Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 12
Capítulo 11 – As Cores do Arco-íris Parecem Fracas




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Rosalie estacionou o carro em frente à casa de Emmett poucos minutos depois de Olívia tê-la assustado saindo do assento para ficar de pé entre os bancos, quando estava distraída pensando nos motivos que a levaram aquela cidade. A menina não falou muito depois disso.

Durante esse tempo, Rosalie voltou também a pensar em Emmett, na relação complicada dele com a filha. Era difícil não se sentir triste depois de lembrar o que fizeram a ela no passado recente. Ainda assim, comparando seus problemas ao de Emmett e Olívia, compreendia que não era tão grande assim.

Desde o primeiro momento, sem mesmo ter conhecimento de causa, quis ajudar e cuidar daquela criança. Talvez porque seu coração sempre esteve cheio de amor materno.

— Pronto, chegamos! — Ela virou o corpo no assento, de maneira a olhar no rosto de Olívia no banco de trás. — Você já está em casa, minha princesa.

A menina olhou sem ânimo a casa com o jardim arruinado e então para Rosalie novamente, sem dizer uma só palavra.

— Eu vou ajudá-la — Rosalie mencionou, abrindo a porta para sair do carro em seguida.

Olívia tinha voltado olhar a casa, quando Rosalie se pôs ao seu lado, soltando o cinto de segurança.

— Pronto, querida, você já pode descer agora.

Olívia virou o rosto devagar, olhando para ela um instante, antes de finalmente sair do carro. Era estranho, ainda que fosse sua casa, o coração não a sentia dessa maneira.

Rosalie pegou a mochila e entregou a ela.

— O que houve Ollie? Você ficou triste porque falei para ficar sentada e com o cinto?

A menina negou balançando a cabeça devagar.

— Eu só fiz aquilo porque me preocupo com você.

— Eu também me preocupei com você — a resposta de Olívia foi sussurrada. Antes que Rosalie conseguisse dizer qualquer coisa, o olhar triste estava outra vez no rosto dela.

— Ah, meu anjo — Rosalie murmurou de volta. Em seguida, se abaixou para ficar na altura dela, fez um afago em seu rosto e completou: — Não precisa ficar preocupada comigo. Eu estou bem.

— Foi por minha causa que você ficou triste? — Olívia olhou nos olhos dela ao fazer a pergunta. Rosalie quase não suportou tamanha tristeza nos olhos da menina.

— É claro que não, Ollie. Isso jamais aconteceria.

— O papai sempre está triste... e bravo. Acho que é por minha causa que ele fica assim.

Rosalie tornou afagar o rosto dela, deslizando o polegar nas sardas minúsculas.

— Eu tenho certeza que não é culpa sua. Os adultos são bem complicados às vezes. Nem sempre as coisas vão bem no trabalho ou... Bem, acontece de algumas vezes ficarmos tristes e mal-humorados.

— O trabalho do papai deve sempre dar errado, então.

A resposta acendeu a luzinha da preocupação na cabeça de Rosalie outra vez. Precisava encontrar uma forma de melhorar isso, mesmo que não fosse fácil.

— Mesmo que seu papai pareça estar sempre irritado, ele te ama. Seu papai te ama, Ollie.

A expressão de tristeza suavizou no rosto de Olívia. Rosalie a pegou num abraço apertado e quando a soltou foi para dizer:

— Agora vai lá, meu anjo. A gente se vê amanhã na escola.

Olívia deu tchau e aos poucos foi se afastando dela. Rosalie ficou observando-a carregar a mochila pela alça, tomando cuidado ao atravessar a bagunça que era o jardim. Doeu reconhecer o quanto Olívia estava habituada aquele estilo de vida. E como o ambiente sem vida parecia abraçá-la. A tristeza daquela criança se refletida em cada canto; na casa, no jardim, nos ombros curvados, nas roupas que pareciam ter encolhido. E no próprio pai.

Quando a menina olhou para trás, Rosalie se esforçou em sorrir para ela. Acenando com a mão, disfarçando o sentimento de pena e tristeza que fez martelar seu coração.

Esperou Olívia chegar à varanda, imaginando que entraria na casa em seguia. Mas, assim como ocorreu no dia anterior, quando seguiu o ônibus escolar até a casa deles, Olívia sentou no banco de madeira branca, pôs a mochila do lado e esperou.

