Operação Jardim Secreto escrita por Lura


Capítulo 7
O Verdadeiro Jardim Secreto


Notas iniciais do capítulo

Estava agoniada para que este capítulo chegasse logo... Para que a história alcançasse seu principal ponto de desenvolvimento.

Bom, é isso. Sem muito o que falar, agradeço o comentário que a fic recebeu desde a última atualização.

P.S.: Lembrando que a fic está adiantada no Spirit.



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De todas as vezes em que Marinette lutou para libertar um akumatizado, não foram poucas as que se sentiu tocada com a situação dos vilões que, no fim das contas, eram apenas vítimas de Hawk Moth. Isso se devia, em parte, ao fato de, boa parte das pessoas que conhecia - algumas realmente muito queridas -, já terem sido submetidas a desagradável experiência de manipulação.

Ainda assim, a garota não conseguiu evitar a sensação de desconforto, provavelmente, soma dos sentimentos de pena e culpa, ao ver a mulher que, dia após dia, empenhava-se do melhor maneira que podia para compartilhar o próprio conhecimento, como sua professora, sentada no asfalto, em estado deplorável.

Ao contrário da maior parte das vítimas, Caline Bustier não se sentiu desorientada a ponto de perguntar o que havia acontecido, ou o que estava fazendo ali. Tão logo liberta da influência do portador do Miraculous da Borboleta, ao deparar-se com a figura dos herois adolescentes, parados a sua frente, ela entendeu. E começou a chorar de vergonha.

Sequer teve coragem de dirigir a palavra ao noivo Maurice - ou melhor, ex-noivo, deveria se acostumar logo com isso - para pedir desculpas ou, mesmo tentar justificar uma situação que todos sabiam que ela não tinha culpa, antes de vê-lo se afastar, puxando a aprendiz Elizene para dentro da casa, recém restaurada. Apenas permaneceu sentada no chão, esforçando-se para fazer com que suas lágrimas e soluços cessassem, sob os olhares atentos e preocupados dos vigilantes parisienses.

Miserável, era como se sentia e a imagem que transmitia.

E Marinette se preocupava com isso, pois não queria que a professora - a qual tinha em alta estima, apesar de muito lhe pegar no pé em razão dos atrasos - tornasse a ser akumatizada.

— Me desculpem! - A mulher pediu, secando os olhos e as bochechas com as mangas de seu blazer. - Eu não devia estar preocupando vocês. - Declarou, rindo sem humor. - Vocês já tem muito com o que se preocupar. Podem ir. - Emendou, sorrindo.

— Nós realmente não podemos ficar muito… - Marinette, ainda sob o manto de Ladybug, comentou, vendo a primeira carga de seu Miraculous se esvair. - Mas também não queremos deixá-la nesse estado. - Completou.

— Eu vou ficar bem. - Srta. Bustier garantiu, colocando-se de pé. - Sabe, eu não falei que vocês tem muito com o que se preocupar da boca para fora. Eu sei que a adolescência é um período difícil. Eu sou professora, dou aula para pessoas da idade de vocês e sei como essa fase é complicada.

A mulher tomou fôlego, indicando que ainda não havia acabado. E embora os dois herois estivessem com certa pressa, não tiveram coragem de se mexer. Sentiam que, naquele momento, ela precisava desabafar.

— A minha turma… - Continuou, surpreendendo ambos os garotos, que viram-se incluídos na conversa, em suas identidades civis.  - É uma turma de jovens incríveis. Mas eu sei que todos eles enfrentam problemas que não deveriam enfrentar com tão pouca idade. É fácil perceber isso, uma vez que pelo menos noventa e cinco por cento deles foi akumatizado. - Explicou, vendo, sem entender, os adolescentes arregalarem os olhos, sob as máscaras.

— É uma porcentagem muito grande. - Ladybug justificou sem jeito, sem perceber que o parceiro de equipe estava na mesma situação.

