Um Caminho Para O Coração escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 10
Capítulo 09 – Não Tenha Medo


Notas iniciais do capítulo

Voltei!
Aproveito para deixar meu agradecimento a Cris, Gih Farreli e a Yas por terem escrito recomendações perfeitas. Dizer que fiquei feliz é pouco. Obrigada, de coração.

Desejo a todos uma boa leitura.



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Por todo o trajeto de volta para casa, Emmett pensou como resolver o problema de Olívia. Não teve escolha, a não ser ir para casa com ela. O que não ajudou em nada melhorar seu humor.

Subiu com a caminhonete na entrada de veículos, excedendo o limite de velocidade para o local, acabou freando bruscamente evitando que atingisse o portão da garagem. Sentiu o próprio corpo ser forçado para frente, repuxando o cinto de segurança. Por sorte, Olívia se encontrava presa à cadeirinha, ou teria se machucado.

Emmett olhou para trás a tempo de vê-la de olhos arregalados, em choque pelo que acabou de fazer. Os cabelos ruivos jogados no rosto, a respiração pesada e ruidosa.

Ele abriu a porta depressa, respirando de forma pesada, a chave do carro na mão. Olívia ainda estava com a mesma expressão de choque no rosto quando ele saltou para fora e bateu a porta.

— Saía do carro — Ele berrou, alcançando a porta traseira com a mão.

Olívia sacudiu a cabeça como um monstro tivesse batido a porta ao seu lado esquerdo. Levou alguns poucos segundos para entender que era o pai exigindo que saísse do carro. Seus olhos assustados correram para o cinto de segurança. Então, se apressou em tentar se livrar do cinto, mas o medo atrapalhava seus movimentos.

Emmett abriu a porta e se dobrou sobre o assento de modo a soltá-la mais depressa. No entanto, o modo como fez isso foi exagerado e bruto. Olívia gritou, e ele a soltou de repente, deixando a menina cair de volta na cadeirinha feito uma boneca de pano maltratada. Ele pareceu atormentado ao notar o modo como a pegou.

Olívia esfregou os braços e também a região dos ombros assim que ele se afastou. O olhar temeroso no rosto revelando o que sentia ao olhar para ele agora.

Emmett permaneceu ao lado do carro com a cabeça baixa.

— Eu quero voltar para a escola, para a biblioteca... o caminho do arco-íris. Quero voltar — Olívia murmurou. Logo estava chorando outra vez. Emmett não compreendeu seu pedido, e ainda que tivesse, não teria considerado.

Sem olhar para a menina, apenas ordenou:

— Saía do carro.

Olívia começou a sair do assento, não tinha escolha. Assim que pôs os pés fora do carro, o ouviu exigir:

— Vá já para o seu quarto. E não saia de lá até que eu autorize.

Fungando, ela arrastou a mochila por uma das alças. Os bracinhos doloridos por causa do que ele fez. Então olhou para ele, seus olhos cheios de lágrimas. Os olhos dele estavam sombrios, quase selvagens. Outra vez ela abaixou a cabeça e caminhou até a varanda, com a mochila batendo nos tornozelos.

Emmett permaneceu parado ao lado da porta aberta do carro pelo tempo que Olívia levou para chegar à varanda. Nesse momento, empurrou a porta, que bateu de maneira exagerada.

Ele enfiou as mãos nos bolsos procurando pelas chaves da casa. Quando as encontrou, Olívia já esperava de pé ao lado da porta da frente. Ela não voltou a olhar para ele durante esse tempo. Não era seguro enfrentar aquele olhar. Além de que lhe dava muito medo.

Uma vez que a porta foi aberta, Olívia foi a primeira a entrar. Dali seguiu direto para a escada, na sala de estar.

— Não saía de lá até que eu mande — Emmett alertou novamente, atrás das costas dela. — Mas que droga! — Ele se queixou, jogando as chaves no aparador de madeira ao lado da porta, e passou direto para a cozinha. Abriu a geladeira e retirou uma lata de cerveja. Arrancou o lacre ainda enquanto fechava a porta, e tomou o primeiro gole.

Um dia inteiro com o serviço parado por causa de Olívia, não conseguia deixar de estar furioso com isso. Ela arruinou seu dia. Não que estivesse tendo um dia maravilho, porque seus dias, desde a morte de Sarah, não eram nem a sombra disso.

