Operação Jardim Secreto escrita por Lura


Capítulo 18
Se Não Passou, Não é Passado


Notas iniciais do capítulo

Passei tanto tempo digitando que não tenho cabeça nem braços para escrever uma nota decente.

Esse capítulos custou a sair. Nem nome ele tinha até o momento que eu comecei a revisar, mas acho que esse aí se encaixou bem, com o desenrolar dos acontecimentos e o aparecimento de um personagem que eu tenho certeza que ninguém contava (pra mim, o nome correto seria ´´O Passado Volta Para Morder seu Rabo``, mas isso é deselegante).

Como não poderia deixar de ser, eu agradeço a todos os que leram, comentaram, favoritaram, divulgaram e qualquer outra coisa ´´aram``. Vocês são o motivo de eu estar as cinco da manhã revisando e postando.

Ah, relevem os erros, se não fosse agora, seria só semana que vem.

Por fim, não deixem de conferir as notas finais.



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Verdade incontroversa que a segunda-feira é o dia da semana preterido por parcela que constitui a maioria da humanidade moderna.

Contudo, para o velho habitante da última casa da rua, situada exatamente em frente ao Jardin D’eau, era um dia como qualquer outro.

Para Armand Chevalier, há mais tempo que conseguia se lembrar, as únicas diferenças entre os dias úteis e os finais de semana, é que nestes não conseguia acessar a parte comercial da cidade que lhe interessava a qualquer momento. Mas ele não precisava fazer compras com muita frequência então, basicamente, seus dias seguiam uma rotina com poucas mudanças adaptativas.

Todos os dias, fim de semana ou não, ele levantava-se cedo, pouco antes do sol estender seu manto caloroso sobre a belíssima Paris, e tomava seu desjejum com calma. Em seguida, quando a claridade dava seus primeiros sinais, seguia para sua caminhada matinal, na maioria das vezes pelo jardim próximo a sua casa e, dia ou outro, pelas ruas do bairro, até o horário limite de uma exposição saudável ao sol.

O que ele fazia, do momento em que retornava para casa até o entardecer, quando tornava a sair equipado com suas ferramentas de jardinagem, era um mistério para a maioria dos habitantes do bairro, mesmo para os mais antigos.

Isso porque, embora fosse comum o velho responder educadamente as saudações e cumprimentos, não transmitia a confiança necessária para encorajar as pessoas a iniciar uma conversa.

Sem contar o seu passado.

O passado que todos conheciam de ouvir falar, mas nunca questionavam a respeito.

Era um fato, sabido e respeitado, que Sr. Chevalier era um militar aposentado que perdera a família em sucessivas tragédias, após as quais, optou por uma vida reclusa, onde cultivava a própria dor sozinho, tal como seus espécimes vegetais.

Assim, a existência do velho corria monótona, sem surpresas, sem mudanças bruscas. Ele apenas precisava seguir a própria rotina e os dias passariam bem.

Mas as coisas estavam diferentes naquela segunda-feira. O jardineiro voluntário percebeu tão logo colocara os pés para fora de sua velha casa.

Incomodado, crispou o semblante. Aquilo não parecia um bom sinal. Sair da rotina, nunca era um bom sinal.

Não bastasse ter terminado a semana anterior de maneira desastrosa, sendo akumatizado no sábado.

Após, adveio um domingo de negação, onde não conseguiu se dedicar a nenhuma de suas atividades habituais por estar ainda perturbado com a recente possessão do vilão, até que dois pirralhos pentelhos entraram na sua casa e fizeram o que lhe convinha.

E agora, na segunda, quando tudo o que mais desejava era retornar a sua pacata é inabalável rotina, acontecia aquilo.

Podia não ser grande coisa ver um número considerável de pessoas caminhando pelo Jardin D’eau na primeira claridade matutina, mas para o Sr. Chevalier, era algo por demais estranho.

Porque ele sempre fazia as suas caminhadas pelo jardim sozinho.

Vez ou outra, alguns moradores locais apareciam no jardim pela tarde, mas só.

Todos eram ocupados demais para contemplar devidamente o lugar. E o bairro também não contava com muitas crianças, ao menos não nas ruas próximas, o que tornava uma cena rara ver os pequenos correndo pela grama.

Então, por que raios, naquela manhã, o jardim estava cheio de pessoas, que, além de tudo, sequer residiam no bairro? (Isso, como morador mais antigo, o velho poderia dizer com certeza).

Sem animo para gastar sua manhã com questionamentos e, temendo ser reconhecido como o último akumatizado graças às notícias veiculadas recentemente, resolveu caminhar pelas ruas do bairro, deixando para visitar o jardim apenas na parte da tarde. Contudo, não pôde deixar de reparar o estranho movimento, de pessoas que se dirigiam todas para o mesmo sentido: seu amado jardim.

Resolvendo por nada perguntar, seguiu seu caminho contra o fluxo, retornando para a casa quando o sol começava a esquentar sua cabeça, mesmo com o uso de sua boina de Tweed, não deixando de observar que os visitantes também se dispersavam, espantados pelo calor.

Como sempre, teria mais um dia descompromissado pela frente, que daria um jeito de tornar produtivo, para não se render ao ócio. Decidindo-se por uma boa leitura, caminhou com calma até a biblioteca, livrando-se do casaco e do chapéu pelo caminho, enquanto mentalizava qual se seus inúmeros exemplares lhe faria companhia durante o dia.

Todavia, não pôde evitar de refrear seus passos, ao passar ao lado do elegante tabuleiro de xadrez, esculpido em pedra. De imediato, imagens dos dois adolescentes atrevidos, que estiveram exatamente ali, no dia anterior, passaram pela sua cabeça, enquanto contemplava as peças marmorizadas, dispostas na superfície. Ele tentava se convencer que a sensação que tomava seu peito era puramente curiosidade em relação àquelas duas crianças. Não contentamento.

Para seu desânimo, junto com as lembranças, a ânsia pela leitura esvaiu-se totalmente, sendo substituída por uma onda incômoda de inspiração.

— Ótimo. - Ironizou para si mesmo. Não tinha a pretensão de se fatigar, porém sabia que permaneceria inquieto caso não colocasse sua ideia em prática.