Rosalie ficou preocupada. Não podia simplesmente partir e deixá-la ali sozinha. Por isso, resolveu que o melhor era sair do carro e ir ficar com ela.

De cabeça baixa, Olívia só notou sua presença quando parou de frente para ela. Então ergueu a cabeça, reconhecendo a figura a sua frente com satisfação.

— Por que você não entra na casa? — Rosalie olhou brevemente a porta fechada.

— Está trancada com a chave. Eu tenho de esperar a Sra. Smith chegar.

Sério, Rosalie pensou. Não era possível que isso acontecesse todos os dias. O que essas pessoas tinham na cabeça?

— Ela sempre chega depois de você?

Olívia concordou com um leve movimentar de cabeça.

— Ela tinha de estar aqui para recebê-la, não o contrário. — Ficou um minuto em silêncio, indignada, pensando em tudo aquilo, para depois voltar a falar: — O seu pai sabe que isso acontece?

A menina apenas deu de ombros.

— Parece que seu pai não sabe de muitas coisas. — Rosalie pensou nas coisas que Olívia lhe disse, em conversas anteriores. Sentou no banco ao lado da menina. — Eu posso ficar aqui com você até ela chegar?

Olívia olhou para ela, balançando a cabeça de forma positiva. Rosalie percebeu facilmente que seu gesto a deixou feliz.

Pelo tempo em que estiveram sentadas ali sozinhas, Rosalie a ensinou brincar com as mãos, batendo uma a da outra, enquanto cantarolavam. Foram várias tentativas falhas, entre risos e caretas, até Olívia conseguir fazer certinho. Aí a Sra. Smith chegou e o sorriso desapareceu de seu rosto como num passe de mágica.

— Quem é essa aí com você? — a velha exigiu.

Olívia parecia querer esconder as mãos quando a vizinha se aproximou da varanda. Rosalie percebeu o desconforto da menina no mesmo instante. E, tentando tranquilizá-la, passou a mão nos cabelos dela, prendendo uma mecha atrás da orelha.

— Quem é essa aí, Olívia? — a velha insistiu.

— Não fale assim com ela, senhora — Rosalie se pôs de pé, pronta para defender Olívia de qualquer situação. — Isso não está certo.

— O que você está fazendo aqui com ela? — a Sra. Smith continuou.

— Eu me chamo Rosalie Hale. Eu a trouxe para casa hoje. Só estava esperando a senhora aparecer para ir embora.

— Pois bem, agora já pode ir. — A Sra. Smith resmungou e logo em seguida agitou a mão na direção da porta. — Para dentro, Olívia. E pegue suas coisas.

Olívia obedeceu sem questionar. Rosalie a observou passar pela porta com a cabeça baixa. Não era justo o que o pai e aquela senhora faziam aquela criança. Como conseguiam ser tão frios e indiferentes.

— Não é desse jeito que devemos tratar uma criança — ela fez o alerta.

— Você trouxe a menina, agora já pode ir embora.

— A senhora tem consciência das coisas que diz a Olívia? Coisas que poderiam facilmente ser consideradas ameaça a vulnerável, humilhação e abuso emocional. Colocando em risco seu desempenho psicológico e autoestima. 

A Sra. Smith passou para o outro lado da porta.

— A senhora não tem vergonha, uma mulher de sua idade, fazendo isso com uma pobre criança indefesa? O que vem fazendo é considerado crime, só para que fique claro.

— Você não tem provas. — resmungou, batendo a porta, sem dar a chance de Rosalie dizer tudo o que queria. Ainda assim, ficou mais um tempo na varanda, esperando não sabia exatamente o quê. Talvez o choro de Olívia. Então entraria na casa e faria aquela senhora abusada se calar.

Quando chegou a casa do avô, pouco tempo depois, encontrou Norman lavando a mão, que sangrava, embaixo da torneira da cozinha.

— Vovô! — Ela correu até ele. As mãos alcançando os pulsos do avô rapidamente, afastando da água corrente para ver o que tinha acontecido. — Vovô — ela tornou a dizer. E seus olhos vagaram do corte na mão dele para o rosto tranquilo. — O que aconteceu? Como se cortou?

Norman recolheu as mãos, alcançando um pano de prato na bancada.