Passar o dia ao lado da filha era o que menos queria. Tudo nela lembrava Sarah. Tudo que teve de enterrar com ela. Tudo que perdeu.

Terminou a cerveja, em seguida, fumou um cigarro.

Olívia chegou ao quarto atirando a mochila no chão. Não tinha a menor ideia do que fazer. Atravessou o cômodo e sentou junto à janela, no banco com almofadas cor-de-rosa. Observando o jardim dos fundos, pensando que a única vez que o viu florido e com a grama bem-cuidada havia sido em fotografias que o papai tentava sempre manter longe dela. Nunca florido de verdade.

Com exceção da fotografia no porta-retratos que o papai levava para cada quanto da casa quando estava sozinho, as demais fotografias de Sarah estavam guardadas dentro de uma caixa de madeira entalhada no fundo do closet, onde também ficavam parte dos pertences pessoais da mamãe.

Olívia tornou acariciar os braços. Não estava mais chorando, ainda que os sentisse doer.

De onde estava, viu quando o papai sai para o jardim dos fundos. Ele levava um cigarro entre os dedos. Uma nuvem de fumaça deixou seus lábios após uma longa tragada. Ele caminhou até o local onde esteve trabalhando anteriormente na madeira de reposição da cerca. Ficou um tempo olhando os materiais largados de qualquer jeito. Vez por outra, uma nuvem de fumaça deixava seus lábios.

Há muito tempo estava perdido num labirinto interno de dor e escuridão, e não fazia ideia de como alcançar à saída.

Olívia o viu recolher o martelo, se aproximar de um pedaço de madeira pronto para pôr no lugar, e começar destruí-lo com golpes de martelo. Terminando com o pé, empurrando a madeira para longe num excesso de fúria.

A dor nos olhos dele dividia espaço com a fúria. Mas Olívia não tinha como perceber, e talvez nem mesmo compreendesse. No momento, não pôde sentir outra coisa a não ser medo.

Com os sons da fúria do pai chegando aos seus ouvidos, correu para a cama e se enfiou embaixo das cobertas. E quando ele soltou um som apavorante, uma mistura de dor e fúria, atirando o martelo para longe, Olívia encobriu os ouvidos com as mãos. Permanecendo assim por muito tempo, até que foi vencida pelo sono.

Esgotado, Emmett caminhou até o banco sob o caramanchão e sentou nele. Por um momento, teve a impressão de ouvir a voz alegre de Sarah convidando-o para sair: “Hoje vamos sair para dançar, querido”. “Você é muito duro, tem de melhorar isso”. E então ria de forma leve e desprendida. Era praticamente impossível tê-la diante de seus olhos, tão linda e feliz, e não querer beijá-la. Em seguida vinha o momento que a tomava nos braços e eles se esqueciam do resto do mundo.

Mas, a realidade fria da solidão daquele banco que Sarah tanto gostava, acabava com qualquer resquício de vida dentro dele.

Ele passou as mãos nos olhos quando sentiu as lágrimas se formando. Nunca poderia ser feliz sem ela, estava certo disso.

Quando Cheryl ajudava com Olívia, ele vivia para a dor. Não olhava para a filha, não ficava no mesmo cômodo que ela por mais de um minuto. Mas quando Cheryl os abandonou, por não suportar o modo como estava levando a vida, destruindo a si mesmo desde a morte da esposa, foi obrigado a sair do casulo. Enfrentar a dura realidade de ser um pai solteiro. Voltar ao trabalho. Enfrentar os olhares de pena.

Solitário, imerso nas lembranças nem percebeu o tempo passar. Somente se deu conta de que era tarde, quando o estômago começou a doer. Ele finalmente se levantou e voltou para dentro de casa. Olhou no relógio de parede na cozinha, passava das duas da tarde.

Colocou uma panela com água no fogão, pensando em fazer um macarrão. Deixou a massa cozinhando e foi preparar os ingredientes. Quando ficou pronto, levou para a mesa.

Estava a ponto de se servir, quando tomou consciência que precisava chamar a filha para almoçar também. Ele levantou e pôs mais um parto na mesa, o mais distante possível de onde estava o seu. Finalmente foi buscá-la.

Bateu na porta do quarto uma única vez antes de abri-la.