Resignado, deu meia volta e caminhou para a despensa, a fim de apanhar suas ferramentas e conferir seus materiais. Se suas lembranças estivessem corretas, deveria ter fragmentos de alabastro, serpentina e mármore. Talvez pedra sabão.

Só esperava que seu cinzel não estivesse enferrujado, tampouco suas habilidades.

 

 

Marinette não precisava ter passado por tudo que passou na semana anterior para descobrir que, se as pessoas lhe olhassem de forma espantada quando ela entrasse na sala de aula, algo ruim estaria acontecendo.

Por isso, após livrar-se do calafrio que percorreu sua espinha, caminhou decidida em direção às suas amigas, que dividiam seus olhares receosos entre ela e o que era exibido na tela do celular de Alya.

Felizmente, ao menos dessa vez, o restante da turma parecia alheio ao que quer que estivesse sucedendo.

— E agora? O que foi? - Indagou, questionando-se internamente o que poderia ter ocorrido durante o intervalo que antecedia a última aula, quando aproveitou para ir à biblioteca devolver um livro. Afinal, estivera com as amigas menos de quinze minutos antes e tudo parecia normal.

— Não vai querer falar sobre isso aqui, Marinette. - Avisou Mylène. Rose, Juleka e Alix apenas menearam a cabeça em concordância.

A asiática estava pronta para contestar, quando a Srta. Bustier adentrou a sala para ministrar a última aula e pediu que todos se acomodassem.

Marinette foi, a contragosto, mas lançou um olhar às amigas que dizia claramente que não deixaria por isso mesmo. E não deixou.

Tanto que perturbou a amiga blogueira incansavelmente durante a aula, até que ela resolvesse desembuchar, o que deu origem a uma conversa aos cochichos.

— Você sabe, seu plano de fazer um vídeo com Ladybug e Chat Noir para salvar o jardim está sendo um sucesso, Certo? - Perguntou.

Sim, Marinette sabia. Alya, naquela manhã, chegara na escola comemorando o fato, empolgadíssima por estar envolvida em um projeto beneficente com a dupla de super heróis que idolatrava.

Por mais de uma vez, agradeceu a mestiça por tê-la convencido a envolver-se na causa é a Elogiou pela ideia do vídeo.

Claro que, na opinião da garota de cabelos negro-azulados, não era grande coisa. A estratégia de envolver pessoas famosas em projetos beneficentes era manjada, mas eficiente, por ter o poder de promover os dois lados. A maior dificuldade sempre se tratou de acessar os famosos que topassem participar. No caso, Marinette não se preocupou tanto quando teve a ideia, pois ela sabia que era a celebridade em questão, e que Chat Noir estava disposto a ajudar.

— Sim Alya. - Confirmou. - Você repetiu isso o dia todo. - Lembrou. - Mas eu prefiro que você pare de repetir que a ideia foi minha. - Asseverou.

Bem, esse fora outro ponto discutido ao decorrer do dia. A blogueira não entendia porque Marinette insistia em não tomar a frente no projeto de salvar o jardim, se ela era uma das principais interessadas.

A resposta era simples: Sua popularidade não era das melhores desde os eventos ocorridos na semana anterior.

Até mesmo tivera que desativar suas redes sociais quando o assédio das fãs de Adrien chegaram a um nível ofensivo impróprio para menores.

Além de tudo, havia as abordagens que vinha sofrendo na escola, como os xingamentos na hora do recreio, ou os dizeres “bruxa vadia” escritos com batom em seu armário naquela manhã.

Em suma, com fãs de Adrien lhe odiando por toda a França, era normal que não quisesse se envolver no projeto, para não afugentar colaboradores.

E havia também o fato de não poder atuar junto à Ladybug em um mesmo projeto porque, bem, elas eram a mesma pessoa.

No fim das contas, acabou lamentando ter apresentado o projeto a Alya como Marinette em vez de Ladybug, pois sabia que a amiga teria cedido o pedido da heroína com mais facilidade e não perturbaria sua identidade civil para levar o crédito.

Mas ela havia tido a ideia em frente à Adrien (esse sim sabia que ela era a verdadeira autora do plano). Não podia dar os créditos a Ladybug e ameaçar sua vida dupla.

— Bom - Alya retomou a conversa. - Você não devia se preocupar com isso agora, porque sua imagem já está ligada ao jardim de qualquer jeito. - Afirmou.

— Como assim? - Questionou Marinette.

A aspirante a jornalista não respondeu de imediato. Passou pelo menos meio minuto deslizando os dedos pela tela vítrea do aparelho telefônico, mordendo os lábios, como se estivesse concentrada em descobrir algo.

— Seu plano de ficar na surdina não está dando muito certo. - Contou.

A asiática arqueou as sobrancelhas.

— Seja direta. - Pediu.

— Tem um monte de gente perguntando nos comentários do blog se o teatro que fizemos na escola foi em prol do salvamento do jardim. - Explicou. - Você sabe, nós divulgamos o festival cultural e a HQ do Nathaniel no blog. - Lembrou.

— Claro. - Assentiu Marinette.

— Estão até divulgando alguns vídeos do teatro pelos comentários, e algumas fotos da conversa que espalharam pela escola também. - Continuou. - Virou um rolo. Tem gente achando que está tudo relacionado, e até especulando se aquela conversa não foi jogada de marketing.

O que não era um raciocínio muito inteligente, a mestiça pensou, franzindo o cenho. Que tipo de pessoa sacrificaria a própria reputação e a popularidade de um modelo teen em prol de uma causa beneficente, por melhor que fosse? No fim das contas, a falta de popularidade dos envolvidos não refletiria negativamente no próprio projeto?

— Essas discussões não seriam um problema se não estivessem influenciando no real objetivo do projeto. Algumas pessoas estão misturando tudo e divulgam posts e vídeos de apoio com a hashtag “salveojardimsecreto” e - fez uma pausa dramática para enfatizar a bizarrice da situação - “operaçaojardimsecreto”.

A menina de cabelos negro-azulados gemeu, desanimada, atraindo, sem querer, os olhares curiosos do modelo e do DJ, sentados logo à frente, os quais foram afugentados pela expressão assassina que Alya lhes lançou.

Teve que resistir a vontade de acertar a testa no tampo da mesa escolar. Estava crente que todo o reboliço envolvendo o teatro e a conversa devaneceriam a partir dali.