— Não foi nada. É só um cortezinho bobo.

— Um cortezinho bobo? É sério, vovô? Bem, como isso aconteceu?

— Quebrei um copo sem querer. Quando fui limpar aconteceu isso.

— Por que não usou o aspirador ou mesmo a vassoura em vez de usar as mãos? — Ela olhou nas mãos do avô. — Venha cá, me deixe cuidar disso.

— Não cortei as duas.

— Me deixe ver isso, vovô, ou levarei o senhor ao hospital mesmo na marra.

Norman sorriu, mostrando a mão machucada para a neta.

— Você teria de me golpear na cabeça para conseguir isso.

— Não me tente, vovô. Eu posso ser bem doida quando se trata de cuidar das pessoas que eu amo. Não meço esforços ou mesmo temo o perigo.

— Loucura parece que é algo de família, não? — Norman brincou. Os dois acabaram rindo do comentário infeliz.

— Tudo bem, seu resmungão. É seu dia de sorte, não precisarei golpeá-lo na cabeça. Posso cuidar disso aqui mesmo. Só tem de me dizer onde encontrar o kit de primeiros socorros e pronto.

— No armário do banheiro ao lado da escada.

— Fique aqui — ela avisou. — Nem pense em fugir. Estou de olho no senhor.

— Esta é minha casa. Para onde mais eu iria?

Rosalie olhou para ele sobre os ombros.

— Sei lá. Para as montanhas, talvez?

Norman deu risada com gosto.

— Você é mesmo minha neta.

— Tinha alguma dúvida quanto a isso?

— De forma alguma.

— Sabemos ser insistentes quando queremos, não é mesmo? — Ela o provocou, com um falso olhar intimidador.

— Você é minha neta favorita, sabia?

— Não acredito no senhor. Só diz isso porque estou aqui. Com certeza diria o mesmo para Irina.

— Se sua irmã aparecesse na minha frente depois do que fez, eu lhe daria uma boa surra. — Norman percebeu o erro logo depois de falar. — Desculpe-me, querida, eu não queria...

— Está tudo bem vovô. Deixa isso pra lá.

— É melhor você ir logo buscar esse kit de primeiros socorros, antes que eu mude de ideia sobre fugir para as montanhas.

— Não fale isso — Rosalie correu para fora da cozinha. — Eu volto num minuto — avisou ainda enquanto se afastava. — Não de atreva a sair daí.

Norman permaneceu onde estava com um sorriso de divertimento estampado no rosto. Contente por tê-la ao seu lado, ainda que por pouco tempo.

[…]

Quando Emmett voltou para casa, depois de mais um dia exaustivo de trabalho, encontrou a Sra. Smith secando a louça na cozinha. Ela estava de costas para a porta quando entrou, trazendo um pacote de cerveja numa mão, pão e cereal na outra.

Ele deixou a sacola na bancada e foi guardar a bebida na geladeira.

— Boa noite! — desejou, sem muita vontade.

A mulher virou para olhá-lo.

— Você chegou — ela resmungou. E estendeu o pano de prato no puxador do fogão antes de voltar a falar: — A menina acabou de jantar e foi para o quarto dela. Tem comida em cima do fogão, caso queira jantar.

— Obrigado! — Ele olhou no fogão. — Acho que vou comer um pouco sim.

A Sra. Smith anuiu. Em seguida se encaminhou rumo à porta que separa a sala de jantar da cozinha, parando entre os dois cômodos, virou-se para perguntar:

— Aconteceu algo com o ônibus escolar essa tarde?

Emmett lavou as mãos na pia, virando para olhar a vizinha, enquanto as secava no pano de prato.

— Não fiquei sabendo de nada. Por que a pergunta? Olívia não veio no ônibus hoje?

— Uma moça, que nunca vi antes, disse ter trazido ela da escola hoje.

A expressão no rosto de Emmett sugeriu que não fazia ideia sobre quem era a tal moça. Mas não revelou nada sobre estar preocupado.

— Era uma moça muito bonita. Toda arrumada. Dirigia um desses carros, de gente endinheirada.

Emmett estava tendo dificuldade em relacionar a explicação da vizinha à figura em sua mente.

— Seja como for, eu não estava sabendo de nada. Ninguém na escola me ligou para avisar.