— E preocupante. - Continuou Caline. - Sendo assim, é natural que eu me preocupe, não acham? - Perguntou, sem se surpreender ao ver os dois meneando a cabeça em concordância. - Mas Maurice, meu noi… - Começou, interrompendo-se ao perceber o que diria - Ex-noivo - Corrigiu-se - acha que eu me preocupo demais com meu alunos e meu trabalho, então sempre acabávamos brigando.  - Contou. - Da mesma forma acontecia com o diretor e os orientadores da escola. Eles acham que não devo me preocupar com os problemas pessoais dos alunos e simplesmente continuar fazendo aquilo que sou paga para fazer. - Concluiu.

Chat Noir e Ladybug se entreolharam, sem saber que compartilhavam do mesmo sentimento. Culpa, por terem uma pessoa que se preocupava tanto com eles sem receber o devido reconhecimento. Simultaneamente, a segunda carga dos miraculous de ambos, se esvaiu.

— E apesar de viverem essa fase complicada, vocês dois ainda tem que carregar o fardo de proteger a cidade. Não parece muito justo. - Observou a professora, terminando de se recompor.

— Não é bem um fardo. - Chat Noir manifestou-se, esticando o bastão o suficiente para que pudesse apoiar ambas as mãos e o queixo em uma das extremidades. - Eu diria que é um privilégio, por muitos lados. - Completou, abrindo um sorriso ladino.

— Saber que podemos ajudar a manter todos em segurança, nos motiva. - A heroína declarou. - Mas não gostamos de vê-los apenas seguros, e sim, felizes também. - Completou. - Eu não tenho tempo de ajudá-la como gostaria, mas sei que seu esforço ainda será reconhecido. Não deixe que menosprezem sua preocupação, é uma atitude muito nobre de sua parte se importar com seus alunos. - Concluiu, sorrindo confiante.

O sorriso da mulher se alargou em resposta.

— Mais uma vez motivada por crianças. - Declarou, dando uma risadinha ao ver a expressão indignada dos herois. “Crianças já era apelação”, sabia que pensavam. - Obrigada. De verdade. - Falou, afagando o topo da cabeça dos dois adolescentes em simultâneo, antes de de começar a se afastar. - Até logo. Se cuidem! - Orientou, virando e caminhando para longe.

— Ai droga! - Ladybug praguejou, sentindo que a terceira pintinha de seu brinco sumia. - Sem despedidas dramáticas hoje gatinho. Estou em uma situação crítica. - Declarou, preparando o ioiô e passando os olhos em volta, em busca de um lugar decente para içá-lo.

— Igualmente ocupado, My Lady. - O felino fingiu-se indiferente, e jogou os cabelos loiros para trás. - Talvez te convide para um café quanto tiver um tempinho sobrando. - Conjecturou.

— Talvez eu aceite se tiver um tempinho sobrando. - A joaninha respondeu, lançando o ioiô e prendendo-o em uma chaminé. - Até mais! - Gritou, já voando em direção ao telhado mais próximo, vendo que o parceiro também havia se lançado para o topo de uma construção no lado oposto.

Beirando o desespero, a garota saltou, de telhado em telhado, sabendo que a penúltima carga do Miraculous se esvairia antes que ela alcançasse a próxima quadra. Mas apenas uma série de construções depois, conseguiu localizar um beco, situado entre dois sobrados, em uma rua completamente deserta. Aliviada, pulou em direção ao piso de pedra, sentindo sua transformação se desfazer antes de aterrissar.

— Você arriscou de verdade a sua identidade dessa vez, mas não consigo censurá-la por isso. - Tikki murmurou, flutuando até as mãos da portadora, que estavam postas em concha, visivelmente esgotada. - Foi muito legal da sua parte ter escutado o desabafo de sua professora, Marinette. - Afirmou, sorridente.

— Eu sei. - A morena também sorriu, caminhando para fora do local estreito, tomando o cuidado de olhar para um lado e para o outro antes de deixar o beco de vez.

— Onde estamos? - A kwami indagou, estranhando o fato de não reconhecer nenhuma das construções em volta.

— Eu… - Marinette começou, perscrutando o ambiente ao seu redor. - Eu não faço ideia! - Completou, preocupada.