Sabia que a situação ainda estava crítica - os borrões de batom que não conseguira remover da porta de seu armário eram prova -, mas também estava otimista que, passado o festival escolar, os ânimos tendiam a se esfriar, até a história finalmente cair no esquecimento.

Contudo, o projeto de preservação do jardim, parecia ter dado novo gás aos boatos, até mesmo criando alguns novos. Pensar que ela era a responsável por continuar fomentando tudo aquilo era, no mínimo, irônico.

Frustrada, não recusou o aparelho celular de Alya quando lhe foi oferecido, só então notando a dimensão do problema.

Os mecanismos de busca mostravam que havia resultados positivos para as hashtags “operaçãojardimsecreto” em praticamente todas as redes sociais.

Tanto curiosa quanto impressionada, abriu alguns links em novas abas, vendo, de relance, vídeos, fotos, publicações em blogs e fóruns, todos intitulados com a dita hashtag.

O auge dos constrangimento a atingiu quando viu publicações de artistas simpatizantes da dupla de super heróis parisienses, como Clara Rouxinol, fazendo a alusão a operação.

Alguns iam além e sugeriam que fizessem algum evento beneficente, seguindo o exemplo da turma escolar que se aventurara em um teatro interativo, apenas para salvar o jardim. Ela poderia ter ficado orgulhosa da própria classe, se aquilo fosse mesmo verdade.

Momentos depois, a mestiça devolveu o celular de Alya, mas continuou as pesquisas em relação a hashtag no próprio aparelho, cessando apenas quando o sinal que anunciava o fim das aulas do dia soou.

Desanimada, ajeitou os próprios materiais na mochila, até que sentiu seu corpo traidor arrepiar ao ouvir seu nome ser proferido por um timbre muito conhecido.

— Marinette? - Adrien chamou, atraindo o olhar assustado da asiática, que só então reparou que ele já tinha arrumado os próprios materiais e a aguardava parado ao lado de sua mesa. - Podemos conversar? - Pediu.

A garota de cabelos negro-azulados perscrutou a sala de forma nervosa, percebendo que além de Alya e ela, apenas o modelo, Nino e a Srta. Bustier permaneciam.

— Adrien! - Exclamou, desajeitada. - Podemos conversar outra hora? Eu meio que tenho planos com Alya agora. - Mentiu, vendo as sobrancelhas da amiga arquearem por trás dos óculos de grau.

Fosse outra época, a blogueira teria dito que o que quer que fossem fazer, podia esperar uma breve conversa. Mas ela ainda estava irritada com Adrien graças ao incidente com os cartazes - embora soubesse que não era culpa dele - então limitou-se a cruzar os braços e o encarar de forma intimidadora.

— Ah, certo… - O loiro, além de um pouco constrangido, pareceu levemente desapontado. - Nós vemos amanhã então. Até. - Despediu e se afastou, acompanhado do DJ.

— Ele ao menos deveria ter insistido em uma breve conversa. - A aspirante a jornalista comentou com Marinette quando viu que Agreste e o namorado já estavam longe o suficiente, sentindo-se desapontada pela amiga, em razão da rápida desistência do loiro.

— Foi melhor assim. - Respondeu, colocando a mochila nas costas. - Se nos virem conversando na escola, darei motivos para que pichem meu armário novamente e eu não quero lidar com isso todos os dias. - Explicou. - Além do mais, eu preciso visitar o Sr. Chevalier logo, ou ficará tarde. Ele mora longe. - Acrescentou.

— Se ele te deixar entrar. - Asseverou a morena. - Eu entendo o que está tentando fazer por ele e, sinceramente é louvável. Mas pelo que disse, o cara abraçou a solidão e não tem piedade ou educação com quem quer que o tente tirar dela.

“Pelo que disse”, Marinete repetiu a expressão mentalmente, sentindo-se culpada. Ela não gostava de mentir para Alya - omitir, consolava-se - mas se lhe dissesse toda verdade teria que enfrentar horas de um discurso de alerta. Por isso, embora tivesse contado quando à estranha visita ao velho jardineiro, omitiu a parte em que Adrien também estava lá.

— Ele ameaçou, mas não me colocou realmente para fora da última vez. - Lembrou, afastando os próprios pensamentos. - Então acho que está tudo bem. - Afirmou, enquanto caminhavam lado a lado em direção à porta.

— Marinette! - Ouviram Srta. Bustier chamar, antes que pudessem alcançar a saída.

As duas meninas viraram-se e encararam a professora de forma curiosa.

— Sim? - Respondeu a mestiça.

A educadora aproximou-se das alunas, e embora caminhasse graciosamente sobre seus saltos, sua postura e expressão facial davam a impressão de que estava… Nervosa? Ou talvez fosse apenas impressão mesmo.

— Peço desculpa por isso, mas acabei escutando sua conversa com Alya. - Disse, vendo as garotas arquearem as sobrancelhas. - Você vai visitar o Sr. Chevalier, entendi direito? Aquele que foi akumatizado no dia do festival, certo? - Indagou.

— Isso. - A garota de cabelos negro-azulados confirmou, ficando cada vez mais curiosa.

— Será que eu poderia ir com você? - Ofereceu-se. - Ele é um conhecido meu. Eu realmente me preocupei após o ataque e pensei em visitá-lo, mas estava com vergonha de aparecer sozinha. Meio bobo, eu sei. - Justificou.

Marinette não podia negar que estava tão surpresa quanto receosa com o pedido, temendo que Sr. Chevalier se irritasse ainda mais por ela aparecer em sua casa acompanhada. Contudo, não via meios de recusar sem parecer indelicada, algo que ela realmente não queria com alguém que sempre lhe tratara tão bem.

— Claro. - Confirmou por fim.

— Obrigada! - Agradeceu a professora. - Estou de carro hoje, então o percurso não levará muito tempo. - Avisou, e Marinette sentiu-se mais animada. Afinal, tinha que pegar duas linhas de metrô, um ônibus e ainda caminhar um trecho para chegar à residência do velho. - Alya também vem? - Indagou.

— Não, professora. - Negou a blogueira. - Eu tenho que dar andamento ao projeto para salvar o jardim. Estou com algumas ideias frescas que tenho que colocar em prática. - Comentou, exultante.

— Oh, isso é ótimo! - Comemorou Srta. Bustier. - Eu vi o vídeo que você postou em seu blog. Achei uma ideia fantástica e muito nobre. - Comentou.