— Olívia? — ele chamou, olhando em volta, até perceber que estava embaixo das cobertas e de um amontoado de roupas, provavelmente sujas. — Olívia — ele tornou a chamar. Percebeu se mexer sob a bagunça. — Estou indo almoçar, se você estiver com fome desça e vá à cozinha. — Ela não se moveu, tampouco disse qualquer palavra. Emmett virou de costas e saiu do quarto. Já estava no corredor, a caminho da escada, quando sentiu a presença dela. Ao olhar para trás, encontrou Olívia parada na porta do quarto. O cabelo ainda mais bagunçado que de costume. O rosto marcado por lágrimas secas e também pelo lençol.

Ela recuou, se encolhendo diante seu olhar.

Percebendo apenas um braço dela no vão da porta, ele completou:

— É macarrão com queijo.

A oferta a trouxe de volta ao umbral da porta. Olívia adorava macarrão, isso ele já sabia, porque ela vivia pedindo que fizesse.

— Lave o rosto e desça — avisou, retomando o caminho até a escada.

O estômago de Olívia roncou. Ela correu para lavar o rosto e chegar à cozinha quanto antes, antevendo o sabor do alimento. Será que a raiva do papai havia passado? , se perguntou. De toda forma, estava faminta demais para pensar em desistir.

Desceu a escada correndo e atravessou a sala de estar, passando pela de jantar, finalmente chegando à cozinha.

Emmett estava em seu lugar à mesa. Ela não pôde deixar de notar que pusera seu prato o mais distante possível.

— Sente-se — ele pediu.

Olívia se aproximou, com passos cautelosos, ocupando seu lugar à mesa.

— Pode se servir. Só tenha cuidado, porque está quente.

O cheiro estava bom. E parecia bem saboroso. Ela teve de se ajoelhar na cadeira para se servir, mesmo assim caiu um pouco na toalha. Emmett fingiu não ver.

Eles almoçaram em silêncio. O barulho dos talheres lembrava Emmett o tempo todo o quanto sua vida era agora a sombra do que tinha sido um dia.

Quando terminaram, Olívia correu para assistir televisão na sala. Emmett ficou na cozinha limpando a louça. Quando terminou, foi para a garagem.

Olívia conversou com a amiga imaginária enquanto assistia a seus desenhos favoritos na tevê. Silenciando quando o pai passou a caminho da escada. Ele voltou pouco tempo depois, carregando uma pasta abarrotada de papéis e uma calculadora, entrando novamente na cozinha, sem nem mesmo olhá-la.

[…]

Quando Rosalie deixou a escola naquela tarde, só conseguia pensar em Olívia. No quanto parecia triste e desapontada. Sua recusa em ir para casa com o pai. Estava claro para ela que havia algo de errado. Só precisava descobrir o que era.

Chegando a casa do avô, o encontrou no jardim juntando as folhas secas com um ancinho. Ela saltou do carro com a bolsa e a chave na mão, sem conseguir pensar em outra coisa que não fosse Olívia e o pai.

— Como foi lá? — Norman pediu, parando o que estava fazendo para prestar atenção nela.

— Lembra-se da garotinha?

— A que você não parou de se preocupar desde que a viu no mercado — afirmou Norman.

Rosalie anuiu.

— Hoje aconteceu uma coisa bem chata com ela na sala de aula.

— E?... — Norman esperou.

— Ela correu para mim, vovô. A gente só se conhecesse há alguns dias e ela correu para mim. Ela procurou os meus braços quando sentiu medo.

— Você tem sido muito boa com ela. Tem lhe dado muito mais que o que comer. Ela sabe que é especial.

— Tanto quanto ela — Rosalie concluiu. — Ela esteve comigo até o pai chegar para buscá-la. Hoje nem mesmo teve a chance de comer do que levei. Espero que tenha se alimentado em casa, de toda forma. O que me deixa mais preocupada é que ela não queria ir com ele.

— Então você conheceu o sujeito?

— Eu o vi, apenas. Ele ignorou qualquer tentativa minha de aproximação. Acredita que nem ao menos segurou na mão da filha, depois de ela ter chorado como chorou, quando a levou embora? Sinceramente, esperava alguém mais amável. Por um momento cheguei a pensar que se tratava de uma família com problemas financeiros graves, mas agora, depois de vê-lo, penso que é algo diferente.

— Acha que a menina pode estar sendo vítima de maus-tratos?

— Quero muito estar errada quanto a esse pensamento. Amanhã vou tentar mais uma vez falar com ela a respeito. Espero conseguir alguma informação nova.