Sem perder tempo, colocou a criaturinha mística em sua bolsinha transversal e apanhou o celular, abrindo o aplicativo mapas. E um gemido saiu de sua boca, quando percebeu que realmente estava muito, muito longe de casa.

— Droga! - Reclamou. - Eu não tenho dinheiro para pegar um uber ou um táxi. No máximo, uma passagem de ônibus ou de metrô. - Comentou, começando a caminhar. - Mas as linhas mais próximas ainda são bem longe daqui.

— Melhor voltar transformada, pois já está entardecendo. - Tikki respondeu, de dentro da bolsinha. - Apenas me dê um tempo para comer. - Pediu.

— Certo. - Concordou, ainda fitando o mapa, visando achar algum lugar menos deserto. Porém, uma exclamação de surpresa lhe escapou, ao reparar, em destaque na tela, o ponto que havia marcado mais cedo.

— O que foi? - A kwami perguntou, preocupada, colocando a cabeça para fora da bolsinha.

— Aquele jardim que eu ia visitar por último. - Começou. - É bem perto daqui. Nem tinha percebido que andamos tanto durante a batalha.

— E você vai? - Indagou.

— Bem, já que estamos tão perto… - Respondeu, reticente. - Não vejo problema em dar uma olhada. Meu dia não rendeu como eu gostaria, de qualquer forma. - Completou, frustrada.

— Vai escurecer logo. - Tikki lembrou.

— Eu vou voltar transformada, de qualquer jeito. - Marinette deu de ombros, marcando uma nova rota para o jardim, do ponto onde estava e, imediatamente, começando a traçá-la.

A criaturinha mística, sem questionar, apenas retornou para o interior da bolsa a fim de continuar sua refeição.

Em uma caminhada apressada, a asiática transpôs algumas quadras, reparando que, conforme avançava, as construções iam ficando cada vez mais antigas e, mais charmosas, de certa forma. Entretanto, tal fato mais a preocupou que deslumbrou: Afinal, sendo um lugar tão antigo e, aparentemente, pouco frequentado, era possível que o mapa sofresse de certa imprecisão. Temendo perder-se, seguiu avançando, ora olhando para os lados, ora olhando para o aparelho, até que, ao virar uma esquina, ainda conferindo na tela se permanecia no percurso, surpreendeu-se ao escutar seu nome ser chamado pela última voz que esperava ouvir naquele momento.

 

• • •

 

Adrien estava ferrado. Muito, muito ferrado.

Após sair, feito um louco, sem saber exatamente onde pisava, a fim de encontrar um lugar seguro para se destransformar, finalmente encontrou um beco. Sorte sua o bairro ser cheio deles, certamente, consequência das construções em típico estilo de sobrado.

Mas foi apenas depois de escutar um extenso discurso revoltado de um Plagg extremamente ranzinza e resmungão, uma vez que ele não tinha nenhum pedaço de queijo consigo, que o loiro se deu conta de sua situação: Não fazia a menor ideia de onde se encontrava.

— Que ótimo! - Ironizou, completamente transtornado.

Como tudo que é ruim sempre pode piorar, o modelo constatou que havia deixado o celular no interior do carro, como habitualmente fazia em todas as suas sessões de foto, uma das marcantes características em seu profissionalismo. Talvez ele devesse deixar de ser tão profissional.

— Quem mandou não trazer nenhum pedacinho de Camembert pra mim? - Plagg alfinetou, flutuando ao lado do portador, que caminhava desorientado. - Se tivesse me levado em consideração, poderia voltar para casa transformado. - Emendou.

— Plagg, eu estava trabalhando! - Respondeu, sentindo a calma abandoná-lo pouco a pouco. - Não dá para colocar queijo nas roupas com que eu fotografo! - Explicou.

Por quê? - Questionou o kwami, desacreditado. - Elas não tem bolso?

— Porque elas não são minhas! - Praticamente gritou, exasperado.