— Obrigada. - A aspirante a jornalista respondeu, levemente envergonhada.

— Eu também gostaria de conversar sobre isso com vocês mais tarde. - Continuou a educadora. - Sabe, se eu puder fazer algo para ajudar… - Ofereceu. - Me coloco à disposição. - Concluiu.

— Bom, o projeto está só começando, mas sei que quanto mais ajuda tivermos, melhor. - Respondeu Alya.

— Perfeito. - Concluiu a Professora.

As três se dispersaram, Marinette e Alya indo até os armários e Srta. Bustier retornando a sala dos professores, garantindo que em poucos minutos passaria na confeitaria.

É assim ela fez.

A adolescente mal teve tempo de embalar algumas porções de croissants e macarons, antes que a educadora a entrasse pelo estabelecimento.

Após uma breve conversa com os pais da mestiça, as duas deixaram o local e entraram no carro, transpondo todo o percurso em uma conversa animada.

O período tinha sido tão agradável que passou voando, de modo que a garota mal acreditou quando percebeu que estavam estacionando em frente à residência do Sr. Chevalier.

Entretanto, quando estava prestes a descer do veículo, sentiu o braço ser segurado pela professora.

Estranhando a situação, virou para encará-la, apenas para encontrá-la com a feição pálida e os olhos arregalados.

— Está tudo bem, Srta. Bustier? - Perguntou preocupada.

A mulher não respondeu, aparentando que sequer havia escutado o questionamento. Apenas seguiu com os olhos travados em algum ponto a sua frente, uma das mais no braço da aluna, a outra apertando o volante.

Preocupada, a menina seguiu o olhar da professora, vendo que estava fixo em um carro azul estacionado alguns metros à frente.

— Srta. Bustier? - Tornou a perguntar.

Só então, Caline pareceu despertar de seu transe, voltando-se para a estudante, os olhos verdes piscando para afastar a névoa que encobria sua mente.

E quando percebeu que segurava o braço da garota, soltou num rompante, como se estivesse tocando brasas.

— Marinette! - Gritou, preocupada. - Céus, eu te machuquei? - Indagou horrorizada.

O semblante da menina se desfez em alívio.

— Não, professora. - Garantiu.

Não era totalmente verdade, mas não queria piorar a situação a ponto da mulher se sentir culpada. Afinal, não era culpa dela mesmo.

Em seu tempo de heroína, Marinette resgatara vítimas o suficiente para saber que aquela era uma reação automática, desencadeada em situações traumáticas. Não foram poucas as vezes que tivera os braços ou pernas travados.

— Eu… - Guaguejou. - Me desculpa! - Pediu.

— Está tudo bem. - Garantiu. - A questão é, está tudo bem com você? - Insistiu.

A mulher piscou mais algumas vezes, alternando o olhar entre o carro preto estacionado logo à frente, a casa do Sr. Chevalier e a aluna.

A garota olhou para o veículo, o cenho franzido. Se estivesse certa, ele seria a causa daquela reação, mas por quê?

— Sinto muito Marinette. - Lamentou Caline Bustier. - Eu sei que fui eu que pedi para vir mas… - Pausou, sem saber ao certo o que dizer em seguida. - Eu não posso fazer isso. Não hoje. - Disse por fim.

Com essa explicação, as dúvidas na mente da adolescente apenas se multiplicaram. Mas ainda que fosse curiosa ao extremo, ela sabia identificar os momentos em que suas perguntas eram pertinentes.

Assim, decidida a não pressionar a mulher, apenas assentiu, assumindo uma postura gentil.

— Eu posso te buscar quando você terminar. - Ofereceu. - Afinal, eu até avisei seus pais que a levaria para casa… - Comentou.

— Não precisa se preocupar. - Garantiu a mestiça. - Eu ia vir sozinha de qualquer jeito, eles sabiam e concordaram. - Lembrou.

— De qualquer forma, se precisar, eu insisto que me ligue. - Reforçou a professora.

Não demorou muito para que as duas se despedissem.

Logo, Marinette se viu de pé na calçada, observando o automóvel vermelho da Srta. Bustier desaparecer, dobrando a esquina.

Ao virar e bater à porta da casa do Sr. Chevalier, vislumbrou novamente o carro preto e, enquanto aguardava, não pôde evitar de divagar sobre o motivo que deixou sua professora tão perturbada. Ela conhecia o dono do carro? Ou talvez, alguém com um carro parecido? Seria mesmo o carro o estopim para aquela reação?

A garota não acreditava realmente que obteria uma resposta para aquelas questões, mas por incrível que pareça, ela estava logo atrás da porta a sua frente.

— Hei! - Um homem exclamou, ao atendê-la.

Marinette arregalou levemente os olhos, chegando a acreditar que havia batido na porta errada. Mas o reconhecimento a chocou logo depois.

— Você deve ser a garota do croissant! - Ponderou o homem. - Eu sou Maurice! - Apresentou-se, animado.

A menina de cabelos negro-azulados teve que resistir ao impulso de dizer “eu sei”. Afinal, Ladybug conheceu o ex-noivo da Srta. Bustier durante sua akumatização. Não Marinette.

— Maurice! - A garota reconheceu o timbre rabugento do Sr. Chevalier vindo do interior da casa. - Pare de tagarelar e coloca a menina para dentro. - Avisou. - Acredite em mim, ela vai entrar de qualquer jeito.

O homem soltou uma gargalhada descontraída, ao passo que a adolescente estreitou os olhos.

— Parece que ele gostou de você. -  Observou, liberando o espaço para que ela passasse.

Marinette caminhou pelo hall, logo chegando ao arco que marcava a entrada da sala de estar, onde recebeu a segunda surpresa do dia. Bem, ao menos ela deveria ter previsto essa, anotou mentalmente.

— Oi, Marinette! - Adrien, devidamente acomodado no sofá de três lugares a cumprimentou.

— Hm, Marinette… - Maurice repetiu, passando pela menina e se sentando numa poltrona individual. - É mesmo grande para uma pessoa tão pequena. - Afirmou, olhando para o Sr. Chevalier, que ocupava a poltrona ao lado.

— Foi o que eu disse. - A voz do anfitrião se sobrepôs a risada abafada do modelo.