— Ela não me pareceu confiável. A menina não deveria andar por aí...

— Obrigado, Sra. Smith — Emmett a cortou —, mas não precisa se preocupar. Olívia é responsabilidade minha.

A velha saiu da cozinha, incomodada, pensando que não gostaria de voltar a ver Rosalie, ela havia feito acusações graves a seu respeito. Ao pegar o casaco no gancho ao lado da porta, resmungou:

— Olívia é responsabilidade minha. Como se algum dia tivesse cuidado da chatinha como um pai de verdade faria. Não passa de fracassado.

Emmett ouviu a porta da frente bater quando a vizinha deixou a casa. Pegou prato e talheres e se serviu da comida em cima do fogão. Apenas por um momento se pegou pensando no motivo de Olívia não ter voltado da escola no ônibus escolar, e ninguém ter ligado para ele avisando.

Quando terminou, lavou a louça e deixou secando na pia. Como era de costume, desde a morte da esposa, levou uma lata de cerveja com ele para a sala. Ligou a televisão e estava no canal infantil. Ele logo mudou para um documentário sobre a vida marinha. Bebeu alguns goles de cerveja direto da lata, antes de se recostar no sofá com os braços estendidos sobre o encosto relaxando as costas. Depois de alguns minutos, fechou os olhos. Os ombros doíam do trabalho árduo, mas ele não se importava.

No andar de cima, Olívia se remexeu na cama sem conseguir dormir. Ainda era cedo e ela não tinha sono. Tinha mesmo era saudade do papai. Vê-lo por apenas alguns minutos, na parte da manhã, não era suficiente. Ela queria estar com ele. Fazer coisas juntos como a maioria das famílias faz. Gostaria de ouvir sua voz com mais frequência. Queria seu cuidado e carinho, mas, como não podia ter todas essas coisas, se contentava em vê-lo de longe, mesmo que algumas vezes ele estivesse dormindo.

Ela se despediu da amiga imaginária e, abraçada ao cobertorzinho, seguiu pelo corredor parando ao alcançar o topo da escada. Desceu dois degraus, avistando o papai no sofá, a cabeça descansando no encosto.

Desceu mais dois degraus e se sentou ali. Recostada à grade de proteção de madeira, apertou o tecido do cobertorzinho entre os dedos. Ficou por um tempo, em silêncio, vendo o papai cochilar, somente para amenizar a falta que sentia dele.

Passado um instante, Emmett sentiu que alguém o observava. Inicialmente, pensou em Sarah. Ergueu a cabeça, abrindo os olhos sem pressa. Aos poucos afastou os braços do encosto do sofá.

Não era Sarah quem estava ali, e jamais volataria estar. Ele olhou para trás e Olívia estava lá, sentada na metade da escada, olhando para ele. Ela se parecia tanto com a mãe. Às vezes Emmett se perguntava se toda aquela semelhança era uma forma de punição.

— O que está fazendo aí? — ele pediu. — Por que não está no quarto? Você já deveria estar dormindo.

Olívia não respondeu.

— Por que está aí, Olívia? — ele insistiu. — E outra vez com esse cobertor encardido.

A menina se encolheu, apertando o cobertorzinho junto ao corpo.

— Vamos, me responda.

— Nada — ela arriscou em dizer.

— Pois então volte para o seu quarto.

Ela se levantou e começou subir os degraus que faltava para chegar ao patamar. Ele a chamou.

— Espere! — Olívia parou, olhando na direção dele. — Quem trouxe você da escola hoje?

— Foi a Rose.

— Quem é Rose?

— A moça que esteve aqui ontem à noite. Aquela com cabelos louros, que é minha amiga.

Então era ela, pensou. E não ficou nada satisfeito em saber que Rosalie tinha voltado a casa dele.

— Por que ela fez isso? O ônibus quebrou?

— Não.

— Por que então?

Olívia deu de ombros.

— Volte de ônibus amanhã, ok?

— Ok — Olívia respondeu, e tornou subir os degraus restantes.

Emmett desligou a televisão, permanecendo sozinho no silêncio por mais um tempo, antes de levantar e subir a escada. Pensou em tomar um banho para então cair na cama e finalmente descansar.