— Você ao menos tem dinheiro para um táxi ou uma passagem? - Insistiu o pequeno felino. Entretanto, não precisou que o loiro verbalizasse qualquer frase para entender a resposta. Bastou ver o modo como ele arregalou os olhos, num misto de desespero e irritação. - Você é uma piada. - Completou, voltando para dentro do casaco azul acamurçado.

Não que Adrien gostasse de concordar com o Kwami, mas daquela vez, tinha que admitir, tudo parecia uma grande piada de mau gosto. Estava em um bairro desconhecido, praticamente deserto por causa do ataque, sem celular e sem dinheiro, de modo que, inevitavelmente, teria de caminhar de volta para casa.

E mesmo que uma longínqua Torre Eiffel pudesse lhe guiar pelo caminho correto, não mudaria o fato que teria que andar por horas para, finalmente, chegar. Uma vez que, estava entardecendo, ele provavelmente concluiria seu percurso somente de noite, muito provavelmente, quando o ódio de seu pai em razão de seu sumiço repentino, alcançasse o ápice.

Resignado, seguiu caminhando, enquanto a ideia de bater em alguma das antigas casinhas que o rodeava e pedir para usar o telefone, crescia em sua mente.

E foi justamente quando havia parado para criar coragem e decidir em qual daquelas construções rogaria ajuda, que a figura de uma garota, completamente distraída, virou a esquina, fazendo com que o espanto lhe atingisse, junto ao reconhecimento.

— Marinette? - Antes que pudesse pensar no que estava fazendo, ouviu a própria voz chamando pela colega de classe que, assustada, ergueu os olhos anilados em sua direção.

E pelo modo que estavam arregalados, parecia que a menina tinha visto um fantasma.

Adrien, por sua vez, sentiu a empolgação e o alívio invadirem seu interior, como se tivesse acabado de vislumbrar um anjo em meio ao inferno. Exagero de adolescente, claro.

— A-Adrien! - A Garota gaguejou, sem se mover. - O que está fazendo aqui? - Perguntou, de forma automática.

— Eu poderia perguntar a mesma coisa, sabia? - Um tanto esbaforido, o loiro comentou, sorrindo, lembrando-se que, cerca de uma hora antes, deixara a garota no telhado de um prédio, pedindo que ela se mantivesse em um local seguro. Entretanto, ali estava ela, a metros de onde lutaram contra o akuma, zanzando enquanto olhava distraída para a tela do telefone. - Está jogando? - Perguntou, tentando entender o comportamento da colega.

— Como? - Ela parecia realmente confusa.

— Mais cedo, no parque, você não parava de correr e olhar para a tela do telefone. E agora você estava andando sem parar de encarar o celular. Pensei que pudesse estar jogando um desses games de captura de monstros e tal… - Explanou sua conclusão, sem perceber que estava entregando o fato de que a observara por um bom tempo.

— Não! - Marinette negou, sentindo o rosto esquentar. - Não que eu não goste desses games e tal, eu só não tenho tempo de jogá-los. - Atrapalhou-se, aparentemente, dando-se conta de que o garoto sequer havia perguntado aquilo.

Adrien riu, quando a garota gemeu frustrada, dando um tapinha na própria testa. Com o passar do tempo, aprendera a gostar dessa característica peculiar de Marinette enrolar-se com as palavras. Isto é, até o momento em que descobriu a existência da tal “Operação Jardim Secreto”. Aquilo poderia explicar muita coisa no comportamento da garota, não de um jeito que o agradava, por assim dizer. Involuntariamente, chegando em tais pensamentos, sentiu o próprio sorriso vacilar um pouco. Mas a asiática não pareceu perceber.

— Eu meio que estou fazendo uma pesquisa de campo. - Após respirar fundo, a garota conseguiu explicar. Entretanto, a explicação apenas causou mais dúvidas no modelo.

— Pesquisa de campo? - Indagou.

— É, sabe. Para todo o lance do “Jardim Secreto”, tema do festival. - Complementou, sem perceber que o garoto tensionara com o assunto. - Eu não quero que a média da turma seja prejudicada por mal desempenho, então passei o dia visitando parques e jardins, em busca de inspiração. O último que quero visitar, fica aqui perto. - Contou.