Revirando-nos olhos, a asiática não se deixou abalar. Apenas caminhou e se acomodou na outra ponta do sofá de três lugares, em oposição a Adrien, assim como na visita anterior.

Mas ao contrário do que se esperaria dela, não foi o colega de sala que atraiu sua atenção, mas a presença do homem sentado em frente.

Marinette não sabia nada quanto a personalidade de Maurice para deduzir a razão da Srta. Bustier ter se apaixonado por ele, mas não a recriminaria se a aparência tivesse colaborado.

Embora chutasse que ele estivesse na casa dos trinta e cinco anos, tinha que admitir que ele possuía uma beleza que equilibrava juventude e maturidade muito bem. O rosto anguloso recoberto pela camada de barba por fazer, harmonizava perfeitamente com os olhos verdes gentis e os cabelos castanhos vastos e despenteados. Claro que a pose descontraída lhe dava um ar ainda mais charmoso , do qual ele parecia bem consciente, aliás.

— E hoje? - Começou o velho jardineiro, tirando a adolescente de seu transe. - O que veio fazer aqui? - Perguntou. - Espero que tenha uma desculpa melhor que a do garoto. - Acrescentou, fazendo o modelo sorrir de forma sem graça.

— Eu trouxe croissants. - Respondeu de pronto, erguendo o saco de papel com o logotipo da confeitaria de sua família e colocando-o sobre a mesa de centro. - E - enfatizou - macarons. - Acrescentou.

— Ela foi melhor, eu diria. - Observou Maurice, recebendo um bufar irritado em resposta do velho. - Não liguem para ele, sei que demonstra mal humor, mas na verdade fica animado com a visita de vocês. - Delatou, cobrindo a metade da boca com a mão em concha, como se estivesse contando um segredo.

Não que o velho não tivesse escutado, de qualquer forma.

— Fedelho, porque você não faz algo de útil? - Indagou o jardineiro. - Vai colocar os croissants numa vasilha e aproveita para fazer um chá! - Comandou, sem cerimônia.

— Tá, tá. - Maurice concordou, com descaso, pegando o pacote e caminhando em direção a cozinha.

— E nada de comer sozinho! - Advertiu Sr. Chevalier, arrancando risadas dos mais novos.

A asiática observou, sorrindo, que as palavras do ex-noivo de sua professora pareciam verdadeiras. Embora demonstrasse mal humor, o anfitrião não parecia estar incomodado com a presença deles ali. Sentia que ele estava até mesmo animado.

Isso a fez pensar que, ela entendia porque Adrien e ela fizeram nova visita, mas estava totalmente alheia a ligação de Maurice e Sr. Chevalier, que deveria ser próxima, dada a irreverência com que dialogavam.

— Vocês parecem próximos. - Apontou após alguns minutos de silêncio, expressando em voz alta seus pensamentos.

— Ah… - Resmungou o velho, a voz caindo para um tom neutro. - Maurice cresceu aqui no bairro. O conheço desde criança. - Contou. - Eu tento me livrar dele a anos, mas ele insiste em aparecer de vez em quando, para afinar o piano, embora ninguém o toque. - Ressaltou.

— O senhor bem que poderia mudar isso, não é? - Indagou o homem de cabelos castanhos, retornando com uma bandeja, onde estavam equilibrados a vasilha de croissants, o bule de chá e quatro xícaras. - Já que está retomando velhos projetos. - Comentou, colocando a bandeja na mesa de centro.

— Velhos projetos? - Marinette perguntou, curiosa.

— Sr. Chevalier voltou a esculpir. - Contou Maurice, servindo o chá.

— Meta-se com seus negócios, pirralho! - Repreendeu o velho.

— O senhor é um escultor? - Adrien perguntou, surpreso e admirado. - Legal! - Exclamou.

— Ele é! - Confirmou Maurice, passando uma xícara cheia para o modelo. - Não viram todas as estatuetas espalhadas pela casa? - Indagou. - Talvez o tabuleiro de xadrez na biblioteca? - Sugeriu.

— Uau! - O loiro exclamou. - O senhor é incrível. - Elogiou.

— Devia ver o trabalho que ele fez hoje. Vamos Sr. Chevalier, mostre a eles! - Incentivou.

A atenção dos adolescentes voltou-se para o velho que, só então, perceberam, parecia ligeiramente desconcertado. Mas ele próprio parecia decidido a não sustentar qualquer tipo de vulnerabilidade, pois logo tornou a vestir a carcaça de velho rabugento.

— Você ficava mais calado quando vinha me visitar acompanhado de Caline, rapaz. - Atacou, abrindo um sorrisinho vitorioso ao vê-lo murchar. - Aliás, onde está ela? Não vai me dizer que deixou aquela criatura adorável escapar!? - Continuou.

Por um instante, a garota de cabelos negro-azulados chegou a duvidar, mas logo concluiu que eles estavam mesmo falando da Srta. Bustier. E sua atenção estava tão focada a conversa, que ela mal percebeu que o mesmo brilho de reconhecimento em seus olhos, preenchia o olhar de Adrien.

— Isso é golpe baixo. - Maurice reclamou.

— Nossa vida nunca vai ser tão interessante quanto a do próximo. - O jardineiro recitou, com sarcasmo.

— Eu só queria que eles vissem seu trabalho. - O homem reclamou, cruzando os braços. - O senhor sabe, talento não é para se guardar.

— Por favor, Sr. Chevalier! - Adrien pediu, para espanto da asiática, que estava acostumada a vê-lo sempre respeitando o espaço alheio. - Mostra pra gente! - Insistiu.

— Isso! - Marinette reforçou o apelo. - Também quero ver!

O velho bufou irritado, mas soube que não teria sossego se não cedesse no momento em que as orbes azuis e verdes cintilaram em sua direção.

— Não esperem muito, crianças. - Avisou, levantando-se. - Eu comecei hoje, então ainda está incompleto. - Justificou.

O anfitrião sumiu em direção a cozinha, resmungando pelo caminho o quanto os jovens daquela geração eram inconvenientes, o que foi voluntariamente ignorado por todos os visitantes.

Nem um minuto havia se passado quando ele retornou e depositou sobre a mesa de centro o protótipo de uma estatueta que acreditavam ser de pedra sabão.

Sr. Chevalier estava certo. O trabalho estava nitidamente incompleto. Mas isso não o tornava irreconhecível, tampouco menos impressionante para os dois jovens.