— Se vai deixá-la mais tranquila em saber o que acontecesse àquela garotinha, então faça isso. Descubra tudo o que puder, e a ajude.

— Precisa de ajuda aí, vovô? — Ela mostrou com a mão as folhas secas na relva.

— Não é necessário. Vá fazer suas coisas. Estou quase acabando aqui. Já, já entro para fazer um chá para nós.

— Posso ir pondo a água no fogo.

— Faça isso então, querida. Estarei lá em um minuto.

Rosalie aceitou, e foi para dentro de casa. Deixou o agasalho no gancho e a bolsa no sofá da sala. Entrou na cozinha e lavou as mãos na pia, antes começar a preparar a coisas para o chá. Enquanto aguardava a água aquecer, voltou a pensar em Olívia.

[…]

A Sra. Smith esperou o ônibus escolar passar pela rua para somente então ir à casa de Emmett. Quando chegou, a menina não esperava por ela na varanda. Estranhou que não estivesse ali. O barulho dentro de casa alertou que havia alguém. Resolveu que era melhor tocar a campainha a ir entrando com a chave reserva.

Olívia saltou do sofá, com os olhos na tela da televisão, sem querer realmente se afastar. Quando finalmente abriu a porta e percebeu a Sra. Smith do outro lado, os ombros cederam com decepção e tristeza. A mão ainda na maçaneta, desejando que fosse embora.

— Como você entrou? — pediu a vizinha.

— Por essa porta.

— Eu sei que foi pela porta, não seja tola. O que estou querendo saber é com qual chave?

— O papai me trouxe da escola hoje. Ele tem uma chave igual a sua, a senhora esqueceu?

A expressão de surpresa no rosto da mulher foi imediata.

— Ah, é? O que aconteceu? O que aprontou dessa vez?

Olívia largou a maçanete e começou se afastar da porta, voltando para o sofá, para o desenho na tela da televisão.

— Olívia, quem está aí? — a voz de Emmett chegou até elas. Ele apareceu na sala logo em seguida. — Ah, é a Sra. Smith — falou consigo mesmo.

— Eu não sabia que estava com a menina.

— Na verdade, eu estava só esperando a senhora aparecer.

A mulher deu alguns passos à frente.

— Estou aqui agora.

— Tenho de voltar ao serviço. Precisei buscar Olívia ainda pela manhã na escola e acabei deixando umas coisas pela metade.

— Tudo bem — concordou a Sra. Smith. — Precisa que eu faça mais alguma coisa? O jantar?

— Não, não se preocupe. Eu volto no máximo em uma hora.

A Sra. Smith olhou para Olívia, que virou o rosto para olhar a tevê.

— Só vou guardar uns documentos que deixei na mesa e já estou saindo.

Ele desapareceu na cozinha. E quando voltou, subiu a escada.

— O que aprontou hoje? — a velha insistiu. — Aposto que estava falando sozinha outra vez e eles acharam que era maluca. Ficou gritando também?

Olívia abaixou a cabeça, magoada com as palavras da Sra. Smith.

— Estou falando com você, garota mal-educada. — A Sra. Smith agarrou o braço de Olívia e ela gemeu de dor. Os bracinhos ainda doíam pela forma como Emmett a puxou da cadeirinha mais cedo.

A velha estava prestes a falar mais alguma coisa, quando percebeu passos na escada.

— Estarei de volta dentro de uma hora — Emmett lembrou a caminho da porta.

— Papai...

— Obedeça a Sra. Smith, Olívia.

Com o olhar triste, Olívia olhou a mulher de cabelos grisalhos ao seu lado. Ela parecia ansiosa, o que a fez pensar que não era bom.

Emmett saiu para a varanda e a porta se fechou atrás de suas costas.

— Onde estão os seus cadernos?

— Não tenho lição de casa hoje — Olívia respondeu sem olhar para a Sra. Smith.

— Agora você tem. Pegue sua mochila.

— Mas...

— Apenas faça o que estou dizendo.

Mesmo contra a vontade, Olívia se levantou e foi ao segundo andar buscar a mochila no quarto. Quando voltou, a Sra. Smith mandou que pegasse um caderno e lápis. Ela obedeceu em silêncio. E ficou observando a vizinha escrever na primeira linha de uma página em branco. Não sabia o que estava escrito até que a Sra. Smith leu em voz alta: “Eu sou uma criança feia e mal-educada”. Ordenou que repetisse a frase até que decidisse que estava bom. Em seguida, desligou a televisão alegando que a menina só voltaria assistir se fizesse o que pedia.