[…]

Rosalie e o avô assistiam à televisão na sala juntos. Ela mantinha a cabeça descansando no ombro dele, quando notou que roncava. Levantou a cabeça, olhando no rosto dele com carinho.

Devagar encostou a mão no peito de Norman e o chamou.

— Vovô? Vovozinho.

Norman abriu os olhos, ainda confuso devido o sono.

— O senhor dormiu. Acho melhor ir para a cama agora.

Ele sorriu para a neta, e ela pensou se ouviu de verdade o que disse ou se estava sonhando.

— Vovozinho — Rosalie se levantou, estendendo as mãos para ele. — Vá dormir na cama, por favor.

 — Acho que dormi mesmo... — ele finalmente aceitou ajuda.

— Eu tenho certeza disso. — Rosalie segurou nas mãos dele. — Venha, eu te ajudo. Devagar para não tropeçar.

— Não é necessário, querida. Eu posso fazer isso sozinho.

— Não discuta comigo vovô. — Ela tomou cuidado com a mão dele, onde havia o curativo feito mais cedo.

— Eu já fazia isso mesmo antes de você chegar.

— Não duvido. Agora que estou aqui, quero ajudar. E não adianta fazer birra.

— Está bem. Está bem. Garota teimosa. — Rosalie achou graça. Norman continuou resmungando até chegar ao quarto, no segundo andar, onde a neta o guiou até a cama.

— Agora me deixe sozinho, por favor. Eu preciso me trocar. Não pense que vai ficar aqui bisbilhotando ainda tenho minha dignidade.

Rosalie não pôde disfarçar o sorriso que a indignação dele lhe causou.

— Nunca nem mesmo pensei fazer isso, senhor dignidade. — Ela seguiu rumo à porta. — Pode ficar tranquilo. Boa noite, vovô.

— Boa noite, minha menina.

Rosalie fechou a porta do quarto no momento em que ele retirava de uma gaveta na cômoda o pijama.

[…]

Alguns dias depois...

Rosalie e Olívia estavam juntas na biblioteca, pouco tempo depois de terminarem o almoço. Ela a ajudava com a leitura, ainda que a professora fizesse sua parte durante as aulas, haviam combinado assim, após descobrirem a dificuldade que tinha com a leitura.

Havia um livro ilustrado diante ambas. Olívia deslizava o dedo sobre cada letra, seguindo o movimento com os olhos, se esforçando em soletrar.

Na sala havia outras quatro crianças, todas ocupadas em suas atividades.

— Isso é muito difícil — Olívia se queixou. Parecia cansada e desanimada, também. — Acho que nunca irei conseguir...

Gentilmente, Rosalie pôs a mão sobre a dela.

— Ei, não desanime, está indo muito bem. Como pode pensar que não é capaz. Você é capaz Olívia. A própria Hannah disse que melhorou nesses últimos dias. Ela ficou muito contente por eu estar te ajudando, e com todo seu esforço. Vamos querida, não desista agora.

— Eu gosto mais quando é com você. E aqui na biblioteca, onde não tem muitas pessoas.

— Eu sei pequena. Mas sua professora também é legal. Além disso, você precisa se aproximar mais dos seus colegas. Fazer amizades. Brincar. Se divertir.

— Eles não gostam de mim. — confessou com ressentimento. — Eles me acham esquisita. Pessoas esquisitas são quase sempre deixadas de lado.

— É claro que não. Todos querem a chance de se tornar seus amigos.

A menina olhou nos olhos dela, com a pequena curva de um sorriso marcando seus lábios.

— Agora vamos voltar para a leitura? — Rosalie sugeriu a mão ainda sobre a de Olívia, que moveu a cabeça aceitando o que disse.

Com muita paciência, Rosalie ajudou, incentivou e esperou.

Somente depois de um tempo conseguiu coragem para dizer a Olívia o que estava querendo dizer desde que chegou a escola pela manhã. Logo Olívia teria de voltar para a sala de aula e ela não teria chance de vê-la até o horário da saída, quando pegaria o ônibus. Olívia continuava voltando de ônibus para casa, Emmett foi claro ao dizer que não autorizava que Rosalie a levasse. Mesmo decepcionada, não desistiu de ajudar a menina.

Durante esses poucos dias na escola primária, Rosalie ouviu um número considerável de vezes que Olívia estava bem mais motivada desde sua chegada. Que a menina não parecia mais tão triste toda vez que estava ao lado dela.

