinho no rosto da neta.

— Acho que puxei ao senhor.

— Não, você é ainda muito melhor que eu.

— Acredita que o pai dela me expulsou, depois de tudo? Nem se importou que estivesse cuidando da filha dele. Que homem mais grosseiro.

— Ele machucou você?

— Não se preocupe vovozinho, eu estou bem.

— Se algum dia ele vier a machucar você, me avise e irei tirar satisfação com ele. Ele irá conhecer minha ira.

— Eu estou bem vovô. Por favor, não vá falar com aquele homem. Ele é tão rude que nem respeitaria o fato de ser um senhor de idade.

— Ele que não se atreva a machucar você.

Rosalie apertou o braço do avô nos seus.

— Vovozinho — murmurou. — Mas, é sério vovô, não quero aquele ogro destratando o senhor. Eu ficaria muito louca da vida. E isso não ria dar certo.

Norman deu um sorrisinho de satisfação. Rosalie aguardou, olhando para ele com expectativa.

— O que foi? — pediu desistindo de esperar.

— Nada.

— Como assim, nada? — Ela cutucou a bochecha dele. — E esse sorrisinho aqui?

Norman sorriu com gosto.

— Vamos tomar um chá?

— Por que está mudando de assunto? — Ela tinha também um sorriso no rosto quando fez a pergunta, embora quisesse parecer seria.

Os dois entraram na cozinha juntos. Norman se afastou para preparar o chá. Enquanto ele punha a chaleira no fogão, Rosalie pegou as xícaras.

— Ainda vai voltar lá, na casa deles?

Rosalie colocou as xícaras em cima da ilha, acrescentou os saquinhos de chá e olhou para ele.

— Pela a Olívia.

— Você e essa garotinha estão muito apegadas uma a outra. O que vai acontecer quando você tiver de voltar para Atlanta?

— Eu não sei... não quero pensar nisso agora.

— Você é adulta, mas ela é só uma garotinha.

— Vovô, acha que tem alguma chance de o pai dela mudar? De se tornar uma pessoa amável e preocupada com a filha? Preciso que me responda com sinceridade.

— Acho que não vai acontecer a menos que ele esteja disposto a tentar.

Rosalie meneou a cabeça concordando. Norman acrescentou a água quente às xícaras. Cada um pegou a sua, em lados opostos da ilha, um de frente para o outro.

[…]

Pela manhã Olívia acordou antes mesmo do despertador tocar. Tinha sonhado a noite inteira com Rosalie e Sarah. No sonho, Sarah segurava sua mão enquanto caminhavam num jardim florido onde borboletas flutuavam. Rosalie se aproximou e Sarah lhe entregou a mão de Olívia. Arco-íris apareceu um único momento para falar com elas e depois partiu. Sarah sorriu para Olívia e lhe disse que a amava mais que tudo.

Olívia tinha um sorriso nos lábios ao abrir os olhos aquela manhã. Quando a realidade lhe tomou, saltou da cama. Ainda de pijama e meias, apressou-se em ir até à porta do quarto e saiu para o corredor.

— Rose? Rose? — correu até o banheiro procurando por ela. — Rose? — angustia voltando atormentar seu coraçãozinho. — Rose? — chamou mais uma vez. No patamar da escada, olhou para baixo. — Rose? Cadê você?

Emmett saiu do quarto com a cara amassada.

— O que pensa que está fazendo? — chamou atenção de Olívia. — Por que está gritando desse jeito uma hora dessas?

— Papai? Papai.

Olívia se aproximou com os braços estendidos, pronta para abraçar as pernas dele quando ele recuou. Ela olhou para cima, os lábios tremendo. Triste pela ausência de Rosalie e a indiferença do pai.

— Onde está a Rose?

— Na casa dela, onde mais estaria?

Olívia coçou o olho, esfregando o cobertorzinho. Em seguida, ergueu os braços pedindo o colo dele.

— Já que levantou vá escovar os dentes e se trocar para ir à escola. — Sem esperar por uma resposta, virou as costas e voltou para o quarto.

A menina ficou no corredor esperando por ele, até entender que não sairia do quarto para ficar ela. As lágrimas molharam seu rosto deslizando sobre as sardas. Logo estava chamando por Arco-íris mais vez.

Na companhia da amiga imaginária, voltou para o quarto. E só parou de chorar quando Arco-íris lembrou que Rosalie iria encontrá-la na escola, no estacionamento para lhe entregar o almoço.

A pequena se trocou às pressas. Colocou a mochila nas costas e correu para escovar os dentes.

Comeu cereal com leite. E por garantia colocou uma fatia de pão no embrulho de papel e guardou na mochila.

Faltavam ainda alguns minutos para o ônibus passar por sua rua, quando saiu com a mochila nas costas. Tentou proteger do frio os pulsos onde as mangas do agasalho não lhe aqueciam mais.

— Arco-íris — Emmett a ouviu chamar do lado de fora. Ao se aproximar da janela viu a filha gesticulando enquanto falava sozinha. Ela indicou com a mão o ponto de ônibus, e então seguiu para lá, como segurasse na mão de alguém, a amiga imaginária, ele sabia. Afastou-se da janela evitando esbarrar no violoncelo de Sarah que ficava posicionado logo ali ao lado. Estranhado o fato de o arco ter caído sem nem mesmo ter relado nele. Recolheu o objeto e pôs de volta no lugar, com uma breve olhada em direção à janela; as cortinas abertas se encontravam paradas, nenhuma brisa a soprar.

Depois de se trocar e tomar apenas um café preto, ele saiu para mais um dia de trabalho árduo.

 


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada pelos comentários no capítulo anterior.