Quando Emmett retornou, a televisão ainda estava desligada e Olívia se esforçando para terminar o castigo disfarçado de lição. Assim que a porta foi aberta, a Sra. Smith pegou o caderno das mãos da menina e arrancou a folha fora. Olívia assistiu a cena de olhos arregalados, virando o rosto logo depois para o olhar o pai que chegava à sala.

Quis mostrar ao papai o que a Sra. Smith a obrigou escrever, mas a mulher levou a folha com ela quando deixou a casa.

Mais tarde, após jantarem o que sobrou do almoço, Olívia subiu para tomar banho e colocar o pijama, e enquanto fazia isso notou as várias manchas escuras nos braços onde o pai apertou ao tentar tirá-la do carro. Quase chorou com a dor que sentiu no momento de retirar a roupa que vestia e pôr a de dormir.

Ele não lhe dava beijo de boa-noite, nem mesmo lia historinhas para dormir. Olívia jamais soube como era se sentir querida. Bem-vinda e amada.

No silêncio de seu quarto, com a luz noturna acesa, abraçou o cobertorzinho e conversou com a amiga imaginária mais uma vez, antes de finalmente cair no sono. Duas de suas perguntas haviam sido: “Por que o papai fez aquilo? Por que não a amava como os outros papais amavam suas filhinhas?”.

Quando a manhã chegou, não sentia a menor vontade de voltar à escola. Entre olhar no rosto dos colegas que riram dela no dia anterior e ficar em casa sozinha, preferia ficar sozinha, ainda que tivesse muito medo. Até mesmo a vizinha malvada era melhor opção agora. Mas Emmett não permitiu que fizesse assim, obrigando-a pegar a mochila e sair na manhã fria para esperar o ônibus.

Antes de ela deixar a casa, perguntou pelo cobertor velho e Olívia mentiu sobre ter deixado no quarto. Se já não o deixava em casa antes, agora menos ainda. Ainda que a solidão fosse algo no qual estava habituada, sentia a dor que ela causava constantemente.

Olívia pegou o caderno de desenhos e começou a colorir, sentada em seu assento dentro do ônibus.

Rosalie chegou mais cedo à escola. Tinha dormido muito mal a noite, remoendo os próprios problemas, tentando adivinhar os de Olívia. O modo como reagiu ao saber que o pai iria buscá-la mais cedo, não saiu de sua cabeça. Chegando até mesmo se perguntar se era única a ter visto isso.

Ficou ao lado da porta principal do prédio aguardando as crianças chegarem. Pouco a pouco, o estacionamento foi ficando lotado por carros de funcionários, ônibus e até mesmo bicicletas.

Várias crianças passaram por ela ao entrar no prédio, mas nenhuma era àquela a quem esperava com ansiedade.

Pensou em ir logo para a biblioteca, talvez Olívia não aparecesse na escola hoje. O dia anterior tinha sido difícil.

Estava a ponto de desistir, quando a avistou entrando no prédio de cabeça baixa, se misturando as outras crianças no corredor. Tinha ficado muito tempo no estacionamento sem querer entrar.

A menina não percebeu sua presença e seguiu em frente, mentalmente falando: “Siga o caminho do arco-íris”. Em sua mão havia uma folha de papel.

— Olívia? — Rosalie levantou a voz para que a ouvisse. — Olívia?

Quando as crianças começaram dispersar, apressou o passo, evitando esbarrar naquelas que cruzavam seu caminho.

— Olívia? — ela tornou a chamar, dessa vez a poucos metros da menina.

Olívia virou para ver quem a chamava, a expressão triste sempre presente no rosto, mas bastou ver Rosalie para a expressão suavizar com o que pareceu a sombra de um sorriso. Ela correu, levando a mochila nas costas e o desenho na mão, até Rosalie abraçando sua cintura.

Rosalie segurou no queixo dela para que olhasse em seus olhos. Olívia lhe entregou o desenho. Era um arco-íris, uma menininha de cabelos vermelhos, de mãos dadas com outra de cabelos coloridos, supostamente caminhando sobre ele, no final, uma terceira pessoa de cabelos amarelos, as aguardava.

— Que lindo o seu desenho.

— Agora ele é seu.

— Obrigada, ele é muito lindo. Vou guardá-lo num lugar especial.