— Eu sabia que eles iam gostar. - Comentou Maurice, divertindo-se com as expressões pasmas dos mais novos.

— Isso é… - Marinette começou, arrastando-se pelo sofá para se aproximar.

— Ladybug e Chat Noir? - Adrien  completou, também se aproximando.

Ambos estavam tão compenetrados, que mal percebiam que estavam a centímetros de se tocar.

Afinal, toda atenção ia para a peça sobre a mesa.

Embora os pés e pernas ainda fossem disformes, a escultura estava bem detalhada desde as cabeças até onde começava a cintura dos heróis. O mais impressionante era a posição deles: as mãos em punho, se tocando, como a saudação que sempre usavam após uma missão bem sucedida.

— São eles. - Confirmou Sr. Chevalier. - Foi uma inspiração estranha, admito. - Emendou.

— Eu achei muito legal. - Opinou Maurice.

A mestiça perdeu-se observando os detalhes da peça, notando impressionada que até a máscara e as pintinhas haviam sido riscadas no que sabia ser o seu rosto. E foi a voz questionadora de Adrien que a tirou de seu momento de contemplação.

— Ela está com o cabelo solto. - Pontuou, intrigado.

— Eu também achei um detalhe curioso. - Comentou o homem de cabelos castanhos.

Marinette olhou de um para o outro, percebendo que a dúvida era razoável. Ela imaginava o motivo do Sr. Chevalier ter esculpido a heroína daquele jeito, mas era normal que a maioria das pessoas não compreendessem.

— Não deveria ser assim? - O jardineiro perguntou.

— Bom, Ladybug sempre usa os cabelos presos. - Respondeu Maurice. - Como a Marinette. - Apontou para ilustrar.

— Hmm. - Resmungou o velho, coçando o queixo. - Ela estava com os cabelos soltos no dia em que a conheci. - Explicou. - Antes só a tinha visto em notícias, nunca reparei realmente se costumava usar de outro jeito. - Concluiu.

— Acho que nunca a vi de cabelos soltos. - Observou Adrien, passando o dedo indicador de forma delicada pela peça. - Agora que paro para pensar, eu nunca tinha te visto de cabelos soltos também, até o dia do festival. - Completou, voltando-se para Marinette.

Foi necessário todo o autocontrole da garota em ação para que não arregalasse os olhos com o comentário.

— Uhhh, temos uma suspeita aqui? - Troçou Maurice, encarando a menina de forma divertida.

Reprimindo a vontade de socar o modelo que crescia em seu interior - essa tendência violenta contra ele, era novidade -, a asiática revirou os olhos.

— Sonho da minha vida, ser a Ladybug. - Contou, em timbre debochado. - Isso teria me poupado de virar árvore, pedra, múmia, ficar presa numa dimensão vazia e um monte de outras coisas que Hawkmoth considera divertidas. - Declarou.

Adrien avaliou a resposta da colega de sala com diversão, todavia, ao mesmo tempo, passou a rememorar os ataques dos akumatizados para ver se conseguia se lembrar de Marinette em meio às pessoas que eventualmente eram controladas. Porém, as únicas lembranças que lhe ocorreram foram dos momentos em que ela era o alvo por algum motivo, tendo que ser salva por ele.

Nunca por Ladybug. Não que ele tenha visto.

— Boa tentativa mocinha, mas você não vai se livrar das suspeitas tão fácil. - Continuou Maurice. - Ninguém conhece a verdadeira identidade dos heróis de Paris então, pelo que sabemos, você pode muito bem ser a Ladybug e, esse garoto ao seu lado, o Chat Noir. - Brincou.

Adrien não pôde evitar de arregalar os olhos em surpresa, mas para sua sorte, as atenções continuaram fixadas na mestiça, que gargalhou de forma divertida.

— O Adrien, Chat Noir? - Indagou, entre risos. - Tá bom.

Dessa vez, o loiro, involuntariamente, arqueou apenas uma das sobrancelhas em desafio, voltando-se para a colega de sala.

Não conseguia evitar a pontada de indignação que o atingiu. Afinal, para que todo aquele deboche? Ele era mesmo o Chat Noir!

— Não consigo imaginar duas pessoas tão diferentes quanto Adrien e Chat Noir. - Continuou a asiática, intrigando-o.

— Então você conhece os dois, heim? - Continuou Maurice. - Isso só a torna mais suspeita, não acha?

Marinette praguejou mentalmente. Bem quando ele deveria afastar as suspeitas de si, acabou apenas fomentando-as.

— Nossa escola é um alvo frequente de akumas. - Interveio o loiro, quase fazendo a garota de cabelos negro-azulados suspirar de alívio. - Especialmente nossa sala, embora ninguém saiba exatamente a razão. - Completou, ao passo que a asiática pensava que sabiam sim, sendo a razão loira e atendendo pelo nome de “Chloé Bourgeois”.

Os dois adolescentes, cada qual em seu pensamento, mal perceberam o quanto aquela declaração afetou o visitante mais velho, que se remexeu inquieto.

— Vocês estudam na Françoise Dupont? - Perguntou Maurice, visivelmente incomodado.

Os demais presentes na sala o encararam desconfiados, sendo que um sorriso de escárnio cresceu no rosto do anfitrião.

— Sim. - Os jovens confirmaram em uníssono, ambos intimamente cientes do motivo que deixará o homem tão perturbado.

Eles só não esperavam que o peso da informação fosse o suficiente para que ele sentisse a necessidade de sair dali.

Foi às pressas que Maurice se despediu, agradecendo aos adolescentes pelo que eles estavam fazendo pelo velho jardineiro e convidando-vos a voltarem sempre, sob os protestos deste último, que fez questão de enfatizar quem era o dono da casa.

O restante da tarde seguiu tranquilamente, os dois jovens instigando o velho a conversar, ou insistindo para que ele mostrasse mais de seus trabalhos, até que ele perdeu a paciência e convidou o modelo para jogar xadrez, para frustração de Marinette, que acabou passando pelo menos uma hora e meia sentada no banquinho ao lado da mesa de pedra, enquanto os outros dois se desafiavam em silêncio.

Após derrotar o loiro três vezes, vendo que o pôr do sol se aproximava, Armand Chevalier tornou a colocar os adolescentes para fora, dizendo que precisava cuidar de seu precioso jardim.