Agreste piscou surpreso. Marinette passara o dia correndo de um lado para o outro, apenas para que a turma pudesse se sair bem em um festival para o qual ele sequer havia dado importância até então?

— Caramba! - Exclamou. - Isso é muito legal da sua parte. - Elogiou, sentindo-se levemente culpado. - Mas não acha meio injusto que faça sozinha? Por que não pediu ajuda? - Questionou.

— Eu sou representante de classe, é meu dever. - Respondeu. - E eu não queria envolver toda a turma, a menos que tivesse uma ideia concreta. - Emendou. - E você? O que faz tão longe? - Tornou a perguntar.

O loiro engoliu em seco. Como explicaria o fato de estar em um local tão deserto, sem dinheiro e sem celular, quando a própria Marinette o havia visto mais cedo, em um lugar muito, muito distante? Sem alternativas, resolveu arriscar:

— Nós íamos terminar a sessão de fotos em um lugar aqui perto. - Mentiu, sob o olhar desconfiado da morena. - Resolvemos vir quando o akuma atacou no outro parque, mas não imaginávamos que ele acabaria vindo para cá. - Seguiu narrando. - Aí foi uma confusão só: Cada um correu para um lado, e eu acabei aqui, sozinho, sem dinheiro e sem telefone. - Admitiu, constrangido.

— Oh! - A mestiça exclamou, compadecida e, aparentemente, preocupada. - Eu posso lhe emprestar meu telefone, se quiser. - Ofereceu, antes que ele pedisse.

— Obrigada Marinette! - Agradeceu, sincero, pegando o aparelho que lhe foi estendido.

Contudo, antes de discar, o garoto tornou a encarar a asiática, que o fitava com uma postura… Indecifrável. Nunca saberia descrever, ao certo, a gama de emoções que a envolvia quando estava por perto.

— Você pode voltar com a gente. - Convidou.

Adrien percebeu que a garota corou até a raiz dos cabelos.

— Ah, eu… - Ela começou, parecendo decepcionada. - Ainda tenho que visitar o jardim. - Afirmou. - Tenho que aproveitar que estou perto. - Justificou.

— Está entardecendo… - O loiro observou. - Como vai voltar depois? Acho que não tem linha de ônibus por perto, muito menos de metrô. - Afirmou, preocupado.

— Eu dou um jeito. - Ela respondeu sorrindo.

Um sorriso que, involuntariamente, contagiou o loiro.

— Bom, se é assim… - Começou ele, atraindo a atenção da menor. - Eu vou com você. - Concluiu.

 

• • •

 

Marinette repassava os acontecimentos dos últimos minutos, tentando entender como havia chegado naquela situação. Justamente quando, pela primeira vez em muito tempo, desejou, de certa forma, distancia de Adrien, para não correr o risco dele descobrir mais do que já sabia sobre a “Operação Jardim Secreto”.

Por outro lado, não conseguia evitar de se sentir exultante com tudo aquilo. Afinal, estava caminhando, sob o entardecer, lado a lado com o amor da sua vida, para um jardim, aparentemente, escondido no meio do nada. Era quase um encontro, não? Uma loucura de apaixonados? Tais pensamentos fantasiosos, rondavam sua mente, enquanto, pouco a pouco, eles se aproximavam do lugar marcado no mapa.

E quando finalmente chegaram, não conseguiu evitar que seu queixo caísse ligeiramente, assim como, percebeu, o loiro ao seu lado.

— Esse é o jardim que estava procurando? - O modelo perguntou, sem conseguir tirar os olhos do local.

A mestiça conferiu o aplicativo em seu celular, para certificar-se de que encontravam-se no local certo.

— Sim… - Confirmou, reparando, só então, que uma placa de madeira, antiga e decadente, informava, com sua tinta descascada, o nome do local: “Jardin d’Eau”. - Definitivamente, é aqui. - Afirmou.

— Esse lugar é… - O loiro começou, reticente.

— Incrível! - Marinette exclamou, maravilhada.