Agora, Rosalie tinha algo a dizer, só não sabia como fazer isso sem magoá-la.

— Ollie... — ela começou, segurando nas mãos da menina.

— Eu já tenho de ir? — pediu, deixando de olhar no livro para prestar atenção nela.

— Não, ainda temos alguns minutinhos.

— Eu fiz algo errado?

Rosalie percebeu a preocupação cruzar o rostinho dela.

— Você não fez nada de errado. — Ela fez uma pausa. Olívia aguardou em silêncio, sem tirar os olhos dela. — Olívia...

— O que houve Rose? Tem certeza que não fiz algo errado?

— Você não fez nada errado, meu anjo. É que preciso te dizer uma coisa, mas não sei como fazer isso.

Olívia piscou os olhos, parecendo confusa.

— É uma coisa ruim, não é?

Rosalie afagou as mãozinhas dela sobre a mesa de estudos.

— Hoje é meu último dia aqui...

Mesmo ainda enquanto falava, Rosalie viu a tristeza mergulhar nos olhos de Olívia. Esse foi um dos motivos pelo qual adiou a notícia. Não queria vê-la tão triste, depois de tudo que vinha fazendo para trazer um sorriso a seu rosto.

Os lábios da menina se projetaram num beicinho, e Rosalie se sentiu péssima. Magoá-la era o que menos queria.

— Por quê? — Olívia pediu, e os lábios tremeram.

— Rachel vai voltar. Ela não está mais doente. Eu sinto muito, Ollie. Não vou estar mais aqui todos os dias.

— Para onde você vai? — Olívia estava chorando agora, sentindo como se o arco-íris que dava alegria a sua vida começasse perder as cores.

Rosalie passou a mão no rosto dela limpando as lágrimas.

— Não chore Ollie. Não gosto de te ver assim. Parte-me o coração, querida.

Olívia soluçou.

— Eu não vou estar aqui amanhã, mas a gente vai continuar se vendo. Como não estarei trabalhando em outro lugar por um tempo, posso esperar você no estacionamento todos os dias com seu almoço. Hannah vai estar aqui para cuidar de você. Também vou deixar um número de telefone para contato. Vai poder me localizar sempre que quiser.

Rosalie ficou olhando no rosto dela, esperando que dissesse alguma coisa, como Olívia não disse nada, continuou:

— Você está ouvindo, querida? Nós vamos continuar nos vendo, só não com a mesma frequência. E quando precisar é só me ligar.

Sentindo-se traída, Olívia recolheu as mãos afastando das dela, deixando Rosalie ainda mais preocupada. Chateada consigo mesma por estar causando mais dor à criança que tinha sua própria carga de sofrimento desde que veio ao mundo.

Olívia se levantou.

— Tchau! — com lágrimas no rosto, foi essa a última palavra que disse a Rosalie. Então se encaminhou a saída deixando-a sem saber como prosseguir. Rosalie sofreu com o sofrimento dela. Olívia deixou a sala da biblioteca com os ombros curvados e a cabeça baixa como há alguns dias não acontecia.

Levou um momento para reagir, levantar e ir atrás da menina.

Na porta, viu que a professora havia encontrado Olívia no corredor e segurava sua mão. Hannah olhou em sua direção.

— Ela já sabe — contou a Hannah. — Acabei de dizer a ela.

Hannah assentiu ciente de que a notícia havia afetado a menina como previram que aconteceria, em conversas anteriores.

— Ela vai ficar bem. Vai entender assim que voltar a vê-la fora da escola.

Aceitar, o que mais Rosalie poderia fazer. Ela chegou ali pelos planos do avô e agora estava saindo contra a vontade. Era incrível como as coisas podiam sempre mudar de direção.

Estava prestes a falar, quando a professora de Olívia respondeu sua pergunta não feita.

— Eu vou cuidar dela.

Rosalie moveu a cabeça, concordando, de coração partido. Ainda assim, se aproximou de Olívia e beijou sua testa.

— Muito em breve voltaremos a nos ver — murmurou.

Hannah chamou Rosalie no canto, enquanto Olívia entrava na sala de aula.