A intenção era finalmente ter seu momento de sossego, mas eles insistiram em ajudá-lo a carregar as ferramentas e ajudar no que pudessem até que o motorista de Adrien chegasse, mesmo sob protestos, de modo que logo os três estavam caminhando em direção ao jardim, cada qual carregando uma parte das parafernálias necessárias.

Logo, o velho percebeu que sossego era a única coisa que teria, pois além de ter que ralhar com os adolescentes sobre a forma que eles estavam embolando a mangueira, ou afogando as plantas com a quantidade de água que jogavam, ainda havia um número grande de pessoas circulando pelo local. Grande para quem costumava visitar o jardim sozinho.

Quando o motorista de Adrien chegou, o céu estava alaranjado, com os primeiros indícios do sol poente, como se para marcar que o tempo deles ali havia terminado.

Marinette viu que não tardaria a escurecer e decidiu que era melhor partir também, aceitando a carona que Adrien lhe oferecera, mas não sem opor resistência por alguns minutos.

Os jovens despediram-se de forma animada e logo estavam caminhando em direção ao veículo, sob o olhar afiado e o sorriso sarcástico do velho, que não tardou a retomar seus afazeres.

Ou ao menos tentar.

Porque a quantidade de pessoas que seguia pisando na grama e nos canteiros era suficiente para desconcentrá-lo e lhe dar uma vontade absurda de gritar.

Todavia, seguiu quieto, regando, adubando e podando, até que os primeiros indícios da noite chegaram, trazendo uma nova leva de visitantes, para compensar os que haviam ido.

Intrigado, Armand Chevalier não conseguiu mais segurar a própria curiosidade. Após enrolar a mangueira e guardar as próprias ferramentas, abordou um grupo de jovens a fim de perguntar se haviam combinado algum tipo de movimento na região, sem o seu conhecimento.

— Perdão. - Pediu, usando um tom cortês tão diferente do habitual rabugento que se acostumara. - Acaso sabem me explicar essa movimentação intensa no jardim? - Questionou. - O lugar costuma ser pacato. - Justificou.

— Oh, o senhor cuida deste lugar? - Uma jovem loira que devia ter seus dezenove anos perguntou, admirada.

— Faço o que posso. - O velho respondeu.

— Parabéns! - Outra jovem do grupo, de cabelos castanhos enrolados em uma trança congratulou. - Esse lugar é incrível! - Elogiou. - Bem como Ladybug e Chat Noir disseram.

— Obrigado. - O velho agradeceu às pressas, pois estava mais interessado na última informação que receberá. - Você disse Ladybug e Chat Noir? - Indagou.

— Sim. - A mesma moça loira de antes confirmou. - Eles fizeram um vídeo sobre esse jardim, convidando seus fãs e os cidadãos parisienses para conhecê-lo. - Explicou. - O senhor não sabia?

Após negar, o jardineiro sequer precisou pedir informações sobre como poderia acessar o vídeo, pois logo um dos jovens apanhou o celular e o carregou, exibindo o conteúdo na tela.

Em poucos minutos, o velho viu quando uma adolescente morena desconhecida apresentava o local e explicava porque estava ali, logo passando a filmar a dupla de heróis parisienses, que contaram brevemente como conheceram o jardim e o triste fim que ele teria em semanas, convidando todos que assistissem para conhecer o lugar e clamando por um movimento para impedir a sua destruição. O vídeo terminava mesclando filmagens e fotos muito bem feitas dos vigilantes em pontos estratégicos do jardim com uma música agradável.

Sr. Chevalier ainda estava atônito quando agradeceu as jovens que lhe informaram, mal percebendo quando se afastaram.

E naqueles pouco minutos que ficou ali, tentando processar a dimensão do que estava acontecendo, várias pessoas passaram por ele. Várias pessoas passaram por ele em um lugar que costumava estar sempre sozinho.

— Aqueles pirralhos. - Resmungou, antes de finalmente retomar o caminho de casa, deixando os visitantes para trás.

 

 

O silêncio no interior do veículo era decepcionante.

Não que Adrien não estivesse acostumado a fazer seus percursos em silêncio. Na verdade, ele estava sim, uma vez que em geral, viajava apenas com o motorista que resmungava mais que falava (talvez não falasse. Ele não conseguia se lembrar a última palavra que o ouvira dizer).

A questão é, ele não esperava que um trajeto inteiro em silêncio, com Marinette por companhia. Afinal, ele tinha confiado secretamente que aquela seria uma boa oportunidade para conversar.

Mas a mestiça não dissera palavra alguma, dedicando-se a observar todo o caminho pela janela escurecida.

E ele fora covarde o suficiente para nem tentar.

Agora, com o veículo se aproximando cada vez mais da padaria, via o que considerava sua chance de ouro de acabar de vez com aquele clima estranho escorrer pelos dedos.

Mas ele não podia deixar por isso mesmo.

Não quando Marinette estava nitidamente empenhada em evitá-lo.

— Você vai continuar visitando o Sr. Chevalier? - Arriscou perguntar.

O silêncio retornou por alguns segundos, de modo que ele realmente acreditou que ficaria no vácuo. Mas então o timbre doce, porém apático, da garota, quebrou sua leve desolação:

— Pretendo. - Respondeu, sem tirar os olhos da janela. - Na medida do possível. - Emendou.

— Eu também! - O modelo exclamou de forma animada. - Na medida do possível. - Acrescentou, em tom mais ameno, envergonhado por sua reação exagerada.

— Legal. - Foi o que a asiática disse antes de caírem em novo silêncio.

— Nós podíamos combinar de ir juntos, sabe? - Sugeriu o loiro. - Acho que me sinto mais à vontade com alguém conhecido por perto. Sr. Chevalier é difícil de lidar. - Comentou, gesticulando de forma nervosa, por ver que a colega seguia esboçando reação nenhuma. - E meu motorista pode levar e trazer a gente. Assim você não perderia tanto tempo no percurso.

Só então, Marinette virou para fitá-lo, os olhos azuis desconfiados, como se buscassem descobrir que tipo de intenções aquele convite ocultava.

— Não sei. - Disse. - Você tem uma agenda muito ocupada. Nossos horários podem não coincidir. - Ponderou.