Por um instante, esqueceu-se que encontrava-se ao lado do garoto pelo qual era perdidamente apaixonada e permitiu-se ficar completamente empolgada, correndo num impulso, para dentro do local, cessando apenas quando prendeu a ponta de sua sapatilha em uma das rachaduras no concreto da estradinha, o que fez com que se estatelasse no chão.

— Marinette! - Ouviu Adrien gritar. Contudo, não se importou com o tombo ou a vergonha. Apenas sentou-se sobre as próprias pernas e continuou admirando o ambiente a sua volta.

Realmente, se pudesse definir aquele local, com uma palavra, não escolheria outra que não fosse “fantástico”.

Era fato que, em questão de zelo e conservação, o jardim encontrava-se completamente decadente. As estradinhas de pedra tracejadas em meio a grama, estavam cheias de buracos, completamente fragmentadas, tornando-se um verdadeiro risco para que se aventurasse caminhar por ali. Os banquinhos e as mesinhas de concreto espalhadas por toda parte, encontravam-se aos pedaços. Vários dos postes antigos, estavam tortos ou caídos. Realmente, o lugar poderia ser considerado quase fantasmagórico, não fosse por um único motivo: as plantas.

É quase que estúpido dizer que local estava cheio delas, visto que se tratava de um jardim, mas, realmente, era a primeira coisa que se passava na cabeça de um visitante que nunca havia passado por ali. Isso porque, era quase certo que, qualquer cidadão parisiense, que não fosse habituado ao campo, garantiria jamais ter visto uma variedade tão grande de espécimes, em um local relativamente limitado.

A própria Marinette, que já visitara algumas cidades campesinas na companhia dos pais, poderia jurar que, em nenhuma dessas aventuras familiares, vira tantos tipos diferentes de árvores, arbustos e flores juntos. Também, nunca vira um ambiente natural com leque tão variados de cores. Na maioria dos casos, os jardins parisienses eram projetados para ter o verde em sua maioria, ganhando outros tons de cores com flores posicionadas em pontos estratégicos, em excessiva preocupação com a harmonia do ambiente.

Contudo, ali não havia regras ou planejamento: As árvores e plantas cresciam e se estendiam livres, por todos os lados, em uma explosão de cores e combinações que, se questionadas teoricamente para qualquer um, pareceriam duvidosas.

Encantada, a mestiça passou a estudar o jardim, até onde suas vistas podiam alcançar. A sua direita, para além da grama verde e bem cuidada que circulava um chafariz desativado, havia um tapete de bluebells, sob a copa multicolorida de flamboyants, jacarandás e magnólias. A sua frente, a estradinha de pedras semi destruída, era contornada por arbustos de hortênsias azuis e rosas, que rareavam no que parecia um lago mal-cuidado. A esquerda, inúmeras árvores de porte médio erguiam-se, também de todas as cores: Ipês rosas, brancos, vermelhos roxos e amarelos, noivinhas, cinamomos e até mesmo cerejeiras japonesas, para o espanto da garota. Isso sem mencionar os variados arbustos de flores, salpicados em toda parte: rosas, margaridas, gérberas, amor-perfeito, hibiscos e tantas outras que a asiática sequer sabia nomear. Tudo sem qualquer padrão ou planejamento. Selvagem e belo.

— Você está bem? - Tanto a voz, quanto as mãos de Adrien, que seguraram Marinette por debaixo dos ombros e a ergueram de uma vez, tiraram-na de seus devaneios. Pouco depois, quando ela processou o gesto, corou feito uma idiota.

— E-estou.. - Respondeu, fitando o semblante preocupado do loiro que sequer havia percebido ter chegado ao seu lado.

— Não se machucou? - Insistiu ele.

— Não se preocupe, eu já estou tão acostumada com esse tipo de coisa que nem me machuco mais. - Comentou de forma enérgica, arrancando risadas do outro, só então, percebendo, que praticamente gritava ao falar. Constrangida, sentiu o rosto arder ainda mais. - Desculpe a minha empolgação, é que esse lugar parece saído de um sonho. - Justificou, arrependendo-se em seguida, por achar suas palavras extremamente infantis. - O que eu estou dizendo…

— Realmente, é incrível. - Adrien concordou. - Nunca havia visto nada igual em Paris. - Observou. - Nem em nenhum outro lugar, para ser honesto. - Completou.