Olívia sentiu-se orgulhosa. Era a primeira vez que alguém guardaria seu desenho em um lugar especial.

— Como você está? — Rosalie se abaixou ficando na altura dela. As mãos descansando em seus braços. — Eu estava tão preocupada — Ao trazê-la para um abraço, notou Olívia gemer e tentar se esquivar. Rosalie a liberou, apenas para verificar embaixo das mangas do agasalho dela. — O quê? — questionou um tanto assombrada. Os braços pálidos da menina estavam encobertos de manchas escuras.

— Não é nada — Olívia sussurrou. Rosalie facilmente ignorou o que disse.

— Quem fez isso com você? Foi o seu pai? Ele bateu em você? Era por isso que não queria ir com ele ontem? Ele bate em você, Olívia?

Olívia encobriu os bracinhos magros, envergonhada, recuando alguns passos.

— Olívia? Você não precisa sentir medo. Eu só quero ajudar.

— Ele não me bateu.

— Vai ficar tudo bem, meu anjo. Confie em mim.

Olívia sabia o que aquilo significava. Tinha ouvido pessoas falando sobre isso no hospital, quando se machucou depois de cair em casa ao tentar conseguir comida no alto dos armários. Eles poderiam levá-la para longe se pensasse que o papai a machucava. O medo de que algo assim acontecesse, levou Olívia virar as costas para Rosalie, e sair correndo para a sala de aula, fazendo o caminho reverso a seu lugar favorito no mundo todo.

Rosalie não foi atrás dela. A sala de aula não era território seu. Hannah estava lá para cuidar dela. Só não riria desistir de descobrir a verdade. Se o pai era violento com ela, não iria sair imune.

Esperou ela ir à biblioteca no horário do almoço, mas Olívia não apareceu. Fosse o que fosse tivesse acontecido sua reação deixava claro quanto estava com medo de falar a respeito.

No horário da saída, Rosalie correu para chegar a tempo de ver quem a levaria de volta para casa. Outra vez Olívia entrou no ônibus escolar. Lamentou que estivesse sempre tão sozinha, e na maior parte do tempo com a cabeça baixa.

Uma ideia lhe ocorreu, ela então se apressou em entrar no carro. Assim que o ônibus se colocou em movimento, passou a segui-lo.

Quando chegou a vez de Olívia descer, aguardou para ver até onde ela iria a pé. A menina caminhou alguns poucos metros e entrou num jardim destruído, cheio de ervas daninhas, flores mortas, galhos quebrados e musgo. Observou sentar num banco na varanda e aguardar.

Rosalie chegou um pouco mais perto com o carro. Dali, notou as calhas sujas com mato crescendo dentro delas. A lateral da casa precisando de uma pintura com urgência. Além desses sinais de abandono, quis entender por que Olívia não entrava na casa em vez de ficar ali sozinha. Estava frio na varanda, tinha quase certeza disso.

Aguardou para ver o que acontecia. Quase dez minutos depois, uma senhora de cabelos grisalhos se aproximou da casa e entrou no jardim. Ela chegou à varanda, falou qualquer coisa com Olívia, que ficou de pé aguardando que abrisse a porta. Nesse momento, Rosalie compreendeu, era a mulher que ficava com ela depois da escola, a mesma que esteve no supermercado com ela quando a viu pela primeira vez. Mas por que Olívia tinha de esperar por ela e não o contrário? Será que havia sido ela a machucar os braços de Olívia daquele jeito? Não podia ser, pareciam marcas deixadas por alguém com punhos fortes. O pai dela, certamente.

Rosalie permaneceu mais um tempo dentro do carro observando o movimento da casa e da rua. Nada que chamasse sua atenção aconteceu, além do que já tinha acontecido. A julgar pelo estado da casa, não se surpreendeu que Olívia estivesse sempre tão triste e malvestida. Ela vivia uma vida de abandono, tal qual aquele jardim.

Só não entendia por que alguém faria isso com a própria filha. E há quanto tempo viviam assim.

Deu uma última olhada na casa antes de finalmente partir, o carro seguindo devagar pela rua. Estava decidida a descobrir o que acontecia naquela casa. Se as coisas saíssem como estava imaginando, logo, logo alguém teria uma surpresa.

 


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Notas finais do capítulo

Muitíssimo obrigada a quem comentou no capítulo anterior.
Beijo grande

Sill