Adrien sorriu, aliviado. Ao menos ela não havia recusado de cara.

— Bem, admito que provavelmente não poderei ir tanto quanto gostaria. - Comentou. - Mas queria que nas poucas oportunidades disponíveis, você estivesse junto. - Declarou com sinceridade.

A declaração a pegou desprevenida. Marinette mal teve tempo de desviar o olhar, antes que o rubor atingisse suas bochechas.

— Sabe, era isso que eu queria falar com você na escola, mais cedo. - Continuou o loiro. - Ia te chamar para irmos juntos, mas você disse que tinha planos com a Alya. - Lembrou. - Fiquei surpreso quando você chegou lá, depois.

Ok, ele basicamente estava estragando em sua cara que ela havia mentido. Ela podia realmente morrer de constrangimento. Será que a porta abriria se o veículo estivesse em movimento? Porque se atirar dali estava começando a parecer uma ideia muito atrativa.

— Me desculpa. - Pediu, sem graça. - Eu só não queria…

— Falar comigo? - Adrien Completou, vendo-a abaixar a cabeça. - Não se preocupe, em entendo. - Afirmou, de forma encorajadora. - Fosse eu no seu lugar, talvez fizesse a mesma coisa. - Admitiu. - Eu não quero forçar a barra, mas é verdade que quero que continuar as visitas com você. - Continuou. - Pode pensar no caso, por favor? - Concluiu, enquanto o carro estacionava em frente à padaria.

Marinette não o encarou enquanto abria a porta do veículo ou ajeitava a mochila nas costas. Mas sentiu seus olhos serem atraídos para as íris esmeraldinas quando estava prestes a fechar, e naquele momento, ela pôde vislumbrar esperança e receio na mesma proporção, o que apenas contribui para derreter mais um pedaço do ressentimento que se instalara em seu interior desde o episódio com os cartazes.

Talvez ela devesse, mas não conseguia deixá-lo sem uma resposta. Ela não podia ser a responsável por qualquer decepção que ele sentisse, por menor que fosse.

— Eu vou pensar nisso. - Afirmou, sem querer ceder por completo.

O modelo sorriu como uma criança.

— A gente se fala então. - Disse, animado.

A asiática sorriu, minimamente.

— A gente se fala. - Confirmou.

 

 

Estar finalmente em casa era um alívio para Marinette.

Aquele dia havia sido estranho de tantas maneiras diferentes que ela sequer conseguia enumerar.

Mas ali estava ela, empurrando a porta de vidro, prestes a adentrar na segurança da confeitaria de seus pais, com seu calor aconchegante e cheiro de massa e doces que sempre lhe remetiam a palavra “lar”.

Apenas para encontrar ninguém menos que Jagged Stone e sua assistente Penny Rolling, debruçados no balcão, de frente para seus pais muito atônitos e ao lado de uma Alya extremamente empolgada.

Ok, o dia definitivamente estava longe de acabar.

— Mari! Até que enfim! - Alya comemorou sua chegada.

— Minha garota! - Jagged cumprimentou, puxando-a para um abraço de urso. - Quem é a garotinha mais talentosa de Paris? - Brincou.

— Deixe-a respirar! - Penny ralhou.

— Jagged! - Marinette exclamou animada. Não importa quanto tempo passasse, ela acreditava que nunca deixaria de se sentir sortuda cada vez que encontrasse de forma tão casual seu ídolo da música. - Penny! - Cumprimentou, dando um abraço na mulher. - O que fazem aqui? - Indagou, todo cansaço e frustração daquele dia esquecidos ante sua curiosidade.

— Como “o quê”? - Indagou o cantor. - Nós viemos conversar com uma das principais colaboradoras da “Operação Jardim Secreto”. - Respondeu, como se fosse óbvio.

“Ok, esse nome de novo”, A mestiça pensou. Ela já tinha perdido as esperanças de que aquela história seria esquecida tão cedo.

— Que por sinal é a minha garota, e é sempre bom te ver. - Continuou o astro do rock.

— É sempre ótimo te ver também. - Respondeu, corada. - Mas você está enganado Jagged, eu não estou colaborando com o projeto do jardim. - Explicou, olhando para Alya com a expressão “você me paga por isso”. - É uma parceria entre a Ladybug, o Chat Noir e o Ladyblog. - Emendou.

O artista piscou algumas vezes, confuso.

— Como não? Vocês não fizeram um teatro para divulgar o projeto? - Indagou.

— Eu disse que podia ser um mal entendido, Jagged. - Penny Lembrou, olhando para Marinette com piedade. Aparentemente, ela tinha compreendido a situação.

— Era o que eu estava tentando explicar antes de chegarmos aqui, mas Jagged estava tão empolgado… - Alya se pronunciou, mirando a melhor amiga como se dissesse “eu não tive culpa”.

— Ok, não estou entendendo nada. - o homem de cabelos arroxeados declarou, verdadeiramente confuso. - De qualquer forma, não acho que isso vai te impedir de participar, não é? - Questionou, voltando-se para a mestiça. - Afinal, o teatro fez sucesso na internet e ajudaria o público a simpatizar com nosso objetivo. - Explanou.

Dessa vez, foi Marinette quem piscou confusa, olhando de um para outro.

— Espera - Retomou a palavra - , participar do quê?

— Então, sobre isso… - Pela primeira vez durante a conversa, Alya demonstrou nervosismo.

A mestiça estreitou os olhos.

— A equipe do Jagged quer organizar um festival para tentar salvar o Jardin D’eau. - Explicou a blogueira, mas a asiática mal teve tempo de se sentir eufórica com a notícia, graças a bomba que viria a seguir: - E eles querem que a nossa turma apresente o teatro interativo durante a programação.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam da volta do famigerado teatro? E o aparecimento do Maurice? Ainda tem história para rolar, alguém consegue imaginar porque ele apareceu? (E não, o aparecimento dele não foi uma inspiração repentina. Isso estava planejado há um tempão).

Por fim, uma notícia que deve partir o coração de algum, mas pooooor favor, não me matem e nem me abandonem.

Não vai ter revelação.

Porém, acalmem os ânimos e confiem no final da história.

A palavra chave é subjetividade.

Amo vocês, beijinhos e até ano que vem, provavelmente.

Já adianto um Feliz Natal e um Feliz Ano Novo porque, né...