— Não é? - Perguntou a menina, arriscando sair da estrada e passar para a grama, por uma brecha entre os arbustos de hortênsias.

— É o que estava procurando? - Indagou, seguindo-a.

— Definitivamente. - Garantiu a garota. De fato, podia até mesmo sentir as ideias aflorando, aos montes, em sua mente, apenas com a visão daquele lugar. Claro que poucas tinham a ver com o festival, mas daria um jeito.

Foi quando uma voz, ranzinza e rabugenta, tirou a garota, mais uma vez, de sua viagem pessoal, fazendo com que ela pulasse de susto:

— Não pisem na grama! - Gritou um senhor, praticamente brotando do meio dos arbustos.

Marinette gritou, sobressaltando ao ponto de impulsivamente, correr três passos para trás, o que culminou com que tropeçasse e caísse.

De novo.

No meio dos arbustos de hortênsias.

Definitivamente, se ainda havia alguma dignidade em seu ser, agora deveria estar abaixo das raízes daquelas flores.

— Marinette! - Adrien exclamou, correndo para ajudar a garota.

— Você também, moleque, não corra na grama! - O senhor tornou a gritar, dessa vez com o modelo. - Crianças insolentes, vocês não viram as placas? - Questionou.

Ainda estirada contra os galhos frondosos, enquanto Adrien procurava uma maneira segura de retirá-la dali, a mestiça encarou o senhor com incredulidade.

— Está falando sério? - Indagou, por um instante, esquecendo-se da situação ridícula que estava no momento. - Já viu o estado desse lugar? Como espera que alguém caminhe por essa trilha aos pedaços sem acabar exatamente como estou agora? - Questionou, o timbre levemente prepotente.

— Se eu que sou velho consigo, vocês jovens superam. - O velho respondeu, vendo o loiro finalmente puxá-la e colocá-la de pé. - Aliás, tem folhas no seu cabelo. - Avisou, tornando a regar um canteiro, só então fazendo com que os jovens notassem que ele segurava a extremidade de uma mangueira.

Marinette passou as mãos pelos fios negros, de forma atabalhoada, suprimindo a intensa vontade de chorar que crescia em seu interior. Embora não tivesse um espelho por perto, sentia que jamais estivera com a aparência tão deplorável em frente ao garoto que amava. O que fazia com que ela tivesse que suprimir, com todas as suas forças, a vontade de abrir a câmera frontal do celular para conferir.

— O senhor é o responsável por este lugar? - A pergunta do loiro despertou a asiática de seu desespero pessoal.

O velho desviou a atenção do canteiro que vinha molhando para encarar o garoto. Só então, a mestiça passou a reparar em sua aparência, sendo que a frase que vinha em sua cabeça era  “cara de vovô rabugento”: mais alto que eles cerca de uma cabeça, não muito gordo, mas com uma barriga proeminente, cabelos e barbas brancas. As roupas, pareciam àquelas que se viam em filmes antigos e lhe caiam estranhamente bem, e os óculos, de armação grossas e escuras, tratavam de encobrir parcialmente o rosto enrugado de quem já havia vivido muito e pouco queria contar.

— Desculpa, não nos apresentamos. - O loiro retomou a palavra, notando que o mais velho demorava um pouco para responder. - Sou Adrien, e ela é Marinette - Emendou, apontando primeiro para si próprio e depois para a colega de classe, a qual se questionou se ele havia suprimido o próprio sobrenome propositalmente.

— É um prazer. - respondeu, sem realmente transmitir o que dizia. - Meu nome é Armand Chevalier - Apresentou-se -, e eu tenho a impressão de que conheço a sua cara de algum lugar. - O velho comentou, ranzinza, apontando para o garoto e fazendo com que ele corasse e Marinette risse. - A dela eu nunca vi. - Acrescentou indicando a jovem. - Mas sei que nenhum de vocês dois são dessa área. São crianças bem crescidas, que certamente moram na área nobre da cidade. - Concluiu.