— Sobre o que conversamos anteriormente — começou Hannah, se referindo aos últimos dias que trabalharam juntas. — Continuo achando que ele não cuida dela direito. Penso se estou agindo certo, não contando minhas desconfianças a senhora Adams.

Rosalie disfarçou, acenando para Olívia, que olhava para elas de dentro da sala de aula.

— Me dê apenas mais um tempo. Quero ajudá-los a minha maneira. Você sabe como a assistência social trabalha. Talvez, nesse caso, consigamos mantê-los juntos. Este pode ser um caso a parte. Por favor, não fale nada para ninguém ainda.

Hannah parecia não gostar muito do que pedia, mas achou que deveria dar uma chance.

— Tudo bem. Farei isso, mas só porque você e a Olívia se adoram. Que Deus me ajude, e eu não esteja cometendo um erro do qual me arrependa mais tarde.

— Não no que depender de mim.

— Vou rezar para que você esteja certa.

Quando Rosalie se afastava, Hannah sussurrou:

— Seja rápida, seja lá o que tenha em mente.

Mais tarde, enquanto as crianças deixavam o prédio, barulhentas e faladeiras, correu para tentar falar uma vez mais com Olívia.

Desviando das crianças a caminho do estacionamento, avistou Olívia sentada numa pequena mureta ao lado do estacionamento de bicicletas, aguardando a saída do ônibus. Notou que conversava, mas não havia ninguém ao lado dela. Ainda parecia triste, mas já não chorava mais.

Rosalie apressou o passo chegando até ela sem demora.

— Olívia? — a menina parou de falar quase que imediatamente, erguendo a cabeça para ver quem chegava. — Com quem estava conversando, querida?

— Com minha amiga — ela respondeu e voltou abaixar a cabeça. — Ela disse que nunca vai me deixar, a menos que eu peça para fazer isso.

— É? — murmurou Rosalie, sem saber bem o que pensar. — Eu posso me sentar aqui com você?

Olívia deu de ombros. Entendendo seu gesto como um sim, Rosalie foi sentar-se ao lado direito dela.

— Aí, não — Olívia alertou depressa. — Você vai sentar em cima dela.

Rosalie desistiu, olhando para ter certeza de que não havia ninguém a quem quase sentou em cima.

— Você disse que ela está aqui?

— É. Minha amiga Arco-íris.

— Mas cadê ela?

— Está bem aqui. — Olívia mostrou com a mão o espaço vazio ao seu lado onde dizia ter alguém. — Ela teve medo que a esmagasse.

— Ah... — murmurou. — Eu sinto muito, não queria ter feito isso. — Rosalie olhou o espaço vazio. — Será que ela pode me desculpar?

— Ela disse que sim. Ela te desculpa.

Rosalie quis sentar, mas teve medo de errar de lugar e acabar esmagando a amiga imaginária de Olívia, por isso permaneceu de pé onde estava.

— Você não gostaria de ir para casa de carona comigo de novo?

— O papai não deixa. Eu tenho mesmo de ir de ônibus.

Rosalie sabia que era verdade o que dizia, mas em parte sabia, também, que ela estava magoada.

A motorista do ônibus buzinou chamando a atenção das crianças.

— Eu tenho de ir — Olívia se levantou, com a mochila nas costas.

— Você pode me dar um abraço? — Rosalie pediu. Diferente do que esperava, Olívia correu para longe sem lhe dar o abraço que pediu. Rosalie ficou olhando ela entrar no veículo amarelo, sentar ao lado da janela, encostar a mão pálida no vidro, olhando para o lado de fora. Olhando para ela.

— Me desculpe — Rosalie moveu os lábios num sussurro, sabendo que entenderia.

Olívia outra vez sentiu como se o arco-íris que a levava até Rosalie enfraquecesse. Virando o rosto para o outro lado, voltou a chorar.

— Eu sinto muito, pequena — murmurou. Foi difícil se livrar do sentimento de culpa que as lágrimas de Olívia lhe causaram, desde a biblioteca, quando deu a notícia de seu afastamento do trabalho na escola. E a tristeza que sentiu com a rejeição dela, motivada pelo medo do abandono.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada pelos comentários no capítulo anterior.
Embora já tenham se passado alguns dias desde a chegada do ano novo, desejo a todos vocês um ano repleto de coisas boas. Que esse seja um ano de bênçãos e vitórias.
Beijo grande
Sill