Os dois adolescentes arregalaram os olhos, espantados com a conclusão do homem.

— O quê? - Indagou, ante a pasmaceira dos mais novos. - Vocês aprendem a fazer isso com a idade. - Deu de ombros. E respondendo a sua pergunta, eu não sou o responsável por este lugar. Não oficialmente. - Declarou.

— Como assim? - Marinette indagou, se aproximando. - Quer dizer que o senhor cuida desse jardim voluntariamente? - Externou sua conclusão.

— Você é esperta menina. - Respondeu o senhor. - Se existem outros como você, talvez essa geração não esteja tão perdida assim. - Comentou, voltando-se para outro canteiro, o qual passou a regar. - Agora é minha vez de perguntar: O que dois pirralhos como vocês fazem tão longe de casa? - Indagou. - Já vou avisando que isso aqui é um local de família. Não é porque é afastado que vocês podem ficar de saliências por aí. - Avisou.

Instantaneamente, os dois adolescentes sentiram o rosto esquentar, sabendo que haviam alcançado um tom de vermelho absurdo. Mas esse detalhe passou despercebido pelo velho que seguia cuidando do jardim.

— O senhor entendeu errado! - Adrien tratou se explicar, sem saber a pontada de decepção que suas palavras causavam em Marinette. Não que ela pudesse esperar uma reação diferente, não é mesmo? - Somos amigos que estudam na mesma escola. - Contou.

— E estamos fazendo uma pesquisa de campo para o planejamento do festival cultural. - Acrescentou a morena.

— Sei. - O homem falou, desacreditado. - Longe desse jeito? - Perguntou.

— Estávamos em busca de um jardim que pudesse nos inspirar a fazer um bom projeto - Marinette começou a narrar, sem perceber que incluira Adrien em sua jornada - e vimos esse no mapa. Como não conhecíamos, viemos conferir e, nossa! - Exclamou, atraindo novamente a atenção do velho. - Esse lugar é fantástico! - Elogiou.

Pela primeira vez desde que o encontraram, o homem  sorriu. Um sorriso amargurado e triste, que não passou despercebido pela garota.

— Se gosta agora, devia tê-lo visto em toda a sua glória. - Comentou, virando-se para o lado oposto e traçando o caminho marcado pela mangueira. Os adolescentes apenas o seguiram.

— Ele sempre foi assim, como toda essa variedade de espécies, Sr. Chevalier? - Adrien se pronunciou, de forma educada.

— Não. - Negou o velho. - Admito que só virou essa bagunça depois que fui atrás de todo tipo de plantas para cultivar aqui. - Contou.

— Bagunça? - A mestiça perguntou, retoricamente. - É de longe o jardim mais bonito que eu já vi, mesmo considerando a negligência com o patrimônio local. - Observou.

— Isso porque, depois que eu percebi que a prefeitura não ia mesmo cuidar da conservação do local, e desisti de insistir nisso, decidi que deveria fazê-lo belo de outras formas. - Contou. Entretanto… - Parou, amargurado, ao alcançar a torneira.

Adrien e Marinette aguardaram o desfecho, com expectativa, enquanto Sr. Chevalier se inclinava para girar a manivela.

— ...Não foi o suficiente. - Concluiu, levantando-se e começando a enrolar a mangueira.

Marinette piscou surpresa. Ela tinha entendido direito?

— O que o senhor quer dizer com isso? - Contudo, foi o modelo que externou a dúvida dos dois.

O velho inspirou profundamente, antes de guardar a mangueira e retornar pelo mesmo caminho que vieram.

— Que se vocês gostaram do local, deveriam apreciá-lo enquanto podem. - respondeu. - Porque a prefeitura está em negociações com uma imobiliária de renome. Eles vão privatizar a área e erguer um condomínio de luxo no lugar. - Revelou, crispando os lábios.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.

Beijinhos!